O presente trabalho se propõem a analisar a posição brasileira no Combate Internacional à Pirataria na internet, o recente julgamento do caso MGM versus Grokster nos Estados Unidos, e refletindo sobre a natureza das leis de proteção ao direito de autor.
1. INTRODUÇÃO
A internet concedeu muitas facilidades ao autor. Deu-lhe a capacidade para disseminar as suas obras, a faculdade de entrar em contato com novos mercados consumidores de forma mais ágil e vários outros benefícios. Por outro lado, esta mesma tecnologia tem gerado diversos desafios para os mesmos.
Da mesma forma que favorece a produção intelectual, aparentemente a internet atua de forma contrária quando esta é utilizada como forma de pirataria. O desenvolvimento de novos aplicativos de envio, compartilhamento e difusão de arquivos eletrônicos tornaram-se excelentes instrumentos de “produção em massa” de itens falsificados.
O empreendimento de falsificação/cópia não-autorizada é de fácil início, baixo custo de produção e de rápido retorno financeiro. Basta um computador com acesso à internet, um gravador de CD, um software de gravação e um software de compartilhamento de dados para iniciar um negócio. Com a velocidade atual das tecnologias citadas, torna-se possível copiar qualquer mídia (filme, videogame, música, etc) lançada no mundo em poucas horas.
Em poucas palavras, a internet representa um grande salto em termos de logística para infringir direitos autorais, possibilitando assim que qualquer pessoa o faça para uso pessoal ou comercial.
2. ATUAL CENÁRIO BRASILEIRO
Neste tópico analisaremos as atitudes tomadas pelo Brasil para a prevenção e repressão desses ilícitos civis e penais.
Os instrumentos de proteção à propriedade intelectual e industrial vigentes são relativamente recentes no ordenamento jurídico brasileiro. A lei nº 9.279 de proteção à propriedade industrial data de 1996, e as leis nº 9.609 de 1998 (proteção de programas de computador) e 9.610 também de 1998 (proteção dos direitos autorais). A propriedade industrial não será objeto deste trabalho, uma vez que o legislador impôs sobre a mesma um tratamento diferenciado (embora seja fundamentalmente uma obra intelectual).
Mais recentemente, a lei nº 10.695 de 2003 promoveu alterações no Código Penal (adequando o tipo penal do artigo 184) e no Código de Processo Penal (estipulando as regras de apreensão das propriedades intelectuais obtidas ilicitamente).
Contudo, os diplomas legais citados não oferecem suficientes condições para a defesa da propriedade intelectual, pois de um lado está o autor (músico, escritor, programador, cineasta, etc) e do outro está um mercado ilícito de obras intelectuais que cresceu imensamente nos últimos anos. Não é difícil de encontrar um produto indevidamente copiado, seja na internet (buscando em um website de busca ou com um software peer-to-peer) ou nas ruas de grandes cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo.
O impacto da pirataria na economia é enorme, os prejuízos são astronômicos para os cofres públicos (sonegação fiscal) e ainda maiores para o mercado (pois este fica enfraquecido ao ser incapaz de competir com os preços dos produtos piratas).
O Decreto Presidencial nº 5.244/2004 criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual. Vinculado ao Ministério da Justiça, este órgão colegiado consultivo “tem por finalidade elaborar as diretrizes para a formulação e proposição de plano nacional para o combate à pirataria, à sonegação fiscal dela decorrente e aos delitos contra a propriedade intelectual”.
Ressaltamos uma das primeiras ações deste conselho, que foi a criação da Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho e de Combate à Pirataria na Polícia Federal e na Policia Rodoviária Federal.
Infelizmente o problema é ainda maior do que as soluções apresentadas, devido à quantidade de cópias não-autorizadas que são lançadas no mercado.
3. MGM VS. GROKSTER
Em 27 de junho de 2005 a Suprema Corte Norte-americana decidiu sobre a procedência da ação da Metro-Goldwyn-Mayer Inc. contra a Grokster Ltd.. A Corte decidiu em favor da MGM considerando a Grokster e a StreamCast responsáveis pelo mal-uso de suas tecnologias nas mãos de terceiros.
Contudo, a jurisprudência daquele país não alterou os critérios adotados nos casos Sony Corp. of America v. Universal City Studios, Inc. (1984) e A & M Records Inc. v. Napster (2000-2001). “Aquele que distribui um aparato cujo objetivo seja promover o seu uso para infringir direito autoral, finalidade esta expressamente declarada ou de atitudes no sentido de favorecer a infração, é responsável pelas infrações resultantes de atos de terceiros”, nos casos contra a Sony e a Napster não ficou comprovado situação de fato que demonstrasse que de forma inequívoca seus equipamentos (hardware no caso Sony e software no da Napster) visavam favorecer infrações. Fato este que foi comprovado no caso da Grokster/StreamCast, devido à uma divisão de Marketing com pouca consciência profissional e nenhum conhecimento jurídico.
