Resumo: O artigo trata da questão da possibilidade ou não do chamamento ao processo de todos os avós a fim dos mesmos, indistintamente, figurarem no pólo passivo das lides alimentares. Tal questão é pulsante e enfrentada diariamente pelos juízos brasileiros, em processos de alimentos.
1. INTRODUÇÃO
Tendo em vista a posição do STJ admitindo a possibilidade de chamamento ao processo de todos os avós em processo de alimentos e a divisão da jurisprudência ante tal fato, este opúsculo visa lançar algumas luzes sobre o tema, a fim de, em conjunto com tal posição do Tribunal da Cidadania, lograr estabelecer um norte para o tema.
2. COTEJO DO ARTIGO 77, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM O ARTIGO 1698, DO CÓDIGO CIVIL: NOVA POSSIBILIDADE DE CHAMAMENTO AO PROCESSO?
Estabelece o artigo 77, do Código de Processo Civil ser viável o chamamento ao processo quando:
“I – do devedor, na ação em que o fiador for réu; II – dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles; III – de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum”.
Na situação ora vertente (em que, por exemplo, somente os avós paternos são demandados pelo alimentante e aqueles desejam que os avós maternos integrem, também, a lide), cotejando-se com tal disposição legal se percebe, “prima facie”, que nenhum dos avós é fiador ou devedor solidário do pai (ou mãe) inadimplente, nem tal dívida alimentícia é comum a estes, ante o dever dos pais (e não dos avós) na criação e sustento dos filhos (netos daqueles).
Portanto, analisando-se isoladamente tal cânone processual, não se admitiria o chamamento ao processo nessas situações.
Entretanto, houve uma reviravolta em tal pensamento com o advento do artigo 1698, do Código Civil:
“Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.” (g.n.)
Ou seja, o direito material – imiscuindo-se no processual – diz ser possível o chamamento ao processo na qual todos os avós, guindados ao pólo passivo, responderiam, em tese, por obrigação subsidiária (e não solidária, como prevê o artigo 77, seja pelo seu inciso III, seja pelo fato de, na prática, os fiadores abrirem mão do benefício de ordem e se tornarem devedores solidários) de alimentos a seus netos.
Impossível, pois, lançar mão da antiga (e até então consolidada) jurisprudência que atestava a impossibilidade do chamamento ao processo de todos os avós em lides alimentícias.
Assim, os tribunais estaduais, primeiramente, foram instados a se manifestar a respeito.
3. O ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA A RESPEITO
Surgiram decisões diversas, ora determinando o descabimento do chamamento ao processo em tal situação, ora acatando-o.
Houve entendimentos no sentido de, não sendo obrigatório tal litisconsórcio, não poderia obrigar-se outras pessoas – somente por serem também avós do alimentando – a figurar no pólo passivo do feito.
Confira-se, a exemplo, os seguintes julgados que negaram o chamamento ao processo nos casos ora vertentes:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. COMPLEMENTAÇÃO PELO AVÔ PATERNO. CHAMAMENTO AO PROCESSO DOS AVÔS MATERNOS. DESCABIMENTO. Descabe o chamamento dos avós maternos na demanda intentada pela neta contra o avô paterno, por não se evidenciar nenhuma das hipóteses previstas no art. 77 do CPC. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido.” (TJRS, AI N.º 70013417290, 8ª CÂMARA CÍVEL, RELATOR: DES. JOSÉ S. TRINDADE, JULGADO EM 22/12/2005)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS CONTRA AVÓS PATERNOS. CHAMAMENTO AO PROCESSO DOS AVÓS MATERNOS. INADMISSIBILIDADE. NATUREZA DA OBRIGAÇÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO.” (TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70040975120, Oitava Câmara Cível, Relator Alzir Felippe Schmitz, 09/06/2011)
AÇÃO DE ALIMENTOS INTENTADA CONTRA OS AVÓS PATERNOS – CHAMAMENTO AO PROCESSO DOS AVÓS MATERNOS – IMPOSSIBILIDADE (…) É cabível a propositura de ação de alimentos em face dos avós paternos, não sendo devido, contudo, o chamamento ao processo dos avós maternos, na medida em que a obrigação de prestar alimentos é concorrente, mas não solidária (…). (TJMG, Apelação Cível 1.0382.07.078830-4/002 (1), rel. Des. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO, julgado em 13/08/2009)
Já a corrente oposta – considerando, além da disposição do Código Civil, os superiores interesses do alimentando – garantiu o direito ao chamamento ao processo nas questões ora em tela, como se denota de alguns julgados neste sentido:
“DIREITO CIVIL – AÇÃO DE ALIMENTOS EM DESFAVOR DO AVÔ PATERNO – COMPLEMENTAÇÃO DE PENSÃO – CHAMAMENTO AO PROCESSO DOS AVÓS MATERNOS – POSSIBILIDADE.O fato de as alimentandas viverem com os avós maternos e a presunção de que estes colaboram com o sustento das netas não afasta a possibilidade destes integrarem a lide.
