Resumo: O presente trabalho disciplina sobre a verificação pelos oficiais de registros, notários e seus prepostos do recolhimento dos impostos referente aos atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício, em especial, sobre o recolhimento do imposto de transmissão – ITBI, no ato da alteração da razão social com modificação do objeto social da empresa.
Sumário: 1) Introdução; 2) O dever legal da fiscalização tributária; 3) O limite da fiscalização com análise de caso concreto; 4) Conclusão; 5) Referências bibliográficas.
Os serviços notariais e de registro são exercidos por profissionais do Direito, dotados de fé pública, aos quais é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. É, pois, um serviço exercido em caráter privado, de forma independente, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, conforme estabelecido no artigo 236 da Constituição Federal.
Neste mesmo dispositivo constitucional, não esqueceu o constituinte de disciplinar sobre a responsabilidade civil e criminal dos notários, oficiais de registro e seus prepostos, estabelecendo tais questões à regulamentação infraconstitucional.
Surge aí a denominada Lei dos Notários e Registradores – Lei Federal n. 8.935, de 1994, que regulamenta o supracitado artigo da Carta Magna, estabelecendo, dentre outros, em seu Capítulo V, os direitos e deveres dos notários e registradores, cabendo frisar, para fins desta explanação, o dever de fiscalização tributária, estabelecido no inciso XI do artigo 30 que dispõe: “São deveres dos notários e oficiais de registro: (…) XI – fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar”.
Na mesma linha, temos o inciso IV do artigo 134, do Código Tributário Nacional que estabelece:
“Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício”.
E, ainda, o artigo 239 da Lei n. 6.015, de 1973, impõe rigorosa fiscalização aos oficiais no exercício de suas funções, quanto ao pagamento dos impostos devidos. Há, por todos os lados, dispositivos legais “cercando” estes profissionais do Direito, atribuindo-lhes responsabilidade solidária, caso não haja o correto pagamento de tributos sobre os atos praticados por eles ou perante eles.
Surge diante da variedade de dispositivos legais a indagação sobre qual é o limite da fiscalização pelos tabeliães e, em especial, pelos oficiais de registro. Seriam eles agentes fiscais? Devem avaliar o “mérito” do encargo tributário? Para alguns, a delegação constitucionalmente estabelecida é limitada, cabendo, apenas, exigir o comprovante de recolhimento ou isenção expedido pela autoridade competente. Se a própria autoridade atesta que o fato não é gerador de tributo, não caberá ao Oficial discutir tal questão. Tal posição não pode ser tida como um meio para o profissional se esquivar da fiscalização; esta é dever legal e, portanto, deve ser respeitada, sob pena de aplicação de penalidades, que podem chegar até à suspensão no caso de reiterado descumprimento dos deveres impostos por lei. No entanto, ressalto que os dispositivos acima descritos devem ser analisados com cautela.
Um exemplo, ou melhor, um questionamento a ser levantado é quando ocorre a seguinte situação na Serventia. O proprietário de um imóvel na cidade de Belo Horizonte-MG, resolve usar este bem para integralizar o capital de sua empresa, situada na mesma localidade, que tem como objeto a produção de materiais da construção civil, denominada, a título exemplificativo, de “Almeidas Construções”. A empresa está devidamente registrada na Junta Comercial do Estado e com as obrigações tributárias totalmente cumpridas.
Passado um determinado período, mais ou menos um ano, o empresário resolve modificar o nome de sua empresa para “Almeidas Construções e Empreendimentos Imobiliários”. É, então, apresentado no Cartório o documento de Alteração Contratual autenticado pela Junta Comercial, informando a modificação de razão social da empresa.
O Oficial, ao analisar o documento, verifica que o objeto da empresa também foi modificado, incluindo ainda como função a compra e venda de imóveis e seus direitos reais.
É sabido, nos termos da legislação vigente no Estado de Minas Gerais e na própria Constituição Federal, que o ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso “Inter Vivos” – não incide em determinadas situações no âmbito empresarial, justamente para facilitar o desenvolvimento econômico. Ocorre que tal imunidade não se aplica em exceções estabelecidas na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e na Lei de ITBI do Município de Belo Horizonte, senão vejamos.
