Conceito e características da advocacia

1. introdução.

este trabalho, sem pretensão de esgotar o tema, busca conceituar a advocacia, e apresentar suas principais características, segundo critérios de observação científica, para fins de construção de uma “doutrina da advocacia”, em face da carência de debates jurídicos sobre o tema, e da escassez de material de pesquisa.

2. Conceito.

A advocacia não é uma mera atividade profissional. Por outro lado, não é tarefa fácil definir a advocacia, pois a tentativa de definição isenta invariavelmente frustra-se pelas influências humanísticas e políticas do conceituador que, inserido em uma determinada ordem jurídica, será tentado a ver a advocacia sob a ótica das leis que regem a atividade em seu país. Por isso, proponho diferentes critérios de conceituação, a depender do aspecto teleológico desta.

Sob o critério filosófico-liberal, advocacia é a atividade jurídica exercida pelos guardiães das liberdades humanitárias, políticas e filosóficas, e que visa à manutenção e aplicação da ordem jurídica aos casos concretos em sociedade, pugnando pelo Estado de Direito.

Sob o critério político, advocacia é a atividade que propicia a defesa de interesses de pessoas envolvidas em conflitos sociais, perante o Poder Judiciário ou órgãos administrativos, de acordo com normas e princípios jurídicos pré-estabelecidos (Estado de Direito) pela linha de poder dominante em uma dada sociedade, escolhida pelo povo e que o representa (Estado Democrático).

Sob o critério constitucional-positivo, advocacia é uma das funções essenciais à justiça, sendo o advogado indispensável à administração desta, e inviolável por atos e manifestações no exercício de sua atividade, na forma da lei.

Sob o critério formal (ou legalista), advocacia é a atividade privativa de bacharel em Direito, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

Sob o critério formal-funcional, advocacia é a atividade privativa de bacharel em Direito, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, desde que, subjetivamente, se verifiquem ausentes: causas legais de impedimento, incompatibilidade ou licença obrigatória, e ainda, sanção disciplinar ou ordem judicial que impeça, limite ou proíba seu exercício.

Sob o critério material, advocacia pode ser: a atividade de provocação da jurisdição em favor do jurisdicionado pelo exercício da capacidade postulatória (aspecto processual); a mediação de conflitos entre os homens em sociedade por métodos de conciliação (aspecto negocial); a consultoria e assessoria em matéria jurídica (aspecto auxiliar); a fiscalização de regularidade de contratos constitutivos de pessoas jurídicas sujeitas a registro no órgão competente (aspecto burocrático).

A apresentação dos diferentes critérios não significa a opção por um e exclusão dos demais. Os critérios para conceituação na verdade se conjugam, para que seja correto conceituar a advocacia, e de fato a conceituo, como: função essencial à justiça, que visa à garantia das liberdades humanitárias, políticas e filosóficas, e ao cumprimento da ordem jurídica vigente, solucionando conflitos com base em normas e princípios jurídicos pré-estabelecidos, através da mediação, ou por postulação perante os órgãos administrativos ou jurisdicionais, ou evitando-os, pela assessoria e consultoria jurídicas, seja na seara pública ou privada, sendo privativa de bacharel em ciências jurídicas, atendidas as demais qualificações exigidas em lei, que a desempenha com múnus público em atendimento a ministério conferido pela Constituição Federal.

A impressão do exercício da advocacia é de natureza personalíssima, e de forte influência empírica, no que toca a forma de imaginá-la, interpretá-la e realizá-la na vida cotidiana, com suas imponderáveis e imprevisíveis situações. Porém, a sua conceituação deve ser científica, como proposta de ponto de partida para se estabelecer uma doutrina a respeito do regime jurídico, ético e filosófico da advocacia, para fins de especulação investigativo-doutrinária e sedimentação de valores com escopo único de demonstrar a posição elevada de que goza, como baluarte da democracia e da preservação da ordem jurídica.

3. Características.

A advocacia possui algumas características identificáveis que, devidamente alinhadas, permitem-nos compreendê-la adequadamente. Tais características são na verdade elementos do regime jurídico que rege a atuação e a pessoa do advogado, e que diferenciam a advocacia das demais profissões, para firmá-la como uma das bases de proteção do Estado Democrático de Direito, por ser função essencial à justiça.

Cumpre dizer, portanto, que, no Brasil, no exercício da profissão, deve o advogado observância da Lei Federal n.º 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, do Código de Ética e Disciplina e dos Provimentos do Conselho Federal da OAB, o que demonstra a veia publicística do direito que rege a atividade de advocacia no Brasil, sujeitando-se o advogado a regime jurídico próprio fundado, a mais das vezes, em normas cogentes.

São estas as características identificáveis da advocacia, e que serão em seguida estudadas: a) indispensabilidade; b) inviolabilidade; c) perenidade; d) ramificação tripartite; e) múnus público; f) parcialidade; g) operacionalidade; h) independência; i) submissão à ordem ética e jurídica; j) inatingibilidade; l) onerosidade mínima obrigatória; m) onerosidade mínima presumida; n) exclusividade; o) privatividade; p) objetividade.

3.1.        Indispensabilidade

A indispensabilidade da advocacia é das mais importantes de suas características. De fato, o advogado é indispensável à administração da Justiça, conforme prescrito no art. 133 da Constituição Federal de 1988.

O advogado não é especial porque lhe atribuem essa qualidade, mas sim porque de fato a possui. É ele fundamental à administração da Justiça, pois que o profissional que vem em auxílio do que ignora as leis que regem sua vida em sociedade, para apresentar, em auxílio deste, a pretensão que poderá culminar no convencimento do juiz, realizando-se justiça, ou ao menos, o cumprimento da norma jurídica.

O advogado é o ser que traz ao mundo prático o ideal da aplicação estatal juridicamente convencida. É o advogado alguém que não tem poder estatal, mas tem ministério conferido pela Constituição, para provocar a Jurisdição e fazer com que o Estado haja da forma que pretende aquele, pois que convence o Estado a tomar a decisão que reputa necessária e legal, o que, aliás, ocorre diariamente em nossos tribunais, nas manifestações do Estado-juiz, que profere decisões a mais das vezes precedidas de instrumentos de convencimento levados a efeito pela técnica jurídica de um advogado.

Até mesmo quando o advogado não sai vitorioso em seus argumentos, é ele essencial, porque para rejeitar sua tese o juiz há de elaborar outra em contrariedade direta, que sustentará a decisão em grau de fundamentação, engrandecendo-se o debate jurídico e alargando-se as hipóteses de hermenêutica, o que contribui para o equilíbrio das futuras decisões judiciais e para o aperfeiçoamento jurisprudencial e mesmo legislativo.

Assim, quando convence, é o advogado essencial; e quando não convence, não é menos importante. Eis a razão pela qual se usa dizer que sem advogado não há justiça.

Nessa esteira, cumpre fazer justiça então a quem tanto luta por ela, e lembrar que a jurisprudência é feita pelos advogados, que na labuta diária, após estudo e reflexão, apresentam argumentos na forma de ação (ou defesa) judicial. Ao julgar, o magistrado exerce a nobre função de sopesar tais argumentos e aplicar o direito corretamente, mas não é o juiz, a mais das vezes, quem cria a jurisprudência, dado que o magistrado (salvo nas hipóteses em que julga diversamente aos argumentos das partes) via de regra nada mais faz que aceitar o argumento levantado pelo advogado, sendo então deste o mérito pela originalidade de uma decisão judicial.

