Resumo: Pretendemos demonstrar com este artigo que desde a Emenda Constitucional 45 de 2004, que deu nova redação ao artigo 114 da Constituição, a regra procedimental de fixação de competência em mandado de segurança foi alterada, deixando a diretriz quanto a qualidade da autoridade coatora e sua sede de atuação funcional fora dos dados processuais imprescindíveis para essa fixação. Foi a ampliação de competência da Justiça do Trabalho que trouxe essa alteração, a qual se aplica em relação à todos os demais órgãos do Poder Judiciário. Atualmente o que importa para a fixação de competência é a matéria tratada na impetração, por evidente ressalvando as atribuições expressas previstas ainda na Constituição que, como exceção, atribuem a competência conforme a qualidade da autoridade.
Palavras-chave – Mandado de segurança – Competência material – Mudança dos critérios – Emenda Constitucional 45 de 2004 – Justiça do Trabalho
Sumário. 1 – Introdução 2 – Evolução histórica do mandado de segurança 3 – Cabimento na Justiça do Trabalho 4 – Fixação da competência material 5 – Procedimento 6 – Conclusões.
1. Introdução
Com a publicação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, intitulada de reforma do Poder Judiciário, houve radical modificação no artigo 114 da Constituição Federal, passando a Justiça do Trabalho a ser competente para processar e julgar uma série de ações que eram afetas à Justiça Comum, Federal ou Estadual.
Mais especificamente, entre os dispositivos acrescentados ao texto constitucional, o inciso IV do artigo 114 tem gerado bastante controvérsia. Eis sua redação:
“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (…) IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;”
E é neste particular que radica o objeto deste artigo, pois a regra de competência em mandado de segurança era aquela que levava em conta a qualidade da autoridade apontada como coatora. Em palavras outras, pouco importava a matéria tratada na impetração, eis que o juízo competente para o julgamento era fixado tendo em vista o enquadramento funcional da autoridade coatora. Se fosse um servidor público de qualquer Estado da Federação o juízo competente seria o da Justiça Estadual; se a autoridade fosse servidor público federal, seria a Justiça Federal a competente, com ressalva quanto às autoridades com prerrogativa de foro nos Tribunais.
Entretanto, após a alteração constitucional citada, parece-nos que o parâmetro para fixação de competência deixou de ser aquele da qualidade da autoridade coatora, na medida em que o inciso IV do artigo 114 da CF/88 fala em competência da Justiça Especializada quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição, não importando se a autoridade apontada como coatora pertence às esferas federal, estadual ou exerce atividade delegada do Poder Público.
2. Evolução histórica do mandado de segurança
Nos primórdios da formação dos estados soberanos, o Rei tinha o poder supremo de privar a liberdade e os bens dos cidadãos pertencentes à nação, sem necessidade de qualquer fundamentação ou motivação justificada, tudo isso fruto da tirania e da sua irresponsabilidade, pois não precisava, consoante nos ensina a História, prestar contas de suas ações, muito menos procurar adequar seus atos ao Direito.
Desde aquela época, ventos democráticos sopravam, anunciando que era hora de balizar as atitudes do soberano. Já se deixava claro que não era possível manter o monopólio e a irresponsabilidade das decisões a serem tomadas pelo Estado, bem assim deveriam ser seguidos vários princípios, entre eles o dever de garantir aos cidadãos o direito à liberdade, à propriedade e a publicidade dos atos estatais.
Neste contexto, o REI JOÃO SEM TERRA, nos campos de Runnymed na Inglaterra, outorgou a Magna Charta Libertatum em 1215, lastreada nos pilares da liberdade do indivíduo e da propriedade dos bens, de forma que em seu capítulo XXIX batizou o remédio heróico do writ of habeas corpus. Entrementes, outros autores defendem, tal qual J. E. DE CARVALHO PACHECO[1], que a origem do habeas corpus remonta ao Direito Romano onde era intitulado de interductum de libero homine exhibendo, cujos escopos principais eram embrionários em relação à compreensão atual da plenitude do direito de liberdade.
