A COFINS é um dos tributos que mais controvérsias têm suscitado ao longo de sua vigência. O mesmo acontece com o seu irmão gêmeo que é o PIS. Portanto, o que for dito em relação a um serve para o outro.
Uma das controvérsias diz respeito à sua base de cálculo, que é o faturamento. Essa questão pende de solução definitiva no STF. Por seis votos a Corte Suprema firmou a tese de que o ICMS deve ser excluído da base de cálculo da COFINS, porque sendo o ICMS um imposto não pode estar compreendido no conceito de faturamento, que é a base de cálculo dessa contribuição social. Argumentou-se, na época, que o imposto não se presta à operação mercantil, pelo que não pode ser faturado. Nesse sentido seis votos já foram proferidos no RE nº 240.785-MG, Relator Min. Marco Aurélio. Entretanto, como mais adiante se verá, o valor do ICMS está sendo faturado nas operações de compra e venda, pois ele integra o preço das mercadorias ou dos serviços.
O julgamento daquele Recurso Extraordinário foi suspenso por 180 dias em razão da liminar concedida por 9 votos contra 2 nos autos da ADECON nº 18-5 impetrada pela União, batendo-se pela constitucionalidade de inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS em operação interna, porque a legislação exclui expressamente o ICMS da base de cálculo da COFINS em operação interestadual, donde se conclui que na operação interna não há essa exclusão. Vencido o prazo houve duas sucessivas prorrogações por mais 180 dias, também, já superadas sem nova prorrogação. Daí o julgamento dessa questão pelas instâncias ordinárias, inclusive, com o alargamento da tese para excluir igualmente o ISS da base de cálculo do PIS/COFINS pelo mesmo argumento utilizado pelo STF. Isso já era esperado por uma questão de coerência.
A verdade é que nos chamados tributos indiretos (PIS/COFINS, ISS, ICMS, IPI), a menos que haja regra expressa de exclusão, a exemplo do que acontece com o valor do IPI na base de cálculo do ICMS (inciso XI, do § 2º, do art. 155 da CF), o valor do tributo integra o custo dos serviços ou das mercadorias, tanto quanto as despesas com a folha ou a margem de lucro do agente econômico. A única forma de viabilizar a exclusão dos valores dos tributos indiretos de sua base de cálculo ou da base de cálculo de outro tributo, quando a situação configurar fato gerador de ambos os tributos, é inserindo no texto do art. 150, da CF proibição expressa nesse sentido, como preconizado nas sugestões que fizemos na Comissão Especial de Reforma Tributária, nos termos do que consta no capítulo 19 deste livro[1], tendo em vista que o STF considerou constitucional a inclusão do valor do tributo em sua base de cálculo? [2]
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal entendeu constitucional a incidência do ICMS sobre si próprio. A chamada tributação por dentro, como o ICMS, ao contrário da tributação por fora, não se harmoniza com o princípio da transparência tributária previsto no § 5º, do art. 150 da CF.
De fato, como o ICMS é cobrado 'por dentro', ele não permite ao contribuinte ter uma ideia do preço da mercadoria adquirida, antes e após a incidência do imposto, apesar do seu destaque, para efeito de escrituração nos livros fiscais, de sorte a viabilizar o princípio da não cumulatividade do imposto. Dessa forma, uma alíquota nominal de 18% equivalerá a uma alíquota real de 20,48%; a alíquota de 25% cobrada no fornecimento de energia elétrica equivalerá a uma alíquota de 33,35%, patamar não alcançado à época do IVV cumulativo.
A exacerbação da carga tributária na venda de energia elétrica viola, às escâncaras, o princípio da seletividade do ICMS “em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços” como prescrito está no inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF. Efetivamente, na sociedade contemporânea a energia elétrica é um bem essencial não apenas em termos de conforto das pessoas, como também em termos de desenvolvimento de qualquer tipo de atividade humana, seja ela de caráter lucrativo ou não. Basta imaginar as conseqüências desastrosas de um black-out de dez ou doze horas. Mas, os governantes, motivados pela facilidade da arrecadação do ICMS incidente sobre as operações com energia elétrica, porque o imposto é cobrado na conta de energia, vêm exacerbando a sua alíquota com a inversão do princípio da seletividade.
O texto constitucional não impõe a seletividade da alíquota do ICMS, como acontece com a alíquota do IPI, mas, apenas concede uma faculdade. Isso significa que aquele preceito do inciso III, do § 2º representa uma norma de caráter programático. É pacífico na doutrina que norma programática não precisa ser necessariamente implementada, mas, ela surte efeito pelo seu aspecto negativo, isto é, veda a sua implementação ao inverso. Em outras palavras, é inconstitucional a exacerbação de alíquota do ICMS na venda de produto essencial em patamar superior à venda de produtos não essenciais.
