Os direitos do preso à luz do princípio da dignidade da pessoa humana

Resumo: A preocupação primordial deste estudo é refletir sobre os direitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal de 1988, enfatizando os direitos dos detentos à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Este artigo tem como objetivo analisar se os direitos e princípios que regem o atual Estado Brasileiro têm sido respeitados e efetivados no âmbito do direito penal. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como GRECO (2011), SILVA (2007), GOMES (2011), entre outros, procurando enfatizar a importância do respeito aos direitos dos presos e, consequentemente, a obediência ao próprio texto constitucional, bem como analisar as penas aplicadas no Brasil e investigar se a sua principal função – ressocializar o infrator – está sendo alcançada.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ressocialização.

Abstract: The primary concern of this study is to reflect on the fundamental rights brought by Constitution of 1988, emphasizing the rights of detainees light of the principle of human dignity. This article aims to analyze the rights and principles governing the current Brazilian State has been effected and respected in the framework of criminal law.We performed a bibliographic research considering the contributions of authors such as GRECO (2011), Silva (2007), Gomes (2011), among others, trying to emphasize the importance of respect the rights of prisoners and hence own obedience to the constitutional text and how to analyze the penalties in Brazil and to investigate whether their primary function? re-socialize the offender – is being achieved.

Keywords: Human Rights. Principle of Human Dignity. Resocialization.

Sumário: Introdução. Desenvolvimento. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente trabalho tem como tema a observância aos direitos humanos dos detentos frente à Constituição Federal de 1988 e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Nesta perspectiva, construíram-se questões que nortearam este trabalho:

·Quais os direitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal de 1988?

· Quais os direitos dos detentos à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do Brasil?

· Os detentos têm tido seus direitos respeitados? Caso negativo, quais os fatores que influenciam ou determinam essa situação?

Quando se fala em direitos humanos, pressupõe-se que tais direitos são essenciais para uma vida digna, e que todos, independentemente de cor, classe, condição social, devem ter esses direitos respeitados.

No entanto, apesar das conquistas históricas desses direitos, hoje positivados na própria Carta Magna, há ainda muito preconceito e ignorância quando se insere o rol dessas garantias aos que se encontram, temporariamente, privados de sua liberdade. Esquecem, pois, que continuam sendo seres humanos e, portanto, merecedores de todos os direitos compatíveis com sua condição. Esquecem-se ainda que o fim de todo condenado é o retorno à sociedade. E que se o infrator não for ressocializado, continuará a delinquir, tornando a sociedade cada vez mais insegura e violenta. A ressocialização, bem como o respeito aos direitos do preso, interessa a toda a coletividade, visto que todos perdem com o crime. Daí a importância de se estudar e investigar os motivos que levam a não ressocialização dos detentos, buscando soluções para o decadente sistema prisional brasileiro.

Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, investigar como os detentos têm sido tratados na égide da Constituição Federal de 1988 que proclama os direitos fundamentais dos seres humanos e se funda no princípio da dignidade da pessoa humana.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como: José Afonso da Silva (2007), Rogério Greco (2011), Luis Flávio Gomes (2011), entre outros.

Desenvolvimento

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica, visto que encerra um tenebroso período de nossa história – período militar, e proclama o (re) nascimento de uma democracia.

De acordo com o artigo 1º da Carta Magna de 1988 a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito. Mas o que isto significa? Significa que o Brasil é um sistema institucional, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até a potência pública; e que as funções típicas e indelegáveis do Estado são exercidas por indivíduos eleitos pelo povo para tanto, de acordo com regras pré-estabelecidas que regerão o pleito eleitoral.

No Estado democrático de direito, apenas o direito positivo (isto é, aquele que foi codificado e aprovado pelos órgãos estatais competentes, como o Poder Legislativo) poderá limitar a ação estatal. Nesse contexto, destaca-se o papel exercido pela Constituição. Nela delineiam-se os limites e as regras para o exercício do poder estatal (onde se inscrevem os chamados "Direitos e Garantias fundamentais"), e, a partir dela, e sempre a tendo como baliza, redige-se o restante do chamado "ordenamento jurídico", isto é, o conjunto das leis que regem uma sociedade.

