Emenda Constitucional 46 da CFRB, transfere aos municípios as terras situadas em ilhas federais, onde se localizam as suas sedes.
1.INTRODUÇÃO
A presente reflexão emergiu quando em situação concreta apreciamos a questão da competência para a regularização fundiária de área de terras situadas na ilha de Marajó, Estado do Pará, pertencente ao patrimônio da União, na forma do Art. 22, inciso IV da CRFB, remetidos para análise pelo Instituto de Terras do Estado do Pará – ITERPA[1].
Apresentamos como contribuição à comunidade jurídica nacional esta breve análise.
2.EMENDA CONSTITUCIONAL 46 – ORIGEM DE TERRAS DEVOLUTAS MUNICIPAIS.
É relevante destacar que no processo em tramite pelo ITERPA tinha como objeto área pendente de regularização fundiária localizada no município de Muaná, situado na ilha de Marajó, que na divisão administrativa do Estado do Pará, pertence à Mesorregião do Marajó e à Microrregião Arari.
O município de Muaná, tem como Limites ao norte: município de Ponta de Pedras; ao sul : rio Pará; a leste: município de Ponta de Pedras e a oeste municípios de São Sebastião da Boa Vista e Anajás, situado na ilha de Marajó.
Apesar de no caso concreto o processo ter iniciado o seu trâmite em momento anterior a emenda constitucional 46, se exclui de todo a possibilidade de se configurar ato jurídico perfeito ou direito adquirido a emissão de Titulo Definitivo na forma dos convênios que o ITERPA tradicionalmente realizava com a União, anteriormente a referida emenda, pois, como é cediço dizer, não há direito adquirido contra a Constituição, tese já por demais debatida na Suprema Corte.
Como se pode verificar em qualquer doutrina ainda que razoável não se pode excluir uma clara disposição da Carta em vigor, que têm aplicação imediata, pois no caso se tratando de conceder Titulo Definitivo de Terras na vigente ordem constitucional é evidente que esta é que deve reger o ato de concessão de terras públicas[2].
Assim, não cabe nem se cogitar de que o requerente teria direito adquirido ao regime da Carta Constitucional antes da Emenda Constitucional de 46, pelo simples fato de que não há direito adquirido contra o vigente texto constitucional.
Destarte, o Art. 20 da Constituição Federal de 1988, que define os bens da União, sofreu recente emenda, excluindo do seu patrimônio as ilhas de seu patrimônio, que sejam sedes de Municípios, como se verifica do inciso IV com a redação dada pela Emenda Constitucional 46, publicada em 6 de maio do ano de 2005:
Art. 20 – São bens da União:
IV- as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (grifei)
O ITERPA nunca contestou o fato do MARAJÓ ser uma ilha pertencente a UNIAO, e parece consensual que o seja nos meios agraristas, e aceita como verdadeira tal premissa, é evidente, que no caso, estando a área onde se situa o imóvel, em sede de Município, situado em ilha federal, deixou de ser tal área patrimônio da União e passou a pertencer ao Município de Muaná, que, portanto, é agora o titular de todas as terras onde se define o âmbito administrativo de seu exercício da autonomia municipal, como integrante da Federação, na forma do Artigo 18 Caput da CFRB.
Veja-se no mapa abaixo a localização de MUANÁ
MESORREGIÃO DO MARAJÓ
É importante destacar, que no caso da ilha de Marajó, devido a sua dimensão, ela não é sede de apenas um, mais vários Municípios, na verdade exatos 14 Municípios.
Antes do advento da Emenda Constitucional 46, devido ao fato da Ilha de Marajó constituir-se patrimônio da União, o que nunca foi questionado pelo ITERPA, e sempre se aceitou tal premissa, sempre se titulou áreas na ilha a partir de Convênios com a União, através do antigo Departamento de Patrimônio da União –DPU, atual Gerência Regional de Patrimônio da União –GRPU.
É importante ressaltar que a CF de 1988 (art. 20, VII) inseriu os terrenos de marinha e seus acrescidos entre os bens da União, matéria que antes era regulada apenas pela legislação ordinária[3], isto leva a conclusão de que apesar das áreas onde estejam situadas sede de municípios, em ilhas federais, deixar de pertencer a União, transferidas pela emenda 46, aquelas áreas específicas, correspondentes aos terrenos de marinha, continuam afetadas aos patrimônio da União, pois não excluídas expressamente pela EC 46, e, portanto, tais áreas somente podem ser objeto de regularização pelo GRPU, diretamente ou em convênio.
