Cartelização dos postos de combustíveis

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Sumário: 1. Introdução; 2. Da Ordem Econômica; 3. Da Lei Antitruste; 4. Dos Cartéis; 4.1. Terminologia legal; 4.2. Conceito e espécies; 5. Um Exemplo Prático: Os Cartéis de Postos de Combustíveis; 5.1. Considerações Preliminares; 5.2. Estratégias de combate aos cartéis de postos de combustíveis; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas

Resumo

O presente ensaio trata de forma singela acerca do crime de formação de cartel, consoante previsto na Lei Antitruste, além de explanar, como intróito, a respeito dos princípios pertinentes da ordem econômica estabelecida na Constituição de 1988. Por fim, apresenta-se o caso dos cartéis de postos de combustíveis, bastante freqüente no Brasil.

1. Introdução

Em razão do processo de globalização econômica que atinge o planeta, observa-se um acirramento da concorrência entre as empresas, que passam a travar verdadeiras “guerras” por mercados. Todavia, é inegável que o recrudescimento concorrencial, conquanto possa ser bastante vantajoso para o consumidor, em certos casos causa consideráveis prejuízos aos empresários.

Com efeito, para que determinada empresa possa conquistar mercados, deve necessariamente oferecer produtos ou serviços de alta qualidade a baixo custo, o que a leva a investir em pesquisas e mão-de-obra especializada, acarretando enorme redução dos lucros.

Ocorre que, visando adquirir uma posição dominante no mercado, no mais das vezes as empresas realizam acordos, formais ou tácitos, a fim de estabelecer preços ou outras condições do mercado, possibilitando com isso um aumento dos lucros. Dentre esses acordos, tem se tornado comum a formação de cartéis, hoje atingindo vários setores da economia, tais como combustíveis, alumínio, aviação e produtos farmacêuticos.

Entretanto, tais acordos, por ferir o princípio da livre concorrência, são veementemente abolidos pela Lei Antitruste, que comina severas penas aos que os praticam.

O ensaio monográfico buscará, assim, traçar breves comentários sobre o crime de formação de cartel, com base na Lei n.º 8.884/94, tomando-se como exemplo a cartelização dos postos de combustíveis.

2. Da ordem econômica

A Constituição de 1988 é, sem sombra de dúvidas, uma Constituição dirigente, enunciando um conjunto de diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade, o que lhe confere o caráter de plano global normativo (GRAU, 1997, p. 59).

A Carta Magna, por meio do seu art. 170, implanta uma nova ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, visando assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, elencando diversos princípios a serem observados para a sua concreção.

Observa-se que a Norma Ápice estabelece, no caput do referido artigo, nada mais nada menos que o modo de ser da economia brasileira, que consiste na ordem econômica mundo do ser, arrolando em seguida princípios visando à sua preservação, instrumentando a implementação de políticas públicas, caracterizando a ordem econômica mundo do dever ser, parcela da ordem jurídica, tutelada pela Lei Antitruste (BRITO, 2001, p. 196).

Dentre os princípios arrolados na Lei Maior, no mencionado dispositivo, interessa aos objetivos do presente estudo aquele insculpido em seu inciso IV, qual seja, a livre concorrência, corolário do princípio da livre iniciativa. Assim, cada empresa é livre para atuar no mercado, competindo com outros agentes econômicos, visando a conquista de maior espaço no mesmo, o que propiciará uma maximização dos seus lucros.

Proteger a livre concorrência não implica em coibir o poder econômico de per si. De fato, em uma economia capitalista, em que é natural a concentração de capitais, o poder econômico constitui regra, e não exceção, sendo por conseguinte reconhecido pela Constituição. O que se busca, em verdade, é reprimir o abuso em seu exercício, que vise à dominação de mercados, à eliminação da concorrência  e ao aumento arbitrário dos lucros, como demonstra o § 4º do art. 173 Estatuto Político.

3. Da lei antitruste

No Brasil, o combate às práticas anticoncorrenciais é realizado com esteio na Lei n.º 884/94 (Lei Antitruste). Na esteira da Constituição de 1988, busca a Lei em comento a preservação do modo de produção capitalista (GRAU, op. cit., p. 247), mediante o reconhecimento do poder econômico, cuidando apenas de reprimi-lo, quando usado abusivamente. Assim, sendo o poder econômico da essência do sistema capitalista, visa a Lei em comento mediatizá-lo, a fim de direcioná-lo para assegurar o bem-estar da população.

