“A falsidade tem uma infinidade de combinações, mas a verdade, só tem um modo de ser”. (Jean Jacques Rousseau)
Resumo: As presentes consideraçõesse referem a um caso real em curso na comarca da capital do Rio de Janeiro, onde ocorre tal turbulência numa das varas cíveis e de família. Destinam-se aos professores, estudiosos do Direito em geral, especialistas em Direito de Família e particularmente aos advogados, promotores e magistrados. Para todos os interessados em pesquisar (no estrito senso) casos peculiares, poderão ser fornecidos maiores dados sobre as respectivas ações.
Sumário: I. Adoção aparente, meramente escriturada e registrada em cartório, sem perfilhação de fato e, portanto, nunca exercida pelas partes, visando exclusivamente outros objetivos, propósitos ocultos ou finalidades totalmentediversas da própria adoção, é ideologicamente falsa, não passa de um simulacro.II. Nessas circunstâncias, por ser ato completamente simulado, é nula na forma do atual Código Civil (art.166, II, 167, §1º inciso II e 168) e sujeito a nulidade, segundo o Código Civil anterior (art. 102, II, 145, II e 146). III. O pleito, notadamente pelos prejudicados, para a nulidade de simulações é imprescritível (art. 169, Código Civil/2002). IV. Até mesmo um dos simuladores pode agir contra a própria simulação para que terceiros não sejam prejudicados. V. Conclusão. VI. Jurisprudência análoga.
I. O exercício da adoção implica necessariamente no exercício do poder familiar (art. 1634, Código Civil/2002) ou pátrio poder (art.384, Código Civil/1916) e no desenvolvimento de laços de afeto decorrentes da perfilhação. Quando, na prática, tais condições (exercício real do poder familiar, de laços afetivos e da perfilhação) não se cumprem, o simples ato escriturado, jamais exercido, intencionalmente simulado, averbado e registrado, ideologicamente falso, é letra morta. Do contrário, nesse caso específico, na sucessão hereditária, os verdadeiros prejudicados seriam os herdeiros biológicos, se existentes.
Não se pode ignorar que o direito não está alheio ao mundo real, contentando-se com atosforjados. É inconcebível que a simples emissão de um parecer inadequado pelo promotor e que o magistrado, calcado no mesmo parecer, profira uma sentença em detrimento de uma verdade real. O acúmulo de processos judiciais não pode servir de motivo para justificar pareceres incorretos e consequentes erros de julgamento.
No caso em curso, genitora, desde o nascimento da filha até a maioridade, é quem exerceu de fato o respectivo poder familiar. Até hoje a mãe biológica e sua filha convivem juntas sob o mesmo teto. Nunca houve compartilhamento de guarda.
O irmão e a cunhada da genitora, de boa fé, persuadidos e ludibriados, a atenderam caridosamente em seu intuito de lavrar uma escritura de adoção simples para ocultar socialmente e ante os demais registros da vida civil, a situação constrangedora de ser mãe solteira com filha de pai desconhecido. Tal ato foi escriturado sem a mínima intenção de prejudicar os sobrinhos da genitora – filhos de sangue dos falsos ‘adotantes’ – face ao que dispunha o Código Civil anterior em seu artigo 355.
A própria escritura de ‘adoção’ simulada qualifica a genitora como mãe da autora e a certidão de batismo identifica a genitora e filha, esta última com ‘pai desconhecido’.
Paradoxalmente, a genitora afirma ‘não ter filhos’ em testamentos feitos em favor da filha oculta, sem mencioná-la como tal.
Também constam em três documentos do processo em trâmite na vara cível: duas declarações da filha biológica qualificando a própria mãe natural de ‘tia’ e uma, da mãe biológica, qualificando a própria filha de ‘sobrinha’.
Uma farsa.
Ora, tal comportamento reafirma o verdadeiro motivo do atosimulado de ‘adoção’: ocultar a verdadeira situaçãodemãesolteiracomfilhadepaidesconhecido ante a sociedade e os respectivos registros civis, embora a filha guarde omesmosobrenomedamãebiológica e com ela sempre conviveu.
A propósito, “tempus regitactum”. Tal princípio (art. 1.211 do CPC) impõe respeito aos atos praticados sob o pálio da lei revogada,bem como aos efeitos desses atos, impossibilitando a retroação da lei nova, mas possibilitando a retroação apenas para o restabelecimentodaverdade, o que, no caso, consiste emrevelaruma ‘adoção’inexistente no mundo real.
