Certificação das filantrópicas


Há poucos dias escrevi um artigo criticando a MP nº 446, de 7-11-2008, que dispõe sobre a certificação de entidades beneficentes de assistência social e concede anistia branca, com atropelo dos princípios do devido processo legal e da isonomia.


Essa medida provisória foi devolvida pelo Sr. Presidente do Congresso Nacional, igualmente, sem observância do devido processo legal. Pende recurso junto à CCJ contra o ato de devolução imotivada.


Agora, está em tramitação no Senado Federal o projeto legislativo de nº 462, de 1-12-2008, versando sobre o mesmo assunto, reproduzindo na íntegra os artigos 1º a 36 da MP nº 446/08, porém, dando nova redação aos artigos. 37, 38 e 39, que contêm vícios de inconstitucionalidade, além de  acoimados de imorais.


Só que a nova proposta legislativa, se aprovada como está criará um impasse jurídico.


O art. 37 prescreve que os “pedidos de renovação e reconsideração deferidos, os recursos tidos como extintos e as representações, como prejudicadas por força do disposto nos arts. 37 a 39 da Medida Provisória nº 446, de 7 de novembro de 2008, serão encaminhadas ao Ministério responsável, que os julgará até 31 de dezembro de 2009, observada a legislação em vigor à época de sua protocolização original”.


O art. 38, por sua vez, dispõe que “os deferimentos de renovação de certificado de Entidade Beneficentes de Assistência Social decorrentes do disposto nos arts. 37 a 39 da MP 446, de 2008, têm caráter de certificação provisória, com vencimento na data do julgamento do respectivo processo ou em 31 de dezembro de 2009”.


Patente está que faltou a mão do jurista na redação do texto elaborado precipitadamente e ao sabor das  paixões políticas provocadas pela MP nº 446/08.


Como é possível emprestar-se eficácia jurídica a dispositivos da MP 446/08, objeto de devolução ao Executivo? Consumada a devolução, a medida provisória em questão deixará de existir no mundo jurídico e qualquer texto que faça referência a qualquer um de seus dispositivos não produzirá efeito jurídico.


A única hipótese disso dar certo é a conversão concomitante da MP 446/08, por ato do Congresso Nacional, e a sanção presidencial do projeto legislativo 462/08, depois de aprovada pelo Parlamento. Se devolvida a MP nº 446/08, os arts. 37 e 38 da nova lei perderão eficácia. E se a MP nº 446/08 for aprovada com antecedência criará uma grande discussão de natureza jurídica em torno da questão de direito intemporal. Melhor explicando, muitas entidades beneficentes ingressarão em juízo para pleitear os benefícios da anistia por força do efeito jurídico produzido no período de sua vigência, pois a nova lei não poderia retroagir para prejudicar os beneficiados pela lei anterior.


E mais, o art. 38 da futura lei resultante do PL nº 462/08 do Senado Federal confere eficácia provisória às anistias concedidas pela MP nº 446/08 até o dia 31-12-2009, ou até a data do julgamento de processos pendentes. Em outras palavras, a inconstitucionalidade, bem como a imoralidade podem ser toleradas, desde que sejam de forma provisória.


Resulta do exposto que o projeto legislativo parte da premissa de que a combatida  anistia concedida pela medida provisória em questão continua valendo, até mesmo após a vigência da nova lei, nesta hipótese, por prazo determinado.


Tudo indica que a emenda saiu pior que o soneto.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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