Em seu art. 1º, observa-se a sua amplitude, vez que tutela não a concorrência em si mesma, mas sim, como mencionado anteriormente, a própria Ordem Econômica, parcela da Ordem Jurídica, vinculado ao ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Ademais, coloca a coletividade como titular dos bens jurídicos protegidos (parágrafo único) (BRITO, op. cit., p. 196).

Desta forma, surge a concorrência como instrumento por meio do qual o Estado procura alcançar políticas públicas, cujo objetivo maior é, ressalte-se, o bem-estar da coletividade, regulamentando não apenas a atuação das empresas no mercado, como também garantindo aos consumidores liberdade e soberania de decisões.

Tendo em vista a inerência do poder econômico ao capitalismo, não busca a política antitruste a igualdade formal entre os agentes econômicos. Um mercado constituído por unidades atomizadas, desprovidas de poder de mercado, enfraqueceria sobremaneira o processo de concorrência, acarretando prejuízos aos consumidores, além de obstacular o próprio avanço do capitalismo. Destarte, passa a ser a concorrência tratada pela Lei Antitruste sob a ótica dinâmica, exteriorizada nas ações de empresas em busca de maiores lucros, efetivando, através do mercado, uma seleção tendo como pressuposto a eficiência, de forma que seu resultado não se restringirá aos lucros auferidos pelas empresas, mas reverterá para a sociedade mediante condições mais favoráveis de custos, preços e qualidade dos produtos (BRITO, op. cit., p. 204) Por conseguinte, consoante ainda BRITO, “a defesa da concorrência não mais deve ser efetivada na suposição de que o poder econômico limita a concorrência, mas que possibilita a inovação nos produtos, nos processos e nas formas de organização adotadas no contexto de uma busca de valorização do investimento empregado, apresentando um resultado favorável extensivo a toda a sociedade” (op. cit., p 205).

Estatui a Lei em comento as infrações à ordem econômica em seus artigos 20 e 21, cujos sentidos se complementam. Com efeito, estabelece este uma gama de condutas que, configurando hipótese elencada naquele, e em seus incisos, caracterizarão infração à ordem econômica. Desta forma, chega-se mais uma vez ao ponto crucial da legislação antitruste: não se coibi o poder econômico em si, mas sim o desvio de finalidade em seu uso, capaz de causar danos à própria ordem econômica, afetando a livre iniciativa e a livre concorrência.

4. Dos cartéis

4.1. Terminologia legal

A Lei n.º 8.884/94, em seu art. 20, insculpe termos cuja compreensão é de fundamental importância para uma melhor interpretação do texto legal, possibilitando a verificação, não apenas do crime de formação de cartel, mas de qualquer infração à ordem econômica.

Inicialmente, considera infração à ordem econômica atos cujo escopo seja dominar mercado relevante de bens ou serviços (inciso II). A noção de mercado relevante é essencialmente jurídica, sendo indispensável para a correta análise antitruste.

Leciona BRUNA (1997; p. 76), que mercado relevante é o espaço econômico em que atuam os agentes econômicos, podendo ser analisado segundo a procura ou a oferta, levando-se em conta sua delimitação geográfica. No primeiro aspecto, leva-se em consideração o grau de elasticidade cruzada da procura, que “expressa a razão das variações da procura por um determinado produto em função de variações no preço de outro produto”. Infere-se daí que, analisando-se os produtos hipotéticos A e B, se a elasticidade for alta, ou seja, quando a variação do preço do produto A ocasionar o aumento na procura do produto B, tais produtos devem ser incluídos no mesmo mercado relevante. Ao contrário, se baixa, que ocorrerá quando tal variação de preços não provocar considerável variação na procura do outro produto, pode-se afirmar que os dois produtos pertencem a mercados relevantes distintos. No entanto, tal dado não deve ser tomado de per si, pois sua existência em níveis elevados não indica necessariamente ausência de poder econômico, vez que o que limita tal poder sobre os preços é a elasticidade da procura de seu produto, e não aquela existente entre ele e outros produtos.