E não é só no âmbito do Poder Judiciário que vem o advogado a ser essencial. Vislumbra-se sua essencialidade nas petições que redige perante a Administração Pública, lembrando ao Estado o dever de cumprimento do princípio da legalidade, verdadeira garantia contra abusos conquistada pelo liberalismo europeu para tutela das liberdades; quando redige contratos e demais atos jurídicos, ou os visa, prevenindo litígios e, se impossível evitá-los, ao menos pré-estabelecendo normas entre as partes para solução dos mesmos; nas consultas, ao dar o conselho jurídico adequado, solucionando a dúvida e muitas vezes a angústia do cliente.

In veritas, até quando nada faz, ainda aí o advogado é essencial: basta saber que ele existe, que pode ser encontrado, para que muitas vezes as pessoas busquem o auxílio da razão, preservando o Estado de Direito, ao invés de tentarem fazer justiça com as próprias mãos.

Tal a verdade dessas assertivas, demonstradoras da indispensabilidade do advogado, que nos regimes autoritários os mesmos estão no rol dos primeiros a serem perseguidos, embora jamais se calem. Não há regime autoritário no mundo que tenha calado os advogados, mas a pressão que sofrem é de monta, porque todo tirano é contrário ao cumprimento de leis pré-estabelecidas, e por vezes chegam a descumprir até a que eles mesmos editam. Dentro desse contexto, cumpre à tirania, para sobreviver, que não haja rédeas a sua atuação, afastando-se a legalidade, pela qual clamam sempre os advogados.

Em resumo: o advogado é quem faz a conexão entre o ser humano e o Estado, e também a conexão dos homens entre si na qualidade de animais políticos que são, ajudando a garantir o pacto social. Revela-se ainda hoje como em Roma Antiga: ad auxilium vocatus (chamado a ajudar)!

Envolto em todo esse espírito da dimensão do advogado, é que o Poder Constituinte Originário de 1988 fez constar da Constituição Federal que: “O advogado é indispensável à administração da justiça”, dispondo ainda ser ele “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão” (CF/88, art. 133).

Ao dizer que o advogado é indispensável à administração da justiça, a Constituição Federal reconhece-lhe a atribuição da capacidade postulatória, o poder de representar terceiros em juízo e, mais que isso, o poder de iniciar um processo.

Assim, o processo se inicia por iniciativa da parte (nemo iudex sine actore), mas a provocação ao órgão do Poder Judiciário para que se manifeste sobre o caso concreto deve ser postulada com auxílio de quem conhece os caminhos da lei e do processo, sendo então que o advogado se apresenta como indispensável, no que respeita à representação em juízo da parte, ignorante dos aspectos jurídicos e forenses. Daí RUY SODRÉ ensinar que:

“Só o advogado, com sua cultura, com a técnica jurídica, pode extrair das circunstâncias que envolvem o caso, o que interessa ao julgamento, apresentando a defesa com mais segurança. Ele transforma os fatos em lógica, e o juiz transforma a lógica em sentença.”[i]

Ademais, no corpo da Constituição brasileira, a advocacia encontra-se no Título IV, Capítulo IV, que trata “Das Funções essenciais à Justiça”. Ora, aquilo que é essencial faz parte da natureza da coisa. Tendo em vista o princípio processual da inércia que rege (e deve reger!) a atuação dos juízes, evita-se a problemática do juiz parcial, comprometido com a própria vaidade de ter iniciado um processo e não achar conveniente julgá-lo improcedente. Assim, sem advogado não pode existir o Judiciário como Poder político do Estado (ao menos não como Judiciário isento, imparcial, e tendente à aplicação efetiva de justiça). Se não há advogado para postular em juízo, qual a razão da existência do Poder Judiciário, visto ser este inerte? Eis a razão pela qual JOSÉ AFONSO DA SILVA liquida o assunto de maneira direta e substancial:

“(…) a advocacia é a única habilitação profissional que constitui pressuposto essencial à formação de um dos Poderes do Estado: o Poder Judiciário.”[ii]

Por outro lado, vale lembrar ainda que o Constituinte, ao estabelecer: tripartição de poderes; implementação da teoria de freios e contrapesos (checks and balances); autonomia orçamentária ao Ministério Público e independência funcional aos seus órgãos; controle dos gastos da Administração Pública pelos Tribunais de Contas da União; penas constitucionais para atos de improbidade administrativa; eleições diretas com sufrágio universal e voto direto, igualitário e secreto; especificação de cláusulas pétreas; ampliação do rol de legitimados para propositura de ação que vise à declaração direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos em controle abstrato de constitucionalidade dos mesmos; controle difuso de constitucionalidade; dentre outros mecanismos, nada mais pretendeu que tolher a possibilidade jurídica de abusos de poder, desvios de caráter e má administração dos interesses públicos. Temos uma Constituição Federal de natureza intrinsecamente moralizadora. Aliás, diferente não poderia ser, visto que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (CF/88, art. 3º, inciso I).

Em tal corrente de pensamento, o advogado, exercendo função essencial à justiça, sendo indispensável à administração desta, apresenta-se como que uma espécie de órgão não estatal de controle do Estado, auxiliando e provocando o Poder Judiciário para tal fim. Quem melhor explicou essa intenção do Poder Constituinte em confiar o controle externo do Estado aos advogados foi GLADSTON MAMEDE, em momento iluminado:

“O legislador constitucional, todavia, percebeu que essa estrutura de autocontrole estatal não seria suficiente e, assim, instituiu um controle difuso externo, confiando esse front à classe dos advogados, atuando em nome próprio ou na representação de cidadãos, isolados ou em coletividades. Isso fica claro quando se observa a própria organização do Texto Fundamental que, na organização dos poderes, dispõe sucessivamente sobre o Legislativo (artigos 44 a 75), Executivo (artigos 76 a 91) e Judiciário (artigos 92 a 126); traz então a previsão do Ministério Público (artigos 127 a 130), órgão a quem incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A colocação do art. 133, na seqüência, afirma a advocacia – isto é, tanto o mister de cada advogado, quanto a classe dos advogados – como elemento extra-estatal indispensável à conservação e garantia do Estado Democrático de Direito.”[iii]

Portanto, por mais de um motivo, percebe-se a indispensabilidade do advogado à administração da justiça, que o Poder Constituinte expressamente reconheceu.

3.2. Inviolabilidade.

Inviolabilidade provém do latim inviabilis, que traduz-se por inacessível ou impraticável, aquilo que não pode ser feito. De derivação próxima tem-se a palavra invioroum, que qualifica os lugares inacessíveis, sem caminho, impraticáveis, que não se pode percorrer.[iv]

Dessa maneira, ao dizer que o advogado é inviolável, a Constituição Federal quis tornar impraticável qualquer punição que se lhe queira impor quando o mesmo esteja no exercício da profissão. Por isso é que o advogado goza de uma situação jurídica de liberdade, necessária à sua função combativa contra quem quer que viole o ordenamento jurídico, inclusive quando agindo em detrimento das decisões e normas emanadas do próprio Estado (exemplificativamente, quando atuando em grau recursal), sem que seja legítima ou legal qualquer possibilidade de perseguição.

