Como se sabe, o serviço de comunicação foi inserido na competência impositiva do Estado-membro, conforme disposição expressa no art. 155, II da CF. Pouco importa que o ponto de recepção e o ponto de transmissão se situem no mesmo território municipal, pois, o legislador constituinte nenhuma restrição fez a esse respeito, ao contrário do que fez em relação ao serviço de transporte em que aquele prestado no âmbito intramunicipal ficou excluído da incidência do ICMS.
O § 3º do citado art. 155 incluiu, ainda, no campo de incidência do ICMS as operações relativas à energia elétrica. Como isso, o legislador constituinte de 1988 inovou o conceito tradicional de mercadoria traduzida como um bem móvel objeto de mercancia, cuja transmissão se opera por tradição manual.
Verifica-se, pois, que a competência impositiva municipal por meio do ISS sofre restrições constitucionais. Além da prévia definição, por lei complementar, dos serviços tributáveis deve respeitar aqueles já incluídos na competência tributária estadual. Diz o art. 156 da CF:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III – serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.
Feitas essas breves considerações examinemos alguns casos típicos de invasão de competência tributária estadual por meio do ISS que foram submetidos à nossa apreciação profissional.
a) Tributação dos serviços complementares de radiochamada
As empresas permissionárias do serviço de radiochamada são prestadoras do serviço especial de telecomunicação, por expressa definição prevista no art. 6º, item 9.3, do Decreto nº 52.026/63, parcialmente alterado pelo Decreto nº 97.057/88, que regulamentou o Código Brasileiro de Telecomunicação, Lei nº 4.711/62:
“Art. 6º. Para efeitos deste Regulamento Geral, dos Regulamentos Específicos e das Normas Complementares, os termos adiante enumerados tem os significados que se segue:
93 – Serviço Especial de Radiochamada:
Serviço especial de telecomunicações destinado a transmitir sinais de chamada especialmente codificados, endereçados a assinantes dos serviços”.
Ora, sendo o serviço de telecomunicação espécie do gênero serviço de comunicação, os serviços prestados pelas concessionárias de radiochamada sujeitam-se apenas à incidência do ICMS.
Só que as concessionárias, para a efetiva prestação desse serviço de telecomunicação, deve disponibilizar ao assinante os aparelhos receptores (pager ou bips), bem como cuidar de sua manutenção, reparando os defeitos que se apresentarem. O usuário, tanto pode comprar o Pager, como locar esse aparelho tal como acontece com o usuário de TV a cabo, que compra ou loca o aparelho receptor de imagem.
O serviço de telecomunicação por radiochamada envolve, ainda, recepção de escritos, sinais,símbolos, sons ou informações por rádio, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de acordo com o Código Brasileiro de Telecomunicações.
Pois bem, a Prefeitura de São Paulo vem tributando, por meio de ISS:
a) o fornecimento de pager ao usuário a titulo de locação de bem móvel (item 75 da lista de serviços);
b) a manutenção ou reparos no pager do usuário a título de serviços de conserto, restauração e manutenção de máquinas (item 68 da lista de serviços);
c) as atividades de recepção de sinais, escritos e caracteres e transmissão de informações, recados e comunicação a título de serviços de análise de sistema, exames e pesquisas e informações (item 23 da lista de serviços).
Patente a confusão entre atividade-fim que é a prestação do serviço de telecomunicação onerado pelo ICMS, com atividade-meio indispensável à execução do serviço de radiochamada. No caso de locação de bem móvel incide, ainda, em desrespeito à decisão do STF que não reconhece essa atividade como serviço, razão pela qual foi vetado o item 3.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.
b) Tributação das concessionárias de energia elétrica pela execução dos serviços tarifados previstos na Resolução nº 456/2000 da ANEEL
Além da tarifa pelo consumo de energia elétrica a ANEEL permite que as concessionárias cobrem dos consumidores os seguintes serviços, conforme art. 109 da Resolução nº 456/2000:
I- vistoria de unidade consumidora;
II- aferição de medidor;
III- verificação do nível de tensão;
IV- religação normal;
V- religação de urgência; e
VI- emissão de segunda via de fatura.