A Constituição Federal, em seu art. 156, II, estabelece que é de competência do Município a instituição do ITBI, sendo expresso no sentido de que:
“§ 2º – O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
Além disso, há dispositivo expresso no CTN que fixa parâmetros para o legislador municipal, no sentido de que:
“Art. 37- (…)
“§ 1º – Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de cinqüenta por cento da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.”
E nos termos da Lei do Município de Belo Horizonte, Lei n. 5.492/88, alterada pelo Decreto n. 6.240, de 1989, incide o ITBI sobre:
“Art. 3º – (…)
I- Realizada para incorporação ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital. (…)
§1º – O disposto neste artigo não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tiver como atividade preponderante a compra e venda de bens imóveis e seus direitos reais, a locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
§ 2º – Considera-se caracterizada a atividade preponderante, quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional de pessoa jurídica adquirente, nos 24 (vinte e quatro) meses anteriores à aquisição, decorrerem das transações mencionadas no parágrafo anterior.
§ 3º – Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 24 (vinte e quatro) meses antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior, levando-se em conta os 24 (vinte e quatro) primeiros meses seguintes à data do início das atividades.”
No caso em tela, a atividade de compra de imóveis iniciou-se logo após a aquisição – (integralização de capital) – do bem pela sociedade, sendo devido o tributo, na opinião do Fisco, de imediato, sob pena de prestigiar-se a evasão fiscal.
Por outro lado, há quem defenda que se trata de negócio jurídico perfeito, acabado e que, portanto, não poderia ser tributado por ato posterior. Entretanto, conforme dispositivo legal há um lapso temporal a ser respeitado, e se for confirmada a atividade preponderante de compra de bens imóveis deverá o imposto ser recolhido.
Nestes termos, temos o ensinamento de Luiz Ricardo Gomes Aranha:
“Surgem, com freqüência, litígios tributários no caso de incorporação de bens imóveis ao patrimônio de empresas, até porque, conforme anotado, o evento se presta a manobras evasivas (evasão é fato lícito) ou sonegatórias (sonegação é ilícito). Os fiscos costumam ler em seu benefício a norma do art. 37 do CTN, que, tratando da exceção de não-incidência quando se tratar de adquirente comerciante de imóveis, declara que esta atividade é considerada preponderante quando mais de 50% da receita operacional da sociedade decorrer de transações imobiliárias nos dois últimos anos anteriores e dois anos posteriores à transação. O fisco costuma exigir o imposto, nesse caso, no ato da transação, sob promessa de devolução se, passados dois anos, a atividade não se revelar preponderante. Tipo de raciocínio arrevesado, comum ao fisco. No caso temos uma exceção à norma da imunidade, tão altaneira quanto a norma positiva de tributação.”
Ressalto que esta exigência imediata do Fisco revela-se, segundo diversas decisões dos Tribunais, arbitrária, pois o CTN preceitua que o imposto somente será devido se for constatada a preponderância da atividade.
O Código Tributário Nacional não prevê a demonstração da existência ou inexistência das atividades pelo contribuinte, nem, como dito, o recolhimento imediato do imposto e a possibilidade de devolução da quantia. O que poderá ocorrer, todavia, é a apuração a cargo do ente tributante, através de procedimentos administrativos próprios, respeitados os prazos do artigo 37 do CTN, se há preponderância de negócios imobiliários realizados pela empresa adquirente.
Caberá então ao registrador, no exemplo acima descrito, elaborar uma nota de devolução esclarecendo ao interessado o fato, solicitando o comprovante de recolhimento do imposto ou a declaração de sua isenção. O ente responsável pelo recolhimento do imposto é que verificará a incidência ou não do ITBI, levando em conta, é claro, o lapso temporal e a preponderância da atividade. Resta aos registradores de imóveis, ao realizarem seus atos profissionais, as devidas cautelas e os cuidados como fiscalizadores tributários que são, para que não lhes restem futuras responsabilidades pelos impostos que não foram devidamente recolhidos.
Informações Sobre o Autor
Joana Câmara Fernandes de Oliveira
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Tutora do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Registral Imobiliário ofertado pela PUC Minas Virtual, em convênio com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRB; Escrevente cartorária