Inviolabilidade, vale dizer, é a proteção prevista pelo Poder Constituinte para tutela de bens jurídicos de extrema relevância, seja para a proteção de direitos individuais fundamentais, seja para proteção de liberdade de atuação de quem exerce determinadas funções.

No primeiro caso, isto é, proteção de direitos individuais fundamentais, temos que o Poder Constituinte definiu que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (CF/88, art. 5º, caput); “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (CF/88, art. 5º, inciso VI); “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (CF/88, art. 5º, inciso X ); “A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (CF/88, art. 5º, inciso XI); “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (CF/88, art. 5º, inciso XII).

Para proteção de liberdade de atuação de quem exerce determinadas funções de extrema relevância, vê-se a proteção constitucional da inviolabilidade nos seguintes dispositivos da Carta Política: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF/88, art.53); “Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas” (CF/88, art. 27, §1º); “Inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município” (Inciso VIII do art. 29 da CF/8 renumerado pela Emenda Constitucional nº 01/92).

Nessa esteira, prevê a Constituição Federal, demonstrando a extrema relevância da advocacia: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (CF/88, art. 133). E o Estatuto da Advocacia arremata: “No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta Lei”.

Verifico que o art. 133 da Constituição Federal tem exatamente as duas finalidades acima descritas, numa verdadeira conjugação de critérios jusfilosóficos, sendo verdadeiro ponto de encontro de uma manifestação constitucionalista-protetivista, quando afirma a inviolabilidade do advogado.

Com isso, tanto visa à proteção de direitos fundamentais, já que a inviolabilidade do advogado não é privilégio deste, mas na verdade foi instituída pelo Poder Constituinte em prol mesmo daquele que constitui o advogado, ou seja, o outorgante, o cliente, verdadeiro titular dos direitos fundamentais da ampla defesa e da proteção da intimidade, como também visa à proteção de liberdade de atuação, sem a qual ficaria prejudicado o exercício do múnus público que desempenha o advogado, como cidadão a quem a Constituição atribui a relevante função social de vigília da efetivação da ordem jurídica.

O entendimento da indispensabilidade e da inviolabilidade do advogado falta, e isso é triste de se ver, aos acadêmicos de Direito, a alguns próprios advogados despreocupados em conhecer o valor de sua profissão, a autoridades policiais, e o que é pior, a alguns juízes, que se julgam superiores, esquecendo-se, a mais das vezes, que seu poder é sobre o direito a ser decidido, e não sobre o advogado.

O juiz em nada é superior ao advogado: ele é superior às partes, e sobre estas últimas o Estado lhe confere poder para que possa ter eficácia sua decisão.

Porém, se é verdadeiro que o juiz encontra o poder de sua decisão na norma que tal lhe atribui, ou seja, no texto da Constituição da República que lhe define como órgão do Poder Judiciário (art. 92), é na mesma fonte, no texto constitucional positivado, que o advogado busca a independência de sua profissão, a indispensabilidade de sua existência, e a inviolabilidade por suas manifestações e atos no exercício da advocacia. Daí porque, sabiamente, a Lei Federal n.º 8.906/94 declara inexistir hierarquia entre advogados, juízes e membros do Ministério Público, impondo ainda às autoridades e servidores públicos que dispensem ao advogado tratamento condizente com a dignidade da profissão que exerce.

Não obstante, essa inviolabilidade não se constitui em privilégio da pessoa do advogado. Esteja o advogado fora do exercício da profissão, equipara-se a qualquer outro cidadão, sujeito às sanções que a lei determinar pelas infrações que cometer. A inviolabilidade restringe-se à manifestação e atos no exercício da profissão. Não é a pessoa física do advogado que a Constituição privilegia, mas antes é a advocacia que a mesma enaltece. Portanto, não se trata de privilégio, e sim de prerrogativa profissional.

Com efeito, é de se conceder ao advogado liberdade, e o Poder Constituinte o fez, para que, sem receios de punição (principalmente no que concerne aos chamados “crimes da palavra”, como injúria ou difamação), o advogado possa atuar nos moldes a buscar a real efetivação no plano concreto dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório que são assegurados a seu cliente, pois, repito, é no interesse deste que foi criada a inviolabilidade do advogado.

É que a mais das vezes o advogado, no intuito de defender os interesses de seu constituinte, faz contra a parte adversa (e porque é necessário fazê-lo), acusações contra seu caráter, ou alegações de cometimento de atos de desonestidade. Exemplificativamente, numa ação de separação judicial litigiosa, pode vir a ter que alegar que um dos cônjuges descumpriu deveres matrimoniais. Não gozasse o advogado da prerrogativa de inviolabilidade, teria sempre receio de sofrer um processo penal por crime contra a honra, movido pela parte que é atacada com seus argumentos.

É de se lembrar, contudo, que a inviolabilidade do advogado não é absoluta, como já decidiu iterativamente o Supremo Tribunal Federal:

“A inviolabilidade, a que se refere o art. 133 da Constituição Federal, protege o advogado, por seus atos e manifestações, no exercício da profissão, encontrando, porém, limites na Lei. (STF – RECR 229465 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU 14.12.2001 – p. 00086)”.

Assim, é de se concluir que a Carta de 1988 recepcionou o art. 142 do Código Penal, que diz: “Não constitui injúria ou difamação punível, a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por procurador”. É a chamada imunidade judiciária, que no caso gera mesmo a ausência de tipicidade da conduta.

Todavia, a imunidade não se aplica se o crime contra a honra é praticado contra o juiz da causa, pois que injustificável ao exercício da profissão, conforme decidiu o STF:

“A imunidade prevista no inciso I, do art. 142 do CP, não abrange ofensa dirigida ao juiz da causa. (…) (STF – RHC 69.619 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 20.08.1993)”.

Obviamente, porém, se as alegações do advogado visam a afastar o juiz do processamento e julgamento do feito, demonstrando causas de suspeição ou má-fé do mesmo, não haverá crime contra a honra do magistrado por patente a inexistência de dolo, já que os argumentos se conectam diretamente à atividade típica de advocacia.

Há que se ter cuidado, porém, pois parte da jurisprudência entende que não está o advogado sob o amparo de qualquer imunidade se vier a praticar fato típico definido como calúnia. Esse, por sinal, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verbis:

“A Constituição da República, em seu art. 133, após considerar o advogado como indispensável à administração da Justiça, proclamou sua inviolabilidade por atos e manifestações no exercício profissional, nos limites da lei. – A cláusula limitativa – nos limites da lei – recepciona e incorpora o art. 142, I, do Código Penal, a nova ordem constitucional, e, de conseqüência, situa a inviolabilidade no campo da injúria e da difamação, não alcançando a calúnia. – Recurso ordinário desprovido. (STJ – RHC 9779 – MG – 6ª T. – Rel. Min. Vicente Leal – DJU 07.05.2001 – p. 00160)”.

