Resumo: Este artigo analisa a Lei de Migração (n. 13.445/2017), publicada no dia 25/05/2017 à luz da CF/88, dos Direitos Humanos e da crise humanitária no mundo. Busca-se avaliar se a nova legislação traz avanços às questões humanitárias, atendendo melhor os estrangeiros em busca de uma oportunidade no Brasil, ou se, ao contrário, vai retirar do país o controle migratório, a vigilância das fronteiras e, consequentemente, a segurança nacional.
Palavras-chave: Lei de Migração. Crise Humanitária. Direitos Humanos.
Abstract: This article analyzes the Migration Law (No. 13,445 / 2017), published on 05/25/2017 in the light of CF / 88, Human Rights and the humanitarian crisis in the world. The aim is to assess whether the new legislation brings advances to humanitarian issues, better serving foreigners in search of an opportunity in Brazil, or whether, on the contrary, it will withdraw from the country migration control, border surveillance and, consequently, National security.
Keywords: Migration Law. Humanitarian Crisis. Human rights
Sumário: Introdução. 1. Migração e a crise humanitária no mundo. 2. Dignidade Humana, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. 3. Lei de Migração. 3.1 Considerações gerais sobre a Lei n. 13.445/17. 3.2 Histórico da lei de migração. 3.3 Inovações trazidas pela Lei 13.445/17. 4. Nova Lei de Migração – Avanço ou retrocesso?. considerações finais. Referências.
Introdução
Guerras, perseguições, violação aos direitos humanos, crise econômica, política, ideológica e pobreza incapacitante são algumas das causas desencadeadoras do crescente movimento migratório no mundo.
Dados da ONU revelam a existência da maior crise humanitária no mundo após a segunda guerra. Stephen O’Brien, subsecretário-geral da ONU para assuntos humanitários, declarou que "em nenhum momento no passado recente tantas pessoas precisaram de nossa ajuda e solidariedade para sobreviver”. Aduziu ainda que “No total, 128 milhões de pessoas estão sendo afetadas por conflitos, deslocamentos, desastres naturais e profunda vulnerabilidade" (UOL, 2016).
É fato que, venezuelanos, haitianos, sírios e palestinos muitas vezes se veem premidos a deixar para trás parte da sua família, estória, bens materiais e imateriais que compõem a sua identidade cultural (religião, língua, usos e costumes, entre outros) em busca de um lugar seguro, de sobrevivência.
Entrementes, para alguns, os migrantes são pessoas invasoras que ameaçam a segurança, a economia e a cultura dos países de acolhimento, razão pela qual certos Estados têm fechado suas fronteiras aos migrantes e refugiados, como ocorreu nos EUA. O presidente Donald Trump, através de Decreto, denominado "Protegendo a nação de atentados terroristas por estrangeiros", em janeiro de 2017, suspendeu acesso a refugiados e vetou a entrada de cidadãos de sete países islâmicos, além de dar prioridade a refugiados cristãos em detrimento aos muçulmanos (NÍNIO, 2017).
Posteriormente o decreto anti-imigração foi suspenso pelo Poder Judiciário, que o considerou discriminatório contra os muçulmanos. Inconformado, em 01/06/2017, Donald Trump recorreu à Suprema Corte para retomá-lo (FOLHA DE SÃO PAULO, 2017).
Na contramão desse posicionamento refratário e discriminatório, no dia 25/05/2017 o Brasil publicou a Lei n 13.445/2017, que entrará em vigor após 180 dias de sua publicação, a qual regulamenta o processo migratório brasileiro.
Para alguns, a lei representa um avanço, pois o Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815 de 1.980, que regia a situação migratória no país, teve sua origem no período de regime militar, portanto, incompatível com a atual Carta Republicana de 1.988.
Nesse sentido, é cediço que são bjetivos da República Federativa do Brasil de 1.988, a criação de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I, art. 4º, CF/88), estabelecendo como princípio a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais, tudo à luz da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, CF/88).
O escopo do presente trabalho é analisar se a nova lei de migração traz avanços às questões humanitárias, atendendo melhor os estrangeiros em busca de uma oportunidade no Brasil, ou se, ao contrário, vai retirar do país o controle migratório, a vigilância das fronteiras e, consequentemente, a segurança nacional, abrindo suas portas para entrada de extremistas, como noticiado na mídia (GOES, 2017).