Consoante o mesmo autor, a delimitação do mercado relevante também deve levar em conta a elasticidade da oferta, ou seja, possibilidade de substituição do lado da oferta, que pode ocorrer mediante o redirecionamento de recursos produtivos, antes ociosos ou destinados à produção de outros produtos menos escassos. Deve-se verificar, nesse sentido, “a existência de eventual excesso de capacidade instalada e a possibilidade de expansão dos competidores de um lado e, de outro, a possibilidade de ocorrer um influxo de produção externa, oriunda de outros mercados geográficos, atraída por eventuais aumentos de preços capazes de justificar os maiores custos de transporte e distribuição”. (op. cit., p. 92).

Considerando a sua delimitação geográfica, toma-se a lição de HOVENCAMP, mencionada por BRUNA, (op. cit., p. 94), segundo a qual “o mercado relevante é aquele em que uma empresa detentora de poder econômico seja capaz de aumentar seus preços sem que: 1) seus clientes passem imediatamente a se abastecer de produtos semelhantes em suprimento situadas em outras localidades, e sem que 2) empresas concorrentes, sediadas em outras localidades geográficas, redirecionem sua produção para a localidade em apreço, a fim de aí oferecerem seus produtos sucedâneos”.

BRITO (op. cit.; p. 215-216), ao tratar do tema, leciona que o “poder econômico pressupõe um espaço para ser exercido”, e tal locus não é nada mais que o próprio mercado relevante, seja avaliado pela dimensão produto (substituição do produto no consumo – elasticidade na demanda -, e na produção – elasticidade na oferta), ou pela dimensão geográfica (possibilidade de os consumidores substituírem o produtos produzidos no mercado local por outro produzido em outra região, quando submetidos a uma majoração no preço de determinado produto). Analisa-se, enfim, se o agente econômico possui poder para estabelecer um substancial e não transitório aumento de preços, sem minorar-lhes os lucros em virtude da reação dos consumidores e dos demais produtores.

Outro termo inserido pela Lei Antitruste é o de posição dominante (inciso IV e §§ 2º e 3º). Conforme FORGIONI (1998, p. 272), “a posição dominante é decorrência e, ao mesmo tempo, se identifica com o poder detido, pelo agente, no mercado, que lhe assegura a possibilidade de atuar um comportamento independente e indiferente em relação a outros agentes, impermeável às leis de mercado”. Destarte, a empresa detentora de posição dominante é capaz de conduzir-se de forma anticompetitiva, controlando preços, produção ou distribuição de bens ou serviços, sujeitando aos seus ditames tanto os concorrentes como os consumidores, sem se deixar influenciar, por conseguinte, pelo comportamento dos demais participantes do mercado.

O Diploma legal em comento, no entanto, determina, em seu art. 20, § 1º, a exclusão da ilicitude quando a posição dominante advém de processo natural fundado na maior eficiência do agente econômico em relação aos seus concorrentes. O referido dispositivo privilegia, deste modo, a vantagem competitiva do agente econômico, que, em razão da maior eficiência, não deverá sofrer qualquer punição, tendo em vista os benefícios que tal seleção trará para a coletividade.

Há vários indicativos para a existência de posição dominante. A Lei Antitruste, no § 2º do art. 20, reza que haverá posição dominante “quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa”.

Ocorre que nem sempre a detenção de elevado percentual de mercado por parte de determinada empresa implica na existência de posição dominante, assim como a ínfima participação não significa necessariamente ausência de poder. Ab initio, é imperioso considerar que a posição dominante resulta do poder econômico detido pelo agente, que lhe permite independência e indiferença em relação aos concorrentes, e não da parcela de mercado controlado pelo mesmo. Por sua vez, deve-se comparar os percentuais detidos pelos outros agentes econômicos, corroborando assim a idéia de relatividade intrínseca à referida norma.

Neste sentido, cria a Lei n.º 8.884/94 a presunção juris tantum da existência de posição dominante quando o agente econômico controla 20% (vinte por cento) do mercado relevante. Não que se deve inibir a ação de qualquer empresa que possua domínio de mercado além desse percentual. Porém, cria-se um “estado de alerta que deverá ser levado em consideração para que práticas abusivas não sejam praticadas por empresa que se situe a partir desse patamar” (BRITO; op. cit. 217). Assim, adotou a mencionada Lei, de forma patente, o critério da parcela de mercado (market share), segundo o qual a empresa que detém parcela substancial do mercado, por presunção, possui poder econômico (market power), que lhe permite atuação independente e indiferente perante os outros competidores.