Diz o Prof. José Afonso da Silva (2007, p.153) sobre o assunto:

“O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira em proprietários e não proprietários”.

Nesse contexto – de reconhecimento dos direitos humanos, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, a qual não apenas estabelece um regime político democrático, como propicia um grande avanço no que se refere aos direitos e garantias fundamentais.

O compromisso ideológico e doutrinário desses direitos fundamentais que serve de pilar básico ao Estado Democrático de Direito, aparece logo a partir do preâmbulo da nossa Lei Maior:

“(…) para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (…)”.

Esse compromisso se manifesta por todo o texto constitucional, de forma explícita, ou implicitamente, conforme podemos observar logo no seu art. 1º que consagra como fundamentos da República Federativa do Brasil a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

A nossa Constituição também faz menção expressa à promoção e proteção dos direitos humanos quando afirma que sua prevalência constitui princípio que rege as relações internacionais do Estado brasileiro (artigo 4º), ou ainda, quando estabelece no artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que o Brasil propugnará pela formação de um Tribunal Internacional dos Direitos Humanos. 

Além disso, roga o artigo 5º, §2º da Constituição que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Dentre todos os direitos fundamentais elencados no Diploma Maior, merece destaque o mais amplo e o mais importantes deles: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 62):

“[…] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.

Já de acordo com Rogério Greco (2011, p.67):

“No entanto, mesmo reconhecendo a sua existência, conceituar dignidade da pessoa humana continua a ser um enorme desafio. Isto porque tal conceito encontra-se no rol daqueles considerados vagos e imprecisos. É um conceito, na verdade, que, desde a sua origem, encontra-se em um processo contínuo de construção. Não podemos, de modo algum, edificar um muro com a finalidade de dar contornos precisos a ele, justamente por ser um conceito aberto”.

A atual Constituição do Brasil assim dispõe em seu artigo 1º:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Note-se que, apesar do artigo 1º elencar outros fundamentos para a República Federativa do Brasil, é o princípio da dignidade humana que embasa todos os demais, sendo, portanto, a viga mestra de todo o ordenamento jurídico brasileiro. A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, a fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais, o valor que atrai a realização dos direitos fundamentais.

Greco (2011, p.71) afirma que:

“Percebe-se, portanto, a preocupação do legislador constituinte em conceder um status normativo ao princípio da dignidade da pessoa humana, entendendo-o como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito”.

Como princípio constitucional, a dignidade da pessoa humana deverá ser entendida como norma de hierarquia superior, destinada a orientador todo o sistema no que diz respeito à criação legislativa, bem como para aferir a validade das normas que lhe são inferiores. Assim, por exemplo, o legislador infraconstitucional estaria proibido de criar tipos penais incriminadores que atentassem contra a dignidade da pessoa humana, ficando proibida a cominação de penas cruéis, ou de natureza aflitiva, a exemplo dos açoites, mutilações, castrações, etc.”.

Apesar de consagrado constitucionalmente, percebe-se, em muitas situações, a sua violação pelo próprio Estado. Assim, aquele que seria o maior responsável pela sua observância, acaba se transformando em seu maior violador.  Isso se reflete em todas as áreas sociais, e com grande ênfase no âmbito do Direito Penal, pois o poder estatal passou a utilizar da pena e das prisões como principal forma de controle e manutenção da ordem, esquecendo-se que seu objeto e limite de atuação estão estabelecidos e vinculados aos direitos fundamentais.

Corroborando com a afirmação supracitada, Rogério Greco (2011, p.103) exemplifica:

“Veja-se, por exemplo, o que ocorre com o sistema penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade são afetos, diariamente, em sua dignidade, enfrentando problemas como superlotação carcerária, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos, etc. A ressocialização do egresso é uma tarefa quase impossível, pois não existem programas governamentais para a sua reinserção social, além do fato de a sociedade, hipocritamente, não perdoar aquele que já foi condenado por ter praticado uma infração penal”.