Calúnia é o crime em que se imputa falsamente a alguém fato definido em lei como crime. Ensina JÚLIO FABBRINI MIRABETE que:

“O tipo é composto de três elementos: a imputação da prática de determinado fato; a característica de ser esse fato um crime (fato típico); e a falsidade da imputação. Assim, há calúnia tanto quando o fato não ocorreu como quando ele existiu, mas a vítima não é seu autor”.

(…)

Indispensável para a ocorrência do delito é o dolo, ou seja, a vontade de imputar, a outrem, falsamente, a prática de crime.”[v]

Sobre a calúnia, SERRANO NEVES afirma:

“Não se justifica no advogado, um comportamento afrontoso, ou abusivo, ou seja, contra legem; mas uma atuação pertinente e plena, portanto, praeter legem, no exercício da defesa de direitos. Exatamente por isso, o instituto só abrange a injúria e a difamação, inconformando-se com a calúnia, quer em face do maior teor de reprovabilidade desse crime, quer por ser ele alarmantemente incompatível com a delicadeza e com a credibilidade da advocacia.”[vi]

Todavia, muito embora a imunidade judiciária não se estenda às hipóteses do crime de calúnia, há que se ter a devida cautela para com cada caso concreto, pois nem sempre o advogado cometerá tal crime. É que, se as alegações que em tese constituiriam a hipótese do fato típico do crime de calúnia são realmente necessárias à defesa dos interesses e direitos do constituinte em juízo, havendo boa-fé, evidencia-se a ausência de dolo, razão pela qual não há fato típico, e conseqüentemente não há falar-se em crime.

Recomendável nessas hipóteses, para não se caracterizar o dolo, que o advogado utilize a linguagem mais prudente possível. Decidiu a esse respeito o STJ:

“Caracteriza-se a inviolabilidade do advogado se as expressões utilizadas efetivamente eram pertinentes à causa, tendo sido proferidas na sua discussão e relacionando-se com a defesa procedida pelo paciente. II. Mesmo que as expressões caluniosas não sejam abrigadas pela imunidade judiciária, deve ser considerada a ausência da intenção para tanto, sendo impróprio afirmar-se, de pronto, que houve falsa imputação de crime, com o intuito de ofender a honra de outrem. III. Recurso provido para trancar a ação penal. (STJ – RHC 8819 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 30.10.2000 – p. 167)”.

Já com relação ao crime de desacato, o Estatuto da Advocacia previu (art. 7º, §2º) que:

“O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”.

Porém, o STF suspendeu, por liminar deferida na ADIN n.º 1.127-8, proposta pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a eficácia da expressão “desacato”, que consta do dispositivo legal acima transcrito. Com isso, a imunidade do advogado não se estende às hipóteses do crime de desacato, ainda que assim conste expressamente do dispositivo legal, em razão da decisão do STF, ao menos até que esta Corte se pronuncie quanto ao mérito da referida ação.

JÚLIO FABBRINI MIRABETE esclarece, quanto ao crime de desacato:

“O bem jurídico tutelado é a dignidade, o prestígio, o decoro, o respeito devido à função pública”.[vii]

Assim, no crime de desacato o agente não ofende a pessoa do funcionário público, mas sim a dignidade de sua função, tanto que o tipo penal (Código Penal, art. 331) é: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”. Não se trata o desacato de crime contra a honra do funcionário público, mas sim de crime contra a Administração Pública, em que o sujeito passivo é o Estado.

De fato, correta a posição do STF, pois que ao advogado não pode ser dado o direito, por imunidade, de ofender o decoro da função pública exercida por outrem, já que tal ofensa não se presta como medida necessária a tutelar o direito de defesa do cliente por ele representado. A ordem pública prevalece, em casos tais, devendo o advogado pautar-se pela urbanidade em suas manifestações.

Dessa maneira, ao manifestar desrespeito contra magistrado, membro do Ministério Público, oficial de justiça, ou qualquer outro funcionário público, até o mais humilde das escalas hierárquicas, quando estes se encontram no exercício de suas funções, ou em razão delas, será o advogado autor do crime de desacato, não podendo ser albergado por qualquer imunidade, ainda que esteja exercendo a advocacia no momento da ação delituosa.

Malgrado a inexistência de aplicação legal de imunidade para o crime de desacato, por força da liminar na ADIN n.º 1.127-8, claro que o bom senso deverá prevalecer para excluir o tipo penal quando no calor das discussões jurídicas, ou defesa dos interesses de seu cliente, o advogado usar de determinados elementos de retórica ou postura de mais altivez. Isto por absoluta ausência de dolo. É que nesses casos o advogado não tem a intenção de desprestigiar a função pública exercida pela pessoa objeto do argumento, mas tão-somente abrir o entendimento daquele a quem pretende convencer com sua atuação advocatícia. Eis o julgado:

“O advogado, no exercício efetivo da profissão e na defesa de suas prerrogativas, não comete o crime de desacato ao se insurgir, ainda que de forma grosseira, contra ordem de investigador, impedindo-o de assistir interrogatório de cliente em dependência da delegacia.” (TJES – ACr 067019000180 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Welington da Costa Citty – J. 15.05.2002)

No mais, vale dizer que a inviolabilidade constitucional também não permite que alguém mereça receber indenização por danos morais ou materiais decorrentes de atos ou manifestações do advogado no exercício da profissão. Isso porque, ao exercer sua profissão dentro dos critérios de inviolabilidade constitucional, o advogado está no exercício regular de um direito reconhecido, albergado pela lei, o que, pelo Código Civil de 2002 (art. 188, inciso I), exclui a ilicitude do ato, não exsurgindo daí, portanto, qualquer dever de indenizar.

3.3. Perenidade.

A Constituição Federal brasileira admite ser reformada. Aliás, não creio que exista no mundo atual lugar onde se tenha a chamada “Constituição imutável”, que se pretende nascida perfeita e impossível de ser reformada, porque hodiernamente os avanços políticos, sociais, tecnológicos, comerciais, e mesmo das relações internacionais, requerem constantemente atualizações no ordenamento jurídico que por vezes direcionam a atividade legiferante para a modificação da Constituição.

Imbuído desse espírito, o Poder Constituinte Originário fez constar do texto da Carta de 1988 a possibilidade de reforma da mesma, por meio de revisão (mecanismo extraordinário de reforma constitucional, previsto no ADCT, art. 3º) e emenda constitucional (mecanismo ordinário de reforma constitucional, previsto na CF/88, art. 60).

Todavia, se permitisse toda e qualquer modificação na Carta constitucional, o Poder Constituinte Originário acabaria por destruir todo o objetivo de uma Constituição, que é justamente o de trazer segurança jurídica aos súditos de um Estado soberano, que por meio dela tomam conhecimento de como se estruturam, em tal Estado, as relações de poder, os direitos fundamentais, as competências administrativas e legislativas, o gerenciamento da máquina estatal, a atividade legiferante, a solução dos conflitos para pacificação social, dentre outros.

Às cláusulas insertas no corpo da Constituição a que o Poder Constituinte atribui caráter definitivo, diante da impossibilidade jurídica de modificação ou extração das mesmas do seio da Carta Magna, a doutrina atribui a nomenclatura de cláusulas pétreas.

Assim, conforme se constata da leitura do art. 60, §4º da Constituição Federal brasileira, não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Se houver emenda constitucional votada, aprovada e promulgada, que viole as condições restritivas acima expostas, ter-se-á a curiosa situação jurídica de emenda constitucional reputada inconstitucional, sem qualquer validade jurídica, sujeita ao controle jurisdicional de constitucionalidade.