A filha biológica, além do nítido propósito da mãe em continuar ocultando sua verdadeira identidade civil, está se valendo do ato completamente simulado com o intuito de participar da herança da falecida madrinha e, futuramente, do tio-padrinho, viúvo, e réu no processo que moveu contra ele e os primos com quem nunca conviveu.Típico desvio de conduta de quem age de modo falso em benefício próprio.
O poder discricionário dos promotores e julgadores não pode, nem deve servir de instrumento para desconsiderar ou afrontar o Direito, a Lei, a Doutrina, a Jurisprudência, para aprovar uma farsa.
Não houve ‘exclusão’ da autora do rol de filhos da de cujus, simplesmente porque o ato escriturado como se fora uma ‘adoção’ é totalmente simulado – pois, de fato, nunca houve perfilhação da autora no seio da família dos réus. Na realidade concreta, a mãe biológica permaneceu com a filha-autora, que jamais conviveu com os falsos adotantes e respectivos filhos.
Em suma: A autora adulta, hoje casada, valeu-se de tal falsidade para sobre ela pleitear direitos sucessórios contra os dois primos.
II. Simulacros, como o presente, são nulos ou anuláveis, conforme comanda a lei civil e as fontes citadas nos autos, a considerar, entre as quais, a jurisprudência análoga (dezesseis acórdãos).
Na primeira instância, ocorreu julgamento antecipadoda lide, que cerceou o requerido direito de audiência e contestação dos réus com oferecimento de provas. Omitiu que, entre outras, a prova oral visava comprovar que dita ‘adoção’ nunca foi praticada pelas partes e que a filha-autora sempre permaneceu e permanece convivendo com a genitora. Há inadmissível omissão, quando o Juízo indefere edesconsidera provas de adoção inexercida, absolutamente simulada, sem detido exame do mérito e das peculiaridades fundamentadas, considerando-se, que, nesse caso atípico, a escritura simples não foi praticada no mundo real. Uma escritura de adoção nunca exercida pelas partes, isto é, sem o exercício do poder familiar ou do pátrio poder, sem vínculo socioafetivo e sociológico,inexiste no plano real.
Uma iniquidade.
Essa atitude tem provocado a impetração de recursos em instâncias superiores.
Obviamente, o dever das autoridades julgadoras compreende a devida apreciação acurada dos fatos, da doutrina aplicável, da jurisprudência análoga, da lei civil, e evitar que o frenético ‘copia e cola’ de outros pareceres e decisões genéricas inadequadas sejam adaptações forçadas ao caso específico, com o qual não se coadunam – o que equivaleria a vestir a toga no computador. A adoção inconsequente de tais procedimentos impróprios à lide agride não só o Direito como ciência, mas também atenta contra a digna missão e carreira dos que ingressam sob juramento no Ministério Público e na Magistratura.
O art. 167, do Código Civil brasileiro, dispõe que: “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Comentando o art. 167, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil comentado, 3 ed. rev. e ampl., São Paulo: RT, 2005, p. 258) asseveram que a questão da simulação passou a ser de ordem pública, de interesse social. Isso implica dizer que a simulação: a) independe de ação judicial para ser reconhecida; b) pode ser alegada como objeção de direito material (defesa) e deve ser reconhecida de ofício pelo juiz (CC, 168 par. ún.),a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição; c) é insuscetível de confirmação pelas partes (CC 172) ou de convalidação pelo decurso do tempo (CC 169); e d) tem os efeitos do seu reconhecimento retroativos à data da realização do negócio jurídico simulado (eficácia extunc).
A escritura de tal simulacro, ‘adoção’ jamais praticada pelas partes, é falsa em sua essência e plenitude. Ilude mais que uma simples falsidade material. É mais grave. É ato defeso em lei, nulo de pleno direito. Tal escritura pública ideologicamente simulada, que não passou da escrita, é letra morta, não é pretexto para ‘retificação de certidão de óbito’ da falecida madrinha. O Direito em suas fontes, como a doutrina e toda a jurisprudência apresentada, refutam claramente tais sofismas com bastante elucidação, fundamentação e clareza. É juridicamente inconcebível que tal ato jurídico simulado e sua averbação sejam atribuídos como ‘válidos, perfeitos e acabados’ para contemplar a autora em partilha.