Nesse cenário, cumpre esclarecer o conceito de migração, conforme acentua Montal,
“A migração que compreende a emigração, ou seja, a saída de pessoas de seu país de origem para residirem em outro país, e a imigração, vale dizer, a entrada de estrangeiros nos países, constitui fenômeno constante no decorrer da história humana, mas intensificou-se com o desenvolvimento da civilização.” (MONTAL, 2.012, p. 137)
O deslocamento de pessoas (migração) pode ocorrer internamente, dentro do mesmo país, ou externamente, de um país para outro (migração internacional).
O nosso estudo será focado especificamente nos migrantes internacionais, analisando os instrumentos normativos que os protegem, notadamente a Lei n. 13.445/2017, sancionada em 24/05/2017.
A importância do tema apresentado se dá frente a crise humanitária no mundo. Neste cenário, propomos uma reflexão acerca do novel instrumento normativo brasileiro e sua possível eficácia material como forma de resgate dos direitos humanos, à tolerância das diferenças, combate à discriminação, repúdio à xenofobia e à imposição da homogeneidade que, num passado remoto foi responsável por atrocidades em nome da propalada eugenia.
1. Migração e a crise humanitária no mundo
Hodiernamente, após a globalização, a mobilidade da população mundial tornou-se uma realidade crescente e inexorável. Segundo noticiado pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2016), o número de migrantes aumentou 41% em 15 anos, chegando a cerca de 244 milhões, em 2015, dentre os quais, milhões são refugiados – caracterizados pela saída forçada do seu país de origem em razão de guerras, perseguições políticas, religiosas, ideológicas ou étnica.
Nesse sentido, dispõe Montal:
“Migração de refugiados. São constituídos por pessoas que sofrem perseguição de ordem política, étnica, religiosa e por isso se veem obrigadas a deixar seus países de origem e refugiar-se em outros onde se sintam mais seguros. A ONU considera também como migrantes refugiados pessoas que se viram obrigadas a deixar seus países de origem em razão de problemas ambientais tais como: desertificação, erosão do solo, secas prolongadas, terremotos, maremotos etc., que determinam a saída da população desses locais, são os denominados migrantes ou refugiados ambientais”. (MONTAL, 2012, p.139)
Há uma preocupação da ONU quanto aos deslocamentos forçados, decorrentes de crise humanitária e refúgio, ante a vulnerabilidade desses migrantes. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU evidenciam que a vulnerabilidade dos migrantes, deslocados internos e refugiados, aliada ao deslocamento forçado e crises humanitárias, tem o potencial de reverter os progressos alcançados nas últimas décadas. Assim, a Agenda de 2030 estabeleceu o compromisso de proteção aos direitos dos migrantes, bem como a implementação de políticas de migração. (ONU, 2016)
De acordo com relatório da Organização da Nações Unidas, chegou a 65,3 milhões o número de pessoas deslocadas por motivos de conflitos e perseguições em todo o mundo, no final de 2015:
“É a maior crise humanitária desde a 2ª Guerra Mundial. Segundo a agência da ONU para refugiados (Acnur), uma em cada 113 pessoas no mundo é refugiada, requerente de asilo ou deslocada interna. (…)
Dos 65,3 milhões, a maioria de 40,8 milhões é de pessoas forçadas a sair de suas casas e que se deslocaram dentro de seus países, os chamados deslocados internos. Outros 21,3 milhões de pessoas fugiram para outros países, e são chamadas de refugiados. Além disso, 3,2 milhões são requerentes de asilo em países industrializados, ou seja, aguardam uma resposta sobre seu pedido de refúgio”. (ONU, 2016)
No Brasil, segundo o relatório divulgado em 2016 pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, tem quase 9 mil refugiados de 79 nacionalidades. Constatou-se que “as solicitações de refúgio cresceram 2.868%. Passaram de 966, em 2010, para 28.670, em 2015. Até 2010, haviam sido reconhecidos 3.904 refugiados. Em abril deste ano, o total chegou 8.863, o que representa aumento de 127% (…).” O relatório demonstrou preocupação e ações do governo federal no intuito de abrandar os efeitos da crise humanitária considerada a maior após a segunda guerra mundial. Verificou-se “que os sírios são a maior comunidade de refugiados reconhecidos no Brasil. Eles somam 2.298, seguidos dos angolanos (1.420), colombianos (1.100), congoleses (968) e palestinos (376). (ACNUR, 2016)
Tal situação pode ser melhor compreendida a partir da análise do mapa a seguir, o qual demonstra a distribuição geográfica das solicitações de asilo em 2014:
Denota-se que a maior parte das solicitações está no sul (35%), sudeste (31%) e norte (25%) do Brasil. O número de solicitações de asilo só aumenta, o que épreocupante, porquanto afronta a própria dignidade humana, notadamente face ao posicionamento refratário de algumas nações que – sob o argumento de segurança nacional – têm fechado fronteiras e cogitado a construção de muros para impedir o acesso migratório. Segundo notícia na Folha de São Paulo, “É hora de restabelecer direitos civis do povo americano de proteger seus empregos e sonhos”. “Na quarta (25), o presidente Trump baixou um decreto presidencial determinando o início da construção do muro na fronteira.” (MELLO, 2017).
