Contornos sobre a contribuição sindical rural patronal

Resumo: Este artigo discorre sobre a contribuição sindical rural patronal, analisando os aspectos legais e doutrinários.

Sumário: 1. Introdução; 2. Breve histórico; 3. A problematização; 4. Fundamentos legais que se firma a Confederação Nacional da Agricultura; 5. Natureza jurídica do instituto; 6. Fundamentos para a inconstitucionalidade da contribuição sindical rural patronal; 6.1. Primeiro argumento; 6.2. Segundo argumento; 6.3. Terceiro argumento; 6.4. Quarto argumento; 6.5. Quinto argumento; Assim finalizamos. Bibliografia.

1. Introdução

Advertência inicial. Nosso intento não é tecer grandes feitos doutrinários, mas sim içar o assunto à discussão, tecendo algumas linhas sobre a contribuição sindical rural patronal, analisando os aspectos legais e doutrinários.

2. Breve histórico

Inicialmente a contribuição sindical rural patronal era lançada e cobrada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por força do art. 4º do Decreto-lei n. 1.166/71.

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, em razão da determinação do §2º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), e com a vigência da Lei n. 8.022/90, a competência para o lançamento e cobrança da contribuição foi transferida à Secretaria da Receita Federal, que passou a efetuar o lançamento da contribuição sindical rural juntamente com o lançamento do Imposto territorial rural.

Atualmente, o lançamento e cobrança da contribuição sindical rural é de competência da própria Confederação Nacional da Agricultura (CNA), de acordo com o art. 24 da Lei n. 8.847/94 que determinou a transferência da competência da Secretária da Receita Federal em 31 de dezembro de 1996.

3. A problematização

No ano de 1997 entrou em vigor o artigo 24 da lei n. 8.022/94, transferindo a competência para cobrança da contribuição sindical rural patronal da Secretaria da Receita Federal para a Confederação Nacional da Agricultura, com isto ocorreu a desvinculação da cobrança sindical em relação ao lançamento do Imposto Territorial Rural (ITR), e estas alterações trouxeram à tona diversas controvérsias em torno da legalidade da referida contribuição.

Com a recusa de muitos produtores rurais ao pagamento do valor cobrado pela Confederação Nacional da Agricultura, levou esta a ajuizar milhares de ações de cobrança já no ano de 1998.

Surge daí, um impasse: de um lado, o entendimento da Confederação Nacional da Agricultura de que a cobrança é plenamente cabível, e de outro, os produtores rurais entendendo que a cobrança é incabível.

4. Fundamentos legais que se firma a Confederação Nacional da Agricultura

A CNA utiliza os seguintes fundamentos para promover a cobrança judicial da contribuição sindical rural: art. 149 da CR, art. 10, §2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, arts. 578 a 610 da CLT, Decreto-lei n. 1.166, de 15.04.1971, Lei n. 8.022 de 12.04.1990 e art. 24 da Lei n. 8.847 de 28.01.1994.

5. Natureza jurídica do instituto

A contribuição sindical rural patronal possui natureza tributária (embora alguns doutrinadores discordem), enquadrando-se no comando legal do art. 149 da Constituição da República (CR), como uma contribuição de interesse das categorias econômicas ou profissionais, incluindo-se no Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), do Título VI (Da Tributação e do Orçamento).

Desta forma, como espécie do gênero contribuição sindical, trata-se de contribuição social de características parafiscais (de categorias econômicas ligadas à agropecuária).

Constituição da Republica

Título VI – Da Tributação e do Orçamento

Capítulo I – Do Sistema Tributário Nacional

Seção I – Dos princípios gerais

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

§1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.

§2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

II – poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível;

III – poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.

§3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei.

§4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.

6. Fundamentos para a inconstitucionalidade da contribuição sindical rural patronal

6.1. Primeiro argumento

Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988, tendo em vista sua inconstitucionalidade na origem, uma vez que foi instituída pelo Decreto-lei n. 229/1967 (quando a ordem constitucional vigente a época vedava expressamente a criação ou majoração de tributos via decretos-leis).

