Os jornais de
22 de março deste ano trazem o relato de milagrosa atividade, desenvolvida na
Câmara dos Deputados, no sentido de tramitação de projeto visando alguns
benefícios aos presos, destacando-se a possibilidade de ficarem no escuro, à
noite, e de poderem manter a preservação do segredo da correspondência,
bastando, para tanto, a abertura e fechamento dos respectivos envelopes sob a
fiscalização de agentes penitenciários. Não se tem a redação do projeto, mas o deputado
federal Luiz Eduardo Greenhald surge, nas
notícias, como um dos intervenientes ou redatores do texto (ou seria de
emenda?). Cuida-se, de qualquer maneira, de iniciativa salutar, revelando, num
escuro período da história judiciária pátria, uma real contradição.
Sabe-se muito bem que em muitos estabelecimentos prisionais nunca há
escuridão total nas celas. Os presos são permanentemente submetidos a iluminação provinda de corredores ou de lâmpadas
estrategicamente colocadas. Sabe-se, igualmente, que toda a correspondência dos
reclusos é censurada por diretores ou prepostos, sem exceção daquelas cartas
trocadas com advogados. Por fim, não há quem tenha a ingenuidade de acreditar
na extinção das celas fortes (ou solitárias). Continuam existindo tais
calabouços, em maior ou menor extensão, dependendo a localização, dimensões e
particularidades outras, da boa ou má vontade dos diretores dos
estabelecimentos prisionais. Em suma, a Lei de Execução Penal é aviltada,
envergonhada, envilecida, desprezada, desnutrida, passando os fiscais, soberanamente,
à margem das exigências e restrições postas nos diversos dispositivos
garantidores dos direitos dos reclusos.
Consta do noticiário, inclusive,
comentário nebuloso sobre a responsabilização de juízes que não venham a
exercer vigilância sobre o limite máximo de lotação de estabelecimentos
penitenciários postos dentro dos limites territoriais de suas circunscrições. É
boa sugestão, mas não pode ser delimitada assim. Se e quando posta em
vigor a proposição, haveria de se estender a todos aqueles que, por força
de suas funções, tivessem obrigação de vigiar o cumprimento da lei. Bons
propósitos, sim, mas voltados a uma fatal ficção,
pois todo o sistema protetor dos direitos do preso foi às calendas. A maioria dos juízes despreza a
legislação, o Ministério Público, salvo honrosíssimas
exceções, mal visita as cadeias (no que faz muito bem,
porque se as visitar será obrigado a reagir, calando-se, portanto,
fora dos muros) e os policiais, com motivos maiores, apenas esperam o tempo
passar. É, já se viu, uma situação de fato que leva à
destruição de todos os requisitos advindos do sistema legislativo específico.
Afirmava um teólogo santificado pela
Igreja Católica que a lei ruim não pode ser cumprida. Cai em desuso. Entenda-se,
portanto, que a Lei de Execução Penal inexiste. A razão do entendimento é
relevante: se existir, o Estado-Administração
terá prepostos cometendo diariamente centenas de condutas criminosas.
Aprendemos, entretanto, que o Estado é, ele sim, o repressor das
condutas infracionais. Logo, fechem-se os olhos
à censura posta em concreto. Cale-se o insubordinado. Há de pagar, se
quieto não ficar, o caro preço cobrado daqueles que quebram a rotina do
conformismo enquanto tentam, ingenuamente, lacear
as correntes trançadas pelo sistema. É assim e será sempre assim?
Informações Sobre o Autor
Paulo Sérgio Leite Fernandes
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.