Diante do exposto, consoante lição de FORGIONI, “no Brasil, comprovado que o agente econômico detém e abusa de poder que lhe garante a posição, ainda que não detenha 20% do mercado, seu comportamento poderá vir a ser sancionado”, sendo imprescindível, para fins de verificação da posição dominante, a constatação de outras evidências (op. cit., p.286).

Uma destas evidências consiste na existência de barreiras à entrada de novos concorrentes. Com efeito, não havendo tais barreiras, uma empresa de pujança econômica não poderá adotar condutas monopolísticas, vez que os agentes econômicos afastados do mercado, inclusive estrangeiros, ou mesmo aqueles com capacidade ociosa, poderão ingressar no mercado, com preços competitivos, restabelecendo, deste modo, a concorrência.

Deve-se considerar, ademais, o comportamento ou dependência dos consumidores ou fornecedores. Às vezes, os consumidores permanecem fiéis à determinado produto, levados pela fama da marca, desprezando outros produtos com igual utilidade. Deveras, certas marcas originam um baixo grau de elasticidade cruzada do produto com seus similares, reduzindo a intercambialidade entre os mesmos, conquanto satisfaçam as mesmas necessidades, de molde a assegurar ao seu titular uma situação de independência e indiferença.

Circunstância idêntica ocorre no que tange aos fornecedores que, dependendo de determinado cliente para escoar sua produção, tem seu poder de barganha mitigado, estando consequentemente sob o jugo do poderio econômico do mesmo.

A existência de posição dominante pode decorrer, igualmente, da própria potência econômica da empresa, com alta disponibilidade de recursos, ou mesmo do domínio de tecnologia inacessível ao outros competidores.

Claro que tais evidências devem ser avaliadas também levando-se em conta o aspecto temporal, visto que tal superioridade econômica pode ser apenas efêmera, não assegurando de forma alguma independência em relação às leis do mercado, ou, pelo contrário, pode perdurar por lapso suficiente para provocar graves danos à coletividade, certas vezes irreparáveis.

4.2. Conceito e espécies

Sabe-se que os agentes econômicos, visando assumir posição dominante no mercado, ou seja, investir-se de poder que lhe proporcione uma posição de indiferença e independência em relação aos concorrentes, realizam acordos entre si, que abrangem tanto a associação das empresas, como o concerto de práticas. Tais acordos, em virtude de reproduzirem, no mais das vezes, condições monopolísticas, o que pode ser nocivo à concorrência, passam a ser objeto de regulamentação pela Lei Antitruste.

Consoante o art. 20 da Lei n.º 8.884/94, os acordos entre agentes econômicos que tenham por objeto ou efeito prejudicar, de qualquer forma, a concorrência, dominar mercado relevante, aumentar arbitrariamente os lucros, ou mesmo exercer abusivamente posição dominante, serão considerados ilícitos, e sujeitos consequentemente às cominações legais.

Referidos conchavos podem ser divididos em verticais e horizontais, sendo estes celebrados entre agentes que atuam em um mesmo mercado relevante (geográfico e material), em relação direta de concorrência, e aqueles realizados entre agentes cujas atividades são desenvolvidas em mercados relevantes diversos, na maior parte das vezes complementares (FORGIONI, op. cit., p. 324).

Os cartéis constituem típicos acordos horizontais, e têm como pressuposto o prejuízo advindo aos empresários em razão da concorrência, que implica em redução dos lucros, face a busca constante da melhoria da qualidade dos produtos e a diminuição do preço de custo.

Assim, consoante lição de Nélson de Andrade Branco e Celso de Albuquerque Barreto, citado por FORGIONI (op. cit., p. 326-327), “(…) o cartel representa um acordo, um ajuste, uma convenção, de empresas independentes, que conservam, apesar desse acordo, sua independência administrativa e financeira. (…) o Cartel tem como precípuo objetivo eliminar ou diminuir a concorrência e conseguir o monopólio em determinado setor da atividade econômica. Os empresários agrupados em cartel têm por finalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja na aquisição da matéria-prima, seja na conquista de mercados consumidores, operando-se, desta forma, a eliminação do processo normal de concorrência”.