A simulação não é imputável à autora, mas tal simulacro – feito, por interesse exclusivo e iniciativa da mãe biológica da autora, com o irmão e cunhada, de boa fé persuadidos, – muito menos poderia servir para o fim de a autora pretender direitos sucessórios, pois em verdade, concretamente, nunca foi adotada de fato, ato jamais praticado, nunca demonstrou intenção de o ser, nem participou do lar dos réus, tampouco da constituição de seus bens, muito menos no desenvolvimento de laços socioafetivos.
De início, o motivo da simulação não se relacionava a questões materiais, mas agora, a autora, adulta e casada, o relaciona a essas questões, pois tenta se valer da escritura ideologicamente falsa e jamais exercida entre as partes, para beneficiar-se. Verdadeira ‘armação’.
É descabido e até espúrio considerar tal simulacro válido como quer a autora. Se valer do simulacro (da ‘adoção’ inexistente no mundo real) é erro grosseiro e também uma forma de simular.
III. Em se tratando de ato simulado, inexiste a prescritibilidade.
No que se refere a prazo perpétuo referente à ação por simulação, esclarece o jurisconsulto Leonardo Cardoso de Magalhães:
“Destarte, se a lei não fixar prazo especial para a extinção dos direitos potestativos e, por via reflexa, da ação pela qual são exercitados, fica prevalecendo o principio da perpetuidade. É o que acontece com a ação de nulidade por simulação na sistemática do CCB/2002, notadamente em razão das disposições do seu art. 169, podendo ser denominada perpétua, segundo a lição de Agnelo Amorim Filho.”
Fonte: Boletim Jurídico – ISSN 1807-9008 “Aspectos gerais da ação de nulidade por simulação” – Leonardo Cardoso de Magalhães
http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1912
No caso, os terceiros prejudicados são os primos da autora, cabendo-lhes o direito imprescritível de pleitear a nulidade do ato simulado.
IV; Até mesmo o pai dos prejudicados também pode requerer a nulidade da simulação, apesar de ser um dos participes, (ademais, o pleito não seria para beneficiar-se, mas sim para defender os próprios filhos consanguíneos). A possibilidade da ação pelo próprio participe fora admitida por Clóvis Bevilacqua, ao se pronunciar:
“Se, porém, uma das partes se quiser prevalecer do ato aparente? Se dermos ação à parte prejudicada, e devemos dar, quando a outra pretender a validade do ato simulado, teremos necessariamente, considerado defeito a simulação, sem que nos seja embaraço o que determina o artigo 103; se não déssemos, consagraríamos uma iniquidade, como se fora direito. Devemos dar a ação ao prejudicado, porque a outra parte, dolosamente, se prevaleceu da simulação para dar como real o que era apenas uma declaração fictícia. O dolo, ainda que se manifeste ulteriormente, entende-se coetâneo da formação do ato.” (Grifei.) Clóvis Bevilacqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 6ª tiragem, Rio de Janeiro: Editora Rio, 1941, p. 354-355).
A doutrina estrangeira tem se manifestado nesse mesmo sentido. Eis por exemplo o que ensina Guillermo Borda: “Si lasimulación es lícita, laacción entre las partes tendiente a que se declare simulado elacto es procedente. En este punto, lasolución es clara” (Guillermo Borda, Manual de derecho civil – parte general. 20. ed. Buenos Aires: Abeledo – Perrot, 1999. p. 520). Estudo completo sobre o tema também consta do trabalho de Edilson Pereira Nobre Júnior em “Simulação e sua Arguição pelos Simuladores”.
Ensina o autor que a regra impeditiva do artigo 104 do CC/1916 merece ser entendida como permissiva da alegação dos simuladores em litígio um contra o outro, desde que não resulte em benefício exclusivo para quem alega a simulação, com o objetivo de atender a outros fins, voltados a evitar que se atente contra normas cogentes.
E também esclarece, a propósito, que: …. “o Código Civil atual, no seu art. 168, simplesmente se referiu a que as nulidades dos artigos precedentes, dentre as quais está inserida a simulação, podem ser alegadas por qualquer interessado, pelo Ministério Público, e, com o complemento de seu parágrafo único, ser pronunciadas de ofício pelo magistrado”.