De uma forma ou de outra, tem-se que o primeiro remédio constitucional surgido para tutelar as liberdades e os direitos individuais foi o habeas corpus, a partir do qual se desenvolveu o mandado de segurança.
Este último surgiu em nosso ordenamento como decorrência da restrição da Teoria Brasileira do Habeas Corpus, o qual era manejado em uma infinidade de situações, em defesa da liberdade e garantias individuais, extrapolando sua função originária. Este espectro multifário de aplicação pode ser constatado em RUI BARBOSA:
“Logo o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal: o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade.”[2]
Dentro destes parâmetros, com o escopo de delimitar a utilização do habeas corpus apenas às situações de restrição do direito de liberdade e locomoção, o legislador constitucional de 1934 batizou em nossa Carta o mandado de segurança, que foi posteriormente regulado pela Lei 1.533 de 1951. A plêiade de estudiosos da época afirmava que não havia instituto similar em qualquer legislação do mundo.
Diz o artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso LXIX, que:
“Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;”
HELY LOPES MEIRELLES, em obra clássica sobre a temática, conceitua o writ of mandamus nos seguintes termos:
“Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”[3]
3. Cabimento na Justiça do Trabalho
Antes da edição da EC 45 de 2004 somente era admitida a impetração do remédio heróico na seara laboral quando a autoridade coatora fosse o próprio magistrado na prática de ato judicial, fato que gerava a determinação de competência aos Tribunais de grau superior, caso fosse o magistrado coator de primeira instância, ou instâncias hierarquicamente superiores, respectivamente.
A possibilidade de impetração do writ of mandamus em face de ato judicial é há muito tempo aceita pelos tribunais, precisamente desde a decisão do e. Supremo Tribunal Federal no RE nº 76.909, relatado pelo Ministro Xavier de Albuquerque, com mais razão na seara laboral em que vige o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e que os recursos são, em regra, devolutivos, passíveis, pois, de causar dano sem franquear ao jurisdicionado qualquer remédio processual adequado para resguardo de seu direito. Nessas situações, em se configurando a ilegalidade ou abuso de poder, utilizar-se-á do mandado de segurança para atacar a decisão interlocutória proferida por magistrado trabalhista.
Essa sistemática não foi alterada com a Emenda Constitucional 45 de 2004.
Entretanto, passa-se a admitir a impetração em tantas outras situações, que não só as oriundas de atos judiciais, mas também as nascidas de atos praticados pelos próprios juizes em matérias administrativas e por outros agentes públicos, tais quais os procuradores do trabalho, superintendente regional do trabalho, auditores fiscais do trabalho, autoridades administrativas do INSS e todos os outros agentes públicos que praticam atos estatais, desde que a matéria em discussão seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada.
4. Fixação da competência material
A doutrina e jurisprudência clássicas, fiéis nas lições de HELY LOPES MEIRELLES e CASTRO NUNES, defendem que a competência em mandado de segurança é fixada pela qualidade e sede de atuação funcional da autoridade coatora[4].
E assim era a diretriz interpretativa, pois a Lei 1.553 de 1951 e a Lei 4.348 de 1964 nada diziam quanto à competência material para as ações de segurança. Colhia-se na redação originária da Constituição Federal que:
“Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar: (…) VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais.”
Percebe-se que todo o arcabouço normativo após a Constituição de 1988 manteve a antiga regra da competência em razão da qualidade e a sede de atuação funcional da autoridade coatora, sempre tendo em conta que essa era a parte legitimada passiva na ação de segurança.
Entrementes, o panorama foi modificado recentemente.
De um lado, a Lei 10.910 de 2004 deu nova redação ao artigo 3º da Lei 4.348 de 1964, o qual passou a ostentar a seguinte redação:
“Os representantes judiciais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios ou de suas respectivas autarquias e fundações serão intimados pessoalmente pelo juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, das decisões judiciais em que suas autoridades administrativas figurem como coatoras, com a entrega de cópias dos documentos nelas mencionados, para eventual suspensão da decisão e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder.”