Curiosamente, o relatório “Tendências Globais” divulgado pela ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), em 19/06/2017 demonstra que países com renda média ou baixa são os mais acolhedores de refugiados (84%), “sendo que um a cada três (4,9 milhões de pessoas) foi acolhido nos países menos desenvolvidos do mundo” (ACNUR, 2017).
Revela-se, portanto, que a preocupação patrimonial de algumas nações queda-se insensível às questões humanitárias que permeiam a aldeia global, como se a noção de território ainda estivesse restrita meramente à geografia tradicional.
2. Dignidade Humana, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
A Declaração Universal de 1.948, reiterada pela Declaração de Viena, de 1993, introduziu uma concepção contemporânea (pós-guerra) de direitos humanos, reforçando em seu art. 5º que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve considerar os Direitos Humanos, globalmente, de forma justa e eqüitativa, no mesmo pé e com igual ênfase.”
Direitos humanos são aqueles inerentes a toda pessoa humana simplesmente pela condição de ser pessoa, de existir. Tais direitos diferenciam-se dos chamados direitos fundamentais à medida que aqueles são princípios jurídicos, vetores axiológicos que guardam relação com documentos na esfera internacional, os quais reconhecem o ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional.
Já os direitos fundamentais são aqueles que se encontram positivados na ordem interna da Constituição de um Estado, numa determinada época. Entretanto, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, diferenciá-los não implica desatender a relação que há entre si, pois,
“(…) distingui-los não significa desconsiderar a íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, uma vez que a maior parte das Constituições do segundo pós-guerra se inspirou tanto na Declaração Universal de 1948, quanto nos diversos documentos internacionais e regionais que as sucederam de tal sorte que – no que diz com o conteúdo das declarações internacionais e dos textos constitucionais – está ocorrendo um processo de aproximação e hamonização, rumo ao que já está sendo denominado (e não exclusivamente – embora principalmente -, no campo dos direitos humanos e fundamentais) de um direito consittucional internacional”. (SARLET, 2012, p. 32)
A partir do processo de universalização dos direitos humanos, formou-se um sistema integrado por tratados e convenções internacionais de proteção de tais direitos, cujo escopo é colocar a salvo parâmetros protetivos mínimos, chamado, nas palavras de Piovesan (2.010, p. 9), do “mínimo ético irredutível”.
Pautada por esse ideal, a Constituição de 1.988 reconheceu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), estabelecendo o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) fulcrada nos principios da prevalência dos direitos humanos, do repúdio ao racismo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, II, VIII, IX).
Nessa esteira importante notar que a ratificação de instrumentos internacionais pelo Estado brasileiro, tais como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Convenção de 1951, bem como o Protocolo de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados, atribui aos Estados-parte a obrigação-dever de implementar medidas que salvaguardem os direitos dos migrantes e refugiados. Por derradeiro, a edição de uma nova lei de migração pautada pelos princípios republicanos insculpidos na Constituição Cidadã de 88 se fazia necessário, vez que a lei vigente datava do período da ditadura militar, afastando-se da democracia conquistada pelo povo brasileiro e dos ideias libertários trazidos pelas revoluções pós-guerra.
3. Lei de Migração
3.1 Considerações gerais sobre a Lei n. 13.445/17
A nova lei, sancionada em 24 de maio de 2017 com 125 artigos, 10 capítulos e 20 vetos, foi publicada no dia 25/05/2017, entrando em vigor apenas em novembro/17, considerada vacatio de 180 dias a partir da sua publicação (BRASIL, 2017).
