Condicionantes de responsabilização criminal das pessoas jurídicas nos delitos ambientais

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Resumo: Partindo da premissa que a Constituição Federal de 1988 fez a previsão da responsabilidade criminal da pessoa jurídica quando do cometimento de delitos ambientais, torna-se necessário mostrar as condicionantes estudadas pelos doutrinadores para se atribuir referida responsabilidade, sendo que após pesquisas, será mostrado que o Superior Tribunal de Justiça adotou a teoria da dupla aceitação, recentemente dissentida pelo Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Responsabilidade penal da pessoa jurídica – admissibilidade – condicionantes.

Abstract: Assuming that the Federal Constitution of 1988 made ​​the prediction of criminal liability of legal entities where the commission of environmental offenses, it is necessary to show the conditions studied by scholars to assign this responsibility, and after research, will be shown the Superior Court adopted the theory of double acceptance dissented recently by the Supreme Court.
Keywords: Criminal liability of legal entities – admissibility – conditioning.

Súmario: 1. Introdução; 2. Conceito de Direito Ambiental e Meio Ambiente; 3. Responsabilidade criminal da pessoa jurídica; 4. Das condicionantes para responsabilização criminal da pessoa jurídica por cometimento de crimes ambientais; 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 o tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental tomou novos contornos, uma vez que tal estatuto jurídico faz a previsão expressa da mesma, apesar de a doutrina continuar na discussão sobre a afirmação de tal fato, havendo primeiramente os constitucionalistas/ambientalistas que aceitam plausivelmente tal responsabilização, enquanto grande parte dos criminalistas, ainda apregoados aos dogmas do direito penal, sustenta a irresponsabilidade penal do ente coletivo, alicerçado no princípio societas delinquere non potest.

Partindo-se da premissa de que é aceitável a responsabilização criminal da pessoa jurídica quando a mesma cometer crimes contra o meio ambiente, a doutrina mais abalizada vem condicionando a existência da mesma aos seguintes requisitos: que a infração tenha sido cometida no interesse ou benefício do ente coletivo e que o delito criminoso tenha sido uma deliberação do representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado da pessoa jurídica, extraindo as condicionantes do artigo 3º da lei dos crimes ambientais.

Mais à frente poderemos ver que o Superior Tribunal de Justiça aceitou a tese da dupla imputação, manifestando em diversos julgados sobre o tema, sendo que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, julgando uma lide, afirmou que é permitida a condenação da pessoa jurídica, independentemente da absolvição de seu representante legal.   

2. Conceito de Direito Ambiental e Meio Ambiente

No Brasil, vários doutrinadores já tentaram definir o significado que se aproxime mais da perfeição conceitual do que seja o direito ambiental, mas podemos dizer que tal ramo do direito possui uma função primordial de sistematizar e articular a legislação, doutrina e jurisprudência que reflitam todos os elementos componentes do meio ambiente, tratanto-se de um verdadeiro ramo autônomo do mundo jurídico, possuindo seu aparato legislativo e principiológico próprio, mas não abandonando o relacionamento com os demais ramos do direito.

Observe-se o entendimento de Edis Milaré[1] exarado em seu manual de direito ambiental:

“Podemos afirmar, sem medo de errar, que, no Brasil, o Direito Ambiental é na realidade um “Direito adulto”“. Conta ele com princípios próprios, com assento constitucional e com um regramento infraconstitucional complexo e moderno. Além disso, tem a seu dispor toda uma estrutura especializada e instrumentos eficazes de implementação.

É surpreendente que, em tão pouco tempo alcançado ares de maturidade em nosso país. “Até o final da década de 70 – não custa lembrar – não tínhamos sequer um perfil constitucional expresso ou normas legais que reconhecessem o meio ambiente como bem per se.”