É evidente que a dignidade da pessoa humana – assim como nenhum outro direito fundamental, não é absoluta. Com isso, pretende-se dizer que o Estado, em determinadas situações, pode privar o cidadão, temporariamente, de alguns de seus direitos fundamentais em prol de outros princípios que também são garantidos pela própria Constituição. Como exemplo, tem-se que, em busca da pacificação social, o Estado tem o poder de punir o infrator de suas leis (penais), privando-o, temporariamente, de sua liberdade (direito fundamental).

Nesse contexto, Grego (2011, p. 73):

“Assim, tomemos como exemplo o fato de alguém ter praticado um delito de extorsão mediante sequestro, qualificado pela morte da vítima. O sequestrador, como é de conhecimento de todos, tem direito à liberdade, diretamente ligado à sua dignidade, deverá ceder frente ao direito de proteção dos bens jurídicos pertencentes às demais pessoas, que com ele se encontram numa sociedade.

Percebe-se, assim, que a dignidade, como um valor individual de cada ser humano, deverá ser avaliada e ponderada em cada caso concreto. Não devemos nos esquecer, contudo, daquilo que se denomina como sendo um núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, que jamais poderá ser abalado. Assim, uma coisa é permitir que alguém, que praticou uma infração penal de natureza grave, se veja privado de sua liberdade pelo próprio Estado, encarregado de proteger, em última instância, os bens jurídicos; outra coisa é permitir que esse mesmo condenado a uma privação de liberdade cumpra sua pena em local degradante de sua personalidade; que seja torturado por agentes do governo com a finalidade de arrancar-lhe alguma confissão; que seus parentes sejam impedidos de visitar-lhe; que não tenha uma ocupação ressocializante no cárcere, etc. A sua dignidade deverá ser preservada, pois que ao Estado foi permitido somente privar-lhe a liberdade, ficando resguardados, entretanto, os demais direitos que dizem respeito diretamente à sua dignidade como pessoa”.

Observa-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que relativizado, possui um núcleo essencial que deve ser preservado, impondo limites à própria atuação estatal e ao ius puniendi do Estado. E se é no Estado Democrático de Direito que o ius puniendi encontra seus fundamentos, também será nele que encontrará suas limitações.

A atual Constituição do Brasil traz, expressa e implicitamente, princípios penais fundamentais que funcionam como limites internos ao ius puniendi, tendo eles como norte o princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da intervenção mínima determina que o Direito Penal apenas deverá proteger aqueles bens que são imprescindíveis à condição humana, à sua coexistência pacífica no meio social. Portanto, a norma jurídica penal deve atender aos ideais de necessidade e utilidade na incidência da mesma. O Direito Penal deve ser a ultima ratio para a solução dos conflitos existentes, pois se trata da via mais violenta, que mais fere as garantias individuais, como o direito à liberdade. Daí a importância desse princípio, que serve de limite para legislador no momento em que este seleciona as condutas que devem ser tipificadas no Código Penal brasileiro.

Já o princípio da ofensividade no Direito Penal incide em dois diferentes planos.  Inicialmente, serve de orientação à atividade legiferante, fornecendo substratos político-jurídicos para que o legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo a bens jurídicos socialmente relevantes. No segundo plano, serve de critério interpretativo, constrangendo o intérprete legal a encontrar em cada caso concreto a indispensável lesividade ao bem jurídico protegido.

Para Luiz Flávio Gomes (2011, p.111), é dupla a função do princípio da ofensividade no Direito Penal:

“(a) função político-criminal (momento em que se decide pela criminalização da conduta) e (b) função interpretativa ou dogmática (instante em que se interpreta e se aplica concretamente o Direito penal). A primeira função do princípio da ofensividade constitui um limite ao direito de punir do Estado (ao ius puniendi) (sentido subjetivo). Está dirigida ao legislador. A segunda configura um limite ao Direito penal (ao ius poenale) (sentido objetivo). Está dirigida ao intérprete e ao juiz (ao aplicador da lei penal)”.

O princípio-síntese da dignidade humana, portanto, consagra, a nível constitucional, a ideia de que a intervenção estatal, na esfera penal, somente deve ser justificada na hipótese de ocorrer ataque efetivo e concreto a um bem jurídico relevante. Não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado (nullum crimen sine iniuria).