Evidenciamos algumas das partes mais relevantes da decisão que condenou a Grokster e a StreamCast:
The question is under what circumstances the distributor of a product capable of both lawful and unlawful use is liable for acts of copyright infringement by third parties using the product. We hold that one who distributes a device with the object of promoting its use to infringe copyright, as shown by clear expression or other affirmative steps taken to foster infringement, is liable for the resulting acts of infringement by third parties.
(…)
Grokster and StreamCast are not, however, merely passive recipients of information about infringing use. The record is replete with evidence that from the moment Grokster and StreamCast began to distribute their free software, each one clearly voiced the objective that recipients use it to download copyrighted works, and each took active steps to encourage infringement.
(…)
StreamCast even planned to flaunt the illegal uses of its software; when it launched the OpenNap network, the chief technology officer of the company averred that “the goal is to get in trouble with the law and get sued. It’s the best way to get in the news.” Id., at 916.
(…)
Finally, there is no evidence that either company made an effort to filter copyrighted material from users’ downloads or otherwise impede the sharing of copyrighted files. Although Grokster appears to have sent e-mails warning users about infringing content when it received threatening notice from the copyright holders, it never blocked anyone from continuing to use its software to share copyrighted files. Id., at 75-76. StreamCast not only rejected another company’s offer of help to monitor infringement, id., at 928-929, but blocked the Internet Protocol addresses of entities it believed were trying to engage in such monitoring on its networks, id., at 917-922.
(…)
The argument for imposing indirect liability in this case is, however, a powerful one, given the number of infringing downloads that occur every day using StreamCast’s and Grokster’s software. When a widely shared service or product is used to commit infringement, it may be impossible to enforce rights in the protected work effectively against all direct infringers, the only practical alternative being to go against the distributor of the copying device for secondary liability on a theory of contributory or vicarious infringement. See In re Aimster Copyright Litigation, 334 F. 3d 643, 645-646 (CA7 2003).
One infringes contributorily by intentionally inducing or encouraging direct infringement, see Gershwin Pub. Corp. v. Columbia Artists Management, Inc., 443 F. 2d 1159, 1162 (CA2 1971), and infringes vicariously by profiting from direct infringement while declining to exercise a right to stop or limit it, Shapiro, Bernstein & Co. v. H. L. Green Co., 316 F. 2d 304, 307 (CA2 1963). Although “the Copyright Act does not expressly render anyone liable for infringement committed by another,” Sony Corp. v. Universal City Studios, 464 U. S., at 434, these doctrines of secondary liability emerged from common law principles and are well established in the law, id., at 486 (Blackmun, J., dissenting); Kalem Co. v. Harper Brothers, 222 U. S. 55, 62-63 (1911); Gershwin Pub. Corp. v. Columbia Artists Management, supra, at 1162; 3 M. Nimmer & D. Nimmer, Copyright, §12.04[A] (2005).
Na ânsia de resultados financeiros, os querelados veicularam propagandas demonstrando de forma inequívoca o incentivo à produção de cópias não-autorizadas. Erro que não foi cometido quando do lançamento do aparelho Betamax da Sony e o programa homônimo da Napster. Isso porque a renda da Grokster e da StreamCast origina-se da cessão de espaço para propaganda em suas páginas eletrônicas, diferente da Napster que cobra pelo uso do aplicativo.
A participação ativa nas infrações extrapola a condição de produtor/distribuidor de programas de computador. Sem essa participação a Grokster e a StreamCast teriam sido absolvidas como a Napster. Esse aspecto resta claro na parte final da decisão:
MGM’s evidence in this case most obviously addresses a different basis of liability for distributing a product open to alternative uses. Here, evidence of the distributors’ words and deeds going beyond distribution as such shows a purpose to cause and profit from third-party acts of copyright infringement. If liability for inducing infringement is ultimately found, it will not be on the basis of presuming or imputing fault, but from inferring a patently illegal objective from statements and actions showing what that objective was.
There is substantial evidence in MGM’s favor on all elements of inducement, and summary judgment in favor of Grokster and StreamCast was error. On remand, reconsideration of MGM’s motion for summary judgment will be in order.
The judgment of the Court of Appeals is vacated, and the case is remanded for further proceedings consistent with this opinion.
It is so ordered.