O novo instrumento normativo além de revogar o Estatudo do Estrangeiro – Lei n. 6.815, de 1.980, criado durante o período de ditadura militar, cuja preocupação era com a segurança nacional – e a Lei 818, de 1.949 (que regula a aquisição, perda, reaquisição da nacionalidade, e a perda dos direitos políticos), estabelece novos princípios e diretrizes sobre políticas públicas, direitos e deveres, situação documental do migrante e do visitante, seu registro, identificação, condição jurídica, entrada e saída do território nacional, retirada compulsória, opção de nacionalidade e naturalização, normas de proteção aos brasileiros no exterior (emigrantes), medidas de cooperação, infração e penalidades aos que a descumprirem, além de tipificar o crime de “Promoção de migração ilegal”, ou seja, trafico de pessoas, acrescentando o artigo 232-A ao Código Penal Brasileiro (Decreto-lei n. 2.848/1940), estabelecendo pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
3.2 Histórico da lei de migração
A instituição da nova lei retrata uma luta de vários setores da sociedade civil brasileira e movimentos migratórios que têm se mobilizado em busca da efetivação de direitos a esta parcela da população (DELFIN, 2016). Segundo afirmou o coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (Cdhic):
“Paulo lembra que a nova lei foi sendo construída nos últimos anos. Em 2005, por exemplo, o governo federal apresentou uma proposta que foi rejeitada. Na sequência, o Ministério da Justiça formou uma comissão de especialistas que redigiu um texto “muito avançado”, propondo uma lei que criaria a política nacional de imigração, mas não houve consenso no governo. “O que acabou vingando foi esse projeto do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP)”, explica o coordenador do Cdhic” (VELLEDA, 2017).
Desde 2013 tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PLS 288/2013), de autoria do senador licenciado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), atual ministro das Relações Exteriores. Em 2015 foi aprovado pelo Senado Federal e seguiu para apreciação da Câmara dos Deputados, onde tramitou como PL 2516/2015 retornando ao Senado sob o n. SCD 7/2016, o qual foi analisado como um substitutivo apresentado pela Câmara dos Deputados ao projeto original do Senado, sob a relatoria deTasso Jereissati.
3.3 Inovações trazidas pela Lei 13.445/17
– Do nome: O novo instrumento normativo, denominado “Lei de Migração” ao revogar o estatuto do estrangeiro abandona também a designação do passado, segundo a qual o “estrangeiro” era considerado um estranho, uma ameaça à segurança nacional, e passa a tratá-lo sob a denominação de “migrante”[1], considerando-o sujeito[2] de direito, e não mais objeto.
“A migração que compreende a emigração, ou seja, a saída de pessoas de seu país de origem para residirem em outro país, e a imigração, vale dizer, a entrada de estrangeiros nos países, constitui fenômeno constante no decorrer da história humana, mas intensificou-se com o desenvolvimento da civilização”. (MONTAL, p. 137)
Nesse sentido, o art. 117 dispõe que o documento de identificação passa a ser denominado de Registro Nacional Migratório (RNM), substituindo o então reconhecido Registro Nacional de Estrangeiro (RNE).
– Da não criminalização: A nova lei proibe a criminalização pelo simples fato da migração (art. 3º, III), ainda que irregular, ou seja, ninguém poderá ser preso apenas por ser migrante. Neste contexto, estabeleceu que eventual deportação seja precedida de notificação pessoal do migrante para que regularize a sua situação no prazo legal – resguardado seu direito a livre circulação em território nacional durante tal período -, findo o qual a deportação poderá ser executada, caso não tenha sido regularizada a respectiva situação migratória (art. 50)[3], garantido o acesso à Justiça, bem como à assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovadamente não tiverem recursos (IX, art. 3º).
– Do direito de reunião: O art. 4º garante o direito de reunião para fins pacíficos (inciso VI), à reunião familiar (inciso III), direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos ((VII).
– Da documentação: A nova lei, em seu art. 3º, promove a entrada migratória regular e a regularização documental (inciso V), assegurada a isenção de taxas e emolumentos consulares pela concessão de vistos ou documentos de regularização aos migrantes em situação de vulnerabilidades e de hipossuficiência econômica (art. 113).
