Resumo: Este artigo foi desenvolvido para uma análise sobre garantias tributário-constitucionais frente à previsão trazida pela Emenda Constitucional 3 de 1993.
Palavras-chave: princípio da legalidade, natureza ontológica do fato gerador.
Abstract: This article was developed for an analysis of tax and constitutional guarantees against the forecast brought by Constitutional Amendment 3, 1993.
Keywords: principle of legality, ontological nature of the taxable event.
Sumário: 1. Introdução. 2. Principiologia tributário-constitucional e constitucionalismo. 3. Pós-positivismo e legalidade substancial/constitucional. 4. Conclusões. Referências.
1. INTRODUÇÃO:
A substituição tributária progressiva, trazida pela emenda constitucional nº 3 de 1993, permite ao Fisco colher tributos referente a várias etapas futuras de um processo econômico em cadeia, no momento da realização de uma etapa pretérita, tudo tendo em vista a praticidade da tributação. Deste modo, fatos geradores que ainda vão ocorrer serão tributados em momento anterior, numa das etapas da produção, por ocasião de um dos fatos geradores em concreto. Transforma-se um dos agentes dessa cadeia, além de contribuinte direto pelo fato gerador por ele praticado, responsável pela obrigação que ainda não existe, fruto de ação que possa vir a ser praticada por terceiro, mas que no futuro é consequência normal dessa cadeia de fatos.
Vejamos o que diz a CF:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) <Emendas/Emc/emc03.htm#art150§6>”
Ocorre que essa consequência normal da cadeia de fatos é presunção de fato gerador futuro, e mesmo que tenha uma grande probabilidade de vir a ocorrer, traz à tributação a invasão ao patrimônio do substituto de modo antecipado, infringindo a pessoalidade da tributação e ainda a realidade do fato gerador como origem material da obrigação legal que é o tributo.
2. principiológia tributário-constitucional e COnstitucionalis- mo.
O Direito Tributário sempre teve paralelo com o Direito Penal, este garantista sobre o direito ambulatorial do cidadão, aquele sobre o patrimônio. Muitos dos princípios que embasam o ordenamento no que tange a estes ramos do Direito coincidem-se, e mais, os bens jurídicos amparados por estes ramos jurídicos engrossam quase que a totalidade dos eventos políticos que deram ensejo ao constitucionalismo moderno. Uma constituição moderna assim o é, pois estrutura o Estado, reparte poderes, e institui direitos fundamentais para que se freiem estes mesmos poderes.
Assim como os direitos fundamentais que estruturam o Direito Penal, os respectivos direitos fundamentais referentes ao ramo tributário pertencem à primeira evolução de sua espécie, conforme a doutrina originária de Karel Wassak, em palestra proferida na Faculdade de Viena. São direitos fundamentais de seus cidadãos a obrigatória omissão do Estado frente a esses referidos direitos, abolindo o Absolutismo que imperava, vindo as monarquias agora a amoldarem-se às constituições nacionais. Surgiam as monarquias constitucionais.
Se a invasão ao patrimônio dos súditos só se daria agora quando determinado pela lei, num montante também por ela determinado (ou seja, por seus representantes), seguindo regramentos postos à época, temos um claro referencial entre Direito Penal e Direito Tributário.
A Magna Carta de 1215, do Rei João Sem Terra, ou Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês)sobre direitos dos contribuintes), limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, especialmente o do rei João, que a assinou, impedindo assim o exercício do poder absoluto. O documento foi resultado de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do rei estaria sujeita à lei. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do constitucionalismo.
Vejamos os itens 11 a 14 do referido documento histórico, referentes ao sobre o princípio da legalidade:
“11. E se alguém morrer e tiver dívidas para com os judeus, a sua esposa terá a sua parte, e nada pagará daquele débito; e se os filhos do falecido forem de menoridade, as suas necessidades serão salvaguardadas conforme os haveres do falecido, e do remanescente a dívida será paga, exceptuando-se o que é devido aos senhores; do mesmo modo se procederá para os débitos com outros que não judeus.
12. Nenhuma scutage ou ajuda será imposta no nosso reinado, excepto pelo conselho comum do nosso reino, a menos para o resgate da nossa pessoa, a cavalaria do nosso filho mais velho e uma vez para o casamento da nossa filha mais velha, e para tais casos apenas uma ajuda razoável será paga; proceder-se-á igualmente a respeito das ajudas da cidade de Londres.