A cartelização possibilita, da mesma forma, uma maximização dos lucros, vez que propicia a eliminação dos custos de transação. Tais custos referem-se àqueles efetuados pelos agentes econômicos no processo negocial. Com efeito, para que determinada empresa possa vender seu produto, necessita informar-se de todos os defeitos e vantagens dos seus similares, existentes no mercado, a fim de que possa comparar preços, qualidades, atributos, segurança, isto é, precisa conhecer o produto concorrente em sua essência, possibilitando uma decisão curial. Assim, dá-se o nome de custos de transação às despesas realizadas para reunir referidas informações, que deve incluir também o custo de intermediação e contratação.

Importa salientar, por oportuno, que, para que um ajuste seja considerado como prática de cartel, é imprescindível que haja a incidência de qualquer dos incisos do art. 20 da Lei Antitruste. Caso contrário, não haverá infração à ordem econômica.

São apresentadas diversas justificativas para a prática da cartelização, sendo comum aos seus defensores enaltecer as suas vantagens como, por exemplo, a eliminação da concorrência ruinosa, prejudicial a toda a coletividade. Ademais, com a neutralização da força da oferta e da procura, haveria uma estabilidade de preços, que seriam determinados por acordos entre os concorrentes.

Existem várias espécies de cartéis, merecendo destaque os cartéis de preços, bastante comum no setor de combustíveis. Tais ajustes podem ser praticados por agentes com poder econômico semelhante, ou por imposição de agente que detém posição dominante no mercado (acordos de price leadership).

Os acordos celebrados entre agentes econômicos em posição de igualdade podem determinar a elevação de preços com base em um percentual fixo, estabelecimento de preço mínimo de venda, ou estabilização de preços, através da recompra de produtos pelos próprios fabricantes.

Por meio destes acordos, eliminam-se os efeitos da concorrência sobre a formação dos preços. No entanto, quando praticados em mercados sem empresas dominantes, são bastante instáveis, vez que haverá maior probabilidade de alguns agentes iniciarem uma guerra de preços, quebrando-se o cartel. Por sua vez, será imperioso, para a sua sobrevivência, a imposição de barreiras à entrada de novos concorrentes, capazes de ingressar no mercado oferecendo melhores condições aos consumidores.

A seu turno, nos acordos de price leadership, os agentes econômicos detentores de posição dominante impõem preços, muitas vezes mediante mecanismos coercitivos, que passam a ser seguidos pelas outras empresas. Ocorre que nem sempre tal prática constitui um concerto entre as empresas, podendo haver apenas abuso de posição dominante, ou mesmo decorrer de um processo normal de concorrência.

Questão importante aventada pelos doutrinadores diz respeito à prova. Sabe-se que a mera uniformização de preços não é suficiente para a caracterização do ilícito em estudo, constituindo tão-somente indício da sua formação. De fato, tal uniformização pode surgir das próprias forças do mercado, fenômeno facilmente explicável por meio da Teoria dos Jogos, de John Forbes Nash, que trata exatamente da forma como as diferentes estratégias, seguidas por diversos indivíduos que competem ou colaboram entre si, afetam o resultado da colaboração ou competição. Transplantando-se tal teoria para o caso em análise, chega-se à seguinte conclusão: as empresas, ao concorrerem entre si, procuram, independentemente, fazer o melhor que podem para si, em função do que suas concorrentes estão fazendo, ou seja, adotam estratégias levando em conta as ações tomadas pelas suas concorrentes. Com isso, terminam chegando a resultados piores do que chegariam se estivessem em conluio, vez que, pensando da mesma forma, certamente tomarão a mesma decisão, o que leva ao equilíbrio de preços – Equilíbrio de Nash.

Ademais, o pacto entre os agentes econômicos dificilmente são documentados, o que impossibilita a sua prova. Os tribunais, assim, passaram a decidir que a existência do conchavo pode ser deduzida das próprias circunstâncias do caso. Alguns juristas defendem inclusive que, “para melhor robustecer a pretensão, basta instruir a exordial com alguns recortes de jornal denunciando com freqüência esses fatos.[1]

5. Um exemplo prático: os cartéis de postos de combustíveis

5.1. Considerações Preliminares

Prática corriqueira no Brasil é a formação de cartéis no setor de combustíveis. São divulgados frequentemente, em jornais de grande circulação, a prática de tais ajustes em várias capitais do país, tais como Florianópolis, Brasília, São Paulo, Recife e João Pessoa.