– Dos Direitos Sociais: Em compasso com os direitos fundamentais sociais dispostos no art. 6º da CF/88, a Lei 13.445/17 estendeu aos migrantes a garantia – sem discriminação por sua condição migratória – à educação pública, o acesso aos serviços públicos de saúde e seguridade social (art. 4º, VIII e X), direito ao trabalho, moradia (art. 3º, inciso XI), além do direito ao serviço bancário .
– Dos Princípios e das Garantias: Paralelamente, atribui prevalência aos direitos humanos e assegura aos migrantes, em igualdade com os brasileiros, o direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade, bem como direitos às liberdades civis, sociais, culturais e econônicos, notadamente à liberdade de circulação (art. 3º e 4º).
Lado outro, o legislador deixa certo como princípio do Estado brasileiro, o desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil (art. 3º, VII).
– Da residência: O direito de residência é garantido no art. 30, inclusive aos refugiados, asilados e apátridas, salvo àquele condenado, com sentença transitada em julgado, que cometeu crime no Brasil ou no exterior, desde que a conduta seja tipificada pelo Código Penal brasileiro.
– Da acolhida humanitária:Nos termos do art. 3º, inciso VI o acolhimento humanitário será concedido em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, calamidade de grande proporção, desastre ambiental ou de grave violação de dirietos humanos ou de direito internacional humanitário. Nessa hipótese, será concedido visto temporário ao apátrida ou ao nacional de qualquer país (art. 14, parágrafo 3º).
– Das Políticas Públicas ao Migrante: A nova lei fixa diretrizes de políticas públlicas de Inclusão social, trabalhista e produtiva do migrante (art. 3º, X); estabelece a promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante, valorizando o diálogo social no exercício de formulação, execução e avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante (art. 3º, XII, XIII).
Com o escopo de coordenar e articular ações setoriais, o art. 120 instituiu a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia a ser implementada pelo Poder Executivo federal em cooperação com os entes públicos federativos, organizações da sociedade civil, organismos internacionais e entidades privadas.
Prevê, ainda, a criação de banco de dados, , produzindo informação quantitativa e qualitativa, de forma sistemática, sobre os migrantes, a fim de formular políticas públicas.
– Do combate à discriminação: Em consonância com o objetivo assumido pelo Estado Brasileiro (CF/88, art. 3º, IV) a Lei 13.445/17, em seu art. 3º, inciso II, institui o princípio da não discriminação, inclusive em razão dos critérios ou procedimentos pelos quais o migrante ingressou no Brasil (art. 3º, IV).
Nesse sentido, determina o repúdio à xenofobia e ao racismo, além de permitir a participação do migrante em protestos e sindicatos, sendo vedada a prática de expulsão ou de deportação coletivas.
– Do direito ao trabalho: O estatuto do estrangeiro vedava que o estrangeiro com visto temporário prestasse serviço no Brasil. O art. 14, inciso I, alínea “e” acaba com tal proibição. Ressalta-se que, na hipótese de tripulantes internacionais, que trabalham em cruzeiros marítimos na costa brasileira, o visto temporário para o trabalho não será exigível[4].
– Da Fiscalização Marítima, Aeroportuária e de Fronteira: Nos pontos de entrada e saída do território nacional, segundo o art. 38, a Polícia Federal continuará a exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteira, sendo-lhe permitido impedir o ingresso no Brasil de pessoa que tenha sido condenada ou responda a processo por terrorismo, genocídio, crime contra a humanidadade ou de guerra, entre outras hipóteses[5].
Frise-se, contudo, que ninguém poderá ser impedido de ingressar em territorio nacional por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, nos termos previstos no parágrafo único do art. 45.
– Da retirada compulsória: Nos casos de aplicação de medidas de retirada compulsória do migrante de terrritorio nacional (deportação, repatriação ou expulsão[6]), serão assegurados – nos procedimentos judiciais -, os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal, inclusive com notificação da Defensoria Pública da União (art. 48 a 60).
Restou vedada qualquer medida de retirada compulsória coletiva, entendendo-se tal a que não identificar de modo específico a situação migratória irregular de cada um (art. 61), bem como aquela que colocar em risco a vida ou a integridade pessoal do migrante (art. 62).
