I – Introdução
A revolução
cibernética tem gerado uma série de mudanças nas relações sociais que afetam
necessariamente os vínculos empregatícios. Nesse bojo uma
série de questões afloram envolvendo o empregados e empregadores no que
concerne a utilização dos meios eletrônicos no ambiente de trabalho.
Como não
poderia deixar de ser esses acontecimentos ao refletiram na desenvoltura da
relação de emprego trazem algumas conseqüências que lesionam direitos de ambas
ou de apenas uma as partes e que desenbocam no
Judiciário.
Porém, por
serem questões novas ainda suscitam uma série de discussões quanto a aplicação
da legislação vigente pois a mesma não possui redação
específica e contundente que solucione o caso concreto de maneira desejada e
eficaz.
No entanto,
através de estudos anteriores e alguns em formação procuramos idealizar uma
Ciência contendo institutos e princípios norteadores específicos que noteiem as questões envolvendo o Direito e a Informática.
Um deles é o
princípio da subsidiariedade onde as legislações
tradicionais podem através desse princípio serem
aplicadas desde que de forma adequada e compatível. O ideal eram que fossem
criadas normas legais sobre o assunto, no entanto enquanto as mesmas não surgem
deveremos aplicar as vigentes mesmo que não se adequem
e solucionem de forma correta a questão factual.
II –
Comentário (Direito a intimidade)
O Tribunal
Regional do Trabalho de São Paulo deparou-se com um caso interessante sobre a
utilização indevida do e-mail pelo empregado em horário de trabalho e pelos
meios de produção oferecidos pelo empregador. Referido Acórdão conclui que:
Ementa
Justa Causa.
“E-mail” caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter
sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que
o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede
ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único
“e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café, não
tipifica justa causa. Recurso provido.
Dois pontos
foram analisados. O primeiro diz respeito a violação
da intimidade do empregado e o segundo diz respeito a proporcionalidade da pena
aplicada pelo envio de apenas um e-mail.
A primeira é
extremamente contundente quando assevera que o “E-mail” caracteriza-se
como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da
empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo
da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito
do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso
VIII)”.
Ora, uma
afirmação desse tipo é extremamente temerável pois dá carta branca ao empregado que escudado no princípio
da intimidade assegurado na Constituição poderá utilizar-se do e-mail para
quaisquer fins pois o empregador não terá o direito de filtra-lo
para investigação e correta aplicação dos bens utilizados para a produção.
Referida conclusão não soluciona de maneira eficaz o problema trazendo a nosso sentir maior insegurança nas relações trabalhistas.
Lembramos ainda que o direito a intimidade, é igual aos demais direitos
fundamentais não sendo absoluto e podendo ceder ante os interesses
constitucionalmente relevantes, sempre que seja necessário para lograr um fim
legítimo, proporcionando o respeito ao conteúdo essencial do direito.
Não devemos
permitir que o advento das novas tecnologias provoque o desaparecimento de
algumas características, implicações ou abrangências da privacidade dos
empregados na empresa uma vez que as mesmas são cada vez mais freqüêntes e essenciais para o intercâmbio de informação.
Não possuímos, ainda premissas legais sobre o assunto no direito atual que
viabilizem uma correta aplicação do direito pois o
mais correto seria uma reestruturação do direito a intimidade adequando-o as
novas tecnologias da informação para que não permitam decisões radicais que
pendam apenas em benéfico de uma das partes.
Acreditamos
que não há como não vulnerar os direitos constitucionalmente protegidos,
devendo no entanto o empregador, optar, sensata e ponderadamente, por políticas adequadas de controle da
atividade que favoreçam um ambiente de trabalho relaxado e confiável que
proporcione autonomia e intimidade, evitando o receio, a pressão e o mal-estar
dos trabalhadores por meio de condutas excessivas derivadas do poder
empresarial.
Entendemos que
o empregador poderá exercer o controle tecnológico sobre seus trabalhadores,
desde que seja analisado caso a caso e atendendo a estritos critérios de idoneidade,
necessidade e proporcionalidade, a utilização de medidas de
vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam causando o menor
impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador mas não vetando esse controle em todos os casos.
III –
Comentário (justa causa)
O segundo
aspecto diz respeito a proporcionalidade da falta.
Conclui o Acórdão que “Um único “e-mail”, enviado para fins
particulares, em horário de café, não tipifica justa causa”.
Devemos
reconhecer que o trabalhador deva ter direito a uma comunicação externa durante
o horário de trabalho, incluído dentro da empresa. O empregador tem que aceitar
o que se denomina direito ao uso social do e-mail. Logicamente, dentro do
ambiente de trabalho também pode haver o uso pessoal, não abusivo e
justificado, dos meios e comunicação da empresa.