É fora de dúvida que desde 2004 as pessoas jurídicas de direito público devem intervir obrigatoriamente na ação de segurança para o manejamento de recurso da liminar concedida (suspensão) e para defender o ato apontado como ilegal, ou seja, contestar a ação. Com efeito, a redação atual sana um erro histórico, que era de considerar a autoridade pública como parte da ação e não a pessoa jurídica que eventualmente sofreria os efeitos da condenação.
É regra basilar da teoria geral do processo que a legitimação para o processo deve, de ordinário, coincidir com as partes da relação de direito material, vale dizer, na medida em que é a pessoa jurídica de direito público quem irá defender o ato e sofrerá os efeitos da condenação, é ela a parte legitimada no pólo passivo, de sorte que a autoridade coatora só é intimada para prestar suas informações, até porque não tem capacidade para ser parte (mero órgão).
O golpe definitivo na anterior regra de fixação de competência foi dado pelo novel inciso IV do artigo 114 da CF/88 que assim vaticina: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (…) os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição.”. É dizer, não mais se fixa competência tendo em conta a natureza da autoridade coatora, mas sim a matéria envolvida e discutida na impetração.
O novel artigo 114 da CF/88 não repetiu a mesma técnica da redação originária da Carta Política, bem como, definitivamente, não disse que a Justiça do Trabalho somente é competente para os mandados de segurança cuja autoridade coatora tenha atribuição trabalhista ou coisa que o valha. Para a fixação da competência da Justiça do Trabalho basta que a matéria tratada na impetração revele quaisquer das matérias tratadas nos outros incisos do mesmo artigo 114, ou seja, “sujeita à sua jurisdição”.
Pela redação anterior do artigo 114 da CF/88 verificavam-se três regras quanto à competência material da Justiça do Trabalho:
– Competência material natural ou específica;
– Competência material decorrente ou derivada;
– Competência material executória.
A primeira regra referia-se às lides individuais ou coletivas entre empregados e os empregadores, desde que a controvérsia tenha nascido da relação de emprego, nos moldes do artigo 442 da CLT.
A segunda regra era a competência para solucionar as demais controvérsias decorrentes da relação de trabalho (que não de emprego), desde que presentes dois requisitos: a expressa previsão em legislação infraconstitucional e que a relação jurídica fosse uma relação de trabalho lato sensu.
Já a terceira regra apenas afirmava a competência da Justiça Especializada para executar suas próprias decisões, não havendo necessidade de remeter o processo para execução em outros órgãos do Poder Judiciário para a resolução de incidentes na execução (v. g., ações possessórias).
Com a publicação da Emenda Constitucional 45/2004, houve significativa alteração na competência material natural ou específica, na medida em que foi extinta a restrição competencial em razão das pessoas (trabalhadores e os empregadores) ligadas pela relação contratual. Antes havia competência nas oportunidades em que a lide fosse decorrente da relação de trabalho e TAMBÉM que fossem partes no litígio trabalhador e empregador. Agora, exige-se tão-somente que a ação seja “oriunda da relação de trabalho”, sem qualquer limitação ou restrição material ou em razão das pessoas componentes do processo.
Destarte, verificamos que a redação anterior, nada obstante também utilizasse o termo “relação de trabalho”, anteriormente o qualificava, impingindo a limitação de que a relação jurídica devia se dar entre trabalhadores e empregadores, forçando a conclusão de que somente as relações de emprego, nos moldes da CLT, eram da competência da Justiça do Trabalho. Dependia-se de norma infraconstitucional para estender a competência para as controvérsias decorrentes da relação de trabalho, desta feita de forma ampla, como de fato o fez o artigo 643 da CLT quanto aos trabalhadores avulsos, por exemplo.