– Das Políticas Públicas voltadas ao Emigrante: O capítulo VII trata das políticas publicas para os emigrantes – assim considerados os brasileiros que se fixam no exterior, provisória ou definitivamente – estabelecendo princípios e diretrizes para proteção (art. 3º, XIX) e prestação de assistência consular no exterior por meio de representação do Brasil, facilitando o registro e a prestação de serviços consulares nas áreas de educação, saúde, trabalho, previdência social e cultura, visando a promoção de condições de vida digna ao brasileiro que vive lá fora (art. 77).
Registre-se ainda que o art. 78 estabeleceu a possibilidade de – o emigrante que decida voltar a residir no Brasil – trazer consigo os bens novos ou usados destinados ao seu uso ou consumo pessoal ou profissional, com isenção de direitos de importação e taxas aduaneiras.
– Do crime “Promoção de migração ilegal”: A lei de migração ciminaliza a prática de tráfico de pessoas, promoção de entrada ilegal de estrangeiro no Brasil, ou de brasileiro no exterior[7], acrescentando o art. 232-A ao Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/1940).
4. Nova Lei de Migração – Avanço ou retrocesso?
A regulamentamentação do processo de migração no Brasil – por meio da edição da Lei 13.445/2017 -, por si só, não leva à conclusão de que a segurança nacional está em xeque Isto porque o novo instrumento normativo cuida da fiscalização maritima, aeroportuária e de fronteira, sendo exercidas pela Polícia Federal.
Nesse sentido, artigo polêmico que garantia aos povos indígenas direito à livre circulação entre fronteiras em terras tradicionalmente ocupadas por eles foi vetado, justamente para garantir maior segurança nacional.
Lado outro, a lei de migração preocupou-se em dar tratamento igualitário entre os povos que aqui vivem, numa convergência com os direitos humanos e fundamentais insculpidos pela Carta Republicana de 1.988.
Nesse diapasão, a nova lei garante a participação em protestos e sindicatos, repele a xenofobia e o racismo, proíbe a criminalização do imigrante pelo simples fato de estar em situação irregular, estabelece o princípio do contraditório e ampla defesa, bem como a assitência judiciária.
Como se vê, o ato normativo visa a tolerância das diferenças, repudia o discurso do ódio e acolhe a diversidade cultural – fenômeno este comum em tempos de globalização. Nas palavras de Hall (2015, p. 52):
“Pode ser tentador pensar na identidade, na era da globalização, como estando destinada a acabar num lugar ou noutro; ou retornando a suas “raízes” ou desaparecendo através da assimilação e da homogeneização. Mas esse pode ser um falso dilema.
Pois há uma outra possibilidade: a da tradução. Esse conceito descreve aquelas formações de indentidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas.”
Garantir aos estrangeiros – em igualdade com os nacionais – o direito à vida, saúde, previdência e assistência social é uma medida de solidariedade (princípio insculpido no art. 3º, inciso I, da CF/88). Não se trata de tirar dos nacionais, nem de empobrecer os brasileiros. Até porque a Previdência Social no Brasil é regida pelo princípio contributivo, ou seja, somente aqueles que contribuem (ressalvados os dependentes) fazem jus aos seus benefícios.
Ademais, a ordem econômica do Brasil é “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim asseguar a todos existência digna, conforme ditames da justiça social,…”(art. 170 da Carta de 1.988).
Assim, os migrantes que aqui vivem também contribuem para o progresso cultural e o desenvolvimento econômico do país. Logo, não há razão para negar-lhes a contrapartida, nem segregá-los, exceto pelo preconceito que muitos trazem arraigado em si.
Nesse caminhar, cumpre destacar que a identidade local e a territorialidade não ficam ameaçadas pelo processo migratório, ao contrário. Nas palavras de Relph (1.996, p. 916), citado por Le Bossé: (…) o processo de formação de uma identidade de lugar consiste cada vez mais […] nas maneiras como fragmentos similares da cultura global se combinam em alguma parte.” (BOSSÉ, 1.999, pág. 227).
O mesmo autor ainda faz uma reflexão:
“Reconhecer a abertura, a troca e o emaranhamento das identidades dos lugares em dinâmicas socioespaciais complexas que neles se cruzam, os envolvem e os ultrapassam não significa, no entanto, negar a especificidade ou a particularidade dos lugares”.(BOSSÉ, 1.999, pág.228).