Os parágrafos desse artigo especificam as hipóteses em que as tarifas não poderão ser cobradas como, por exemplo, a primeira vistoria realizada para atender ao pedido de fornecimento ou de aumento de carga.
Ora, não é preciso grande esforço mental para se concluir que todos esses serviços tarifados pela ANEEL constituem atividades-meios para atingir a atividade-fim, que é o fornecimento de energia, objeto de tributação pelo ICMS.
E mais, se tributáveis fossem esses serviços, e não são, o sujeito ativo do imposto só poderia ser o Estado-membro por força da imunidade de impostos em relação às operações relativas à energia elétrica, ressalvado apenas o ICMS (§ 3º do art. 155 da CF).
c) Outras tributações indevidas
Tamanha é a sede em arrecadar que o Município vem tentando tributar a atividade de entrega domiciliar de gás a título de transporte intramunicipal.
Ora, o transporte de botijão de gás não é uma atividade-fim do fornecedor de combustível gasoso. É apenas um meio para alcançar a prestação do serviço específico de fornecimento domiciliar do gás. Diferente a hipótese em que o consumidor compra uma quantidade grande de botijões junto a fornecedora de gás e contrata uma transportadora. No caso, não há conexão entre a empresa fornecedora do gás e a empresa transportadora. A primeira vende mercadoria e a segunda vende serviço de transporte.
Outra ilegalidade perpetrada pela generalidade dos Municípios diz respeito à tributação pelo ISS dos serviços de exploração de rodovia pedagiada, mediante decomposição do seu fato gerador que é complexivo. Muito embora, neste caso, não envolva invasão de competência impositiva estadual, a tributação em separado dos diversos serviços abrangidos na exploração de rodovia pedagiada é de uma ilegalidade manifesta.
A prestação desses serviços envolvem, necessariamente, a conservação e manutenção da rodovia; a execução de melhoramentos para aumentar a segurança do transito; a operação, o monitoramento e a assistência aos usuários; além de postos de cobrança de pedágios. Todas essas atividades devem ser consideradas em sua forma global e unitária, sem possibilidade de fracionamento em atividades independentes ou isoladas. É o que se depreende da simples leitura do item 22.01 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03.
A cobrança do pedágio surge como contrapartida para propiciar ao usuário da estrada condições de segurança no tráfego, o que envolve desenvolvimento de atividades múltiplas pelo concessionário da rodovia.
Tributar separadamente cada uma dessas atividades geraria um verdadeiro caos. A competência para a tributação dos serviços de cobrança do pedágio seria do município onde se localiza o estabelecimento da concessionária, independentemente do território municipal onde se localizam os diversos postos de cobrança; o mesmo aconteceria com os serviços de guincho de automóvel percorrendo vários territórios municipais; os serviços de conservação e sinalização de estradas seriam tributados por vários municípios por onde os serviços fossem executados etc.
Tratando-se de fato gerador complexivo, o sujeito passivo é a concessionária do serviço de exploração de rodovia pedagiada, sendo que o ISS incidente sobre o valor dos pedágios cobrados deve ser repartido entre os Municípios na proporção direta da parcela da extensão da rodovia explorada dentro do respectivo território. Não há, nem pode haver decomposição do valor do pedágio para remuneração de diversos serviços: monitoramento, recapeamento da pista, prestação de socorro ao usuário, obras de contenção para evitar deslizamento de terras, serviços de sinalização de pistas etc. Daí porque esses serviços não podem ser tributados isoladamente como estão fazendo os diversos municípios.
Enfim, os casos retro mencionados têm caráter meramente ilustrativo. Na realidade, existem inúmeros outros casos de tributações por meio do ISS que não têm amparo na lei de regência nacional desse imposto e, às vezes, contra os expressos textos da própria legislação municipal.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.