Nas palavras do professor Rosa Junior em seu Manual de direito financeiro e direito tributário (1988, p. 195) – “Aliás, se alguma dúvida ainda possa subsistir a respeito deste entendimento, basta a constatação da índole eminentemente política do princípio da legalidade, cuja instituição visou assegurar ao órgão de representação popular, e exclusivamente a este, a atribuição de criar tributos. Entender-se o contrário, é reduzir o princípio da legalidade tributária a uma garantia inócua e ilusória, como, aliás, vem ocorrendo entre nós, uma vez que o Decreto-lei em matéria tributária vem sendo utilizado, inclusive para criação e majoração de tributos, com uma constância de tal ordem que melhor seria emendar-se a CR para se afirmar que o tributo só pode ser instituído ou majorado por Decreto-lei. Cabe ao Poder Judiciário, do alto de sua independência e livre de influências externas, não permitir que o princípio da legalidade tributária seja letra morta, e para isto basta que cumpra sua finalidade, não aceitando a instituição ou majoração de tributos por Decreto-lei”.

Constituição de 1946, art. 141.

[…]

§34 Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem a prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.

[…]

Ato Institucional n. 4, de 07 de dezembro de 1966, art. 9º O Presidente da República, na forma do art. 30 do Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965, poderá baixar Atos Complementares, bem como Decretos-leis sobre matéria de segurança nacional até 15 de março de 1967.

§1º Durante o período de convocação extraordinária, o Presidente da República também poderá baixar Decretos-leis sobre matéria financeira.

§2º Finda a convocação extraordinária e até a reunião ordinária do Congresso Nacional, o Presidente da República também poderá expedir Decretos com força de Lei sobre matéria administrativa e financeira.

[…]

CR, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

[…]

6.2. Segundo argumento

A contribuição sindical rural patronal da pessoa física tem base de cálculo própria de imposto prevista na Constituição – o valor da terra nua – de modo idêntico ao do ITR – o que constitui hipótese de bi-tributação.

CR, art. 145.

[…]

§2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

CR, art. 154. A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenha fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta CR.

[…]

6.3. Terceiro argumento

A contribuição sindical rural patronal viola o princípio da liberdade sindical previsto na Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pois se o individuo não é filiado ao sindicato, não pode estar obrigado a contribuir/pagar a este uma contribuição para o custeio de suas atividades.

Cumpre lembrar que o Brasil ainda não ratificou a Convenção, mas assumiu o compromisso da ratificação.

Cumpre lembrar ainda, que o Brasil ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, cujo artigo 8º repete, ainda que sinteticamente, as normas da Convenção da OIT n. 87 sobre a garantia da liberdade sindical e o seu conceito (o pacto foi aprovado pelo Decreto Legislativo n. 226, de 12/12/91, do Congresso Nacional, tendo sido ratificado em 24/01/92, conforme Decreto de Promulgação n. 591 de 06/07/92).

Observa o professor Ferreira Filho (1983, p. 632) – “O dispositivo em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enumerar os direitos fundamentais não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem outros, decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhecem”.

Ainda não obstante, falamos na previsão do artigo 8º, inciso V da CR – “ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato”.

6.4. Quarto argumento

O valor absurdo da contribuição sindical rural patronal. Fazendo vistas a natureza jurídica do instituto, a que se observar o preceito constitucional – “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. (CR, art. 145, par. 1º).

6.5. Quinto argumento

A função social. Seria cobrando pesadas contribuições dos pequenos produtores rurais que a Confederação Nacional da Agricultura irá auxiliar o desenvolvimento rural do país? As condições de vida no campo são cada vez piores e mais difíceis.

Assim finalizamos

Estes são alguns dos argumentos para a reflexão sobre a inconstitucionalidade da contribuição sindical rural patronal. É inconcebível e inaceitável que tal cobrança ainda seja realizada, perpetrando no tempo os preceitos rançosos e nefastos de governos passados. Desta forma, estas linhas servem para não nos fecharmos a velhos dogmas e a argumentos pacóvios.

E como sempre dissemos, é de salutar importância que sejamos participantes ativos no aperfeiçoamento das normas, criando-se núcleos de estudos e de propostas legislativas para melhor utilização e inserção em nosso ordenamento jurídico. Nosso cordial Vale e até a próxima.

 

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Informações Sobre o Autor

 

Alencar Frederico

 

Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba; Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu; Advogado, consultor e parecerista; Autor de diversas obras jurídicas e articulista em revistas especializadas nacionais e estrangeiras (Argentina, Itália e Portugal); Coordenador do Conselho Editorial da Millennium Editora; Membro do Conselho Editorial da Editora Setembro e; Coordenador da coleção Cadernos de pesquisas em Direito, da Editora Setembro

 


 

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