Dessa forma, quero perguntar: seria o art. 133 da CF/88 uma cláusula pétrea, um dispositivo constitucional impossível de ser extirpado do corpo da Constituição ou mesmo impossível de ser modificado?

Ora, se é direito fundamental do indivíduo o pleno acesso ao Judiciário (CF/88, art. 5º, inciso XXXV), este na condição de Poder imparcial, e aquele com plenas condições de apresentar sua pretensão em juízo de forma técnica, e se tais pressupostos à realização de justiça no plano abstrato só podem realizar-se no plano concreto mediante representação por advogado, parece-me evidente que o advogado existe para garantia desse direito fundamental ali previsto, sendo, portanto, a sua indispensabilidade instituída em dispositivo que se constitui em cláusula pétrea.

Por outro lado, se a inviolabilidade do advogado serve não a si próprio, mas à proteção do direito fundamental de seu cliente à ampla defesa, este reconhecido expressamente como direito individual fundamental na Constituição Federal (CF/88, art. 5º, inciso LV), não me resta absolutamente nenhuma dúvida ontológica ou teleológica de que a inviolabilidade do advogado é garantia de direitos individuais reconhecidos pela Carta de 1988, de maneira que, em assim se interpretando, numa análise sistêmica da Constituição, só posso entender o art. 133 da Constituição Federal como cláusula pétrea.

Tal a importância do advogado perante a concepção do modelo a ser implantado no Brasil pelo Poder Constituinte Originário, que tanto sua indispensabilidade como sua inviolabilidade são erguidas ao nível de cláusula pétrea, ou seja, dispositivo constitucional petrificado, imutável, intocável, sendo então imperativo concluir-se que o advogado é um dos pilares democráticos de sustentação do Estado brasileiro.

Desta maneira, característica fundamental da advocacia na atual concepção positivo-constitucional é sua perenidade, isto é, a impossibilidade de ser extinta, enquanto função essencial à Justiça de caráter indispensável, e inviolável, constituindo-se em seguro meio de garantia de direitos individuais.

3.4. Ramificação tripartite.

A advocacia pode ser: a) privada, quando exercida por profissional liberal mediante contratação de honorários com o cliente, ou ainda nos casos de advogado empregado na iniciativa privada; b) pública, quando exercida por profissionais detentores de cargos ou empregos públicos que visem à defesa do Estado ou suas entidades da Administração Indireta; c) assistencial, quando exercida por Defensor Público em prol de pessoa desprovida de recursos materiais suficientes para contratar advogado e pagar custas do processo. Verifica-se, assim, a ramificação tripartite da advocacia no Estado brasileiro.

O advogado privado é aquele que exerce a advocacia como profissional liberal, que abre seu escritório e ali atende seus clientes ou que se insere numa sociedade de advogados. Tem ampla liberdade no seu trabalho, porém, como desempenha múnus público, deve também cumprir obrigações. Assim, tem liberdade quanto à fixação de seu horário de trabalho, mas deve comparecer às audiências e atos de advocacia que exijam sua presença; tem liberdade para fixar o valor de seus honorários, porém sujeita-se aos limites éticos pertinentes; tem liberdade para decidir com quem contratar, porém tem o dever ético de assumir defesas criminais desconsiderando a própria opinião a respeito do acusado; enfim, possui a liberdade de um profissional liberal, mas não se confunde com os demais profissionais liberais, porque tem missão constitucional.

Inclui-se também na categoria de advogado privado o advogado empregado por pessoas jurídicas da iniciativa privada, porém, com menores liberdades em razão dos deveres inerentes ao contrato de trabalho.

O advogado público é quem representa os interesses e direitos das pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e suas entidades da Administração Indireta (autarquias, agências e fundações públicas). Assim, são advogados públicos os Advogados da União, os Procuradores Federais[viii], os Procuradores do Banco Central do Brasil, os Procuradores da Fazenda Nacional, os Procuradores dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, os procuradores autárquicos estaduais e municipais.

São também advogados públicos os que, desde que tenham vínculo de emprego, decorrente de aprovação em concurso público, e sejam regidos pela legislação trabalhista – CLT e legislação trabalhista esparsa-, pertençam aos quadros de sociedades de economia mista e empresas públicas da Administração Indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Exemplificativamente, nesta hipótese, estão os advogados da Caixa Econômica Federal. O motivo é que, embora as sociedades de economia mista e as empresas públicas sejam pessoas jurídicas de direito privado, também são entidades da Administração Indireta das pessoas políticas a que se vinculam, tendo o Estatuto da Advocacia se utilizado desse critério para definição da advocacia pública. Porém, advogados contratados para tarefas profissionais específicas (emissão de parecer jurídico, defesa em causa judicial relevante, dentre outras possibilidades), sem concurso público, não perdem sua condição de advogado privado.

O defensor público, por sua vez, tem a missão de defender interesses e direitos de pessoas que não podem pagar os honorários de um advogado (profissional liberal), prestando serviço advocatício assistencial.           

3.5. Múnus público.

O advogado exerce múnus público, de maneira que pautar-se pela colaboração com a correta distribuição de justiça é um dever, que só pode ser cumprido quando exerça (ou ao menos busque exercer) da melhor forma possível o encargo que lhe é atribuído de se referenciar pelos interesses maiores da sociedade.

A esse propósito, serve-nos o art. 2º, §1º do Estatuto da Advocacia, ao estabelecer que “No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”.

De fato, mesmo o advogado que exerce advocacia privada presta serviço público na sua atuação, porque contribui para a tutela do Estado Democrático de Direito, por delegação estatal, credenciado perante o órgão competente, que no caso é a Ordem dos Advogados do Brasil. JOSÉ CARLOS SOUSA SILVA abrilhanta o assunto, quando diz que o advogado exerce ainda função política e função social. Quanto à função política, diz:

“O advogado, diante disso, deve estar atento no sentido de que a Carta Magna seja respeitada em sua totalidade a fim de prevalecer o seu conteúdo sobre divergências no meio social.

Compete-lhe, ainda, defender a ordem jurídica do Estado Democrático, o que não lhe basta, pois, para isso, não deve limitar-se na defesa dos direitos e garantias expressos na Constituição, porém, estender a sua defesa aos direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Agindo assim, o advogado está exercendo função política.”

E mais à frente, escrevendo sobre a função social do advogado, arremata:

“Na sua função social, o advogado precisa ter espírito público e perceber que a sua atuação não deve restringir-se aos limites de um processo na defesa do interesse privado, porém agir também, fora dele, na defesa do interesse do povo, que é verdadeiramente o sujeito e dono do poder político, destinatário maior da aplicação do direito.

O advogado deve também funcionar como agente nas transformações sociais, agindo na defesa do que representa o melhor para a sociedade.”[ix]

Em razão do múnus público da atividade que exerce é que o advogado possui, enquanto abstralidade e genericamente, direitos especiais previstos em lei, que não são verificáveis comumente em outras profissões. Não se tratam de privilégios, mas de necessárias proteções ao bom desempenho da advocacia pelo profissional que a ela se dedica, o que no fundo é de relevo para consecução do exercício dos direitos inerentes à ampla defesa do cliente que lhe confere mandato, resvalando tais benefícios para a sociedade em geral e até mesmo para o próprio Estado constituído.