O princípio da reserva legal, por outro lado, estabelece toda a estrutura basilar das leis penais brasileiras, estando intrinsecamente ligado ao princípio da anterioridade, tendo ambos, previsão legal na CF, no art. 5º, inc. XXXIX, o qual: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".

Observa-se que, além da exigência expressa de lei formal para tipificar crimes e cominar sanções penais, deflui do dispositivo que a lei somente se aplicará, para qualificar como crime, aos atos praticados depois que ela tenha sido publicada. Da mesma forma, a previsão legal abstrata da pena (cominação da pena) deve existir, estar publicada, antes da conduta que será apenada.

O princípio da imputação pessoal, por sua vez, encontra previsão legal no art. 5º, XLV da CF, estabelecendo que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

Como se pode observar, as penas serão aplicadas tão somente ao condenado, sem que ocorra sua transmissão, diferente do que o artigo preceitua em relação à obrigação de reparar o dano que, pode estender aos sucessores.

Sinteticamente, pode-se conceituar o principio da imputação pessoal de modo que, a culpabilidade dos atos será imputada a quem os tenha praticado, bem como aqueles, que de alguma forma tenham incorrido em participação, visando à punibilidade aplicada de forma individual a cada sujeito, na medida de sua ação.

O principio da individualização da pena, também possui respaldo na Constituição Federal, no artigo 5º, XLVI, pelo qual desenvolve questões relativas às sanções adequadas, limites de aplicação máximos e mínimos, bem como circunstâncias que aumentem ou diminuam sua aplicação. Estabelece o artigo 5º, XLVI da Carta Magna:

A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos”.

Desta seleção, conforme entendimento doutrinado por Greco (2011, p.115-116), o legislador visou dividir as diversas formas de aplicação de sanções, intrinsecamente relacionadas à medida de importância dos bens jurídicos tutelados, ou seja, impor o Direito Penal na proporção da lesão praticada.

Para a cominação e imposição da pena, agregam-se, além dos requisitos de idoneidade e necessidade, a proporcionalidade. Pela adequação ou idoneidade, a sanção penal deve ser um instrumento capaz, apto ou adequado à consecução da finalidade pretendida pelo legislador (adequação do meio e fim). O requisito da necessidade significa que o meio escolhido é indispensável, necessário, para atingir o fim proposto, na falta de outro menos gravoso e de igual eficácia.

Existem muitos outros princípios que impõem limitações ao poder estatal, não sendo objetivo desse artigo exaurir o estudo destes princípios, mas tão somente concluir que em um Estado Democrático de Direito, o ius puniendi do Estado não é ilimitado, absoluto ou quiçá incondicionado. Há limites necessários, cuja finalidade é a adequação do Direito Penal ao Estado Constitucional Democrático de Direito, fundado na invariante axiológica da dignidade da pessoa humana.

É preciso compreender, portanto, que o Estado não pode punir de forma arbitrária, uma vez que encontra sua atuação limitada pelos direitos fundamentais erigidos no ordenamento jurídico, e que o preso conserva os demais direitos adquiridos enquanto cidadão, que não sejam incompatíveis com a "liberdade de ir e vir", à medida que a perda temporária do direito de liberdade em decorrência dos efeitos de sentença penal refere-se tão-somente à locomoção.  Tanto é verdade que a Lei das Execuções Penais (LEP) contempla expressamente os direitos básicos dos detentos. São eles:

a)    Direito à alimentação e vestimenta fornecidos pelo Estado.

b)    Direito a uma ala arejada e higiênica;

c)    Direito à visita da família e amigos;

d)    Direito de escrever e receber cartas;

e)    Direito a ser chamado pelo nome, sem nenhuma discriminação;

f)     Direito ao trabalho remunerado em, no mínimo, 3/4 do salário mínimo;

g)    Direito à assistência médica;

h)    Direito à assistência educacional: estudos de 1º grau e cursos técnicos;

i)      Direito à assistência social: para propor atividades recreativas e de integração no presídio, fazendo ligação com a família e amigos do preso;

j)     Direito à assistência religiosa: todo preso, se quiser, pode seguir a religião que preferir, e o presídio deve propiciar locais adequados aos cultos;

k)    Direito à assistência judiciária e contato com advogado: todo preso pode conversar em particular com seu advogado e se não puder contratar um o Estado tem o dever de lhe fornecer gratuitamente.