13. E a cidade de Londres terá todas as suas antigas liberdades e todos os seus direitos alfandegários livres, tanto por terra como por mar. E mais, queremos e concedemos que todas as outras cidades, burgos, vilas e portos tenham todas as suas liberdades e direitos alfandegários livres.
14. E para consultar o conselho comum do reino a respeito do estabelecimento de outros tributos que não os três casos acima mencionados, ou para o estabelecimento da scutage, faremos notificar os arcebispos, os bispos, os abades, os condes, e maiores barões, individualmente, por carta nossa; e, além disso, faremos notificar em geral, por meio dos nossos sheriffs e bailios, todos aqueles que, como chefes, de nós receberam benefícios para um dia fixado, a saber, quarenta dias pelo menos após a notificação, e num lugar fixado. E em todas as cartas de tais notificações explicaremos as suas causas. Sendo feitas as notificações, procederse-á no dia indicado conforme o conselho daqueles que estiverem presentes, mesmo que nem todos os que foram notificados compareçam.”
Note que matéria tributária, além das liberdades individuais, motivou grandemente o surgimento e o texto do Bill of Rights do Rei João Sem Terra. O monarca não poderia mais invadir o patrimônio de seus súditos livremente, e agora, na Inglaterra do Século XIII, tributos, para serem regular e legalmente cobrados, deveriam ser criados e aprovados pelo Conselho dos Comuns, em regra. Necessitariam, grosso modo, de decisão colegiada do Parlamento.
Segundo Sabbag, ‘’a doutrina contesta tal mecanismo por veicular um inequívoco fato gerador presumido ou fictício – realidade técnico-jurídica que estiola vários princípios constitucionais, v.g., o da segurança jurídica, o da capacidade contributiva e o da vedação ao tributo com efeito de confisco. São exemplos de produtos que se inserem no contexto de substituição tributária “para frente”: veículos novos, ao deixarem a indústria em direção às concessionárias (o ICMS já é recolhido antes da ocorrência do fato gerador que, presumivelmente, nascerá em momento ulterior, com a venda do bem na loja); ainda, cigarros, bebidas e refrigerantes etc.’’
O crédito tributário é fruto de todo um procedimento fático e técnico-legal, procedimento este que inicia-se com uma hipótese de incidência, criada pelo legislador. Essa hipótese será um modelo abstrato, não concreto, que nada criará. Repetimos, uma hipótese de incidência nada cria. Assim, esse fato em abstrato ganha a qualidade de hipótese de incidência quando previsto em lei. Com esta pretérita previsão em lei da hipótese de incidência, e posteriormente surgindo o fato, esse, antes natural, por conta da lei que o lista como hipótese de incidência passa a ser fato gerador de tributo.
De um ser, decorre o dever ser. Essa relação ontológica nos traz que resultados tributários não advirão da lei somente, nem apenas dos fatos em abstratos (hipótese de incidência) previstos nela, e também nem apenas dos fatos do mundo real. Será preciso a ocorrência destes 3 itens, em sequência posta supra, para que possa vir a ocorrer um fato gerador de obrigação tributária.
3. Pós-Positivismo e legalidade Substancial/constitucional.
Diz a Constituição Federal de 1988, no que tange à legalidade:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
Toda a dogmática tributária é fundada sobre o fato gerador, além da legalidade. Toda obrigação deve advir de um fato no mundo natural, cuja hipótese deve estar anteriormente prevista em lei. Assim, podemos apontar que o princípio da legalidade protege, além da obrigatoriedade de os principais componentes do fato gerador abstrato estarem previstos em lei, que a obrigação tributária só surge e se torna exigível com a ocorrência desse mesmo fato gerador.
Penalmente, nenhuma punição pode ser cumprida sem o trânsito em julgado. Simplesmente porque sem o trânsito em julgado não há ninguém culpado. E se não é culpado, não há que cumprir pena. Legalmente ainda se permite que seja o investigado/processado sujeito às medidas de restrição por motivos de má-fé objetivo-subjetivos processuais, que possam vir a prejudicar o inquérito, o processo, a vítima do crime ou mesmo terceiros. Mas tudo com previsão em lei, e principalmente, que tudo seja justificado por conta de sua extrema excepcionalidade.