A obrigação de prestar alimentos deve ser partilhada entre todos os parentes do mesmo grau na proporção de suas possibilidades.” (TJDF. Agravo de Instrumento: AI 108758220088070000 DF 0010875-82.2008.807.0000, rel. Des. JOÃO MARIOSA, julgado em 12/11/2008)
“Alimentos. Ação ajuizada em face dos avós paternos. Pleito por parte dos réus de inclusão dos avós maternos. Indeferimento. Inconformismo. Acolhimento. Inteligência do artigo 1698 do CC. Nova hipótese legal de chamamento ao processo. Agravo de instrumento provido.” (TJSP. Agravo 5592914300 SP, rel. Des. Piva Rodrigues, julgado em 09/09/2008)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR NETA CONTRA OS AVÓS PATERNOS – CITAÇÃO DETERMINADA DOS AVÓS MATERNOS PARA INTEGRAREM A LIDE – FACULDADE DO RÉU ORIGINÁRIO DE PROMOVER A INSTAURAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO IMPRÓPRIO – INTELIGÊNCIA DO ART. 1.698 DO CÓDIGO CIVIL – INOVAÇÃO DA SISTEMÁTICA ACERCA DA PLURALIDADE DE PESSOAS OBRIGADAS A PRESTAR ALIMENTOS – INOCORRÊNCIA DE SOLIDARIEDADE – RECURSO DESPROVIDO.” (TJSC. Agravo de instrumento n. 04.008128-6, rel. Des. Dionízio Jenczak, julgado em 05/11/2004)
4. A POSIÇÃO DO STJ A RESPEITO
Evidentemente, tal polêmica questão chegou ao STJ para ser dirimida.
Enfrentando-a, o Tribunal da Cidadania assegura, de forma pacífica, a possibilidade do chamamento ao processo nas situações aventadas neste artigo.
Confira-se tal pensamento, externado nas ementas infra-transcritas:
“CIVIL. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR E SUCESSIVA. LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA.1 – A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que “sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos.” 2 – O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras. 3 – Neste contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no pólo passivo da demanda. 4 – Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 658.139/RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ 13.03.2006).
“CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. INSUFICIÊNCIA DOS ALIMENTOS PRESTADOS PELO GENITOR. COMPLEMENTAÇÃO. AVÓS PATERNOS DEMANDADOS. PEDIDO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ENTRE AVÓS PATERNOS E MATERNOS. CABIMENTO, NOS TERMOS DO ART. 1.698 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES. I. Nos termos da mais recente jurisprudência do STJ, à luz do Novo Código Civil, há litisconsórcio necessário entre os avós paternos e maternos na ação de alimentos complementares. Precedentes.II. Recurso especial provido.” (REsp 958.513, rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ 28/02/2011).
Portanto, à luz da jurisprudência já consolidada do STJ, inegável o direito do chamamento ao processo, nas situações em que parte dos avós, apenas, é demandado por alimentos de seu neto, restando os outros avós incólumes, fora do pólo passivo da lide.
5. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO OU NECESSÁRIO?
Obviamente, no caso concreto, sendo um (ou ambos) os avós de um dos pais demandados, é absolutamente interessante que os mesmos lancem mão de tal chamamento, ao menos tentando trazer à baila os demais avós, a fim de não suportarem, sozinhos, uma eventual condenação em prestação de alimentos ao neto, surgindo na demanda, um litisconsórcio passivo ulterior.
Entretanto, surge a questão: tal litisconsórcio é facultativo ou necessário?
Exemplifica-se: Imagine um neto que demande seus avós paternos riquíssimos, ao passo que seus homólogos maternos não têm as mínimas condições de oferecer-lhe os alimentos necessários.
Tal neto, por opção, utilizando-se de seu direito subjetivo, restringiu a lide a tais avós abonados, deixando de fora dela os outros avós sem condições financeiras.
Entendendo-se litisconsórcio facultativo e caso os avós demandados não exerçam o chamamento ao processo, os demais estarão indubitavelmente fora do feito (e de uma eventual condenação).
Contudo, concluindo ser litisconsórcio necessário, os outros avós – mesmo reconhecidamente pelo alimentante sem condições de arcar com as verbas pleiteadas – indubitavelmente farão parte do pólo passivo, com o risco de sofrer uma condenação (e a obrigação) de pagar os alimentos ao seu descendente.
E mais: sendo litisconsórcio necessário, o magistrado determinará, ao disposto no artigo 47, do Código de Processo Civil, que o alimentante providencie a citação dos demais avós, mesmo contra a vontade deste.
Pois bem, enfrentando tal questão, superando entendimento anterior[1], o STJ decidiu ser tal situação de chamamento ao processo caso de litisconsórcio necessário.
Neste sentido, determinou o Ministro Fernando Gonçalves, no “leading case” acima ementado:
“A questão debatida consiste em saber se o art. 1698 do Código Civil de 2002 tem o condão de modificar a interpretação pretoriana firmada sobre o art. 397 do Código Civil revogado.
Eis a nova redação:
‘Art. 1698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.’
Em primeira análise, a interpretação literal do dispositivo parece conceder uma faculdade ao autor da ação de alimentos de trazer para o pólo passivo os avós paternos e/ou os avós maternos de acordo com a sua livre escolha. Todavia, essa não representa a melhor exegese.
É sabido que a obrigação de prestar alimentos aos filhos é, originariamente, de ambos os pais, sendo transferida aos avós subsidiariamente, em caso de inadimplemento, em caráter complementar e sucessivo.
Neste contexto, mais acertado o entendimento de que a obrigação subsidiária – em caso de inadimplemento da principal – deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento.
Isso se justifica, pois a necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado, maior provisionamento tantos quantos réus houver no pólo passivo da demanda.”
O Ministro Aldir Passarinho Júnior, ao julgar situação idêntica na ementa acima transcrita, fez coro às tais palavras do Ministro Fernando Gonçalves, garantindo que “tal entendimento é o que melhor se adéqua à nova realidade legal, bem como ao princípio do melhor interesse do menor.”
6. CONCLUSÃO
Respeitadas as vozes dissonantes, considerando a jurisprudência ora consolidada do STJ, é perfeitamente possível (e mais: obrigatório) o chamamento ao processo em lides alimentícias onde figuram os avós do alimentando no pólo passivo, a fim de todos estes se verem demandados, descortinando-se um litisconsórcio passivo necessário ulterior.
Informações Sobre o Autor
José Menah Lourenço
Advogado