Teoricamente, a finalidade das penas privativas de liberdade é a readaptação social do infrator e a prevenção da criminalidade. Na prática, a legislação penal e o sistema prisional vigentes no Brasil têm se mostrado incompatíveis com estes objetivos, em  razão das condições ambientais e subumanas a que são submetidos os sentenciados nas prisões brasileiras.

Assevera Maria Angélica Lacerda Marin Dassi (2013):

“No panorama brasileiro, o estado desordenado do sistema carcerário constitui-se mais um dos efeitos da falência dos paradigmas da modernidade. A prisão serve tão-somente para deportar do meio social aqueles indivíduos que representam um risco à sociedade. Na perspectiva foucaultiana, constitui-se um instrumento utópico de ressocialização, criado para atender aos interesses capitalistas. Ela exclui do ângulo de  visibilidade as mazelas sociais, mas não recupera o infrator e não contribui para diminuir as práticas criminosas. Estabelecendo um confronto entre as disposições legais e a realidade, observa-se que os requisitos mínimos da boa condição penitenciária, preconizados pela legislação penal brasileira estão longe de serem cumpridos. Para esta constatação, basta um breve olhar sobre as prisões existentes no país”.

Vários são os fatores que têm contribuído para o desrespeito aos direitos fundamentais dos presos e à consequente crise no sistema carcerário brasileiro. Analisar-se-á cada uma delas.

· Ausência de compromisso por parte do Estado

O problema carcerário numa ocupou, verdadeiramente, a pauta de preocupações administrativas dos governantes. O tema vem à tona, em geral, em situações de crises agudas, como rebeliões, ou quando os organismos não governamentais que trabalham com essas questões trazem a público as mazelas existentes nos estabelecimentos prisionais.

Além disso, manter um sistema carcerário digno requer uma boa parcela do orçamento público, e o Estado não está disposto a gastar com os infratores, não acredita, realmente, que eles possam ser ressocializados e reinseridos na sociedade, voltando a ter uma vida digna e honesta. À falta de interesse somam-se outros fatores como corrupção, má administração, etc.

O bem da verdade, segundo Greco (2011, p.302), é que falta de interesse estatal reflete a falta de interesse da própria sociedade que gostaria que, na maioria dos casos, os presos sofressem além da condenação imposta, a fim de suas estadias nos estabelecimentos penais se tornem os piores anos de suas vidas, como se a simples privação de liberdade não fosse punição mais do que suficiente.

· Controle ineficiente por parte daqueles que deveriam fiscalizar o sistema carcerário

Se por um lado o Poder Executivo não destina orçamento suficiente nem constrói políticas públicas eficazes para o bom funcionamento do sistema penitenciário brasileiro, por outro o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública – principalmente promotores e juízes das execuções penais, não fiscalizam a administração do Poder Executivo nem a observância da Lei das Execuções Penais.

· Superlotação carcerária

O Poder Legislativo, com o intuito de dar uma satisfação à sociedade, que clama por segurança e justiça, cria novos tipos incriminadores, permitindo que fatos de pequena ou nenhuma importância sejam julgados pela Justiça Criminal, contribuindo assim para que o sistema fique superlotado com pessoas que poderiam ter sido punidas pelos demais ramos do direito, uma vez que, segundo o Princípio da Intervenção Mínima, o Direito Penal só deve intervir onde os demais ramos do direito não consigam solucionar o litígio.

Ademais, o próprio Poder Judiciário, atendendo ao clamor social, usa indiscriminadamente a privação cautelar de liberdade, fazendo com que o instituto que deveria ser exceção – prisão cautelar, passe a ser regra.

Importante destacar que a superlotação carcerária é um fator de risco não apenas para os presos, que cumprem suas penas em situações degradantes, como também para os funcionários encarregados de sua vigilância.

· Ausência de programas destinados à ressocialização dos condenados.