O múnus público não é maior para advogados públicos, porque todo advogado detém importância igual para os fins constitucionais a que se destina o exercício da advocacia.

Apesar da igualdade que faço questão em enfatizar, existente quanto à essência do múnus público exercido por advogados privados e públicos, é inegável, em contrapartida, que no caso destes últimos é mais fácil perceber isso, pois sua atuação evidencia tal natureza da advocacia (de múnus público), pois que representam especificamente as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e suas respectivas entidades da Administração Indireta. Ou seja, para o advogado público o múnus público é mais visível, embora em nada mais importante ou desigual que aquele exercido pelo advogado privado.

O que é diferente, na verdade, é que os advogados públicos exercem cargo ou emprego público, conforme já abordei, o que, pela própria definição, não ocorre em relação ao advogado privado. Por essa razão é que o Estatuto da Advocacia diz que os integrantes da advocacia pública (art. 3º, §1º) sujeitam-se ao regime do próprio Estatuto e, em acréscimo, ao regime próprio a que se subordinem.

Idêntico raciocínio se aplica aos membros da Defensoria Pública, seja da União ou dos Estados, que também se submetem, além do regime da OAB, ao regime próprio da carreira.

3.6. Parcialidade.

Não obstante o múnus público de sua atividade, deve o advogado exercê-la em prol do seu constituinte, a quem defende, obviamente sem os exageros da emoção egoística, mas em prol da dignificação de sua função, para que o constituinte/outorgante tenha nele a confiança de uma boa representação.

Está expressa tal característica no art. 2º, §2º do Estatuto da Advocacia, ao dizer que: “No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”.

Por outro lado, em se tratando de defesa criminal, o advogado tem o dever de assumir a defesa do acusado, sem considerar sua própria opinião em relação à culpa do mesmo, conforme previsto no CED – Código de Ética e Disciplina-, art. 21, o que demonstra, em reforço, o dever de parcialidade que tem o advogado para com seu cliente.

Imparcial, isto é, que não se liga às partes, é o juiz; o advogado se liga a uma das partes, por isso é parcial, impondo-se-lhe como obrigação comportamento que honre tal parcialidade.  Daí porque a parcialidade é, genericamente, uma característica da advocacia.

Há exceções, todavia. Não deverá ser parcial o advogado quando escolhido em conjunto por partes de interesses opostos. Ocorre essa situação na escolha de advogado em comum, por acordo das partes em conflito. Por exemplo: para mediar um conflito, efetivar e redigir um acordo, tomar as providências legais para validade de um contrato, ou ainda em processos judiciais, quando representa conjuntamente os cônjuges em separação ou divórcio consensual, em ação de homologação de acordo de pensão alimentícia, dentre muitas outras hipóteses.

Também em outras hipóteses o advogado não deverá pautar-se pela parcialidade. Por exemplo, ao proferir parecer, guiar-se-á pela isenção, pois lida com o dever de bem informar o consulente sobre como agir dentro da legalidade, emitindo a opinião que entender cabível, ainda que venha a contrariar os interesses mesmo. Muito embora muitos digam, de maneira a fugir da ética profissional, que isso seria suicídio profissional, já vi ocorrer na vida prática exatamente o contrário, pois o cliente passa a ter mais confiança no advogado, ciente de que este não permitirá que ingresse em procedimentos que lhe trarão problemas com autoridades administrativas ou judiciais no futuro.

Idêntico raciocínio aplica-se ao advogado público, quando proferir parecer, pois seu compromisso antes de tudo deve ser com o princípio da legalidade a ser observado pela Administração Pública. Por outro lado, quando tem o poder de tomar decisões na seara administrativa, não pode o advogado público querer privilegiar o ente político ou a entidade da Administração Indireta que represente porque, investido no poder de decidir, deve fazê-lo dentro da legalidade, embasando sua decisão de acordo com o ordenamento jurídico de maneira séria e independente, e jamais no sentido de causar danos a terceiros.

Em resumo, a parcialidade é dever do advogado e característica da advocacia, porém, excepcionalmente, deverá imperar a imparcialidade, quando esta dignificar a advocacia e não contrariar deveres éticos e legais do advogado.

3.7. Operacionalidade.

A advocacia não é obrigação de resultado, não sendo o advogado obrigado a conseguir sempre o objetivo perseguido por seu constituinte. A hermenêutica, como técnica da ciência do direito, não propicia exatidão finalística, estando as normas jurídicas sujeitas a interpretações diversas, não podendo se responsabilizar o advogado por ter direcionado sua atuação em uma determinada linha de raciocínio jurídico, dentre várias possíveis, ainda que posteriormente revele-se infrutífera.

Além do que, geralmente, a advocacia refere-se a solicitações apresentadas perante autoridades, que podem (ou não) virem a concordar com os argumentos apresentados, sendo o advogado, obviamente, irresponsável pelo imponderável.

Em sendo obrigação de meio, o advogado jamais responde pelo resultado da sua atuação. Todavia, a atuação em si, como meio de ser alcançado o resultado, deve obedecer aos rigores do profissionalismo e da ética.

Portanto, se ocorre um fracasso da atuação do advogado, quanto ao resultado, por divergência de entendimento com o órgão julgador, o advogado jamais pode ser responsabilizado. Outra é a hipótese se o prejuízo ao cliente advém de negligência ou imperícia do advogado no exercício dos atos de advocacia, tais como: perda de prazo para apresentação de defesa ou recurso, falta injustificada à audiência para a qual foi previamente contratado, desistência de recurso sem autorização expressa do cliente, e assim por diante. Nessas situações e nas análogas, será o mesmo responsável pelos danos que vier a causar e, a depender da falha perpetrada, poderá sujeitar-se ainda às normas que regem as infrações éticas e disciplinares.

No que importa, contudo, é de se pôr holofotes sobre a operacionalidade da advocacia, como obrigação de meio, bastando ao advogado que opere o direito em favor do seu cliente, não se lhe exigindo consecução de resultados.

3.8. Independência.

O advogado é por natureza independente para expressar o conteúdo de sua manifestação jurídica. Essa independência traduz-se em liberdade profissional e inexistência de submissão a quem quer que seja.

O advogado goza de independência para o exercício profissional em todas as frentes: a) em relação a juízes e membros do Ministério Público; b) em relação a outros advogados; c) em relação ao cliente.

Na primeira hipótese, faz-se mister dizer que o advogado não está em posição hierarquicamente inferior a magistrado ou membro do Ministério Público.  Diz o Estatuto da Advocacia, em seu art. 6º: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Ainda, deve portar-se com independência em suas opiniões e atos, que tenham relevo para os fins profissionais, sem medo de desagradar a quem quer que seja, agindo sempre em prol do seu cliente, e não no interesse da simpatia de autoridades.   Isso não significa, de forma alguma, que o advogado possa ser arbitrário, inconseqüente ou impertinente em suas palavras e ações.

