Resumo: O presente artigo tem a finalidade de trazer a discussão sobre o contrato de fiança, os limites da responsabilidade do fiador para com o credor, especificamente sobre os contratos de aluguéis. Recentemente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, vem decidindo contrariamente o estabelecido no art. 819 do Código Civil, utilizando a interpretação extensiva no contrato de fiança, responsabilizando o fiador sobre os contratos com os quais não anuiu.[1]
Palavras -chave: Fiança. Contrato de Locação. Responsabilidade do Fiador.
Abstract: This article is intended to bring discussion on the contract of guarantee, the limits of guarantor to the creditor specifically on the rental contracts. Recently the case-law of Superior Court of Justice, has decided contrary to the provisions of the article 819 of the Civil Code, using the extensive interterpretation in the bond agreement, blaming the contracts with which they not agreed.
Keywords: Guarantee. Rental Contracts. Guarantor’s Liability.
Sumário: Introdução. 1- Fiança. 2- Responsabilidade do Fiador pelo Aditamento do Contrato de Locação. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
No Direito Civil contemporâneo existem várias formas de garantir o cumprimento de um determinado bem jurídico. Como na garantia fidejussória, que consiste na garantia pessoal em que terceira pessoa se responsabiliza pela obrigação, caso o devedor original deixe de cumprir com a obrigação pactuada, tendo o fiador que arcar com a obrigação.
Dessa forma, compreende-se que prestar fiança, é uma forma de ajudar alguém que precisa fechar contrato. Diferentemente do Aval, o qual não precisa de contrato e sim de simples assinatura do avalista no título de crédito, que está intimamente ligado ao título de crédito, como nota promissória e cheque.
1 FIANÇA
Conforme entendimento de Alexandre e Ricardo (2011), “A fiança é utilizada para qualquer espécie de contrato, sendo que o fiador deve ter capacidade civil, devendo conter imóvel quitado em seu nome, não devendo ter ainda incidência de qualquer tipo de gravame, para que viabilize qualquer execução posterior em decorrência de inadimplemento contratual. Essa modalidade ocorre devido ao grande índice de inadimplemento.”
De acordo com Flávio Tartuce, 2014, “[…] a fiança é espécie do gênero contratos de caução ou de garantia. A garantia por meio de fiança pode ser dada a qualquer tipo de obrigação civil, seja ela de dar coisa certa ou incerta, de fazer ou de não fazer ou de quantia certa contra devedor solvente.”
Ainda segundo Alexandre e Ricardo (2011), vale ressaltar também, que caso o fiador seja proprietário de um único bem imóvel, na eventual possibilidade de inadimplemento contratual por parte do locatário, o fiador não poderá alegar que o imóvel trata-se de bem de família, ou seja, que aquele bem vinculado ao contrato não poderá se alienado por ser o único que garante a sua moradia e de sua família, conforme dispõe na lei 8.009/90 em seu art. 1º e 3º, inciso VII:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
Desta forma, faz necessário conhecer a fundo a pessoa que irá afiançar, e analisar principalmente questões de cunho financeiro, se o afiançado possui condições de cumprir com o pactuado e principalmente, quando possível, verificar a real necessidade de se apresentar um fiador, podendo ser indicadas outras modalidades de se garantir o cumprimento do contrato de locação.
2 A RESPONSABILIDADE DO FIADOR PELO ADITAMENTO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
Conforme ensinamento de Flávio TARTUCE, 2014, a fiança é um contrato complexo, especial, sui generis. Diante da sua natureza jurídica especial, a fiança possui características próprias, entre as quais podemos destacar:
– De início, trata-se de um contrato unilateral, pois gera obrigação apenas para o fiador que se obriga em relação ao credor com quem mantém o contrato. Porém, o último nenhum dever assume em relação ao fiador.
– Em regra, trata-se de um contrato gratuito, pois o fiador não recebe qualquer remuneração.
– É um contrato benévolo, em que o fiador pretende ajudar o devedor, garantindo ao credor o pagamento da dívida, e por isso somente admite interpretação restritiva, nunca declarativa ou extensiva (arts. 114 e 819 do CC).
O art. 819 do CC, prescreve que o contrato de fiança deverá ser escrito, assim o contrato é formal, todavia não é solene, pois a ele não é exigido escritura pública. Interpretando o dispositivo, nota-se que a fiança deverá ser instrumentalizada pela forma pública ou particular, ou seja, não se admite a fiança verbal, ainda que provada com testemunhas, pois a fiança não se presume. Essa instrumentalização pode ser realizada no próprio corpo do contrato principal, ou em separado, de acordo com a autonomia privada das partes.