Por derradeiro, é inegável o avanço trazido pela nova lei, inclusive com a extensão do direito ao visto humanitário. Claro que sua efetividade material ainda depende de regulamentação de vários dispositivos que objetivam implementar políticas púbicas que alcancem o fim por ela almejado, afinal, trabalho, moradia, educação e saúde são necessidades fundamentais de milhares de brasileiros. Todavia, negar ao próximo o mínimo existencial é renegar a própria humanidade.
5. Considerações Finais
O Brasil, na contramão das tendências internacionais, enfrenta o crescente movimento migratório no mundo com a edição de lei que regulamenta a entrada de estrangeiros em território nacional, sem, contudo, descuidar da segurança nacional e fiscalização de suas fronteiras exercida pela Polícia Federal.
O objetivo inicial deste estudo era é analisar se a nova lei de migração trouxe avanços às questões humanitárias, atendendo melhor os estrangeiros em busca de uma oportunidade no Brasil. Neste sentido acredita-se que tais objetivos foram atingidos na medida em que foi possível constatar a inclusão – primeiramente formal – de princípios e direitos antes inexistentes, bem como a preocupação do legislador em garantir a prevalência de direitos fundamentais aos migrantes, com repúdio à xenofobia e a qualquer forma de discriminação.
A edição de uma nova lei de migração, pautada pelos princípios republicanos insculpidos na Constituição Cidadã de 1.988 se fazia necessário, vez que a lei vigente datava do período da ditadura militar, afastando-se da democracia conquistada pelo povo brasileiro e dos ideias libertários trazidos pelas revoluções do pós-guerra.
Importante frisar que – ao contrário do quanto propalado por alguns – a edição legislativa, por si só, não tem o condão de deflagrar um movimento migratório desenfreado rumo ao Brasil, porquanto , assoberbado em crises econômicas que afetam o estado do bem estar social, carece de recursos básicos e condições essenciais aos próprios nacionais sendo, pois, desarrazoado o sentimento de medo e insegurança espraiado entre a população.
Lado outro, leis restritivas e construção de muros não são eficazes para impedir as pessoas de cruzarem as fronteiras – ante a globalização, barreiras geográficas não são mais capazes de impedir a circulação de pessoas -, apenas as deixam irregulares, desumanizando-as por meio da vulnerabilidade em que se encontram o que propicia a criminalização, o tráfico humano, precarização e morte, notadamente entre crianças, mulheres e idosos.
Assim, a reflexão sobre o tema é imprescindível, notadamente porque a origem do povo brasileiro é fruto da migração do passado. Ademais, se adequadamente administrada, a migração propicia benefícios não só aos migrantes, mas também aos países de origem e destino.
Por fim – rumo à prevalência dos direitos humanos – a lei brasileira convida a um convívio harmônico entre os diferentes povos, suscita a tolerância possibilitando o sentimento de pertencimento frente ao hibridismo e à diversidade, contrários ao fundamentalismo e extremismo causadores da crise humanitária vivida no mundo.
IV residente fronteiriço: pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município fronteiriço de país vizinho;
VI apátrida: pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002, ou assim reconhecida pelo Estado brasileiro.
§ 4o A deportação não exclui eventuais direitos adquiridos em relações contratuais ou decorrentes da lei brasileira.
II condenada ou respondendo a processo por ato de terrorismo ou por crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, promulgado pelo Decreto no 4.388, de 25 de setembro de 2002;
VI que não apresente documento de viagem ou documento de identidade, quando admitido;
VII cuja razão da viagem não seja condizente com o visto ou com o motivo alegado para a isenção de visto;
VIII que tenha, comprovadamente, fraudado documentação ou prestado informação falsa por ocasião da solicitação de visto; ou
§ 1o Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de:
Pena reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1o Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter
vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.
I o crime é cometido com violência; ou
Informações Sobre os Autores
Simone Batista
Professora do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas. Advogada. Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade de Mogi das Cruzes. Especialista em Direito do Trabalho Processo do Trabalho Direito Civil e Processo Civil. Graduada em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes UMC 1996. Professora de Direito em cursos preparatórios para OAB concursos públicos prática trabalhista e Pós Graduação lato sensu
Luci Mendes de Melo Bonini
Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, pesquisadora no Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes – UMC e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas – USP