A alteração legislativa da EC 45 que passou a utilizar o termo “relação de trabalho” ao invés da antiga conclusão da “relação de emprego” é clara demonstração da existência de diferença interpretativa entre os termos. E mais. A intenção legislativa era a de ampliar, de fato, a competência da Justiça do Trabalho para todas as lides que envolvesse o trabalho humano, não mais restrita às relações de emprego.
Com efeito, é muito fácil observar que com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho dada pela Emenda Constitucional 45 de 2004, este ramo do Judiciário passou a ter competência para apreciar diversas outras ações que não aquelas referentes apenas às lides entre empregados e empregadores. Vale dizer, passou-se dos limites da relação de emprego para os limites da relação de trabalho.
Fixadas as pedras angulares de que relação de trabalho é muito mais ampla que relação de emprego e que àquela é toda atividade exercida por pessoa física em favor de pessoa física ou jurídica para obtenção de um resultado útil, verificando a celebração de contrato de atividade com obrigações de fazer e pagamento do preço correspondente pela outra parte do contrato, deve-se criar um critério científico para esta definição e a verificação processual.
É de aceitação unânime na doutrina processual que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide e, por corolário, a competência material para dirimi-la: se a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio) é uma relação de trabalho, é de competência da Justiça Especializada dirimir o conflito, mesmo que para tanto utilize de normas dispostas em outros códigos que não a CLT (causa de pedir próxima), tais quais o Código Civil, CDC, legislação previdenciária, etc., inclusive a utilização subsidiária da legislação comum tem indicação da própria Consolidação, conforme o parágrafo único do artigo 8º.
O STF, em julgamento histórico, já pontuou em igual sentido:
“A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho. (…)
Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data vênia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de direito do trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia, como me parece in questionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda, instituto de direito civil.” (STF – Pleno – CC 6.959-6 – Rel. Ministro Sepúlveda Pertence – DJU 23.05.1990).
O raciocínio exposto tem por fundamento a adoção em nossa ciência processual da teoria da substanciação, incumbindo ao autor indicar em sua petição inicial a causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) e a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio), a indicar se o litígio posto sob apreciação da Justiça do Trabalho tem como causa de pedir remota uma relação de trabalho lato sensu, para poder com isso ser afirmada ou declinada a competência da Justiça Especializada, pouco importando quais sejam os fundamentos jurídicos do pedido, isto é, independente de qual diploma material serão colhidas às regras a serem observadas no julgamento de mérito. Nunca é demais rememorar que a competência, questão preliminar, não se confunde com as prejudiciais e o mérito propriamente dito.
Até para aqueles partidários de que não são requisitos da petição inicial no processo do trabalho a exposição das causas de pedir próxima e remota, em face da redação simplória do § 1º do artigo 840 da CLT, ainda assim é indispensável a exposição dos fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota), oportunizando a fixação da competência com base nos fatos trazidos na peça madrugadora. Isto é, desde logo, com base nas alegações de inicial, o juiz do trabalho verificará se é fato essencial da causa de pedir é a relação de trabalho. Em sendo positiva a verificação, in statu assertionis, está fixada a competência da Justiça Especializada, pouco importando se a relação material já afirmada será ou não confirmada durante a instrução do feito. Aí já será problema de mérito e com ele deve ser decidido, não mais havendo possibilidade de extinção do feito ou remessa dos autos ao juízo competente.
Logo, todos os mandados de segurança, pouco importando quem seja a autoridade apontada como coatora e a pessoa jurídica de direito público que funciona como ré, é de competência da Justiça do Trabalho desde que envolver as matérias dispostas nos demais incisos do artigo 114 da CF/88, notadamente as relações de trabalho do inciso I, como já explanado linhas acima.
Contudo, como reforço de fundamentação, passo a desafiar a redação do artigo 109 da CF, o qual, para alguns, é que fixa a competência da Justiça Federal Comum em casos de mandado de segurança contra ato coator de autoridade federal.
Cito o referido dispositivo constitucional:
“Art. 109 Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.”