Apesar de a ressocialização ser uma das funções da pena, visto que o fim de todo condenado é o retorno à sociedade, o Brasil é extremamente deficiente em políticas públicas eficazes tanto para o detento quanto para o egresso do sistema prisional.

Num primeiro momento, destaca-se a importância de políticas públicas que visem a prevenir à prática delituosa, dando oportunidade para todos, diminuindo as desigualdades econômicas e sociais, bem como fortalecendo as instituições criminais de forma a extinguir o pensamento da impunidade que assola a nação brasileira.

Num segundo momento, quando já houve a transgressão da lei penal, é mister cuidar para que o infrator seja realmente punido, mas de forma a assegurar-lhe a dignidade durante toda a execução da pena, além de prepará-lo moral, psicológico, educacional e profissionalmente a enfrentar o mundo após tantos anos isolado.

São necessárias também políticas públicas que conscientizem a população de que o ex-detento já pagou o que devia à sociedade, devendo ser tratado como um cidadão comum, sem discriminações, garantindo-lhes novas oportunidades e evitando que voltem a delinquir.

Conclusão     

Diante do exposto, concluiu-se que a Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica no Brasil, elevando-o a um Estado Democrático de Direito, que tem como seu fundamento maior a dignidade da pessoa humana. Que tal princípio não é absoluto, posto que o homem não vive sozinho, mas em sociedade, sendo necessário resguardar os valores (bens jurídicos) relevantes para uma sociedade livre, justa e pacífica. Dessa forma, legitima-se o poder de punir estatal, dando direito ao Estado de retirar, temporariamente, alguns dos direitos fundamentais de seus cidadãos, como a liberdade.

Mas esse ius puniendi do Estado não é ilimitado, absoluto ou quiçá incondicionado. Há limites necessários, cuja finalidade é a adequação do Direito Penal ao Estado Constitucional Democrático de Direito, fundado na invariante axiológica da dignidade da pessoa humana.

Quando o Estado pune penalmente o infrator, ele lhe retira o direito à liberdade, mas os demais direitos compatíveis com a limitação de “ir e vir” devem ser preservados, o que não ocorre atualmente no sistema carcerário brasileiro.

O preso é, na verdade, colocado à margem da sociedade, como se de fato não existisse. Isto ocasiona um ciclo vicioso, visto que o infrator é condenado, cumpre a pena em situações desumanas, retorna à sociedade e, não encontrando outra saída, volta a delinquir…

Pela má administração, escassez de recursos destinados, corrupção, falta de fiscalização e de interesse de todas as esferas políticas e administrativas, e inclusive da própria sociedade, o sistema carcerário brasileiro encontra-se em profunda crise, sendo necessárias políticas públicas urgentes que forneçam uma execução da pena digna, que conscientizem a sociedade que o infrator é maior que o crime, é um ser humano, e por essa simples razão, deve ter sua dignidade preservada, assim como todos os homens e mulheres existem nos quatro cantos do planeta.

Somente assim, pela integração de todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e da sociedade será possível garantir uma sociedade mais justa, segura e igualitária, na qual todo homem tem a sua dignidade respeitada. Posto que a Constituição Brasileira de 1988 não é apenas uma folha de papel, mas um instrumento garantir dos direitos humanos e um importante documento para a transformação social!

 

Referências
DASSI, Maria Angélica Lacerda Marin. A pena de prisão e a realidade carcerária brasileira: uma análise crítica. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/maria_angelica_lacerda_marin_dassi.pdf.  Acesso em 20 de junho de 2013.
GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral. 2. ed. ver. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: IELF, 2011. v. 1 (Série Manuais para Concursos e Graduação).
GRECO, Rogério. Direito humanos, sistema prisional e alternativas à privação de liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011.
RIBEIRO, Bruno Morais de. A função de reintegração social da pena privativa de liberdade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.
RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. Ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª Ed. Brasil: Malheiros, 2007

Informações Sobre o Autor

Ângela Miranda Pereira

Advogada, pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e em Direitos Humanos pelo Instituto Católico de Ensino Superior do Piauí (ICESPI).


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