No que tange à autonomia deste ramo do direito, sabemos também que a mesma é de fácil percepção, conforme já observado por Paulo de Bessa Antunes[2]

“[…]as normas ambientais tendem a se incrustar em cada uma das demais normas jurídicas, obrigando a que se leve em conta a proteção ambiental em cada um dos demais ramos do Direito. O Direito Ambiental penetra em todos os demais ramos da Ciência Jurídica. Os direitos que vêm surgindo  recentemente, sobretudo a partir da década de 60, são essencialmente direito de cidadania, ou seja, direitos que se formam em decorrência de uma crise de legitimidade da ordem tradicional. O movimento de cidadãos conquista espaços políticos que se materializam em leis de conteúdo, função e perspectivas bastante diversos dos conhecidos da ordem jurídica tradicional. O Direito Ambiental se inclui dentre os novos direitos como um dos mais importantes.”

Analisaremos o conceito de meio ambiente, ressalvando-se que este bem jurídico tem previsão tanto em nível constitucional quanto infralegal.

Desde já, diga-se de passagem, que doutrinariamente, não temos um conceito unânime do que seja o meio ambiente. Como ponto de partida, é válida a lição de José Rubens Morato Leite[3], onde afirma que:

Pode-se compreender o meio ambiente como um todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial ou como os elementos naturais que compõem esse todo unitário e indivisível (água, florestas, ar, etc). No primeiro caso fala-se em macrobem e os caracteres de unidade, indivisibilidade e integralidade fazem-se necessário para a garantia efetiva de um meio ambiente equilibrado, que é necessário à qualidade de vida de toda a coletividade. A dominialidade, aqui, é difusa, e os benefícios de um meio ambiente sadio são de todos, ao passo que os malefícios de um meio ambiente degradado também. No segundo caso, fala-se em microbem, ressaltando-se os elementos que compõem o macrobem. A dominialidade do microbem pode ser pública stricto senso (relativa ao Estado) ou privada, dependendo da propriedade na qual se situam os elementos do referido microbem.”

Ressalte-se que em nosso ordenamento jurídico brasileiro possuímos um conceito legal, apesar de não ser completo, na ótica doutrinária, do que seja meio ambiente, conforme podemos observar na Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, onde define em seu art. 3º, inciso I, meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Percebe-se a restrição do seu conteúdo somente aos recursos naturais, em contrapartida à concepção mais ampla defendida na atualidade, a qual engloba, além da natureza, outros dois aspectos: a) meio ambiente artificial, formado pelas transformações operadas pelo homem no espaço físico em que vive; b) meio ambiente cultural, constituído pelo patrimônio histórico, arqueológico, paisagístico e turístico, ao qual se agrega especial valor.

Analisando este conceito legal de meio ambiente, e confrontando o mesmo com nossa atual CF, podemos perceber que esta elevou tal bem à condição de direito de todos e bem de uso comum do povo, modificando um pouco a definição estabelecida na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

O Supremo Tribunal Federal, através do voto do Min. Celso de Mello (relator), conceituou o direito ao meio ambiente “como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações.”[4]

3. Responsabilidade criminal da pessoa jurídica

Ressalte-se, conforme afirmado pela doutrina mais abalizada, que dos temas de maior complexidade de posicionamentos no regime jurídico ambiental é quando se trata da responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo que estudiosos divergem com as devidas fundamentações em pauta, umas afirmando e outras negando a previsão em nosso ordenamento jurídico brasileiro.

Podemos afirmar que dois entendimentos se formaram a respeito da responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma filiada ao sistema romano-germânico e um outro aos países anglo-saxões. Com relação aos países que foram influenciados pelo sistema romano-germânico adotou-se o princípio da societas delinquere non potest, afirmando o mesmo que, as pessoas jurídicas não podem ser penalizadas criminalmente, restando-lhe somente a punibilidade administrativa e civil. Já com relação aos países que adotaram o sistema anglo-saxões, vige o princípio da common law, possibilitando a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Toda esta discussão acima apontada tem sido originada no Brasil dando ênfase a duas normas constitucionais (art. 173, §5º e art. 225, §3º da CF), havendo de um lado os constitucionalistas e ambientalistas e de outro lado, os doutrinadores criminalistas, sendo que as duas vertentes possuem posicionamentos veementemente antagônicos.