IV. Conclusão
Afinal, a Verdade é exigência universal da Justiça. O Justo há de ser sempre Verdadeiro e Incorruptível. Tal simulação adotiva escriturada, ideologicamente falsa, não deve nem pode servir como fundamento da Justiça. Nessas circunstâncias, o completo simulacro escriturado e averbado em cartórios, de ‘adoção’ jamais exercida, não tem o condão de prevalecer com sua inveracidade escrita e averbada, para sobre ela, constituir-se a justiça – ante a pior das falsidades, a ideológica.
Pelo exposto, não há quaisquer motivos, fundamentos ou justificativas para declarar a ‘nulidade da escritura de inventário e partilha de bens’ da falecida madrinha em prejuízo dos primos da autora e tampouco condenar os réus em custas e honorários. Mas, sim, de conduzir o processo às vias adequadas. Os réus, em sua defesa demonstraram e apresentaram fundamentos suficientes para tornar inepto o pleito descabido da autora.
A bem da Verdade, do Direito e da Justiça, temos todos o dever de nos preservar contra tal aberração para que não se torne em precedente odioso, que poderia vulnerabilizar o manto da Justiça ao incentivo de ilicitudes análogas deixando-as ao sabor de outros possíveis simuladores.
V. JURISPRUDÊNCIA ATUAL (estão relacionados cerca de dezesseis precedentes atuais análogos ao caso. Todos julgados após a nova Constituição e a maioria sob a vigência do atual Código Civil):
1. Assim acordou o E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no processo de Apelação Cível 588043026 em 21/03/1990, Quarta Câmara Cível, ao admitir a anulação da adoção em razão dos pais biológicos terem sempre exercido o pátrio poder: “Ementa: Adoção. DesconstituiçãodeEscritura. Tendo se originado a adoção das menores de erro substancial sobre as conseqüências do ato. Tanto que as menores nunca ficaram excluídas do pátrio poder dos pais naturais. É de ser admitida a anulação da adoção, por erro. Apelo desprovido”.
2. Decisão unânime do STJ, no julgamento referente ao ProcessoREsp 100195/SP, RECURSO ESPECIAL, 1996/0042022-0; Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar; Órgão Julgador: T4 – Quarta Turma; Data do Julgamento: 19.04.2001; Data da Publicação/Fonte: DJ 11.06.2001 p. 221 JBCC vol. 146 p. 93, RJADCOAS vol 33 p. 29:
Segundo o eminente Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o caso em julgamento apresentava uma “série de peculiaridades para justificar a revogação”. Entre as quais ressaltou: “a mãe adotiva havia devolvido o garoto para a mãe biológica há 10 anos”.Segundo o ministro, essa situação seria”suficiente para consolidar os laços de afeto que decorrem da maternidade e justificar a filiação de sangue”.
3. No mesmo sentido foi julgado, também por unanimidade, um caso análogo: Processo: REsp26834/RJ,RECURSO ESPECIAL1992/0022223-4
Relator(a)Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088); Órgão Julgador T4 – QUARTA TURMA; Data do Julgamento 21/06/1995; Data da Publicação/Fonte; DJ 21.08.1995 p. 25368; Ementa: DIREITO CIVIL. ADOÇÃO SIMPLES CONCRETIZADA EM 1981. REVOGABILIDADE. SUPERVENIENCIA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. IRRETROATIVIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. O ADVENTO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI NR. 8.069/90) NÃO TEVE O CONDÃO DE TORNAR IRREVOGAVEL ADOÇÃO SIMPLES DE MENOR IMPUBERE REALIZADA SOB A EGIDE DO REVOGADO CODIGO DE MENORES (LEI NR. 6.697/79).APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS TEMPUS REGIT ACTUM E DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS.Acórdão: POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO.
4. O Poder Judiciário de Santa Catarina (apelações cíveis 2005.019916-8 e 2005.032504-8) proferiu acórdãos unânimes a favor da dissolução do vínculo de adoção, tendo em vista também, entre outros motivos, a peculiaridade de cada caso.