No PIS/COFINS-Importação a técnica da tributação por dentro conduz a uma distorção maior ainda.
Realmente, sabemos que a base de cálculo dessas contribuições sociais é o valor aduaneiro que servir ou que deveria servir de base de cálculo do imposto de importação, acrescido do montante desse imposto, do valor do ICMS e do valor das próprias contribuições (PIS/COFINS). Em outras palavras, as contribuições do PIS/COFINS incidem sobre o valor do II, sobre o valor do ICMS, que incide sobre si próprio e sobre o valor das contribuições, e sobre o valor das próprias contribuições, que incidem sobre o ICMS; tanto as contribuições, como o ICMS são calculados por dentro. Isso enseja aquilo que Clovis Panzarini chama de 'efeito circular do PIS/COFINS e do ICMS na importação' (Valor Econômico, 12, 13 e 14 de março de 2004, p. A18). Nesse artigo, o citado autor demonstra que a soma das alíquotas nominais do ICMS (18%), do PIS/COFINS (9,25%) perfaz 27,25%, ao passo que, o seu cálculo por dentro eleva a alíquota real para 37,46%, isto é, acarreta uma diferença nominal de 10,21%. Essa maneira perversa e enrustida de calcular o montante de cada tributo faz com que a majoração de ICMS, por exemplo, reflita imediatamente no valor do PIS/COFINS a ser pago e vice-versa. Por isso, a elevação da alíquota da COFINS acarreta imediato aumento do ICMS que, por sua vez, aumenta novamente o valor da COFINS a ser pago, porque ela incide, também, sobre o valor do ICMS, além de incidir sobre si próprio. É uma loucura generalizada, um verdadeiro “samba do crioulo doido.”
Apenas a título de curiosidade transcrevemos abaixo as equações algébricas apresentadas por Juliana Rita Freitas para determinação dos valores da COFINS-importação, do PIS-importação e do ICMS, nos seguintes termos:
Das equações (7), (8) e (12), podemos determinar os montantes devidos a título de COFINS-Importação, PIS-Importação e ICMS, respectivamente, segundo Medida Provisória 164, a partir de 1º de maio de 2004" (in Tributário.Net, Boletim nº 054/2004).
Como se verifica, o entendimento acerca dos cálculos dessas contribuições sociais está fora do alcance normal dos operadores do direito (advogados, membros do Ministério Público e da Magistratura). O cálculo por dentro é uma das técnicas de nebulosidade tributária que os governantes vêm se utilizando para aumentar o peso da carga tributária de maneira invisível. A tributação por fora, por ser transparente, não pode ser elevada de forma abrupta sob pena de contestação no Judiciário. Daí a elevação do peso da carga impositiva de maneira oblíqua, nebulosa e enrustida. Isso vem acontecendo, também, na esfera municipal aonde o ITBI vem sendo cobrado com base no conceito doutrinário de valor venal, que depende de pesquisas de mercado, desprezando-se o valor venal resultante da lei de regência da matéria que estabelece critérios objetivos para a apuração do metro quadrado do terreno e da construção. O mesmo vem acontecendo com o IPTU em que o valor venal da propriedade, um conceito objetivo, varia em função de considerações subjetivas do proprietário. Em ambos os casos o princípio da transparência impõe a elevação da carga tributária mediante aumento nominal das respectivas alíquotas, ao invés de manipulações ilegais de sua base de cálculo não perceptíveis aos olhos da maioria dos contribuintes.
Enfim, a discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS travada no bojo do RE nº 240.785-MG revela apenas a ponta de um iceberg. A tese sustentada nesse processo por seis Ministros, se for consagrada definitivamente pela Corte Suprema, gerará, necessariamente, um efeito dominó. Terá que se excluir da base de cálculo da COFINS o valor do ISS como já vem acontecendo nos julgamentos perante o TRF1. O passo seguinte será a exclusão do valor da COFINS da base de cálculo do ICMS e do ISS. E por lógica-consequência deverá ser enfrentada a questão da exclusão do valor do imposto (ICMS, IPI e ISS) da respectiva base de cálculo, bem como a exclusão do valor da contribuição social (PIS/COFINS) das respectivas bases de cálculo. Isso significará revisão da tese consagrada no RE nº RE nº 212209/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14-2-2003, onde foi proclamada a constitucionalidade da tributação por dentro.
Como se verifica, dependendo da decisão definitiva a ser tomada pelo STF no RE nº 240.785-MG novas frentes de discussões serão abertas, as quais, acabarão por questionar a chamada tributação por dentro.
Por ora, a posição do Superior Tribunal de Justiça é pela impossibilidade de exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/COFINS, sem expressa previsão legal, porque o ISS é encargo tributário que faz parte do faturamento.[3]
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.