Referidos
acontecimentos são cada dia mais usuais,
proporcionados pela evolução da nova organização do trabalho: da mesma maneira
que o empregador pode exigir, em determinadas circunstâncias, que o trabalhador
não somente opere no âmbito da empresa, senão também de seu domicílio – o que
se conhece como teletrabalho – é lógico também que o
empresário permita uma determinada permeabilidade, não abusiva, e o uso pessoal
dos meios de comunicação.
É um
intercâmbio moderno: se em uma empresa flexível corresponde a um trabalhador
flexível, é lógico que o trabalho estritamente profissional e o pessoal terão
fronteiras muito mais flexíveis, difíceis de separar de maneira absoluta.
É muito
difícil que um empresário moderno, que se preocupe com
os aspectos concernentes a qualidade na relação de trabalho, a participação dos
trabalhadores e a identificação com os objetivos da empresa, seja um empresário
que direcione, de maneira absoluta, seus próprios meios de comunicação para um
determinado uso de caráter trabalhista, seria muito difícil, e cremos que seria
uma opção retrógrada.
O empresário
que opte por isso, é um empresário que não teria nenhuma justificação para
exigir uma cota pessoal ao próprio trabalhador, mais além do que estritamente
profissional. Hoje em dia os empresários modernos entendem que tudo que seja de
conhecimento pessoal do trabalhador redunda em benefício da eficiência da
empresa. O problema esta em ver que o uso social, o uso extra
profissional, não tenha elementos de abuso e prejuízo objetivo para
empresa e é ali onde temos que intentar lograr um equilíbrio.
Assim o
correio eletrônico pode se utilizado no âmbito da empresa, porém de forma
moderada e que não implique em prejuízos funcionais ou de qualquer outra ordem
a Empresa. A ótica a ser observada não deve ser limitada a
quantidade de e-mail´s e sim a prejudicialidade
que sua utilização possa ocasionar a empresa.
IV – Anexo-
Acórdão
E-mail –
invasão de privacidade – Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região
JUSTA CAUSA.
“E-MAIL. ENVIO POR COMPUTADOR DA EMPRESA.
NATUREZA DE CORRESPONDENCIA PESSOAL. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. VIOLAÇÃO À
INTIMIDADE. EXEGESE.
Ementa
Justa Causa.
“E-mail” caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter
sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que
o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede
ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um único
“e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café, não
tipifica justa causa. Recurso provido.
Acordam os
juízes da 6a. Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, por
unanimidade dos votos, em dar provimento ao recurso para julgar a ação
procedente em parte, condenando a reclamada ao pagamento de aviso prévio, 40%
de indenização do FGTS, 2/12 do décimo terceiro. Deverá a reclamada proceder à
entrega das guias para liberação do FGTS e do seguro desemprego, ficando
condenada a indenizar o equivalente a quatro parcelas, cada uma no valor do
último salário do reclamante, caso mostre-se, na execução, impossível o
recebimento do seguro-desemprego. Correção monetária e juros na forma da lei.
Ficam determinados os descontos previdenciários, nos termos do Provimento
01/96, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Arbitrados à condenação e às custas, respectivamente, os valores de R$ 3.000,00 (três
mil reais) e de R$ 60,00 (sessenta reais), sendo estes em reversão ao
reclamante.
Ciente, com
vista dos autos, o Ministério Público do trabalho,por
sua representante legal, Dra. Márcia de Castro Guimarães.
São Paulo, 3
de agosto de 2000.
Maria
Aparecida Duenhas
Presidente
Fernando
Antônio Sampaio da Silva
Relator
Márcia de
Castro Guimarães
Procuradora
Cândida Alves
Leão
Procuradora (ciente)
Acórdão n°
2000000387414 – Tribunal Regional do Trabalho da 2a. Região – Acórdão publicado
no DO. SP de 08.08.2000.
Processo
TRT/SP n° 2000034734-0
Recurso
Ordinário da 37 VT de São Paulo
Rito
Sumaríssimo
Ementa: Justa
Causa. “E-mail” o se caracteriza como correspondência pessoal. O fato
de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade.
Mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder
diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5°, inciso VIII). Um
único “e-mail”, enviado para fins particulares, em horário de café,
não tipifica justa causa. Recurso provido.
Voto
I – Do
conhecimento.
Trata-se de
ação distribuída em 20.03.2000, processada pelo rito sumaríssimo, tendo em
vista que os pedidos são totalmente líquidos, no total de R$ 2.773,49, sendo
atribuído R$ 3.000,00 como valor da causa. Recurso tempestivo. Custas
recolhidas. Representante processual regular. Conheço.
II – Da justa
causa.