Retornando ao paralelismo que existiu na origem do que denominamos Direito Tributário e Direito Penal, se apenas excepcionalmente se poderia restringir os direitos de alguém investigado/processado, sendo necessário para tanto justificação sobre a realidade prática da situação motivadora da medida, como poderia uma Emenda Constitucional trazer como regra a responsabilidade por um fato gerador inexistente? E mais, de terceiro!
Motivos práticos e reais podem fazer com que uma medida cautelar possa vir a ser tomada durante uma investigação criminal, ou mesmo durante um processo penal.
Nos traz o art. 312 do CPP:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).”
No Ordenamento Jurídico Brasileiro, para se vejamos a restrição ambulatorial de alguém no âmbito penal, devemos ter processo devido, com ampla defesa e contraditório, e decisão transitada em julgado. Mas há hipóteses que durante o inquérito ou mesmo durante o processo poderão ensejar o recolhimento precário do indiciado/acusado em cárcere. Note, circunstâncias do caso concreto darão o embasamento para que ocorra a medida. Vela-se aqui mesmo pela individualização da pena.
Já na substituição tributária progressiva, precariamente se será cobrado por um tributo que ainda não é devido, e como dito, nem mesmo é de sua responsabilidade fática. A lei, no caso uma emenda constitucional, poderia impor que terceiro seja responsável por obrigação que naturalmente seja de terceiro, por motivo unicamente de facilitar a tributação desse determinado fato gerador?
Originariamente, a CF88 trouxe direitos fundamentais do cidadão contribuinte, e nesse bojo, também trouxe no texto inicial a substituição tributária regressiva, onde alguém localizado no meio de uma cadeia de produção será o responsável pela obrigação tributária de outrem localizado anteriormente, nesta mesma cadeia. São tributos que permitem a transferência, pois lidam com comércio de produtos e serviços, e cuja obrigação tributária pode na prática ser transferida para alguém que esteja mais à frente da cadeia de produção, como o consumidor final.
Na substituição tributária regressiva, facilita-se a tributação, pois seria de grande dificuldade fiscalizar e recolher tributos devidos por produtores rurais ou mesmo de atividade agropecuária. Recolhe-se, então, os tributos devidos decorrentes de fatos geradores já ocorridos até então em toda a cadeia produtiva, tendo em vista a organização, regularização, porte financeiro e facilidade de fiscalização da atividade industrial. E mais, fisicamente os fatos geradores das primeiras fases da cadeia de produção já ocorreram.
De outro lado, na substituição tributária para frente ou em perspectiva, tratamos de fatos geradores futuros e incertos, apesar de prováveis na cadeia econômica. A substituição tributária em perspectiva, trazida pela Emenda Constitucional nº 3 de 1993, impõe responsabilidade por fatos geradores que porventura venham a ocorrer no futuro, praticados por terceiros, a alguém que se encontra no início ou em outra posição anterior ao contribuinte de fato, tornando aquele o responsável tributário atual (contribuinte de direito) por essa obrigação ainda futura e incerta.
Esse tipo de responsabilidade é constitucional? Na verdade, a responsabilidade tributária progressiva nos faz enfrentar toda a principiologia e dogmática tributário-constitucional, pois torna regra uma invasão patrimonial que, mesmo legal, não se baseia em materialidade. Num paralelo já traçado supracitadamente, já nos portamos acerca das medidas cautelares prisionais penais, pois, conquanto sejam limitadoras dos direitos ambulatoriais dos investigados/processados, obrigatoriamente devem ser justificadas com situações fáticas que lhes façam necessárias. Não existindo necessidade material, ou se aplicam cautelares diversas da prisão, ou se processa sem nenhuma medida cautelar a aplicar. Como então nos obrigar legalmente por uma relação inexistente, pois futura, incerta e na qual não somos contribuintes?