Podemos afirmar que antes da CF de 1988, realmente era quase unânime entre os estudiosos que somente a pessoa natural poderia cometer atos que seriam   qualificados como infração criminal, o que passou a ser totalmente modificado com a promulgação da Constituição Cidadã, sendo que antes da mesma não se questionava  o princípio societates delinquere non potest, salvo raras exceções, sendo que um novo perfil foi traçado para se permitir a responsabilização de tal ente jurídico.

Mesmo diante das previsões constitucionais acima citadas, parte da doutrina, principalmente do segmento criminalista, continuaram a entender que tais dispositivos não tinham afirmada a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Vale ressaltar o posicionamento de Juarez Cirino dos Santos[5] ao fazer comentários do art. 173, §5º nos seguintes termos: a  Constituição  fala  em  responsabilidade  –  e  não  em responsabilidade penal; a Constituição fala em atos – e não de crimes; finalmente,   a   Constituição   delimita   as   áreas   de   incidência   da responsabilidade pela  prática  desses atos, exclusivamente, à ordem econômica e financeira e à  economia popular, sem incluir o meio ambiente”.

Vale ressaltar que, geralmente as doutrinas contrárias à responsabilização penal da pessoa jurídica estão com seus fundamentos alicerçados às questões de ordem puramente dogmática, tomando como base as idéias individualistas que deram sustento ao garantismo penal e aos preceitos básicos de direito penal.

Podemos afirmar com toda certeza que com a promulgação da Constituição Federal de 1988 ocorreu um grande avanço no que tange à responsabilização penal da pessoa jurídica, afirmando a existência da mesma.

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Vale ressaltar que a jurisprudência não tem observado o óbice levantado pela doutrina contrária no sentido de que, segundo a dogmática do Direito Penal, tal ramo jurídico só poderia atuar repressivamente em face da pessoa física, ou seja, o homem dotado de capacidade de entender e querer o caráter ilícito do fato. 

4. Das condicionantes para responsabilização criminal da pessoa jurídica por cometimento de crimes ambientais

Para podermos estudar tais condicionantes, desde logo fica nosso posicionamento favorável á responsabilização criminal das pessoas jurídicas que cometerem crimes contra o meio ambiente. Apesar desta afirmação, compartilhamos que tal situação só ocorrerá se estiverem presentes as condicionantes para tal fato ocorrer, sendo necessário averiguar os requisitos e a forma de punir tal ente coletivo.

Vale a pena copiar a redação exarada no artigo 3º da Lei n. 9605/98:

“Art. 3º  As  pessoas  jurídicas  serão  responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal  ou  contratual,  ou   de  seu  órgão  colegiado,  no  interesse  ou benefício da sua entidade”

Antes de qualquer coisa podemos vislumbrar duas condicionantes para se consumar a responsabilização do ente, conforme artigo acima descrito: que a infração tenha sido cometida em seu interesse ou em benefício dela e que o fato delituoso seja cometido por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado.

O primeiro pressuposto a ser observado é que o delito, necessariamente, deverá ser praticado em prol do próprio benefício ou interesse da pessoa jurídica. Tal interesse ou benefício a que se refere o citado dispositivo pode ser econômico, moral ou de utilidade, devendo ser ressalvado que nem sempre o interesse estará relacionado ao lucro. O ato delituoso poderá ser demonstrado por omissão ou ação, mas deverá ser demonstrado o benefício para a entidade, uma vez que, caso não acontecesse as pessoas jurídicas seriam usadas como escudos para o cometimento de crimes ambientais de interesses de seus dirigentes e estranhos aos interesses dos entes coletivos.

