Precatório Alimentar. Possibilidade de compensação tributária à luz da evolução jurisprudencial

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Com o advento da EC nº 30/2000 foi inserido o art. 78 ao ADCT para decretar a moratória de precatórios não-alimentares, com as exceções aí previstas, para pagamento em até 10 parcelas anuais.


O seu § 2º dispõe:


“As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora”.


Está claro como a luz solar que se trata de preceito auto-aplicável, que permite ao credor da parcela do precatório descumprida compensar com o tributo devido à entidade política devedora, sem prejuízo do pedido de seqüestro previsto no seu § 4º. A falta de inclusão orçamentária da verba requisitada na forma do § 1º do art. 100 da CF, também, é motivo de seqüestro consoante prescrito no citado § 4º. Absolutamente insustentável a posição contrária. Não se pode entender como uma norma de natureza concreta deva depender de regulamentação para irradiar seus efeitos.


Os precatórios alimentares, por serem privilegiados, nunca foram atingidos pelas moratórias decretadas até hoje. As condenações de natureza alimentar, na dicção do art. 100 da CF, pressupõem pagamento imediato, sem necessidade de inserção de precatório na ordem cronológica.


Porém, na prática, evoluiu para formação de fila autônoma para atender as condenações por alimentos, com apoio da jurisprudência do STF, porque impossível financeiramente pagar a todos os credores da espécie em um mesmo momento.


Contudo, o fato de terem ficado à salvo de parcelamento não pode significar que esses precatórios privilegiados não têm prazo de pagamento, e muito menos que não há sanções nos casos de inadimplência.


Seria uma interpretação própria de adepto do positivismo extremado, que nega a função da Justiça e contraria o bom-senso. Incogitável a “punição” do credor que o constituinte quis privilegiá-lo.


Por isso, a jurisprudência está evoluindo para o seqüestro de rendas no caso de preterição no direito de precedência de precatórios alimentares, verificada a partir do confronto das ordens cronológicas dos precatórios de natureza alimentar com os de natureza não-alimentar.


 Em 11-9-2007, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Des. Celso Limongi, em extensa e bem fundamentada decisão, determinou o seqüestro de rendas do Município de Santo André, porque os precatórios alimentares inseridos nas ordens cronológicas nºs. 2/99, 66/99, 10/99, 7/99 e 8/00 não haviam sido pagos, enquanto outros precatórios mais recentes submetidos ao regime da EC nº 30/00 tiveram o pagamento do primeiro décimo (Processo nº 135.144.017-00).


O STJ, também, permite o confronto das duas espécies de precatórios para o efeito de apuração de eventual preterição da ordem cronológica (RMS nº 21.477. Rel. Min. José Delgado, j. em 17-10-2006).


Aliás, se não fizer esse confronto jamais haverá hipótese de quebra de ordem cronológica de precatório alimentar, bastando que se paralise o seu pagamento, como fez a Prefeita do Município de São PauloMarta Teresa Suplicy, no período de 2001 a 2004. A fila de precatório alimentar simplesmente ficou paralisada desde os precatórios de 1998, enquanto os de natureza não-alimentar tiveram a suas parcelas pagas. Isso lhe valeu a condenação por ato de improbidade administrativa, conforme decisão proferida, em 12-5-2008, pela 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital (Proc. 1993/053.04.033.717-3- ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo). Se fosse possível prevalecer a astuta interpretação literalista do Direito, os precatórios alimentares poderiam ficam sem pagamento por um, dois ou três séculos sem causar quebra da ordem cronológica, bastando a paralisação da fila respectiva enquanto avança a outra fila de precatórios não-alimentares, como aconteceu no Município de São Paulo.


Ora, se o precatório alimentar preterido acarreta seqüestro na linha da jurisprudência atual, parece lógico que ele possibilita, também, a compensação do crédito com o tributo devido à entidade política devedora, como acontece com a parcela de precatório não-alimentar descumprida.


Destoa do bom-senso a interpretação literal, que leva a atribuir ao precatório privilegiado menos direito do que ao precatório não privilegiado, submetido ao regime conhecido como “calote do precatório”.


De fato, a leitura do caput do art. 100 da CF, a seguir transcrito, não deixa dúvida quanto ao privilégio conferido pelo legislador constituinte ao crédito de natureza alimentar:


À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.


A clareza lapidar do texto dispensa maiores comentários. Se prescinde da expedição de precatório é porque a Constituição impõe pagamento imediato.


Se o número grande de credores da espécie, decorrente de postura governamental de calotear seus servidores públicos, tornou impossível o pagamento de todos eles, de uma só vez, conduzindo à formação de fila específica, por óbvio, essa espécie de precatório alimentar há de ter precedência sobre os precatórios não-alimentares. Afinal, ele representa verbas alimentares ilegalmente subtraídas ao longo do tempo, dos legítimos titulares, causando situações de desconforto para si e seus familiares.


A inversão que vem ocorrendo na prática, é inconstitucional, imoral e intolerável, ocasionando a morte de milhares de credores, sem a percepção das verbas obtidas ao cabo de mais de cinco anos de discussão judicial.


Impõe-se um novo posicionamento da jurisprudência permitindo a compensação do crédito alimentar constante do precatório com os tributos devidos à entidade política devedora, como forma de fazer a Administração Pública cumprir os princípios proclamados no art. 37 da CF.


SP, 04-07-08.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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