Analisando um caso hipotético: o juiz é quem dirige a audiência, devendo o advogado respeitar as determinações pertinentes (tempo para alegações finais prestadas oralmente, por exemplo). O fato de inexistir hierarquia entre juiz e advogado não significa dizer que o advogado não deva obedecer à condução dos feitos na forma determinada pelo magistrado, quando tal condução der-se dentro da legalidade. A inexistência de hierarquia significa que o juiz não pode dar ordens ao advogado. No entanto, o juiz pode ordenar o andamento do feito, e preside a audiência, e nesses casos, se o advogado entender pertinente manifestar-se, obedecerá às regras legais que embasam a condução do feito pelo magistrado. Apenas se vier a verificar ilegalidade ou abuso de poder por parte do magistrado na condução dos feitos é que deverá o advogado rebelar-se, porém sempre pelos meios legais pertinentes.

Também não existe hierarquia entre advogados, quando da atuação profissional, de maneira que, verbi gratia, se um jovem advogado recém-formado defende um cliente numa causa em que a parte adversa é representada pelo Presidente da Seccional da OAB onde aquele está inscrito, deverá o jovem advogado atuar com toda independência e práticas técnicas que julgar pertinentes, e não poderá receber ordens do Presidente da Seccional quanto a sua atuação profissional, pois nesse caso não se cogita de hierarquia[x].

Por derradeiro, deve o advogado ser independente de seu cliente, não lhe devendo submissão só porque este arca com honorários. O advogado, de fato, deposita no cliente a confiança de que o mesmo diz a verdade sobre os fatos que lhe narra, e age parcialmente em prol dos interesses deste, pois a regra é a parcialidade do advogado. Não obstante, jamais deve o advogado abdicar de sua independência de pensamento, técnica, exercício do ato de advocacia em si, e estratégia de trabalho. Isso porque o cliente quase sempre é leigo em direito, e não tem condições de opinar. Ademais, a confiança na classe dos advogados estará em jogo, como coletividade, quando um só advogado porte-se de maneira fraca e volúvel.

O CED (art. 22) dispõe que “o advogado não é obrigado a aceitar a imposição de seu cliente que pretenda ver com ele atuando outros advogados, nem aceitar a indicação de outro profissional para com ele trabalhar no processo”.

Na mesma esteira, o advogado deverá sempre recusar-se a participar de prática de ilegalidades sugeridas por clientes. Portanto, não basta que seja o profissional honesto em sua vida privada, porém submisso quando do exercício da advocacia. Ser honesto é um mandamento ao advogado, e ser independente é uma necessidade. Não é possível ser independente sem ser honesto; em contrapartida, não é suficiente ser honesto sem ser independente.

3.9. Submissão à ordem ética e jurídica.

No aspecto subjetivo (que considera a pessoa do advogado e as sociedades de advogados), a advocacia é atividade que se submete às normas disciplinares e éticas, sendo passível de punição a prática infratora das mesmas.

No aspecto objetivo, ou seja, que considera os atos de advocacia, esta se submete a normas que regem as formalidades necessárias à realização dos mesmos. Assim é que, v. g., pode-se mencionar os prazos processuais, as normas pertinentes a mandato, e assim por diante.

Enfim, a advocacia é uma atividade formalista que: a) em seu aspecto subjetivo, obedece normas de conduta às quais deve submeter-se o advogado; b) em seu aspecto objetivo, obedece normas de atuação a que se submetem os atos de advocacia.

Daí a conclusão de que a advocacia é atividade que se submete à ordem ética e jurídica.

3.10. Inatingibilidade.

A advocacia, objetivamente considerada, não pode ser impedida de ser exercida. Assim, mesmo imperando regimes de exceção, como na ocorrência do sistema constitucional das crises (ou seja, estado de defesa e estado de sítio), deve o advogado ter liberdade para desempenhar os atos de advocacia, mormente os de postulação em juízo.

Isso caracteriza a inatingibilidade da advocacia.

Embora a inatingibilidade não conste expressamente na Constituição Federal, a única interpretação possível é esta, já que a Carta de 1988 veda expressamente, no estado de defesa, a incomunicabilidade do preso (art. 136, §3º, inciso IV) e, no estado de sítio, só permite ao Poder Público tomar as medidas previstas exaustivamente no art. 139, incisos I a VII, onde não se verifica restrição direta ao exercício da advocacia. A conclusão, na verdade, é porque em momento algum o estado de sítio ou o estado de defesa impede o acesso das pessoas ao Poder Judiciário, donde decorre o livre direito de advogar, já que a regra geral é que a parte só possa comparecer perante o Judiciário assistida por advogado.

Pode ocorrer, isso sim, por via reflexa, limitações excepcionais que atinjam o advogado, mas não por haver o Estado violado o advogado, e sim porque o direito individual fundamental de seu cliente poderia ser restringido na vigência do regime de exceção. Ou seja, restrições aos direitos fundamentais do cliente que causem ao advogado danos reflexos no exercício de sua atividade não se referem à violação da advocacia em si, por óbvio. Por isso, chamarei tais hipóteses de limitações periféricas do exercício da advocacia, porque não são substanciais. Não violam o direito de exercer a advocacia, mas antes restringem o direito individual do cliente, e em não havendo direito individual do cliente a ser protegido em razão da hipótese constitucional de exceção, não há porque pretender-se a inviolabilidade do advogado, que por via reflexa pode vir a ser limitada.

Para exemplificar, tratarei da restrição relativa à inviolabilidade de correspondências, e o faço embasado no art. 139, inciso III, da CF/88: se qualquer pessoa pode sofrer tal restrição quanto ao seu direito individual de intimidade nas correspondências, não haveria o que o advogado proteger com a inviolabilidade das correspondências de seu escritório que lhe fossem enviadas pelo cliente, pois nesse caso predomina o interesse público sobre o particular, dado estar-se diante de uma crise constitucional. Assim, na vigência de estado de sítio, se a autoridade abre correspondência a ser recebida por advogado, para saber o que escreve seu cliente, não estará violando diretamente o advogado, mas sim restringindo a inviolabilidade de correspondência de seu cliente, e é por isso que eu digo que só por via reflexa se verifica a limitação do advogado (não sua violação), que não se opera na essência da advocacia, ocorrendo clara hipótese de limitação periférica do exercício da advocacia.

O mesmo raciocínio se aplica às demais hipóteses previstas para o estado de defesa e o estado de sítio, previstas na CF/88, em que se verifique limitação reflexa da inviolabilidade do advogado que, nas hipóteses ali elencadas, são constitucionais e legítimas, a elas não podendo o advogado opor-se.

Todavia, finalizando, lembro o início do tópico: o Estado não pode impedir que os advogados exerçam a advocacia, nem mesmo no estado de sítio, daí decorrendo a inatingibilidade da atividade de advocacia, pois impedir o advogado de trabalhar seria medida tão drástica e inconstitucional quanto extinguir-se o Poder Judiciário: as injustiças e o autoritarismo ocorrem da mesma forma, deixando de existir um ou outro.

3.11. Onerosidade mínima obrigatória.

De aplicação restrita a advogados que gozam da condição de profissionais liberais, estabelece que o advogado deve estipular os honorários pelo menos no valor mínimo estabelecido na Tabela de Honorários do Conselho Seccional a que estiver vinculado,  sob pena de prejudicar-se a classe como um todo.