O governo vem adotando uma gama de estratégias visando desmantelar estes pactos, tendo como aliado neste combate o Ministério Público e as entidades de defesa dos consumidores. No entanto, observa-se a contumácia dos distribuidores e revendedores de combustíveis na prática da cartelização. Há quem atribua, aliás, a responsabilidade pela criação de cartéis exclusivamente aos distribuidores, sob o argumento de que os revendedores não possuem domínio da atividade. Segundo tais defensores, essas empresas manipulam o mercado, controlando desde os preços de combustíveis para revenda até a margem de lucro dos postos, impelindo os donos dos mesmos a fixar preço comum para a gasolina.[2]

Apresentar-se-á, neste capítulo, as referidas estratégias, e como o Poder Judiciário vem se manifestando no tocante a este tema.

5.2. Estratégias de combate aos cartéis de postos de combustíveis

Pode-se mencionar, inicialmente, levando-se em conta o caráter preventivo inerente à lei penal, o que dispõe Lei Antitruste acerca das sanções aos infratores da ordem econômica. Deveras, insculpe em seu art. 1º o seu objetivo não somente de reprimir, mas também prevenir a utilização abusiva do poder econômico. Para tanto, comina, em seu art. 23, diversas penas, constituídas por multas, determinando a possibilidade de aplicação em dobro em caso de reincidência.

Ademais, atendendo à efetividade dos princípios constitucionais da ordem econômica arrolados no art. 170 da Summa Lex, impõe a Lei 8.884/94 a responsabilização objetiva dos infratores da ordem econômica. In casu, “basta a existência do fato tipificado como infração da ordem econômica para que surja o dever de indenizar. É absolutamente irrelevante a conduta do autor, se lícita ou ilícita, regular ou irregular. Nem o dano patrimonial efetivo é exigido para que haja o dever de indenizar, notadamente porque a LAT 88 alterou o LACP 1º, caput, prevendo expressamente a indenizabilidade do dano moral, difuso ou coletivo”. (NERY JR.; 2001, p. 1477-1478).

Outrossim, vem o mencionado diploma transformar o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em autarquia federal, com autonomia, portanto, para exercer suas atribuições, elencadas na mesma Lei (art. 7º). Assume o CADE, assim, função de primordial importância, cabendo a ele a decisão sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicação das penalidades legais, além de exercer controle sobre os atos de concentração, mediante a apreciação de todos aqueles que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços (art. 54).

Além disso, são realizadas ações conjuntas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae) e Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, visando à instrução de processos adiministrativos cujo objeto é a apuração de cartéis em diversos setores, inclusive o de postos de combustíveis. Contudo, tais medidas não têm sido suficientes para prevenir a cartelização.

Tenta o governo, assim, em certos casos, controlar os preços dos combustíveis mediante a limitação das margens de lucros durante um determinado período de tempo.

Outra estratégia adotada foi a abertura de mercado, mediante a importação de combustíveis, de maneira a compelir os donos de postos a reduzirem os preços dos seus produtos. Neste caso, caberia à ANP – Agência Nacional de Petróleo, monitorar os preços, sendo que os postos que desrespeitassem o referido limite teriam seus nomes divulgados na Internet, possibilitando deste modo o boicote por parte dos consumidores. Confere à ANP, ainda, em caso de verificar a formação de cartéis, a possibilidade de acionar diretamente o CADE.

A seu turno, editou o governo medidas provisórias objetivando frear o setor de combustíveis. Foi instituído, a partir delas, o Programa de Leniência, mecanismo que se mostrou eficiente nos Estados Unidos, mediante o qual a confissão de envolvimento em cartel possibilita à empresa que a pratica o perdão parcial ou total das multas ou penalidades. Criou-se, também, o instituto da Delação, através do qual o delator, integrante do grupo envolvido na cartelização, poderá se beneficiar da anistia, desde que apresente provas contundentes que permitam a punição dos infratores, que poderão ser retirados do mercado pelo prazo de cinco anos. Por último, conferiu à BR Distribuidora a possibilidade de agir com mais rigor para forçar a queda dos preços de combustíveis.