5. O Tribunal de Justiça do Pará, por unanimidade, declarou nulo de pleno direito um ato jurídico de adoção, a despeito de efetivada por escritura pública, dada a singularidade do caso: Acórdão nº 56960, em 22/05/2005, Processo 200130041582. (grifei) EMENTA: APELAÇÃO. ADOÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA. SIMULAÇÃO. NULIDADE. AVERBAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. INDEFERIMENTO. SENTENÇA REFORMADA. A ADOÇÃO DÁ ORIGEM A UMA RELAÇÃO JURÍDICA DE PARENTESCO CIVIL DE 1º GRAU NA LINHA RETA ENTRE ADOTANTE E ADOTADO E, A DESPEITO DE EFETIVADA ATRAVÉS DE ESCRITURA PÚBLICA – CONFORME PERMITIDO PELO ART. 375 DO CC/1916, DEVEM ADOTANTE E ADOTADO CONHECER PERFEITAMENTE OS EFEITOS PESSOAIS, JURÍDICOS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DESSE ATO E SEMPRE MANIFESTAR-SE O MINISTÉRIO PÚBLICO SOBRE O PEDIDO DE AVERBAÇÃO EFETIVADO. I EMBORA TRATANDO-SE DE ADOÇÃO DE ADULTO, RESTADESNATURADOOATOJURÍDICOSEFOICELEBRADODEMODOSIMULADO PARA ENCOBRIR MOTIVO DIVERSO DAQUELE PRECONIZADO EM LEI, OU SEJA, SE O QUERER INTERNO DE ADOTANTE E ADOTADO NÃO É O DE ESTABELECER O VÍNCULO FICTÍCIO DE FILIAÇÃO ENTRE AMBOS, O QUAL É OBRIGATORIAMENTE CRIADO PELO INSTITUTO DA ADOÇÃO. TAL OCORRENDO DEVE O JUÍZO, ANTEA CONSTATADA ILICITUDE DO OBJETO, DECLARAR-LHEANULIDADE DE PLENO DIREITO, NA FORMA DOS ARTS. 145, II DO CC/1916 E 166,II DO CC/2002. II RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. UNANIMIDADE.
6. Decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “CÍVEL – ADOÇÃO. REVOGAÇÃO. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS. Tal excepcionalidade configura-se bem no caso concreto, onde o vínculo legal jamais se concretizou no plano fático e afetivo entre adotante e adotada,uma vez que esta nunca deixou a convivência de seus pais sanguíneos. Adoção que nunca atingiu sua finalidade de inserção da menor como filha da adotante. Deram provimento, por maioria. (5 fls.)” (AC n. 70003681699 de Porto Alegre, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos. j. 27.02.2002).
7. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: APELAÇÃO CÍVEL APC3241894 DFRegistro do Acórdão Número : 74597 Data de Julgamento : 05/12/1994 Órgão Julgador : 3ª Turma Cível Relator : NANCY ANDRIGHI Publicação no DJU: 22/02/1995Pág. : 1.906 (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3) Ementa: DIREITO CIVIL. ADOÇÃO. REVOGAÇÃO. CONFLITO INTERTEMPORAL DE NORMAS. – NÃO VERSOU A CONSTITUIÇÃO FEDERAL A RESPEITO DA IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO. O E.C.A. (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI 8.069/90) A DESPEITO DE TER SIDO PUBLICADO EM 13 DE JULHO DE 1990 SOMENTE ENTROU EM VIGOR A PARTIR DE OUTUBRO DO MESMO ANO, LOGO NÃO SE APRESENTA APLICÁVEL AO TEMPO PRETÉRITO. – A PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A REVOGAÇÃO DA ADOÇÃO NOS DITAMES DAS NORMAS DE DIREITO CIVIL VIGENTES À ÉPOCA DO PEDIDO ENSEJA O SEU ACOLHIMENTO. APELAÇÃO DESPROVIDA. (APC3241894, Relator NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma Cível, julgado em 05/12/1994, DJ 22/02/1995 p. 1.906). Decisão: POR UNANIMIDADE, CONHECER E DESPROVER A APELAÇÃO.
8. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE: Relator: DES. JOSÉ ALVES NETO Recurso: AÇÃO RESCISÓRIA – CAM. CIV. REUNIDAS
Julgamento: 09/08/2006Ementa: AÇÃO RESCISÓRIA – ADOÇÃO – AUSÊNCIA DO PERÍODO DE CONVIVÊNCIA – DESCUMPRIMENTO DO ART.46, CAPUT, DO ECA – INDÍCIOS DE INEXISTÊNCIA DO SURGIMENTO DE SENTIMENTO DE AFEIÇÃO E AFETIVIDADE ENTRE ADOTANTE E ADOTADO – VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSIÇÃO DE LEI – ART. 485, V DO CPC – DECISÃO UNÂNIME – SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (AÇÃO RESCISÓRIA – CAM. CIV. REUNIDAS Nº 0003/2004, CARMÓPOLIS, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, Relator: DES. JOSÉ ALVES NETO, Julgado em 09/08/2006).