4. DIREITO DO AUTOR, DIREITO FUNDAMENTAL E DIREITO ECONÔMICO
A Declaração Universal de Direitos Humanos dispõe em seu artigo 27:
(1) Everyone has the right freely to participate in the cultural life of the community, to enjoy the arts and to share in scientific advancement and its benefits.
(2) Everyone has the right to the protection of the moral and material interests resulting from any scientific, literary or artistic production of which he is the author.
Da mesma forma, a Constituição Federal de 1988 também ampara o direito do autor, constitucionalizando-o como um direito fundamental em seu artigo 5º:
XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas.
Outras convenções internacionais também concedem o mesmo tratamento no que tange o direito de autor, ou seja, um direito fundamental intimamente ligado com a dignidade da pessoa humana e a livre expressão intelectual e artística.
O Direito do Autor possui reflexos no Direito Pessoal (vide art. 24 a 27 da lei nº 9.610) e no Patrimonial (art. 28 a 45 da mesma lei), mas com as recentes ações dos Estados Unidos e da União Européia e as graves conseqüências financeiras da violação autoral em massa, o aspecto econômico ganha muita relevância. Segundo informação da página eletrônica oficial da União Européia, a pirataria seria responsável por 5 a 7% do comércio global e pela perda anual de 200.000 empregos.
O Direito Econômico poderia ser definido como “o conjunto de regras conjunto de regras que protegem as relações de ordem jurídica que resultam da produção, circulação, distribuição e consumo das riquezas”.
Tomando em conta esse fato, a tendência é adotarem medidas de natureza de Direito Econômico, em outras palavras, a adoção de medidas que visem a eficácia da lei autoral como parte da política econômica do país. O direito violado do autor não diz respeito somente a ele (sua moral e seu patrimônio), mas à economia do país.
Podemos traçar algumas analogias em nossa legislação, que embora distantes, possuem similaridades. A lei nº 8.078 de 1990 e seu impacto no mercado de consumo (demandando uma melhor qualidade dos produtores e fornecedores de bens e serviços); e a lei nº 11.101/2005 com seus efeitos para a recuperação de micro e pequenas empresas (que empregam cerca de 80% da população economicamente ativa). Ambas as leis têm aspectos muito importantes de cunho econômico.
5. CONCLUSÃO
Tendo em vista o exposto, a internet está obrigando que os ordenamentos jurídicos se adaptem a ela. Seu crescimento desproporcional demanda ações rápidas e eficazes. E dentre os problemas agravados com o uso da internet, está o da pirataria.
De um lado temos a produção intelectual e de outro temos o valor econômico da mesma e sua importância para uma nação.
Uma das possíveis soluções está na responsabilização objetiva dos criadores e/ou detentores dos meios de acesso eletrônicos utilizados para os delitos contra a propriedade autoral. A título de exemplo, um provedor de acesso à internet poderia ser responsabilizado por atos de site por ele hospedado (de forma semelhante ao artigo 932, IV do Código Civil). Naturalmente tal obrigação é inexigível por falta de amparo específico em lei.
Lembramos que a responsabilidade secundária da Grokster e da StreamCast foi baseada na Common Law norte-americana (sistema baseado em precedentes jurisprudenciais), pois não está sequer prevista do Copyright Act dos EUA.
A natureza jurídica do Direito Autoral é dicotômica, pois consiste em Direito Patrimonial e Direito Pessoal. E é no aspecto patrimonial que os efeitos da pirataria não se limitam ao autor, na medida que afetam a economia do país. A ênfase dada pelo governo dos Estados Unidos e da União Européia é claramente ao setor econômico da propriedade intelectual, e salvo melhor juízo, talvez essa seja a posição mais acertada para soluções em curto prazo devido aos seus efeitos comerciais inegáveis.
Esperamos que o plano de ações do Conselho de Combate à Pirataria obtenha resultados e que os estudiosos e profissionais da área busquem soluções para a internet. È muito importante que sejam criadas áreas de responsabilidade na rede eletrônica, como limites do território em ambiente virtual, onde cada país exerceria a sua soberania de uso e controle de sua área. Todos são livres para criarem suas homepages, mas os provedores de acesso devem ser compelidos a manter uma fiscalização de conteúdo diariamente. Torna-se imperiosa a necessidade de regular o uso da tecnologia para que possamos usufruir seus benefícios e impedir os efeitos indesejados.
Informações Sobre o Autor
André Luiz Junqueira
Advogado e Consultor Empresarial, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ).
Orientador Jurídico do Grupo APSA – Gestão Patrimonial e Negócios Imobiliários.
Associado ao escritório Schneider & Grechi Advogados Associados.
Coordenador do portal JurisIntel (www.jurisintel.com).