A norma supracitada, expõe ainda que a fiança não admite interpretação extensiva, regra que tem importantes consequências práticas. Conforme entendimento doutrinário, a fiança deverá ser interpretada restritivamente, uma vez que se trata de um contrato benéfico que não traz qualquer vantagem ao fiador, que responde por aquilo que expressamente constou do instrumento do negócio. Surgindo alguma dúvida, deve-se interpretar a questão favoravelmente ao fiador, parte vulnerável em regra, presumindo-se a sua boa-fé objetiva, sendo patente essa vulnerabilidade.
No que tange a responsabilidade do fiador quanto a prorrogação de contrato de locação com o qual não anuiu, foi abordado pelo STJ na súmula 214: “o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.
Portanto, a interpretação literal da súmula prescreve que o fiador não será responsabilizado pelo contrato de locação que foi prorrogado, sem o seu consentimento.
Entretanto, a jurisprudência, vem decidindo com frequência o contrário do previsto no art. 819 CC, e da súmula 214 STJ. Ou seja, que existe a possibilidade de renovação da fiança sem autorização do fiador, conforme entendimentos jurisprudenciais colacionados:
“Trata-se de agravo em recurso especial interposto por EDMUNDO EUTROPIO COELHO DE SOUZA e CLAUDIA OLIVEIRA LYRA DE SOUZA contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que inadmitiu o seu recurso especial manejado em face do acórdão assim ementado: "AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO COMERCIAL. PEDIDO DE EXONERAÇÃO DE FIANÇA. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO CREDOR. 1. Orientação firmada no C. Superior Tribunal de Justiça no sentido da possibilidade de exoneração do pacto fidejussório em contratos firmados por prazo determinado, desde que ocorra a quebra da affectio societatis, aliada à prova de prévia notificação do credor. 2. Ausência de comprovação da prévia notificação escrita ao credor, concluindo- se pela responsabilidade dos fiadores quanto à garantia prestada e os encargos assumidos durante o prazo de vigência do contrato. 3. Recurso desprovido. Decisão mantida." (e-STJ Fl.248) Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Nas razões do recurso especial, a parte recorrente, além de dissídio jurisprudencial, apontou violação aos arts. 114, 818, 819, 821 e 844, todos do Código Civil, e arts. 183, 372, 368, 388, 389, 515, parágrafos 1º e 2º, 535, do Código de Processo Civil, bem como à Súmula 214/STJ. Sustentou negativa de prestação jurisdicional. Alega que a fiança detém interpretação restritiva, não respondendo o fiador por aditamentos que não anuiu expressamente. Aduz que a assinatura e a sua validade aposta no documento de fl. 23, o qual prova a existência de notificação prévia, não foi impugnada a tempo e modo, presumindo-se, portanto, a veracidade. Sem contrarrazões. Nas razões do agravo, a parte agravante impugnou os fundamentos da decisão agravada. É o relatório. Passo a decidir. A pretensão recursal não merece acolhida.” (STJ – AREsp: 882973 RJ 2016/0065791-9, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 21/06/2017)
Nesta decisão, o fato que obrigou o fiador a realizar o pagamento de aluguéis pelo tempo de prorrogação do contrato ao qual não havia anuído, foi por este ser sócio do locatário, onde inicialmente os dois alugavam o estabelecimento comercial, para o desenvolvimento das suas atividades empresariais. O autor alegou que houve quebra na affecio societatis, e por isso não estava obrigado a cumprir o pagamento da fiança. De acordo com entendimento firmado pelo tribunal, a exoneração da fiança pela quebra da affecio societatis é perfeitamente possível, já que a fiança é um contrato personalíssimo e benéfico, o fiador não pode ser compelido a manter relação jurídica se assim não o deseja, porém para que o autor (fiador), seja exonerado após o desfazimento da sociedade, o fato deve ser aliado a comprovação da prévia comunicação do Credor, e no caso concreto, a notificação não foi comprovada pela prova material apresentada.