O descumprimento do princípio da onerosidade mínima obrigatória constitui-se em infração ética, suscetível de punição. À propósito, diz o CED (art. 41), que: “O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável.”

Se a parte é representada pela Defensoria Pública, obviamente fica afastada a estipulação de honorários, pois para o beneficiário tal serviço deve ser prestado gratuitamente, sendo o Defensor Público remunerado pelo ente político a que se encontrar vinculado. É inclusive passível de sanção penal o defensor público que exigir pagamento para exercer suas funções, por crime de concussão (Código Penal, art. 316).

3.12. Onerosidade mínima presumida.

Também aplicável a profissionais liberais, o princípio da onerosidade mínima presumida reza que a contratação destes presume-se sempre onerosa, mesmo se não forem convencionados valores e forma de pagamento dos honorários.

Não existindo contrato escrito e recusando-se o cliente ao pagamento de honorários, pode o advogado propor ação de arbitramento judicial e cobrança dos mesmos contra seu cliente. Nesse caso, deverá fazer-se representar por outro advogado, pelas questões éticas ínsitas a este tipo de processo (CED, art. 43).

3.13. Exclusividade.

É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade (Estatuto da Advocacia, art. 1º, §3º). O objetivo é evitar a mercantilização da advocacia, bem como a captação de clientela, que, exemplificativamente, ao ver uma placa com os dizeres “Advocacia e Contabilidade”, ou “Advocacia e Imobiliária”, pode sentir-se atraída. Não é a advocacia um negócio, uma atividade mercantil que vise ao lucro, em razão do múnus público que exerce o advogado, devendo-se, assim, evitar tais práticas.

Por isso, na sua estruturação e divulgação, verifica-se a necessidade de exclusividade da advocacia, a fim de resguardar-se sua dignidade e evitar-se sua mercantilização.

3.14. Privatividade.

A advocacia é atividade que tem como característica a privatividade. Só pode exercer a advocacia o bacharel em ciências jurídicas regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. A advocacia é privativa, portanto, de quem goze de tal situação jurídica.

Todavia, entendo haver exceção. É que não precisa o Advogado-Geral da União, por exemplo, ter inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil para praticar os atos de advocacia inerentes ao exercício das suas funções. O Poder Constituinte não lhe impôs tal obrigação, sendo inconcebível que norma infraconstitucional venha a dispor neste sentido. De fato, para o cargo de Advogado-Geral da União, a Constituição Federal estabelece apenas que: compete privativamente ao Presidente da República nomeá-lo (CF/88, art. 84, inciso XVI), e que será escolhido dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada (CF/88, art. 131, §1º). Assim, a capacidade postulatória do Advogado-Geral da União decorre exclusivamente da Constituição da República, e não de sua inscrição nos quadros da OAB.

Por isso, de bom alvitre lembrar que o Advogado-Geral da União não está limitado a atuar apenas perante o Supremo Tribunal Federal. Diz a Lei Complementar n.º 73/93 (art. 4º, §1º), que o Advogado-Geral da União pode representá-la junto a qualquer juízo ou Tribunal, e que pode também avocar quaisquer matérias jurídicas de interesse da mesma, inclusive no que concerne a sua representação extrajudicial, fundando-se o dispositivo legal no princípio da hierarquia existente no regime jurídico administrativo. Não fará qualquer sentido, portanto, exigir-se do Advogado-Geral da União que apresente seu número de inscrição na OAB para prática de atos advocatícios.

Como regra geral, entretanto, prevalece a privatividade como característica da advocacia, exigindo-se para seu exercício que seja o profissional bacharel em direito e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

3.15. Objetividade.

A advocacia é atividade profissional que tem por escopo: defender a Constituição, a ordem jurídica, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça, além de colaborar para o desenvolvimento da nação e efetivação da paz social.

A advocacia tem também papel de relevância para consecução dos objetivos do Estado brasileiro, que estão descritos no art. 3º da Carta da República de 1988, pois pode o advogado exigir judicialmente, representando o titular de um direito individual (e ainda nos casos de ação popular ou ação civil pública), o cumprimento de alguns dos valores ali consignados.

Portanto, a advocacia enquanto instituição constitucional, possui objetivos, de onde deriva a objetividade como mais uma de suas características.

4. CONCLUSÃO. 

À guisa de conclusão, portanto, demonstra-se que é possível e necessária a construção de uma doutrina da advocacia, pelos juristas brasileiros, para fins de melhor compreensão dessa atividade profissional que constitui-se em verdadeiro baluarte do Estado Democrático de Direito e da cultura jurídica nacional.

 

Notas:
[i] SODRÉ, Ruy. Ética Profissional e Estatuto do Advogado. LTr, 4ªed., p. 268, apud RAMOS, ob. cit., p. 62.
[ii] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 22ª ed., p. 580.
[iii] MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. São Paulo: Atlas, 2003, 2ª ed., p. 68.
[iv] MAMEDE, ob. cit., p. 70.
[v] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 20ª ed, V. II, p. 156.
[vi] Imunidades Profissionais e Defesa de Direitos. Tese apresentada na VI Conferência Nacional da OAB, Salvador/BA, 17 a 22-10-76, apud RAMOS, Gisela Gondim. Estatuto da Advocacia – Comentários e Jurisprudência Selecionada. Florianópolis: OAB/SC Editora, 4ª ed., 2003, p. 143.
[vii] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 20ª ed, V. III, p. 371.
[viii] No âmbito da União foram extintos os cargos de procurador autárquico e fundacional, e criado o cargo de Procurador Federal (Medida Provisória n.º 2.229-43, de 06 de setembro de 2001, em vigor conforme art. 2º da Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001), que integra a advocacia pública federal e não foi mencionado no Estatuto da Advocacia pois criada alguns anos após a publicação do mesmo. No entanto, como a função do Procurador Federal é em tudo similar a dos procuradores autárquicos e fundacionais (mudando-se porém o vínculo, que passa a ser com a Administração Direta da União), aplica-se aos mesmos o Estatuto da Advocacia por analogia óbvia com a redação da parte final do §1º do art. 3º. No mais, ainda que assim não fosse, como os Procuradores Federais integram a Procuradoria-Geral Federal (criada pela lei n.º 10.480, de 02 de julho de 2002), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, não há como conceber que dentro da mesma estrutura, os Advogados da União e os Procuradores da Fazenda Nacional se sujeitem às normas do Estatuto da Advocacia e os Procuradores Federais estejam excluídos da abrangência do mesmo. Por isso, aos Procuradores Federais aplica-se o Estatuto da Advocacia, além do regime jurídico estatal que lhes é próprio.
[ix] SILVA, José Carlos Sousa. Ética na Advocacia. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000, p. 42-44.
[x] Todavia, o advogado deve obedecer às determinações da OAB, nas hipóteses previstas em lei. Questões atinentes a formalidades de registro, documentos, quitação com a tesouraria, punição pelo Tribunal de Ética e Disciplina, são exemplos da submissão administrativa do advogado à OAB.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Thiago Cássio D’Ávila

 

Procurador Federal,coordenador Nacional Substituto de Assuntos Jurídicos Administrativos da Procuradoria do INCRA em Brasília/DF.

 


 

logo Âmbito Jurídico