Portanto, ainda que os terrenos de marinha estejam situados em área de ilha que não mais pertence a União, por força da EC 46, esta não elimina o titulo de domínio daquelas áreas da União, pois decorrem diretamente da Constituição, e deverá ser objeto de discussão do Município diretamente com o GRPU.
3.O Supremo Tribunal Federal e aS TERRAS PÚBLICAS.
Como se trata, no caso de nova origem de terras devolutas, cabe uma breve retrospectiva sobre a origem do patrimônio público de terras, e , como o Supremo Tribunal Federal, vem decidindo a respeito da proteção deste patrimônio, impedindo a sua apropriação indevida.
Devido a origem da formação territorial do Brasil através do Direito de Conquista, cujo nascedouro mais remoto é o Tratado de Tordesilhas (1494), denominado de Capitulacion de La Reparticion del Mar Oceano, que foi assinado em 7 de junho de 1494, por Dom João, Rei de Portugal, e D. Fernando e Dona Izabel, reis da Espanha, Castela e etc, que dividiu o mundo com uma linha imaginária que corria do pólo Ártico ao Antártico e concedia a Portugal o controle sobre as 370 milhas ao oeste das ilhas de Cabo Verde, além deste limite as terras pertenceriam à Espanha, a princípio todas as terras são públicas, e somente se pode elidir esta por consistente prova em contrário.
Alerta-se, que por força deste tratado, apesar de ainda não descobertas, boa parte das terras que hoje compõem o Brasil já pertenciam por direito a Portugal, e, posteriormente objeto a ação de fato pela Coroa Portuguesa, na pessoa de Pedro Alvares Cabral, onde a Carta de Pero Vaz de Caminha se configura autêntico Titulo deste domínio, estas foram incorporadas ao domínio real.
É deste fato histórico que decorre a conclusão lógica e necessária que toda propriedade privada no Brasil tem origem no patrimônio público.
De fato, por isso, as diversas fases históricas da formação territorial do Brasil, passando pela Colônia de 1500 a 1822, Império de 1822 até a proclamação da Republica em 1891, tiveram apenas o significado de mudar o titular de direito público das terras que constituem o território nacional[4], e que ali permanecem integrando este patrimônio, uma vez que não tenham sido legitimamente transferidas ao patrimônio particular, originando a propriedade privada.
O Supremo Tribunal Federal em pelo menos quatro oportunidades impares já apontou claramente no sentido de que esta origem histórica do patrimônio público e o desenlace deste é que legitima a propriedade privada. Aliás, esta origem histórica da formação territorial do Brasil é a justificativa primeira para o constituinte de 1988, prescrever claramente a impossibilidade de usucapião de terras públicas, no art. 191, parágrafo Único. E disto decorre a nulidade absoluta de registro perante o Cartório de Registro de Imóveis de documentos que não são aptos a transferir a propriedade.
O primeiro momento relevante de interpretação da Suprema Corte sobre o tema, foi exposto de forma lapidar no acórdão de 24 de setembro de 1968, da Segunda Turma, no julgamento do RE 51.290-GO, cujo Relator foi o Min. Evandro Lins e Silva, onde acompanhando o voto deste, o Ministro Aliomar Baleeiro asseverou que:
”As terras do Brasil foram objeto de conquista e posse, por Pedro Álvares Cabral para o rei de Portugal. Ela passou a ser uma fazenda do Rei, ficando no domínio real até a independência, quando foi transferida para o patrimônio nacional, lá permanecendo todo o tempo do Império, até que o art. 64 da Constituição de 1891 a distribuiu aos Estados em cujos limites se encontrava. Então os Estados, como sucessores da nação Brasileira, como sucessora do patrimônio pessoal do rei de Portugal, não necessitam trazer nenhum título. O título é a posse histórica, o fato daquela conquista da terra. A terra, no Brasil originariamente era pública. (…) O Estado de Goiás não precisa provar nada. A presunção é de que a terra é dele. O particular é que tem de provar, por uma cadeia sucessória, que as terras foram desmembradas do patrimônio público. Não há nenhuma dúvida a respeito disso”.
No seu voto o Ministro Evandro Lins e Silva, fez constar a justificação do projeto e a lógica inerente a apuração das terras devolutas, como espécie de terras públicas que embora ainda não devidamente incorporadas ao patrimônio público de forma individualizada, mas nem por isso excluído deste:
“Pode ocorrer que as terras do domínio da União, dos Estados ou dos Municípios (como acontece com as terras devolutas) se achem confundidas, ocupadas indevidamente como particulares, ou devastadas criminosamente. Todos esses fatores, de ordem material e de conseqüências jurídicas, concorrem para a índole da ação discriminatória. E é por isso que as terras públicas, em geral, se apuram por exclusão das que devam ser consideradas particulares; e não se pode exigir documento ao Poder Público para prova de seu domínio, e sim apurar esse domínio por exclusão das áreas cobertas, juridicamente, por título hábil devidamente filiado, nos termos do direito vigente”.
Após expor a justificativa do processo discriminatório, destacou o Ministro Evandro Lins e Silva a respeito do registro de imóveis sobre as terras públicas, declarando que:
“a transcrição não expurga de vícios o domínio nem a posse pode se objetivar sobre coisas fora de Comércio”.
Portanto, deixa o Ministro evidente a impossibilidade do registro constituir meio legítimo e suficiente para a excluir a presunção de domínio do Estado sobre as terras do seu território, mas ao contrário, por ser coisa fora de comércio, não pode ser apropriado pelo particular, e o patrimônio privado somente pode ter origem em regular desmembramento do patrimônio público, não podendo as transferências particulares, por mais antigas que tenham sido realizadas, ter o condão de legitimar a exclusão do domínio público.
Outro momento histórico relevante da apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, reafirmando a prevalência da origem pública das terras, e que nem o registro imobiliário, na sua presunção de domínio, pode afastar, podendo ser, inclusive, cancelado na via administrativa, foi devidamente reconhecido pela Corte no julgamento da Representação de Inconstitucionalidade n.1.070-8-DF, realizado em 23.03.1983, cujo Relator foi o Ministro Moreira Alves, que declarou a adequação da Lei n. 6.739, de 5 de dezembro de 1979, à Carta Magna então em vigor, sendo asseverado no relatório que a exposição de motivos da referida lei faz constar expressamente que, in verbis:
¨ Em contrapartida, levada a registro documento que não configure a transferência de propriedade imóvel, ou, ainda, título não tido como registrável pela lei nacional, o registro dele não consubstanciará a aquisição do domínio nem dará lugar à presunção desta(…) A proteção constitucional diz respeito à pessoa que detém legitimamente a titularidade, e não àquela que invoca domínio com fundamento em título nulo de pleno direito ¨
Aliás, seguindo esta lógica, o Ministro Moreira Alves no seu voto, no julgamento da citada representação de Inconstitucionalidade, asseverou que :
“Em nosso sistema jurídico, ao contrário do que ocorre no direito alemão, o registro do título de aquisição de imóvel é causal e gera, apenas, a presunção juris tantum de propriedade. O que importa dizer que, inválido o titulo, inválido será o registro, desfeita, assim, a aparência de transferência da propriedade.”
Ressalta, ainda, o Eminente Ministro, no histórico voto, que o procedimento instituído pela Lei 6.739/79, nada tem de inconstitucional, pois :
“A modificação que a Lei 6.739, de 5 de dezembro de 1979, introduziu em nosso sistema imobiliário foi o de permitir, como exceção ao princípio estabelecido no artigo 250, I, da Lei de Registros Públicos em vigor (que exige decisão judicial transitada em julgado), a possibilidade de autoridade judiciária – o Corregedor Geral da Justiça – no desempenho de função de natureza administrativa, declarar inexistente e cancelar a matrícula e o registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direto, ou feitos em desacordo com o artigo 221 e seguintes da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterada pela Lei nº 6.216, de 30 de junho de 1975.”
Ressalta, com sua percuciente inteligência que nada vê de estranho em mediante ato administrativo a lei permitir o cancelamento de registros nulos, pois :
“O que, aliás, não é nada de extraordinário, certo como é que as súmulas 316 e 473, parte inicial, reconhecem que “A administração pode declarar a nulidade dos seus próprios” e “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos”.
Reforça, inclusive, o Eminente Ministro Moreira Alves, que a própria Lei 6.739/79, ressalva o mecanismo do particular impugnar o ato, se considerar lesivo ao seu interesse, mediante ação declaratória de nulidade de ato administrativo, prevista no art. 3º, do mesmo diploma legal, como se destaca o seguinte trecho de seu voto:
“Note-se, ademais, que a parte que teve o registro cancelado não se retira o direito de socorrer-se do Poder Judiciário, por meio de ação anulatória, como se vê do artigo 3º da lei em causa.”
Neste diapasão, devemos entender que a Lei 6.739/79, na verdade, é uma lei que apenas define o procedimento para cumprir o artigo 214 da Lei de registros públicos, que permite a declaração de nulidade independente de ação direta. E como lei que define esta competência procedimental da Corregedoria de Justiça, ainda, que não citado, é nela que se funda tal competência de proceder o cancelamento administrativo de registros imobiliário nulos. E como ressaltou o Ministro Moreira Alves, no muitas vezes citado voto:
“Ademais, a lei 6.739 não criou causas novas de nulidade, mas apenas modificou, parcialmente, o procedimento para a obtenção do cancelamento ou da retificação da matricula e do registro de imóvel rural, e não há direto adquirido a procedimento.
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Sendo o registro, em nosso sistema jurídico, causal, e, por isso mesmo, só gerando presunção juris tantum de propriedade, esta só existe se for válido o titulo levado a registro. E quando se declara a nulidade do registro não se desconstitui o direito de propriedade, mas apenas se declara que ele não chegou a surgir. E o § 22 do artigo 153 da Constituição só protege direito de propriedade existente.
Neste sentido, cabe, ainda, ressaltar que o Título do Estado sobre as terras devolutas, não decorre da sua incorporação ao seu patrimônio através do registro imobiliário, pois se tal já tivesse ocorrido deixariam de ser devolutas, pois o seu título sobre as terras devolutas é expressão de sua autonomia, no caso dos entes federados, e da soberania, no caso da União, sendo este o fundamento de domínio sobre as terras de seu território e que têm foro constitucional. Neste sentido específico, já esclareceu o Supremo Tribunal Federal, através da 1ª Turma, ao julgar o RE 26341, 07/10/1954, cujo Relator foi o Ministro Mário Guimarães, que :
Desta feita, o patrimônio devoluto não precisa ser previamente arrecadado ou discriminado para o poder público possuir o seu “Título” que lhe permitiria destinar a terra, sendo a ação discriminatória apenas um meio de individualização perfeita do patrimônio, mas não constitutivo deste. Sendo certo que as terras devolutas são patrimônio publico, ainda que não devidamente individualizado, o particular não pode sequer caracterizar a sua ocupação da área como posse, e sim mera detenção, como estado de fato, de uso e ocupação tolerada pelo titular das terras, que é o Estado[5].
Registramos, por fim, que recentemente o Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3438, promovida pelo Governador do Estado do Pará, contra dispositivos da Carta Magna Estadual, que previam a aquisição do domínio de terras estaduais, previstos nos artigos 316 e artigo 44 do ADCT, que tivemos a honra de elaborar a petição exordial[6], decidiu pela inconstitucionalidade de tais dispositivos, pois permitirem a particulares terem domínio sobre terras públicas, conforma se verifica no Informativo 413 do STF. In verbis:
Aquisição de Propriedade e Competência Legislativa -Por entender caracterizada a ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito civil (CF, art. 22, I), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Pará para declarar a inconstitucionalidade do art. 316, caput, e §§ 1º e 2º, da Constituição do referido Estado-membro e do art. 44 do seu ADCT, que prevêem a aquisição do domínio de terras estaduais por quem possuí-las por mais de 40 anos ininterruptos sem contestação e regulam o registro de propriedade mediante comprovação das cadeias dominiais. ADI 3438/PA, rel. Min. Carlos Velloso, 19.12.2005. (ADI-3438) (grifamos)
No diapasão do exposto, logo vemos, que há um novo Titulo Constitucional para surgimento de terras devolutas, que no caso se atribui aos municípios, cuja sede esteja em ilha de domínio da União, situação descrita pelo Inciso IV, do art. 20 da CFRB, com a redação dada pela Emenda Constitucional 46, e somente será legítima a propriedade privada, a partir deste momento, se neste patrimônio municipal tiver uma origem regular.
4. NATUREZA JURÍDICA DAS TERRAS PÚBLICAS DEVOLUTAS E COMPETENCIA DE SUA TITULAÇÃO
Cediço dizer que são bens públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem, e que os bens públicos não passíveis de usucapião, podendo o seu uso comum ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem(art. 98 c/c Art. 102 e art. 103 do CC)
Por isso, devemos reconhecer que as terras públicas são imóveis incluídos entre os bens públicos e que não são passíveis de usucapião (art. 191, § único da CF c/c Art. 102 do CC)[7].
Assim, efinimos as Terras Devolutas como imóveis incluídos entre os bens públicos, pertencentes ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público interno, que pertencem ao seu patrimônio por atribuição constitucional, que ainda não foram devidamente identificadas, delimitadas e incorporadas ao seu patrimônio, não estando aplicada a um uso público, mas que são objeto de direito real, se incluindo entre os bens públicos de natureza dominical, que não são passíveis de usucapião, mas são alienáveis na forma da Lei[8].
Neste caso, como se trata de uma concessão originária de terras decorrente da Constituição aos Municípios, por se enquadrar na hipótese do Art. 20, inciso IV, não se pode deixar de reconhecer que passaram a construir um devoluto municipal, a ser devidamente, arrecadado e matriculado, e somente este tendo competência para destina-lo.
No caso que analisamos, a competência para destinar a terra é do município de Muaná, situado na ilha de Marajó, e que evidentemente, deverá dar destinação às terras que passam a compor este patrimônio na forma de sua legislação municipal, e demais disposições constitucionais.
Lembre-se que as terras devolutas sempre foram definidas pelo legislador pátrio por exclusão das terras que não poderiam ser consideradas como tais. Veja-se, por exemplo, o artigo 5° do Decreto-Lei n.° 9.760, de 5 de setembro de 1946[9], prática que remonta a primeira Lei de Terras do Brasil, a lei 601/1850, cujo art. 3º , estabeleceu esta forma de definição[10].
Esta tradição de definição por exclusão das terras devolutas, inclusive influenciou o constituinte, porque o inciso IV do Artigo 20, exclui do que é transferido aos municípios, situados em ilhas que constituíam patrimônio da União, como um devoluto, aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II, ou seja, as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que pertencem aos Estados.
Desta forma, havendo sede municipal em ilha da União, excluídas aquelas que o constituinte destaca, passam a não mais constituir as ditas terras imóvel do patrimônio da União, e, portanto, não mais integram a jurisdição do GRPU, falecendo qualquer competência deste para titular as referidas áreas, ou através de convênio com o Estado, por se constituírem terras devolutas municipais.
Na verdade, hoje a competência para titular áreas da ilha de Marajó, que estão nas áreas que compõe o município de Muaná, assim, como a outros municípios cuja sede fica na ilha, pertence as municipalidades, devendo os processos de titulação, em tramite no instituto de terras estadual, ser remetido para aqueles Municípios titularem diretamente ou no máximo em convênio técnico as áreas, se não possuírem um corpo técnico adequado que, por evidente, não estejam afetas a terreno de marinha, ou na hipóteses que o constituinte exclui, que continuam a pertencer a União, ou ao Estado.
CONCLUSÃO
Do que expomos neste texto, podemos extrair as seguintes conclusões:
1-A Emenda Constitucional 46, como a nova redação que deu ao inciso IV do Art. 20 da CFRB, trouxe uma forma de concessão originária de terras públicas aos municípios, cuja sede fique em ilha pertencente a União, constituindo-se de terras devolutas municipais.
2-Definimos as terras devolutas como imóveis incluídos entre os bens públicos, pertencentes ao patrimônio das pessoas jurídicas de direito público interno, que pertencem ao seu patrimônio por atribuição constitucional, que ainda não foram devidamente identificadas, delimitadas e incorporadas ao seu patrimônio, não estando aplicada a um uso público, mas que são objeto de direito real, se incluindo entre os bens públicos de natureza dominical, que não são passíveis de usucapião, mas são alienáveis na forma da lei.
3-Seguindo a tradição de se definir as terras devolutas por exclusão, o inciso IV do Artigo 20 da CFRB, exclui do que é transferido aos municípios, situados em ilhas que constituíam patrimônio da União, aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as áreas, situadas nas ilhas oceânicas e costeiras, pertencentes aos Estados.
4- Mesmo nos municípios beneficiados pela EC-46, continua a existir terrenos de marinha, que na forma do Art. 20, inciso VII da CFRB, continuam a pertencer à União, e, portanto, sob a gerência do GRPU.
5-Desde o advento da emenda constitucional 46, em 6 de maio de 2005, não existe mais competência da União para titular diretamente ou mediante convênio com os institutos de terras do Estados áreas de ilhas que integravam o seu patrimônio, sede de municípios, que passaram a pertencem a estes, que detém competência exclusiva para promover as sua destinação.
Louva-se a emenda 46, pois privilegia o ente federado onde mora o cidadão, e na verdade, pensamos que cada vez mais os municípios devem receber atribuições e reconhecimento do constituinte, como seria em boa hora, excluir-se, também, os terrenos de marinha do patrimônio da União em áreas onde ocorrer sedes de Municípios.
Informações Sobre o Autor
Ibraim José das Mercês Rocha
Advogado, Coordenador da Procuradoria Fundiária –PGE/Pa, Conselheiro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP/PA, Procurador do Estado do Pará, Mestre em Direito/UFPA