Muito bem lembrado por Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas[6], a seguinte situação: “Se uma empresa não troca um ultrapassado filtro e persiste poluindo as águas de um rio, é evidente que a omissão atende ao interesse de não aumentar os custos e a beneficia, pois o lucro é maior”. O segundo é negativo. “A mesma empresa compra o filtro destinado a evitar a poluição do rio e deixa de trocá-lo, por supor que necessita de autorização do órgão ambiental, sendo que nenhum benefício tem com o atraso na providência.”

Partindo para o segundo pressuposto, a pessoa jurídica só poderá ser responsabilizada criminalmente caso se comprove que a infração foi cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, uma vez que a pessoa jurídica seria incapaz de praticar a atividade criminosa, sendo sempre necessário de que um representante seu pratique. A responsabilidade do ente coletivo se daria de forma reflexa, denominada também de “por ricochete”, ou seja, seria a aplicação da teoria da dupla imputação, sendo a mesma vinculada a uma ação humana.

No que tange ao representante legal do ente coletivo, vale a pena citar o posicionamento de Machado[7], quando afirma que “o representante legal é normalmente indicado nos Estatutos da empresa ou associação. O representante contratual pode ser o diretor, ao administrador, o gerente, o preposto ou o mandatário da pessoa jurídica”. Em sentido contrário ao posicionamento de Machado, no que tange à conceituação do representante legal da pessoa jurídica, podemos citar a observação de Vladimir e Gilberto Passos de Freitas (apud Vita[8]), onde afirmam que o “representante legal é aquele que exerce a função em virtude da lei. A hipótese pressupõe que a lei, e não o ajuste dos sócios, indique o representante da pessoa jurídica. É mais fácil de ser imaginada no âmbito do Direito Público. Por exemplo, o prefeito é quem representa o município, ainda que eventualmente ele possa ser representado por outra pessoa (v.g., um secretário). Mas pode ocorrer também em caso de pessoa jurídica de Direito Privado. Se o contrato for omisso, todos serão considerados habilitados a gerir e. consequentemente, serão representantes da pessoa jurídica. É o que determina o art. 1.013 do Código Civil de 2002.”

Tomando como espelho o fato acima narrado podemos dizer que chegamos ao que a doutrina e a jurisprudência têm batizado de teria da dupla imputação, onde deverão ser averiguadas duas imputações distintas, uma relacionada ao ente coletivo e outra a pessoa física. Não teria como se aplicar a pena à pessoa jurídica sem a reprovação da conduta das pessoas físicas, órgãos de deliberação da pessoa jurídica, devendo-se pautar por critérios puramente objetivos. Portanto o delito jamais poderá ser imputado exclusivamente à pessoa jurídica, respondendo tal ente de forma indireta ou mediata ou por ricochete.

Doutrinador Jean Pradel[9], analisando a regulamentação dada pelo ordenamento jurídico francês ao assunto, se posiciona a favor da responsabilidade indireta da pessoa jurídica, conforme abaixo transcrito:

“El texto del artículo 121-2 párrafo 1 establece, recordémoslo,  que  las  personas  jurídicas  son  responsables  «de  las infracciones cometidas… por sus órganos o representantes». Resulta así que las infracciones  imputables a las personas jurídicas deben haber sido cometidas por personas físicas.