O poder de
comando do empregador corresponde ao direito potestativo
de organizar a empresa e dirigir a prestação de serviços. Como corolário é
conveniente que o empregador puna a falta com advertência didática, suspensão
e, só então, com o despedimento, a menos que a
gravidade da conduta do empregado possa autorizar a rescisão imediata do
contrato de trabalho, em razão da completa perda da confiança depositada no
colaborador da empresa. Outrossim, entende-se que não é dado ao judiciário
decidir acerca da gradação da pena para modifica-la;
excessiva a penalidade, deve cassá-la e deferir os consectários legais
cabíveis.
De acordo com
a comunicação da dispensa de fl.99, foi o reclamante sumariamente dispensado
por “utilizar-se no dia 02 de fevereiro p.p,
durante o horário normal de trabalho, do canal da INTERNET, para fins outros
diferentes daqueles exigidos do serviço ( item 1.2 do Aditivo ao Contrato de
Trabalho), embora advertido anteriormente.”
A contestação,
por sua vez, alude à instalação de “softwares” não ligados ao
trabalho, cujos exemplos estariam às fls. 94 e 97/98. Há que se ponderar,
contudo, que tal alegação não corresponde à conduta faltosa imputada ao
reclamante, devendo-se a lide ficar adstrita aos fatos expostos no documento de
fl.99. Tampouco se fez prova concreta da advertência que teria sido dada ao
reclamante pois a tanto não se presta o documento de
fl. 90.
Restou
evidenciado que o reclamante retransmitiu um “e-mail” às 13 horas, 15
minutos e 20 segundos do dia 02.02.2000 (fl.91), que era do tipo
“corrente”, ou seja, prometia um ganho com o reenvio da mensagem para
um certo número de pessoas. No caso, a Microsoft
pagaria US$ 5,00 a
cada “e-mail” enviado, conforme o documento de fl. 91. Trata-se, em
suma, de promessa de ganho fácil. Inócuo o conteúdo da carta eletrônica, não representando
nenhum risco a atividade empresarial.
Na audiência
de fl. 24, declarou a reclamada que havia horário de café, nos horários das 15:00 às 15:15 ou das 15:15 às 15:30 horas. Isso leva a crer
que o empregado enviou o e-mail na proximidade ou dentro do horário de
intervalo, o que enfraquece a gravidade da falta. Atente-se que o reclamante
depôs que enviou o e-mail no horário de café. Como a boa fé está presumida
entendo do empregador o ônus da prova em contrario.
De outra parte
entendo que houve violação ao direito à intimidade do obreiro. Com efeito,
“e-mail” nada mais é que correio eletrônico. Ou seja, correspondência
enviada pelo computador. Ainda que se utilize o computador da empresa, o
endereço (eletrônico) pertence ao reclamante. Manifesta a violação de
correspondência, ainda que eletrônica, fere a garantia à intimidade
(Constituição Federal, art. 5°, inc.VIII). Por analogia, o caso equivale à
escuta de conversa telefônica, conduta essa que é sabidamente reprimida pela
jurisprudência.
Não se trata, a toda evidência, de falta grave cometida pelo
empregado, com mais de três anos no emprego, sendo inadmissível o rigor da
reclamada.
Provejo,
assim, o apelo para deferir as verbas rescisórias pleiteadas, a saber: aviso
prévio, 40% de indenização do FGTS, 2/12 de décimo terceiro salário, bem como a
liberação do FGTS e do seguro-desemprego, nos termos do pedido, cujas guias
serão entregues pela reclamada, pena de execução direta pelo equivalente. Nos
termos do art. 159 do Código Civil, autoriza-se a conversão
do seguro-desemprego em indenização equivalente a quatro parcelas cada uma no
valor do último do último salário do reclamante, caso seja inviável o
recebimento do seguro-desemprego.
A multa pelo
atraso no pagamento e a dobra salarial (art.467) não se justificam, ante o
oportuno depósito em conta corrente do valor incontroverso (fl.100). Observe-se
que o reclamante não pleiteou férias proporcionais.
(…)
Isto posto,
conheço do recurso do reclamante e, no mérito, dou provimento, para julgar a ação
procedente em parte, condenando a reclamada ao pagamento de aviso prévio, 40%
de indenização do FGTS, 2/12 do décimo terceiro. Deverá a reclamada proceder à
entrega das guias para liberação do FGTS e do seguro desemprego, ficando
condenada a indenizar o equivalente a quatro parcelas, cada uma no valor do
último salário do reclamante, caso mostre-se, na execução, impossível o
recebimento do seguro-desemprego. Correção monetária e juros na forma da lei.
Ficam determinados os descontos previdenciários, nos termos do Provimento
01/96, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Arbitrados à condenação e às custas, respectivamente, os valores de R$ 3.000,00 (três
mil reais) e de R$ 60,00 (sessenta reais), sendo estes em reversão ao
reclamante.
Fernando Antônio
Sampaio da Silva
Relator
Informações Sobre o Autor
Mário Antônio Lobato de Paiva
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista