Conceito de lançamento tributário e sua relação com as categorias norma, procedimento e ato


Resumo: Este artigo trata do conceito de lançamento tributário e de suas caraterísticas. A partir da leitura deste artigo, poderá o leitor familiarizar-se com as teorias declaratória, constitutiva e mista do lançamento tributário, bem como cita-se o entendimento de ilustres juristas. Discute-se, ainda, a respeito do momento em que se dá a constituição definitiva do crédito tributário. Espera-se que tal texto seja útil para acadêmicos e profissionais atuantes na área tributária.


Sumário: 1. Lançamento tributário. 2. Espécies de Lançamento Tributário. 3. Constituição definitiva de lançamento e o conceito de “autolançamento”. 4. Conclusão.


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1. Lançamento tributário


Segundo o artigo 142 do Código Tributário Nacional, o lançamento consiste em um procedimento administrativo privativo da autoridade administrativa, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador e a matéria tributável, a definir o montante e identificar o sujeito passivo.


A doutrina, no entanto, divide-se acerca da natureza jurídica do lançamento. Para alguns, o lançamento administrativo é um procedimento, no sentido de que, por afetar direitos dos administrados, há de ser desenvolvido com obediência a certas formalidades legalmente impostas. Assim, por exemplo, há de ser sempre assegurado o direito de defesa ao contribuinte, que abrange o direito de uma decisão da autoridade, bem como o direito de recorrer dessa decisão a instância administrativa superior.


Para outra parte da doutrina, como o Professor Paulo de Barros, entende que o lançamento é ato jurídico e não procedimento, como consta do art. 142 do Código Tributário Nacional. Consiste, muitas vezes, no resultado de um procedimento mas com ele não se confunde. É preciso dizer que o procedimento não é imprescindível para o lançamento, que pode consubstanciar ato isolado, independente de qualquer outro.


 Desta feita, o lançamento é um ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário, e como conseqüência, a formalização do vinculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido”.


2. Espécies de Lançamento Tributário


Entende-se que há três espécies de lançamento, conforme consta do CTN:


Lançamento de ofício (art. 149);


Lançamento por declaração (art. 147); e,


Lançamento por homologação (art. 150).


Segundo o professor Paulo de Barros as referidas modalidades distinguem-se de acordo com o índice de colaboração do sujeito passivo, conforme transcrito. No lançamento de ofício, a participação seria inexistente, uma vez que todas as providências preparatórias são feitas nos cancelos da Administração. No lançamento por declaração, colaboram ambas as partes, visando os resultados finais do lançamento. No lançamento por homologação, quase todo o trabalho é cometido ao súdito, limitando-se o fisco a homologar os atos por ele praticados.


Parte da doutrina costuma denominar o lançamento por homologação como autolançamento, ou seja, a subsunção do comportamento humano à norma tributária material é feita pelo próprio sujeito passivo.


Ocorre que o Direito Positivo Brasileiro não admite a existência do chamado autolançamento, tendo, inclusive, consagrado no art. 142 do CTN que o lançamento é ato privativo da autoridade administrativa, conforme entendimento sustentado por Souto Borges. Assim, os agentes e órgãos da Administração Fiscal podem sempre controlar a realização do suposto normativo (“fato gerador”), homologando ou não as declarações prestadas pelo sujeito passivo. Nesta modalidade de lançamento o contribuinte deverá apurar o credito tributário, sujeitando-o ao posterior controle da Administração Pública, em virtude do caráter privativo da atividade de lançamento, sendo que estas se distinguem, basicamente, pelo momento em que se torna devido o crédito tributário.


No lançamento por homologação o contribuinte deverá antecipar o pagamento, independentemente do exame prévio da administração. Diferentemente, no lançamento por declaração o pagamento ocorrerá posteriormente ao exame lavado a cabo pela Administração, que deverá apurar o débito e, por conseguinte, notificar o sujeito passivo.


Conclui-se, portanto, que o contribuinte, no lançamento por homologação, estará em mora a partir do vencimento do tributo, enquanto que, no lançamento por declaração, o contribuinte só poderá ser considerado em mora depois de transcorrido o prazo estipulado na notificação emitida pela autoridade administrativa.


No lançamento por homologação, a Fazenda homologa o pagamento efetuado antecipadamente pelo contribuinte, verificando se este adéqua-se às declarações prestadas pelo contribuinte.


Especificamente no caso do ICMS a Fazenda homologará as declarações feitas pelo contribuinte como a guia de informação do ICMS, bem como a Guia de arrecadação do ICMS, a qual comprova o pagamento e extinção do crédito tributário.


As teorias declaratória e constitutiva do crédito tributário. A obrigação tributária nascer antes do crédito?


Há grande discussão acerca da natureza jurídica do lançamento, sendo que existem, basicamente, três entendimentos a respeito, quais sejam: natureza declaratoria do crédito tributário; natureza constitutiva do lançamento tributário; e, por fim, a natureza híbrida, isto é, constitutiva do crédito e declaratória do lançamento.


A primeira corrente doutrinária defende a natureza declaratória, não possuindo o lançamento o condão de criar, modificar ou extinguir direitos, mas sim declarar o direito anterior consubstanciado na obrigação tributária, o que, por sua vez, surge com a ocorrência do fato previamente descrito na lei.


A segunda corrente prefere a natureza constitutiva do lançamento, na qual o lançamento apenas irá declarará o crédito tributário, valendo-se, para tanto, de uma leitura simplista do artigo 142 do CTN, não merecendo, portanto, maior análise.


Ademais, argumentam que o lançamento decorre da constatação de que ele tem em conta as circunstâncias de fato no momento da ocorrência do fato jurídico tributário e a lei vigente na época em que este último se realiza, consoante os ditames do art. 144 do CTN.


Sobre o lançamento, vale a transcrição de Paulo de Barros Carvalho.


“Meditemos sobre a construção desse segmento de linguagem. Seu conteúdo semântico será o relato de um evento do passado, devidamente caracterizado no tempo e no espaço. Dizendo de outro modo, o enunciado de que tratamos declara ter ocorrido uma alteração no plano físico-social. Nesse sentido, vale dizer que o fato jurídico tributário tem caráter declaratório. Aí esta o motivo pelo qual se aplica ao fato a legislação em vigor no momento em que o evento ocorreu. Entretanto, podemos esquecer que o relato do acontecimento pretérito é exatamente o modo como se constitui o fato, como essa entidade aparece e é percebida no recinto do direito, o que nos autoriza a proclamá-lo como constitutivo do evento que, sem esse relato, quedaria à margem do universo jurídico. Por outros torneios, o enunciado projeta-se para o passado, recolhe o evento e, ao descrevê-lo, constitui-se como fato jurídico tributário. Retenhamos esses dois aspectos: o enunciado do antecedente da norma individual e concreta que analisamos se constitui como fato ao descrever o evento”. (Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 2003. P.P.402/403).


Mais adiante, o jurista, prossegue:


“(…) Disso, advém uma conclusão importante: todos os elementos utilizados para a composição do enunciado relacional são extraídos do fato e não do evento, que já se consumiu ao transformar-se no enunciado do antecedente normativo. A montagem da relação jurídica não retroage ao instante da verificação do evento, para dele retirar os dados de que necessite, em ordem à qualificação dos sujeitos e à quantificação do débito tributário, pois tudo está no enunciado factual e, o que lá não estiver, foi desprezado pelo editor da norma, ao selecionar as propriedades do evento, sendo, dessa maneira, irrelevantes juridicamente. Só numa formulação apressada poderíamos supor que o autor da regra volta ao passado para vasculhar a ocorrência e dela extrair ingredientes que venha a utilizar na relação obrigacional. Isso é mera aparência sugerida pelo exame do primeiro instante. Todas as informações necessárias à compostura do liame obrigacional do conseqüente serão recolhidas ao lado, na linguagem do antecedente. Se o sujeito que vai expedir a norma tem ao seu alcance todos os elementos que foram filtrados do evento para constituir o fato jurídico tributário, que contingência poderia compeli-lo a regressar àquela ocorrência ? Não se pode menos do que concluir, de modo peremptório, que o conseqüente é, todo ele, constitutivo de um vínculo que passou a existir, para o direito, com o correspondente enunciado relacional”. (Carvalho, Paulo de Barros. Obra citada. P.P.403 e 404).


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Com fulcro na citação supra, pelo entendimento do professor Paulo de Barros, no sentido de que o lançamento é um ato que constitui o crédito tributário, visto que o mero evento não faz surgir a obrigação tributária. Esta somente se constitui com o lançamento, no qual a autoridade competente analisa o evento e o transforma em linguagem competente, fazendo surgir o crédito tributário. Logo a obrigação nasce junto com o crédito tributário, no momento do lançamento.


3. Constituição definitiva de lançamento e o conceito de “autolançamento”


A constituição definitiva do lançamento tributário dá-se com a efetiva notificação do sujeito passivo.


Compartilhamos do entendimento dos juristas Paulo de Barros Carvalho e Eurico Marcos Diniz de Santi, no sentido de que a constituição definitiva do crédito ocorre com a notificação válida do lançamento, pois é neste momento que se constata a publicidade do ato administrativo. Não se pode sacrificar o direito à ampla defesa e ao contraditório, constitucionalmente garantidos.


Tal raciocínio tem de ser empregado ao lançamento por homologação, visto que não pode o Fisco, sem sequer manifestar-se sobre as declarações do contribuinte, inscrever seu débito em divida com base apenas em tais declarações.


Em que pese o entendimento majoritário da jurisprudência admitir o autolançamento, não deveria ser correto tal entendimento, visto que não poderia o Fisco ajuizar execução fiscal apenas com base nas declarações do contribuinte, sem prévia notificação e manifestação do sujeito passivo. O lançamento definitivo se dá com a notificação do sujeito passivo.  


Cumpre observar, também, que não pode a Fazenda transformar as declarações prestadas pelo contribuinte em lançamento, por ser este ato privativo da Administração, nos termos do artigo 142 do CTN.


Extraímos da obra de Estevão Horvath a mais fiel das definições encontradas acerca do “autolançamento”, verbis: 


O autolançamento é o ato, ou conjunto de atos do particular, que, materialmente, tem o mesmo conteúdo do lançamento, mas não pode produzir os efeitos próprios deste – uma vez que não provém da Administração – a não ser por uma ficção jurídica, ou equiparação ao ato de lançamento, o que ocorrerá no caso de ser confirmado (o autolançamento) pela Administração, expressamente, ou pelo decurso de tempo apto a provocar os efeitos do silêncio positivo do Fisco.” (HORVATH, Estevão. Lançamento Tributário e “Autolançamento”. Ed. Dialética, SP, 1997).


Prossegue o autor: 


“O autolançamento responde à transformação histórica do Direito Tributário, que parte de uma prática e concepção administrativistas nas quais, em que pese a participação do sujeito passivo, o ato que liquida (como no caso da liquidação de sentença) o crédito tributário correspondia à Administração exclusivamente (e continua correspondendo, ex vi legis) para ir em direção – por imperativos de ordem jurídica e material – a uns procedimentos fiscais nos quais se outorga maior protagonismo ao particular.(…)


Ao autolançar, o sujeito obrigado estará aplicando o Direito ao caso concreto, desde o instante em que recolhe os fatos por ele realizados, os subsume à norma tributária correspondente para verificar se são fatos imponíveis ou não, até o momento em que passa a quantificar o seu débito, aplicando a alíquota à base imponível, numa atividade que, materialmente, é idêntica à que efetua a Administração Tributária (…)


Por estas razões, o pagamento levado a cabo pelo obrigado, quando decorre de um autolançamento, é sempre realizado “por conta” da apuração definitiva do importe da obrigação. Destarte, a Fazenda Pública, ao receber o pagamento, o faz “sob reserva”, o que entendemos – como aliás, entende a legislação – como uma condição jurídica de tipo resolutório (art. 150, I , do CTN) sem que isso signifique que a comprovação efetivamente ocorrerá.” (HORVATH, Estevão. Lançamento Tributário e “Autolançamento”. Ed. Dialética, SP, 1997).


No entanto, o posicionamento da jurisprudência é de refutar tal tese e, dessa forma, admite as declarações prestadas pelo contribuinte como lançamento. Neste sentido, tem-se o informativo do STJ:


“LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DCTF.  PRESCRIÇÃO. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a declaração de débitos e créditos tributários federais (DCTF) refere-se sempre a débitos vencidos, razão pela qual o prazo prescricional inicia-se no dia seguinte à entrega da declaração. (AgRg no REsp 1.076.611-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/12/2008).” 


O aresto do STJ confirma o informativo citado:


“RECURSO REPETITIVO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SÓCIO. DCTF. GIA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. No recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC e art. 6º da Res. n. 8/2008-STJ, a Seção assentou que a simples falta de pagamento de tributo não acarreta, por si só, a responsabilidade subsidiária do sócio (art. 135 do CTN), se inexistir prova de ele ter agido com excesso de poderes em infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da sociedade empresarial. Outrossim, a apresentação da declaração de débitos e créditos tributários fiscais (DCTF), de guia de informação e apuração de ICMS (GIA), ou de outra declaração dessa natureza com previsão legal constitui o crédito tributário, não havendo necessidade de outra providência por parte do Fisco. Precedentes citados: EREsp 374.139-RS, DJ 28/2/2005; REsp 1.030.176-SP, DJe 17/11/2008; REsp 801.659-MG, DJ 20/4/2007; REsp 962.379-RS, DJe 28/10/2008; AgRg nos EREsp 332.322-SC, DJ 21/11/2005; AgRg nos EREsp 638.069-SC, DJ 13/6/2005;  REsp 510.802-SP, DJ 14/6/2004, e REsp 437.363-SP, DJ 19/4/2004.” (REsp 1.101.728-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 11/3/2009).


Cumpre observar que o autolançamento configura ato do contribuinte que constitui o crédito tributário. Neste sentido, atenta-se para um fenômeno de valorização da atuação do contribuinte, visto que a Administração Fazendária está transferindo parte de suas atividades ao mesmo. Neste sentido, o contribuinte terá maior ônus com a contratação de profissionais contabilistas, preenchimento de declarações, manutenção e escrituração de livros. Em outras palavras, os deveres instrumentais estão sendo, cada vez mais, ganhando relevância. Neste sentido:


José Souto Maior Borges (2001, p.214), como é possível inferir do trecho a seguir:


“[…] hoje as obrigações acessórias assumem um vulto colossal, delegando-se aos administrados, por mera comodidade administrativa, numerosíssimas atribuições no âmbito dessas obrigações, que seriam a rigor próprias do Estado. Assim, por exemplo, o dever de retenção do tributo na fonte, para transferência posterior aos cofres do Estado. Os contribuintes são obrigados a manter uma estrutura administrativa meramente instrumental com relação ao pagamento dos tributos, que acaba por gravemente onerá-los (por exemplo: funcionários contábeis, escrita fiscal complicada etc.). […]”. (grifou-se). 


Correto ou não o entendimento do STJ em admitir as declarações prestadas pelo contribuinte como ato passível de constituir o crédito tributário, é indubitável que o contribuinte possui, cada vez mais, um maiores e mais complexos deveres instrumentais.


4. Conclusão


Procurou-se neste texto abordar o conceito de lançamento tributários, suas espécies, bem como a aceitação da jurisprudência no que tange ao autolançamento.



Informações Sobre o Autor

Camila Lorga Ferreira de Mello

Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-graduanda pelo IBET, Advogada em São Paulo


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