Pela leitura do artigo 109 da CF, constatamos que a competência da Justiça Federal é firmada em razão das pessoas e dos interesses em litígio, pois em todas as vezes que a União ou entidade autárquica for parte na lide, a competência será da Justiça Federal. Essa é a regra geral. No entanto, mesmo que sejam parte no litígio as entidades descritas no caput, falecerá competência à Justiça Federal se as ações versarem acerca de falência, acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
A competência da Justiça Federal é residual, na medida em que somente serão de sua competência os litígios que envolvam interesse dos entes alinhados e quando esta lide não for de competência da Justiça do Trabalho. Como a redação anterior do artigo 114 não admitia a ação de mandado de segurança em se tratando de matéria trabalhista, não havia como a impetração se dar na Justiça Especializada.
O itinerário para fixação da competência da Justiça Federal é em primeiro plano questionar se uma das partes do litígio é a União, entidade autárquica ou empresa pública federal. Se afirmativa a resposta, dever-se-á passar para uma segunda pergunta: Essa ação refere-se à falência, acidente de trabalho ou é sujeita à Justiça Eleitoral ou à Justiça do Trabalho. Se negativa a resposta, aí se fixará competência federal; caso contrário, se a competência se enquadrar em um dos incisos do artigo 114 da CF/88, a competência será da Justiça do Trabalho, não havendo espaço qualquer para a competência residual.
É como se o espaço de competência da Justiça Federal fosse um grande círculo, onde todas as lides envolvendo a União e os demais entes do artigo 109 fossem colocadas dentro. Ocorre que dentro dele existem alguns pequenos círculos, como da competência da Justiça do Trabalho, da falência, Justiça Eleitoral, de modo que nada obstante o litígio seja colocado, a priori, no grande círculo, se deve verificar se também não foi colocado também no pequeno círculo de competência da Justiça do Trabalho. Se o foi, a competência é desta e não da Justiça Federal, que receberá apenas a competência residual, é dizer: apenas aquelas lides que não se encontram dentro dos pequenos círculos.
Usando o exemplo gráfico acima, ficou muito claro que a EC 45 de 2004 ampliou o pequeno círculo que delimitava a competência da Justiça do Trabalho e este passou a ser bem maior, tomando um grande espaço dentro do grande círculo das lides que envolvem a União, colhendo novas situações que antes eram colocadas fora do alcance da competência da Justiça do Trabalho e agora o são pelo simples fato de serem oriunda de uma relação de trabalho.
Em interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais citados, sempre com vistas nos princípios da máxima efetividade e da inexistência teórica de conflito de normas constitucionais, teríamos a plena convivência dos artigos 109 e 114 da Constituição Federal com a linha de raciocínio exposta.
A competência estadual também é residual e segue o mesmo raciocínio.
5. Procedimento
Em todas essas hipóteses a competência funcional será, naturalmente, do juízo de primeiro grau, salvo nas hipóteses em que a lei disciplinar competência originária aos Tribunais. A suspensão disciplinar de empregado de um Estado da Federação (submetido ao regime da CLT), materializada em ato ilegal e arbitrário praticado pelo Governador do Estado, ou de Secretário de Estado, será de competência originária do Tribunal Regional do Trabalho, em acatamento à determinação legal – geralmente Código de Organização Judiciária -, aplicado por analogia na Justiça do Trabalho, que confere foro privilegiado em segundo grau a estes agentes políticos alinhados.
De igual forma, utilizando-se dos mesmos princípios e da interpretação sistemática do ordenamento, pensamos que os atos praticados pelos procuradores do trabalho, quando enquadrados como autoridade coatora em mandado de segurança, devem ser conhecidos e julgados pelo Tribunal Regional do Trabalho originariamente, pois se ato judicial de magistrado de primeira instância tem esta mesma competência originária, deverá da mesma forma proceder com os membros do Ministério Público do Trabalho, que estão na mesma hierarquia que os magistrados das Varas do Trabalho (inciso I do artigo 108 da CF88 cc artigo 6º da Lei 8.906 de 1994).