Penalmente, se o investigado/processado for sujeito de uma medida cautelar prisional, fundamentada e legalmente possível, e no fim do processo for condenado à uma pena privativa de liberdade, apenas basta detrair-se o tempo cumprido na cautelar. E se ao final fosse absolvido? Uma sentença absolutória não influenciaria nos fundamentos de uma cautelar decretada anteriormente. Um inocente absolvido pode ter tido um comportamento que embasasse uma prisão preventiva ou outra cautelar durante o processo, e nem por isso sua absolvição na sentença fará injusta a medida cautelar imposta durante o procedimento. Tudo baseado na situação fática, somada à justificativa do magistrado, fazendo valer a individualização da pena mesmo durante o processo.
E a substituição tributária para frente? Apesar de não ser pena tributária, como a multa, enseja responsabilidade que incide sobre o patrimônio do constituinte. Uma responsabilidade atual por fato futuro e incerto, apesar de provável. Alguns pontos a tratar. Primeiro, esta imposição legal seria constitucional? Penalmente alguém poderia ser obrigado legal a uma pena de multa de terceiro, mesmo que pudesse cobrar desse terceiro futuramente, judicial ou comercialmente?
Comercialmente, é certo que toda substituição tributária progressiva enseja a transferência do suporte ao tributo, e quem terminará arcando com ele é o consumidor final. Na prática fiscal, é uma técnica válida. Mas tributário- constitucionalmente, não. Tomemos como exemplo uma refinaria de combustível. Ela arcará com os tributos de operações futuras da cadeia de circulação de riqueza, originados das operações da venda para os postos, do transporte, e ainda da operação de venda dos postos ao consumidor final. É legal, mas antecipa-se como regra uma imposição patrimonial sobre o responsável, onde nem mesmo material fático (fato gerador) existe, nem circunstâncias do caso concreto fazem crer que a tributação seria ineficaz se seguirmos a regra de tributar o fato gerador existente, dentro da legalidade somada à realidade.
Lembremos que a substituição tributária é técnica aplicada a certos tributos, e não à multa tributária. Esta é a única pena financeira encontrada na tributação legal. Mas o tributo, apesar de não ser pena, é ônus legal. A praticidade de transferência da responsabilidade pelo tributo para outro que não o contribuinte, num encadeamento em que se tributa algo ainda inexistente, só nos faz concluir que se tributa sem fato gerador, violando o princípio da legalidade. Este é enfrentado quando se tributa sem previsão em lei, e por isso quando muito haveria apenas o fato natural, mas não o fato gerador (fato jurídico) nem a hipótese de incidência. Também é enfrentado quando se tributa com previsão em lei, mas sem o substrato material fático da obrigação tributária, qual seja, sem este mesmo fato gerador.
Ontologicamente, a lei que nos trouxe a substituição tributária para frente tributa algo que não existe. E lei não pode criar algo natural. Apenas o mundo material poderia criar algo tátil, a lei não. E esse fato natural, que ainda não existe, não poderia ser objeto de lei que o faria hipótese de incidência e, concomitantemente ou não, fato gerador.
Luta de séculos por populações de vários Estados nos fizeram ser protegidos pela lei, pela legalidade, pelos parlamentos que mitigaram o Estado absolutista. Posteriormente, essa mesma lei não foi suficiente, e surgiram tiranias modernas que perfizeram atrocidades não vistas por gerações. Foi necessário que a legalidade se submetesse às constituições fruto do constitucionalismo, ideia que trouxe direitos fundamentais e limitações de poder. A lei, portanto, não poderá tudo criar, e em Estados Constitucionais será ela a súdita. Nenhuma praticidade administrativa poderá tornar regra à violação de direitos fundamentais, e se a máquina tributária não se mostra capaz de tornar possível a tributação em que se respeita a legalidade e os individualizáveis fatos jurídicos componentes de uma cadeia econômica, a materialidade do fato gerador legal deve ser mantida como um limite fático onde o contribuinte escolhe praticar o fato gerador ou não,
Apesar de toda a celeuma doutrinária acerca dessa técnica, a substituição tributária progressiva é aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Vejamos trecho da emenda do Recurso Extraordinário 632.898, do Mato Grosso, relatado pelo Ministro Marco Aurélio em 18.10.2012.
“A EC nº 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente.”
Sacha Calmon alerta que a técnica da substituição tributária progressiva não poderá resultar de imposto maior que aquele que seria devido com a tributação década fase da cadeia, cabendo para tanto restituição do que se pagar a maior.