“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ACESSÓRIOS. ADITAMENTOS CONTRATUAIS PREVENDO A PRORROGAÇÃO CONTRATUAL E MAJORAÇÃO DO ENCARGO. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO CONTRATUAL QUE AFASTE A RESPONSABILIDADE DOS FIADORES ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. PRORROGAÇÃO DA GARANTIA. ART. 39 DA LEI 8.245/91. 1. Ação ajuizada em 13/03/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir se os recorrentes, fiadores de contrato de locação, devem ser solidariamente responsáveis pelos débitos locativos, ainda que não tenham anuído com o aditivo contratual que previa a prorrogação do contrato, bem como a majoração do valor do aluguel. 3. O art. 39 da Lei 8.245/91 dispõe que, salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado. 4. Da redação do mencionado dispositivo legal depreende-se que não há necessidade de expressa anuência dos fiadores quanto à prorrogação do contrato quando não há qualquer disposição contratual que os desobrigue até a efetiva entrega das chaves. 5. Ademais, a própria lei, ao resguardar a faculdade do fiador de exonerar-se da obrigação mediante a notificação resilitória, reconhece que a atitude de não mais responder pelos débitos locatícios deve partir do próprio fiador, nos termos do art. 835 do CC/02. 6. Na hipótese sob julgamento, em não havendo cláusula contratual em sentido contrário ao disposto no art. 39 da Lei de Inquilinato – isto é, que alije os fiadores da responsabilidade até a entrega das chaves – e, tampouco, a exoneração da fiança por parte dos garantes, deve prevalecer o disposto na lei especial quanto à subsistência da garantia prestada. 7. Recurso especial conhecido e não provido.” (STJ – REsp: 1607422 SP 2016/0154232-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 17/10/2017, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/11/2017).
O julgamento da decisão acima citada, trata de matéria divergente da anterior, pois foi realizada a locação de imóvel residencial. No caso concreto, os autores alegaram que não anuíram com as duas prorrogações contratuais, realizadas após o contrato de locação original, a qual eram fiadores dos locatários e ainda que não se aplicava a este caso o art. 39 da Lei 8.245/91, pois o dispositivo tratava de contratos por tempo indeterminado, ainda no contrato não constava cláusula expressa obrigando os fiadores a prestar a garantia até a entrega das chaves . De fato o exame das provas documentais, ou seja, os contratos supervenientes ao original, não constavam as assinaturas dos fiadores, tão pouco existia tal cláusula contratual que obrigasse os autores o cumprimento da obrigação. Porém, não existia cláusula expressamente contrária, ou seja, os desobrigando de prestar as garantias locatícias até a entrega efetiva do imóvel.
O não provimento do recurso, fundamentou-se no art.39 da Lei 8.245/91- Lei do Inquilinato, onde estabelece que “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei.” Pela redação dada a este artigo com a Lei 12.112/2009, a fiança garante as obrigações locatícias até a devolução da coisa, exceto se houver disposição contratual em contrário.
Ainda durante a fundamentação, foi destacado que, a partir da redação do dispositivo mencionado, deduz-se que, não há necessidade de expressa anuência dos fiadores quanto à prorrogação do contrato quando não há qualquer disposição contratual que os desobrigue até a efetiva entrega das chaves. A corroborar com esse entendimento destaca-se que o legislador previu a hipótese de exoneração do encargo ao dispor, no art. 835 do CC⁄02, que “o fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor “.
CONCLUSÃO
Conclui-se que, apesar do art.819 CC prever que não é permitida a interpretação extensiva e a Súmula 214 do STJ declarar que o fiador na locação não responde por obrigações de aditamentos aos quais não anuiu, a mesma corte frequentemente está decidindo de maneira divergente a súmula por ela editada, criando uma certa instabilidade jurídica ao instituto de fiança.
Sob a fundamentação que o art. 39 da lei 8.245/91, supera o Código Civil e o entendimento sumulado. Em outras palavras, o entendimento segue o princípio do pacta sunt servanda, onde o que irá determinar se o fiador é responsável pela prorrogação do contrato com o qual não anuiu é o contrato de locação e não a legislação. Se nele houver cláusula que prescreva que o fiador ficará desobrigado em caso de aditamento contratual pelo período a ele correspondente, até a devolução efetiva do bem, devendo o locatário apresentar um novo fiador para prestar a garantia,o fiador então estará desobrigado, caso contrário este permanecerá na qualidade de garantidor.
Informações Sobre os Autores
Mayara dos Santos Araújo
Acadêmica de Direito na Universidade do Estado de Mato Grosso
Astaruth Profeta Ribeiro Tomaz
Acadêmica de Direito na Universidade do Estado de Mato Grosso