http://www.tjse.jus.br/tjnet/jurisprudencia/processo_prod.wsp
9. Se o ‘pai’ não manteve qualquer relação afetiva com o filho, independente de ter sido ou não induzido a erro, necessário é desconstituir essa ‘paternidade’. Corroborando deste entendimento está o acórdão a seguir, proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
– APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. VERDADE BIOLÓGICA QUE PREVALECE SOBRE A VERDADE REGISTRAL. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. 1. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. 2. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. 3. Se o autor registrou o réu como filho, sem saber que não era o pai biológico, e não manteve qualquer relação socioafetiva com ele, a ação negatória de paternidade é medida que se impõe, pois, neste caso, a verdade biológica deve prevalecer sobre a verdade registral. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70016410912, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 05/10/2006).
10. No mesmo sentido, está o posicionamento do Desembargador Claudir Fidelis Faccenda a seguir:
– APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE AFETIVIDADE ENTRE PAI REGISTRAL E FILHA. ANULAÇÃO DE REGISTRO. POSSIBILIDADE. A manutenção da paternidade registral, não biológica, mesmo quando firmada de forma voluntária, só se justifica quando existente relação de socioafetividade entre as partes.Ausente, no caso concreto, qualquer vínculo socioafetivo entre pai e filha, o registro de nascimento da menor deve ser modificado, até mesmo para possibilitar que a menor busque sua verdadeira filiação. RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70016373581, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 28/09/2006).
10. De acordo com Welter Belmiro Pedro “….a teoriadaevidência deve ser aplicada e também devemos lutar por isso, para que a decisão judicial declare averdadeira, enãoafictíciafiliaçãosocioafetiva.”. Igualdade entre a Filiação Biológica e Sócioafetiva. Revista de Direito Privado, v. 14, p. 111-147, abr.-jun. 2003. http://www.feb.br/revistafebre/Paternidade_Socio_Afetiva_-_Everton.pdf
– EMENTA: APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. DESCONSTITUIÇÃO DO REGISTRO. ADEQUAÇÃO. Dois exames de DNA deixaram certo que não existe filiação biológica. O laudo de avaliação social concluiu que inexistefiliaçãosocioafetiva. Ficou demonstrada a existência de erro substancial por ocasião do registro. Tudo isso leva à conclusão de que, no caso, a desconstituição da paternidade é mesmo de rigor. NEGARAM PROVIMENTO.RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70016771370, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 23/11/2006.
http://www.ceap.br/tcc/TCC12122008111148.pdf (pág.48)
11. “É ainda preciso provar se existe ou não relacionamento afetivo entre pai/mãe e filho, para então haver uma decisão final, a sentença do juízo. Nas ações negatórias de paternidade ou maternidade, é necessária a comprovação da inexistência de socioafetividade entre os litigantes, para que o autor obtenha êxito em sua pretensão…….”
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1641&idAreaSel=2&seeArt=yes
– EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA E ANULAÇÃO DE PARTILHA. AUSÊNCIA DE PROVA DO DIREITO ALEGADO. INTERESSE MERAMENTE PATRIMONIAL. Embora admitida pela jurisprudência em determinados casos, o acolhimento da tese da filiação socioafetiva, justamente por não estar regida pela lei, não prescinde da comprovação de requisitos próprios como a posse do estado de filho, representada pela tríade nome, trato e fama, o que não se verifica no presente caso, onde o que se percebe é um nítido propósito de obter vantagem patrimonial indevida, já rechaçada perante a Justiça do Trabalho. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME 53. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70016362469, Sétima Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/09/2006. Disponível em www.tj.rs.gov.bracesso em 01 de Maio de 2007.
http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2007_1/anderson_clack.pdf (Pág 27)
12. No campo probatório, a grande evolução jurídica continua sendo, em termos processuais, a busca da verdade real.
– EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE RECONHECIMENTO. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NÃO CONFIGURADA. A paternidade não é apenas um mero fato, um dado biológico, e sim, uma relação construída na vida pelos vínculos que se formam entre o filho e seu genitor. Caso em que as evidências levam à conclusão de que o reconhecimento da paternidade foi decorrente de erro, e não de decisão consciente do autor, o que o levou a afastar-se da criança, tão-logo soube que não era seu filho, entre ambos nãoseformandoarelaçãosocioafetiva que deve ser preservada. Negaram provimento, por maioria, vencido o Relator 54. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Apelação Cível Nº 70000849349, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 20/08/2003. Disponível em <www.tj.rs.gov.br> acesso em 01 de Maio de 2007.
