O princípio da transparência tributária tem sede no § 5º, do art. 150 da CF, ao passo que o princípio da transparência na gestão fiscal tem sede apenas no plano infraconstitucional (art. 48 da LRF), fato que revela a suprema importância do primeiro.
Logo, toda iniciativa legislativa para tornar transparente o peso da carga tributária é altamente louvável. É politicamente insustentável qualquer crítica a respeito.
A marca registrada de nossa legislação tributária (estadual, federal e municipal) tem sido a técnica da nebulosidade das normas que permite aos governantes aumentar a carga impositiva de forma sub-reptícia.
Toda a legislação tributária está contaminada por essa nebulosidade por conta da chamada tributação por dentro, que tem o condão de, por um passe de mágica, transformar a alíquota legal do ICMS de 18% em alíquota real de 20,48%.
Impõe-se, dessa forma, a alteração para o modelo de tributação por dentro. E isso poderia ser feito em caráter de norma geral, sem necessidade de alteração constitucional, pois a Carta Magna não fez a escolha por esse tipo de tributação por dentro, apesar de ter sido proclamada a sua constitucionalidade pelo STF, exatamente, porque o Estatuto Magno não optou, igualmente, pelo tipo de tributação por fora, que dá transparência à imposição tributária.
No nosso sistema, não só o valor do tributo compõe a sua própria base de cálculo, como também o de outros tributos que, por sua vez, incluem os valores de tributos devidos em suas respectivas bases de cálculo. Resultado: a elevação do PIS/COFINS, por exemplo, provoca aumento automático do valor do ICMS a ser pago; e a majoração do ICMS acarreta imediata elevação dos valores do PIS/COFINS que, por sua vez, irá se refletir novamente no aumento do valor do ICMS a ser pago.
Analisando os efeitos dessa tributação nebulosa em relação a alguns tributos, Clovis Panzarini chamou a atenção sobre o “efeito circular do PIS/COFINS e do ICMS na importação,” demonstrado que as alíquotas nominais do ICMS (18%), do PIS/COFINS (9,25%) perfaz 27%, ao passo que o seu cálculo por dentro eleva essa alíquota para 37,46%, resultando em uma diferença de 10,21% não perceptível aos olhos dos consumidores e nem dos contribuintes.
Juliana Rita Fleitas apresenta as equações algébricas abaixo para determinação dos valores da Cofins-importação, do Pis-importação e do
ICMS, nos seguintes termos:
Das equações (7), (8) e (12), podemos determinar os montantes devidos a título de COFINS-Importação, PIS-Importação e ICMS, respectivamente, segundo Media Provisória 164, a partir de 1º de maio de 2004” (in Tributário.Net, Boletim nº 054/2004).
Essa forma desleal de tributação levou algumas pessoas de privilegiada inteligência e visão dos fatos a liderar milhares de cidadãos contribuintes a subscrever o anteprojeto de lei que torne transparente o peso da carga tributária que recai sobre mercadorias e serviços.
Esse anteprojeto foi acolhido no Projeto de Lei nº 1472/07 do Senado Federal.
A proposta legislativa, já aprovada nas duas casas do Congresso Nacional, dispõe que por ocasião da emissão de nota fiscal ou documento equivalente deve constar o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de vendas de mercadorias e serviços. São dez tributos incluindo as contribuições sociais nas modalidades de seguridade social e de intervenção no domínio econômico. Ultrapassa, portanto, os limites da transparência imposta pela Constituição Federal que se refere apenas à espécie impostos. Mas, isso é de menor importância.
O problema está na sua dificuldade operacional. Como calcular, por exemplo, o valor aproximado do imposto de renda no ato da extração da nota fiscal? Outrossim, é muito complexa a obrigatoriedade de informações dos valores do II, do Pis/Pasep/Importação e da Cofins/Importação sempre que os produtos cujos insumos ou componentes sejam oriundos de operações de comércio exterior e representem percentual superior a 20% do preço de venda.
Ainda que os modernos instrumentos tecnológicos, nem sempre ao alcance de todas as empresas de pequeno porte, possibilitem esses cálculos, o certo é que aumentará consideravelmente a atividade atípica do contribuinte, que já vem sofrendo com o inusitado sadismo burocrático das normas tributárias em vigor. O custo dessa burocracia acrescida, obviamente, será repassado para o consumidor. Há, ainda, o perigo de o legislador nacional incluir na lista de serviços a atividade de “calculador de tributos”. Afinal, a criatividade do legislador tributário para aumentar a carga tributária, a fim de viabilizar a expansão das despesas de custeio parece não ter limites.
Por conta das dificuldades técnicas de aplicação, a tendência será pelo cumprimento formal da obrigação acrescida, mediante apresentação de cálculos estimados de forma empírica, o que poderá viciar a análise correta do peso de nossa carga tributária efetiva. Mas, isso é tarefa do IBPT! Se o fisco autuar com base no CDC caberá a ele fazer os cálculos corretos para demonstrar que o contribuinte errou.
Independentemente de ser vetado ou não, o projeto aprovado pelo Parlamento Nacional, impulsionado pelo exercício da cidadania servirá de marco histórico da reação da sociedade contra a tributação não consentida. Representa uma vitória da sociedade civil, não dos legisladores que aprovaram o projeto legislativo que visa à transparência tributária com uma mão, enquanto que com a outra mão continuam legislando no sentido de tornar cada vez mais nebuloso o fenômeno da tributação, de tal sorte que se torna difícil saber exatamente qual o peso real dos tributos diretos e indiretos na composição de preços de mercadorias e serviços.
Tenho a impressão que para cada R$ 100 reais que gastamos, R$ 50 reais ou mais representam os valores de diferentes tributos.
Pagamos a título do IRPF 27,5% e a título de contribuição previdenciária 11% só para ficar nesses dois exemplos. É preciso computar, também, os custos da incrível atividade burocrática a que se acha submetido o contribuinte brasileiro.
O exercício da cidadania é o único meio de deter o crescimento da carga tributária que vem se acentuando a cada fracasso da Reforma Tributária. Nesse sentido, o projeto aprovado merece os nossos encômios.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.