‘’Ora, o recebimento pelo Estado de valores a título de ICMS, acima das bases de cálculo reais, i.e., não correspondentes aos preços reais praticados pelos contribuintes, caracteriza confisco tributário e enseja a sua imediata restituição, por força da própria Constituição, como veremos em seguida. Os contribuintes são titulares de um direito subjetivo à imediata restituição facultas agendi, de raiz constitucional, ou seja, previsto na própria Lei Maior. Trata-se de direito sobranceiro que para ser exercido desnecessita de qualquer fundamento legal que não aquele fincado na Constituição. A contrário senso, toda legislação (lei complementar, lei ordinária ou decreto regulamentar) que contrariar o querer constitucional será inconstitucional. Quando o poder constituinte derivado permitiu, mediante a Emenda nº 3 à Constituição de 1988, a “substituição tributária para frente”, condicionou a sua prática a que, em não se realizando a operação ou fosse esta realizada por valor inferior ao real, se restituísse de modo imediato e preferencial a quantia paga em excesso. Onde há poder, há também limitação. Imediato é o momento seguinte. Não há falar em pedido de restituição, administrativo ou judicial, ou em precatório, ou em autorização fiscal. Preferencial significa em primeiro lugar, antes de qualquer outro interesse. ‘’
Contudo, não foi o que nos disse a emenda constitucional nem o Supremo Tribunal Federal. A presunção da operação econômica futura e o prévio recolhimento do tributo resultam na quitação da obrigação, não importando por qual valor real se dê no futuro o fato gerador em concreto, substituído por uma estimativa ocorrida no passado, quando da substituição em perspectiva. Tanto pode ocorrer a operação por valor maior, quanto por valor menor, comparando-se com a base de cálculo presumida origem do quantum debeatur devido. Estará quitada a obrigação, não cabendo nem restituição nem lançamentos complementares para novas cobranças.
Diferentemente será a não ocorrência desse fato gerador futuro e presumido. Se porventura, por qualquer motivo, não vier a ocorrer esse fato gerador, então caberá imediata restituição do valor recolhido a título de tributação por substituição progressiva, com valores devolvidos a aquele agente que realmente suportou o encargo (substituto), e não ao sujeito passivo legal (substituído). Revejamos o parágrafo 7 do art. 150, alterado pela emenda constitucional nº 3 em comento:
“§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
4. CONCLUSÕES.
Por honestidade acadêmica, mesmo admitindo que a maioria da doutrina e o próprio STF entendem constitucional a técnica trazida pela Emenda Constitucional nº3 de 1993, filosófico-tributariamente entendemos que se lei passar a admitir fatos como existentes, apesar de não existirem ainda no mundo natural; estaria o ordenamento tratando um não-fato como fato jurídico. A criatividade legislativa não poderia superar o mundo natural, produzindo resultados do nada. Se penalmente a imposição de medidas limitadoras de direitos fundamentais de modo cautelar é uma exceção, exigindo fundamentação condicionada aos fatos concretos, tributariamente tornar regra uma imposição a terceiro que não o contribuinte direto seria uma afronta à pessoalidade e razoabilidade tributária, além da legalidade material-constitucional, e tornar fato gerador algo ainda não existente, violar-se-ia toda a dogmática que ensejou os princípios da legalidade trazidos pela primeira leva de direitos fundamentais, segundo Wassak.
Concordamos com o fato de que a substituição tributária, seja regressiva ou progressiva, é técnica que impede a evasão fiscal, desonerando tecnicamente a cadeia de produção em suas diversas etapas. Mas a técnica em progressão fere elementos basilares do Direito, pois efeitos jurídicos passaram a surgir do nada, surgem de uma expectativa, e onde ditos efeitos seriam suportados por terceiros que não diretamente com ele se relacionam com o fato gerador. Técnicas administrativo-tributárias de imediato reembolso, se esses futuros e incertos fatos geradores não vierem a ocorrer, são de duvidosa eficácia, e quando muito teríamos mera composição no saldo de tributo devido na respectiva conta fiscal de cada responsável, posicionado no início da cadeia de produção.
Informações Sobre o Autor
João Fabrício Dantas Junior
Advogado graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-Graduado em Direito do Estado pela UNIDERP