http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2007_1/anderson_clack.pdf(Pág 26)
13. O Desembargador Claudir Fidélis Faccenda, observou que “o estado de filiação é caracterizado quando os papéis de pai e filho são assumidos e demonstrados perante a sociedade, com a exteriorização da convivência familiar e da afetividade entre as partes.” ………..
http://www.correioforense.com.br/noticia/idnoticia/43769/titulo/paternidade_socioafetiva_nao_pode_ser_reconhecida_se_ha_pretensao_de_m.html
– FILHO DE CRIAÇÃO. ADOÇÃO. SOCIOAFETIVIDADE. No que tange à filiação, para que uma situação de fato seja considerada como realidade social socioafetividade), é necessário que esteja efetivamente consolidada.A posse do estado de filho liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Diante do caso concreto, restará ao juiz o mister de julgar a ocorrência ou não de posse de estado, revelando quem efetivamente são os pais. A apelada fez questão de excluir o apelante de sua herança. A condição de “filho de criação” não gera qualquer efeito patrimonial, nem viabilidade de reconhecimento de adoção de fato. APELO DESPROVIDO. (TJRS; AC 70007016710; Bagé; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Rui Portanova; Julg. 13/11/2003) – (pág. 10) http://promovebh.com.br/revistapensar/art/a19.pdf
14. Quanto aos prazos imprescritíveis:
– RECURSO ESPECIAL N.º 139.118/PB
Rel.: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira/4.ª Turma
EMENTA – Civil e processo civil. Ação anulatória de registro. Paternidade. Falsidade. Legitimidade. Decadência. Art. 178, § 6.º, XII, Código Civil de 1.916. Inaplicabilidade. Imprescritibilidade. Orientação da segunda seção. Interpretação restritiva aos prazos prescricionais. Busca da verdade real. Recurso provido. Decadência afastada.
I – Na linha da jurisprudência deste Tribunal, a ação declaratória de inexistência de filiação legítima, por comprovada falsidade ideológica, é ‘suscetível de ser intentadanão só pelo suposto filho,mas também por outros legítimos interessados’.
II – O art. 178, § 6.º, XII do Código Civil de 1.916 tratava da ação dos herdeiros de filho falecido que viessem a postular a declaração judicial da filiação desse `filho’. No caso, diferentemente, trata-se de ação de irmão contra irmã, fundada no art. 348 do mesmo diploma legal, requerendo a nulidade do registro dessa última.
III – Nesse caso, é de aplicar-se a orientação de ser‘imprescritível o direito ao reconhecimento do estado filial, interposto com fundamento na falsidade do registro‘.
IV – A orientação da Segunda Seção deste Tribunal, relativamente aos prazos prescricionais nas ações de paternidade, tem sido pela interpretação restritiva. A preocupação com a insegurança para as relações de parentesco deve ceder diante do ‘dano que decorre da permanência de registro meramente formal, atestando uma verdade que sabidamente não corresponde ao mundo dos fatos’. (STJ/DJU de 25/8/03, pág. 309)
15. “O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar,onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu.Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica. “Recurso conhecido e provido” (REsp 878.941/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 17/09/2007)”.
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Em matéria de estudo obrigatória pertinente a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, temos: “Ocorre que, a declaração, como qualquer outra, poderá estar viciada por erro ou por falsidade, mas não haverá erro ou falsidade da declaração para registro de filiação oriundo de posse de estado, consolidado na convivência familiar.” E, mais adiante: “O Código Civil apenas admite duas hipóteses de impugnação da paternidade: pelo marido e pelo filho contra o reconhecimento da filiação. (…….) e esse direito é de exercício exclusivo e imprescritível, mas desde que não se tenha constituído o estado de filiação na convivência familiar duradoura.”
Informações Sobre o Autor
Carlos O. Bevilacqua
Advogado, formado em 1978 pela Faculdade de Direito da UFF, Contador, em 1970 e Administrador, em 1973 pela Faculdade de Economia e Administração da UFRJ. Pos-Graduado em Didática do Ensino Superior, pela Faculdade de Educação Ciências e Letras Olavo Bilac, Instituto Superior de Estudos Sociais Clóvis Bevilacqua – Centro de Pesquisa e Planejamento – SOMLEY, em 1982.