É enaltecida igualmente a participação do Ministério Público em conjunto com a Secretaria de Direito Econômico na investigação respeitante à formação de cartéis. Com efeito, carreando mais provas na denúncia, será possível acelerar o trâmite processual, o que implica maior eficácia à Lei Antitruste. Importa salientar que tem o Parquet legitimidade para requerer, em processo criminal, a produção de determinadas provas, de notável eficiência na detecção de cartéis, tais como escutas telefônicas.

Observam-se, ademais, decisões judiciais contra a prática da cartelização dos postos de combustíveis, o que demonstra a atuação do Poder Judiciário no combate a tal infração. Como exemplo, cite-se a decisão da juíza da 7º vara cível de Goiânia, que determinou aos 208 postos de combustíveis da capital do Estado de Goiás que deixassem de praticar preços uniformes, sobre pena de pagar multa de R$ 500,00 por dia, além de sofrer cassação da licença de funcionamento da revenda pela ANP.[3]

Os consumidores, por sua vez, entram no combate, por meio de boicote aos postos que estabelecem preços extorsivos, ou fixam valores uniformes para seus produtos. Tal estratégia tem sido adotada na capital da Paraíba, levando muitas vezes os próprios empresários a iniciarem uma guerra de preços, desmantelando o cartel.

6. Conclusão

A prática da cartelização constitui infração à ordem econômica fortemente punida pela ordem jurídica brasileira. É combatida tanto pelos órgãos governamentais de defesa da concorrência, como pelas entidades de proteção aos consumidores, além do Poder Judiciário e do Ministério Público, em razão dos graves danos que tal crime pode trazer para o mercado.

De fato, eliminando a concorrência, a formação do cartel propicia uma maximização dos lucros dos empresários infratores, tendo em vista a supressão dos custos de transação, além da possibilidade da imposição de preços abusivos aos consumidores, impotentes perante a supremacia de tais agentes econômicos, em conluio.

Não obstante todo o embate contra os cartéis, sua formação continua sendo uma prática constante não só no Brasil, como em vários outros países. Além disso, o setor de combustíveis é apenas um dos vários em que ocorrem tais práticas, o que vem a corroborar a necessidade de combatê-las com todas as forças.

Como visto, países como os Estados Unidos adotaram medidas que vêm trazendo bons resultados, como o Programa de Leniência, e que passaram a ser adotadas aqui. Por outro lado, busca-se cominar penas cada vez mais graves aos formadores de cartéis, além de se aprimorar os mecanismos de investigação dos mesmos, de forma a facilitar a constatação do crime e a identificação dos infratores.

Entretanto, é extremamente difícil expurgar do mercado as empresas cartelizadoras, tendo em vista o poderio econômico que possuem. Com efeito, frequentemente são assassinados todos os que vão de encontro aos seus interesses, criando-se um estado da passividade e terror frente às mesmas. Ademais, conquanto possam os consumidores, em certos casos, promover boicotes, a cartelização pode perdurar por longo lapso de tempo, no qual os consumidores permanecem submetidos as suas condições, provocando do mesmo modo sérios prejuízos à toda a coletividade

7. Referências bibliográficas
1. BRITO, Carlos Alberto de. O Controle de Atos de Concentração: Forma de Intervenção do Estado no Domínio Econômico. Dissertação de Mestrado. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2001.
2. BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
3. FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
4. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 – Interpretação e Crítica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
5. NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil extravagante em vigor. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Notas:
[1] BEZERRA FILHO, Aluízio. Cartel de Gasolina: Dano moral. Correio da Paraíba, Paraíba, Domingo, 27 de janeiro de 2002. Seção Justiça, p. B-12.
[2] SIQUEIRA, Chico. Postos afirmam que distribuidores manipulam mercado. Folha da Região on-line. Disponível em: <www.folhadaregião.com>. Acesso em 5 de março de 2002.
[3] Juíza ordena fim de cartel de postos. WWRent. São Paulo, 31-01-2002. Disponível em <www.wwrent.com.br>. Acesso em 5 de março de 2002.

 


 

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José Ricardo da Silva Rodrigues