Certificação de entidades beneficentes de assistência social. Breves comentários à MP nº 446 de 7-11-08


A Medida Provisória nº 446, de 7/11/2008, que dispõe sobre certificação de entidades beneficentes de assistência social está causando polêmicas no Congresso Nacional por implicar uma espécie de anistia branca. É uma das medidas provisórias mais confusas editadas até hoje.


Examinemos os dispositivos mais polêmicos.


O art. 28 prescreve:


“A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos:


I – seja constituída como pessoa jurídica nos termos do caput do art. 1º;


II – não percebam, seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens, ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;


III – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetos institucionais;


IV – preveja, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidades sem fins lucrativos congêneres ou a entidades públicas;


V – não seja constituída com patrimônio individual ou de sociedade sem caráter beneficente;


VI – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e à dívida ativa da União, certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e de regularidade em face do Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal – CADIN;


VII – mantenha escrituração contábil regular que registre as receitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com os princípios contáveis geralmente aceitos e as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade;


VIII – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;


IX – aplique as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que estejam vinculadas;


X – conserve em boa ordem, pelo prazo de dez anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem como os atos ou operações realizadas que venham a modificar sua situação patrimonial;


XI – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária; e


XII zele pelo cumprimento de outros requisitos, estabelecidos em lei, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo.”


Ficam as entidades beneficentes de assistência social isentas, portanto, de contribuição previdenciária patronal e das contribuições provenientes do faturamento e do lucro destinadas à Seguridade Social mediante observância dos requisitos exigidos pelo art. 14 do CTN, acrescidos de outros concernentes às obrigações tributárias acessórias e apresentação de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa de débitos tributários, além dos certificados de regularidade do FGTS e do CADIN.


Outrossim, indispensável que a entidade beneficiada seja certificada nos termos do art. 19:


“A certificação será concedida à entidade de assistência social que presta serviços e ações gratuitos, continuados e planejados, sem qualquer discriminação e sem exigência de contrapartida do usuário, observada a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, ressalvado o disposto no § 1º do art. 35 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.”


Em outras palavras, agora, para a certificação basta a prestação de serviços e ações continuados e planejados, de forma gratuita, sem discriminação, dentro dos objetivos da assistência social definidos na Lei 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. É facultada a cobrança pelas entidades de longa permanência ou “casa-lar” de participação do idoso no custeio da entidade (entidade filantrópica). Não há mais exigência de aplicação mínima do percentual de receita da entidade beneficente.


O art. 37 declara que os pedidos de renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS – pendentes de julgamento por parte do CNAS até a data da publicação da Medida Provisória sob comento, consideram-se deferidos, ficando prejudicadas as representações em curso perante o CNAS propostas pelo Poder Executivo, inclusive, em relação a períodos anteriores (parágrafo único).


O art. 38 declara extinto o recurso em tramitação até a data da publicação da medida provisória em questão, relativo ao pedido de renovação ou de concessão originária do CEBAS.


Igualmente são considerados deferidos os pedidos de CEBAS indeferidos pelo CNAS, que sejam objetos de pedido de reconsideração ou de recurso pendentes de julgamento até a data da publicação desta Medida Provisória, nos termos do art. 39.


O art. 41, por sua vez, prorroga por um ano os CEBASs, que se expirarem no prazo de 12 meses, a contar da data da Medida Provisória, desde que a entidade esteja cumprindo “os requisitos exigidos pela legislação vigente à época de sua concessão ou renovação”.


O art. 36 remete ao Ministério responsável, no caso, ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome os pedidos de concessão originária de CEBAS que não tenham sido objetos de julgamento pelo CNAS até a data da publicação desta Medida Provisória, para julgamento na forma da legislação em vigor à época do requerimento.


O confronto desse art. 36 com os artigos 37, 38 e 39 da Medida Provisória nº 446/08 revela nítida violação do princípio da isonomia previsto no art. 150, II da CF. É verdade que para tentar minorar o contraste, o § 2º, do art. 36 prescreve a irrecorribilidade da decisão favorável ao contribuinte. Seu § 3º, por sua vez, prescreve recurso sem efeito suspensivo das decisões contrárias às entidades beneficentes.


Na prática, os artigos 37, 38 e 39, combinados com o art. 28 concedem uma anistia às entidades autuadas em razão do indeferimento da certificação ou da renovação do CEBAS.


Por isso, aconselhável às entidades beneficiadas provocar a extinção dos processos administrativos ou judiciais, onde estão sendo discutidos os créditos tributários dentro do prazo de validade da Medida Provisória, antes de sua eventual rejeição pelo Congresso Nacional ou sua caducidade por decurso de tempo.


Como sabe, não se tem noticia, até hoje, de que o Congresso Nacional tenha regulado os efeitos concretos produzidos durante a vigência da medida provisória rejeitada ou caducada, como prescreve o § 3º do art. 62 da CF. Isso significa que os efeitos produzidos – arquivamento dos autos por perda de objeto decorrente de anistia – tornar-se-ão permanentes, na forma do § 11 do art. 62 da CF.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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