A competência dos tribunais de segunda instância para julgamento dos membros do Parquet federal, quando estes figuram como autoridade coatora na impetração dos remédios heróicos constitucionais, é acolhida pela jurisprudência majoritária. Veja-se a elucidativa passagem em julgado do TRF da 2ª Região:
“Competência – Habeas Corpus – Procurador da República como autoridade coatora – Julgamento afeto ao Tribunal Regional Federal – Inteligência do art. 108, I, a, da CF. Compete ao Tribunal Regional Federal processar e julgar os habeas corpus, quando a autoridade coatora for Procurador da República, uma vez que a esse Tribunal compete processar e julgar os membros do Ministério Público da União, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral” (CF88, art. 108, I, a). (RT 770/702).
A interveniência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios não induzirá o deslocamento da competência originária da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum (parágrafo único do artigo 99 do CPC), seja Federal ou Estadual, desde que a matéria questionada seja afeta à jurisdição da Justiça Especializada.
Com fundamento no raciocínio exposto linhas acima, é competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar os mandados de segurança impetrados em face de Inquérito Civil instaurado pelo Ministério Público do Trabalho sem observância das determinações legais. Também, quando é aplicada multa pelos Auditores Fiscais do Trabalho em situações que não configuram infrações e quando o Superintendente Regional do Trabalho lança indevidamente o nome do empregador em lista de empresas que utilizam trabalho escravo (“lista suja”), entre tantas outras situações que só a prática forense diária ira revelar.
As perspectivas são as mais ampliativas possíveis.
O procedimento a ser seguido na tramitação processual do mandado de segurança será aquele disposto na legislação específica de regência, consoante dispõe principalmente as Leis 1.533 de 1951 e 4.348 de 1964, observando-se algumas pequenas adaptações ao procedimento previsto na Justiça do Trabalho, entre os quais se destaca o ataque da sentença em mandado de segurança pelo recurso ordinário interposto no prazo de oito dias (Súmula 201 do TST).
Acrescentamos à lição colacionada supra a possibilidade da interposição de recurso ordinário e adesivo, no prazo de oito dias, para os Tribunais Regionais do Trabalho, das sentenças proferidas pelos magistrados de primeiro grau e para o Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas pelo Pleno ou Turma dos Tribunais Regionais do Trabalho em decisão de competência originária. A decisão liminar de Juiz Relator desafia recurso de agravo regimental para o Pleno ou Turma do mesmo Tribunal. Da mesma forma, é a sistemática quanto a decisão do Presidente que suspende a eficácia da decisão.
A coisa julgada material no mandado de segurança individual não ostenta qualquer particularidade em comparação com as demais ações individuais reguladas pela legislação processual civil. O único ponto que merece lembrança é que a denegação da segurança na ação mandamental não impede o uso da ação própria pelo ora impetrante, não fazendo coisa julgada contra ele nesta hipótese específica, ex vi do artigo 15 da Lei 1.533 de 1951, com interpretação dada pela Súmula 304 do STF.
6. Conclusões
1. A competência para julgamento dos mandados de segurança era fixada levando em conta a qualidade da autoridade pública apontada como coatora.
2. Após a Emenda Constitucional 45 de 2004 a competência para o mandamus é fixada levando em conta a matéria objeto da impetração, pouco importando qual seja o enquadramento funcional da autoridade coatora.
3. A qualidade da autoridade coatora e sua sede de atuação funcional somente são observadas para fixação da competência funcional vertical (hierárquica) e não para a competência material.
4. Para que o mandado de segurança seja julgado pela Justiça do Trabalho o que importa é que a matéria seja trabalhista, ou seja, que se insira entre as hipóteses dos incisos do artigo 114 da CF/88.
5. No procedimento observar-se-á a legislação específica de regência.
Informações Sobre o Autor
André Araújo Molina
Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região