Por tanto la intención o la culpa deben apreciarse en la persona de los individuos. Esta disposición textual consagra de manera clara la primera tesis, la del reflejo. No obstante, puede hacernos dudar el párrafo 3 del mismo artículo, según el cual la responsabilidad de la persona  jurídica  no  excluye  la  de  las  personas  físicas  «autores  o cómplices de los mismos hechos». Mientras que el párrafo 1 habla de una sola infracción (cometida por uma persona física), el párrafo 3 al hablar «de los mismos hechos» y no de la misma infracción sugiere que hay dos infracciones diferentes, una cometida por la persona física y otra por la persona jurídica, imputadas a una y a otra en condiciones distintas, lo que abriría la posibilidad de un elemento psicológico tanto en la persona del ente jurídico como en la persona del individuo. Así lo entiende un autor, según el cual la falta de claridad del artículo 121-2 CP se debe a que fue el resultado de un compromiso entre la Asamblea Nacional   y el Senado, la primera partidária de extender la responsabilidad a los grupos, mientras que el segundo tendía a reducir la responsabilidad del empresario. Sin embargo, no está claro que esta interpretación del párrafo 3 sea la correcta. También se puede sostener que los mismos hechos  imputados a la vez a la persona física y a la persona jurídica corresponden en  realidad a una sola infracción. Por tanto, el párrafo 3 no invalida el principio del reflejo consagrado en el párrafo 1, puesto que se limita a recordar — lo que era evidente— que la infracción cometida por la persona física le puede ser  imputada también a ella misma y no sólo a la persona jurídica.  En  conclusión,  admitiremos  que  el  artículo  121-2  CP, globalmente  considerado,  consagra  la  tesis  del  reflejo:  la  persona jurídica es responsable de rebote, indirectamente, de modo que es en la persona del individuo donde hay que apreciar el dolo o la culpa”

Apesar da ampla aceitação da teoria da dupla aceitação, ainda existem doutrinadores que rejeitam tal teoria, conforme nos explica Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas[10]: “(…) observe-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não exclui a das pessoas naturais. O art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98 é explícito a respeito. Assim, a denúncia poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria ou participação das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito. Com isto, a punição findava por ser na pessoa de um empregado, de regra o último elo de hierarquia da corporação. E, quanto, mais poderosa a pessoa jurídica, mais difícil se tornava a identificar os causadores reais do dano. No caso de multinacionais, a dificuldade torna-se ainda maior, e o agente, por vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Público poderá imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou separadamente. A opção dependerá do caso concreto.” Sendo este também o entendimento de Guilherme de Souza Nucci[11]: “caso se consiga somente verificar que a poluição adveio de ordem e em benefício de uma pessoa jurídica, mas não se atinge a identidade da pessoa física colaboradora, pode-se processar, de modo isolado, a pessoa jurídica.”

Entrando em dissonância com os posicionamentos doutrinários acima relatados, podemos dizer que existem estudiosos que defendem a aplicação da teoria da dupla imputação para se responsabilizar a aplicação de sanções às pessoas jurídicas que cometeram delitos ambientais, sendo que, entre eles, podemos citar o posicionamento de Fernando Galvão da Rocha[12], quando afirma que “para a responsabilização da pessoa jurídica utiliza-se a teoria do delito apenas para identificar a autoria de crime naquele que atua em nome ou  benefício do ente moral. Sempre dependente da intervenção de pessoa física, que responde criminalmente de maneira subjetiva,  a  pessoa  jurídica  não  apresenta   elemento  subjetivo  ou consciência da ilicitude que viabilize comparação com as construções da teoria do delito. A responsabilidade da pessoa física é subjetiva, pois  deve-se  aplicar  a  teoria  do  delito  com  as  suas  exigências  de natureza subjetiva. A responsabilidade da pessoa jurídica, no entanto, decorre da relação objetiva que a relaciona ao autor do crime”

Portanto, no modelo da responsabilização reflexa, faz-se necessário a indicação da pessoa física que realizou a atitude criminosa.

Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça vem ratificando a teoria da dupla imputação no que tange à responsabilização criminal dos entes coletivos, conforme julgados abaixo, chegando ao ponto de afirmar que a não indicação da pessoa física no bojo da denúncia torna a mesma inepta.

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de  uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio.” (STJ, Resp nº 889528 – SC Rel. Min. FELIX FISCHER. 5ª Turma. DJ 17/04/2007).

“RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DO ENTE MORAL E DA PESSOA FÍSICA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Aceita-se a responsabilização penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, sob a condição de que seja denunciada em coautoria com pessoa física, que tenha agido com elemento subjetivo próprio.(Precedentes) 2. Recurso provido para receber a denúncia, nos termos da Súmula nº 709, do STF: "Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela" (REsp 800817 /SC RECURSO ESPECIAL 2005/0197009-0 Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (8175) SEXTA TURMA DJe 22/02/2010 REVFOR vol. 406 p. 543)

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. 1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. 2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor. 3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.” (RMS 16696 /PR RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0113614-4 Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) T6 – SEXTA TURMA DJ 13/03/2006 p. 373 RSTJ vol. 206 p.473).

Vale ressaltar que recentemente o Supremo Tribunal Federal, dissentindo do entendimento do STJ, passou a entender que é possível configurar a responsabilidade a penal da pessoa jurídica por cometimento de delito ambiental, independentemente da absolvição da pessoa natural relativa à mesma infração criminal, conforme veremos abaixo:

“Absolvição de pessoa física e condenação penal de pessoa jurídica.

É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 ("Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente"). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal ("Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. … § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados"). RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011.(RE-628582) Informativo 639

5. Conclusão

Apesar de ainda não ser ponto pacífico entre os doutrinadores em solo brasileiro, podemos afirmar que grande parte dos estudiosos vem aceitando a responsabilização criminal das pessoas jurídicas quando a mesma cometerem delitos ambientais. Tais fundamentos estão alicerçados tanto na Constituição Federal (art. 225 §3º), quanto no artigo 3º da lei dos crimes ambientais (lei n. 9605/98).

Durante a exposição do presente artigo, vimos que, para a corrente que aceita a responsabilidade penal da pessoa jurídica, que no caso é a maioria, faz-se necessário fixar duas condicionantes, que já foram devidamente estudadas acima: que a pessoa jurídica também seja beneficiada com a prática delituosa, e que a mesma seja cometida por deliberação do representante legal da mesma.

Foi mostrado também que o Superior Tribunal de Justiça já aceitou tais condicionantes, estabelecendo a teoria da dupla imputação, mas recentemente, o STF dissentindo parcialmente do entendimento jurisprudencial anterior, fixou que a pessoa física poderá ser absolvida independentemente da condenação do ente coletivo.

 

Referências bibliográficas
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Notas:
[1] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 1ª ed., São Paulo: RT, 2000. p. 110- 111
[2] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 3ª ed., Rio de Janeiro: Saraiva, 1999. p. 21
[3] LEITE, José Rubens Morato, Responsabilidade Civil e Dano Ambiental. Texto disponível em: http://www.unifap.br/ppgdapp/biblioteca/Morato.doc. Material da 5ª aula da Disciplina Direito Ambiental Material, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG
[4] MS 22.164-0 SP, j. 30.10.1995, DJU 17.11.1995. V. José Adércio L. Sampaio. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 2002, p.701.
[5] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte geral. 2ª Edição, Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007, p. 428-430.
[6] FREITAS, Vladimir Passos e Gilberto Passos Freitas. Op. cit., p. 69.
[7] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p 707.
[8] VITA, Sergio Alexandre Pares. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a responsabilidade penal de seus dirigentes no direito ambiental brasileiro. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaobraForm.do?select_action=&co_autor=22261>. Acesso em: 27 de maio de 2012.
[9] PRADEL, Jean. La responsabilidad penal de las personas jurídicas en el derecho francés: algunas cuestiones. In: Revista de derecho penal y criminología, ISSN 1132-9955, Nº 4, 1999, p. 665.
[10] FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: de acordo com a Lei 9.605/98. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 70.
[11] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 767.
[12] ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão da. Responsabilidade penal da Pessoa Jurídica. In. Direito Ambiental na Visão da Magistratura e do Ministério Público. Coordenadores: Jarbas Soares Júnior e Fernando Galvão. Ed. Del Rey, 2003. 


Informações Sobre o Autor

José Eliaci Nogueira Diógenes Júnior

Procurador Federal Membro da Advocacia-Geral da União. Pós-graduado em Direito Ambiental e Urbanístico. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Trabalho. Pós-graduado em Direito Constitucional. Professor Universitário.


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