Contribuição previdenciária e o aviso prévio pago em dinheiro

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Sumário: 1 Breve introdução. 2 Fundamento constitucional da contribuição social. 3  Lei nº 8.212/91. 4 Natureza jurídica do aviso prévio pago em dinheiro. 5 O exame do sistema jurídico como um todo. 6 Conclusão.


1 Breve introdução


Com o advento do Decreto nº 6.727/09, que revogou a letra “f” do inciso V, do § 9º, do art. 214 do Regulamento de Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, iniciou-se a discussão quanto à incidência ou não da contribuição social sobre o aviso prévio pago em dinheiro.


Reacendeu-se a mesma discussão travada quanto à incidência ou não do imposto de renda sobre as férias pagas em dinheiro, sobre os valores recebidos pelo empregado contemplado com o programa de Demissão Voluntária etc.


Grande parte dos artigos publicados até agora iniciam os estudos a partir da revogação da norma expressa do Regulamento da Previdência Social que determinava a exclusão desse verba da base de cálculo da contribuição previdenciária. Conquanto tenham chegado a uma conclusão absolutamente correta entendo que a norma regulamentar é a última que deve ser examinada tendo em vista o princípio da hierarquia das leis.


A questão deve ser analisada a partir do texto constitucional, que é a matriz para qualquer lei infraconstitucional instituindo qualquer espécie tributária.


2 Fundamento constitucional da contribuição social:


Prescreve a Constituição Federal em seu art. 195:


Art. 195 A Seguridade Social será financiada de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais.


I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma de lei, incidentes sobre:


a)                  a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vinculo empregatício;


(Redação dada pela EC nº 20 de 15-12-1998, que substituiu o vínculo empregatício pelo vinculo laboral).


II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.


A expressão “folha de salários e demais rendimentos do trabalho”, que consta do inciso I, está a demonstrar que somente os rendimentos do trabalho são incluídos no conceito de folha de salários.


Outrossim, já há unanimidade na doutrina e na jurisprudência no sentido de que, tanto a contribuição social patronal, quanto a contribuição social devida pelos trabalhadores têm a mesma natureza tributária.


Da simples leitura desses textos constitucionais conclui-se que a lei ordinária que instituisse a referida contribuição social só poderia eleger como fato gerador da obrigação tributária os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício.


3 A Lei 8.212/91


A Lei nº 8.212/91 instituiu o fato gerador dessa contribuição em perfeita harmonia com o texto constitucional:


“Art. 22.  A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:


I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos seguradores empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa”; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26-11-99).


O dispositivo em questão definiu três dos aspectos do fato gerador da obrigação tributária: (a) o aspecto nuclear ou objetivo do fato gerador, isto é, a hipótese em que é devida a contribuição previdenciária (pagamento das remunerações a empregados e a trabalhadores avulsos); (b) o aspecto subjetivo passivo (empresa); e (c) o aspecto quantitativo (base de cálculo, representada pelo valor da remuneração retributiva do trabalho, e a alíquota de 20%).


 Não é qualquer remuneração, mas só aquela paga a título de retribuição do trabalho.


Essa base de cálculo é tão importante, por integrar a definição do  fato gerador, conforme art. 22 da Lei nº 8.212/91, que o legislador a  enfatizou em seu art. 28, nos seguintes termos:


“Art. 28  Entende-se por salário-de-contribuição:


I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa” (redação dada pela Lei nº 9.528/97).


4 Natureza jurídica do aviso prévio pago em dinheiro


Vejamos, agora, a natureza jurídica do aviso prévio indenizado. Ele corresponde uma remuneração retributiva do trabalho? Corresponde ao rendimento do trabalho? É o que veremos.


Nos termos do art. 7º, XXI da CF “o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias, nos termos da lei” é garantia fundamental do trabalhador, protegida por cláusula pétrea.


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O art. 487 da CLT determina que a parte que quiser rescindir a contrato deverá avisar a outra parte de sua resolução, com antecedência que varia de 8 a 30 dias conforme o caso.


Prescreve o § 1º desse art. 487:


“§ 1º A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.


§ 2º A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo”.


A expressão “salários correspondentes”  a que alude o § 1º do art. 487 da CLT não pode ser interpretada isoladamente, nem literalmente.


O pagamento desses “salários correspondentes” surge como conseqüência da violação do disposto no caput do art. 487 da CLT, que impõe ao empregador o dever de comunicar o empregado com antecedência, a sua decisão de rescindir o contrato de trabalho. O pagamento, no caso, tem natureza indenizatória. A indenização é sempre um requisito indispensável para legitimação de um direito: por exemplo, o direito de expropriar mediante pagamento prévio da justa indenização; o direito de despedir o empregado mediante indenização prévia equivalente a 30 dias de salários, o direito de rescindir unilateralmente determinado contrato mediante pagamento da indenização preestabelecida etc.


Indiscutivelmente, o aviso prévio pago em dinheiro não tem natureza salarial, porque não destinado a retribuir o trabalho, que deixa de ser executado exatamente porque despedido o empregado.


E a indenização, qualquer que seja ela , sempre tem por finalidade compensar ou reparar uma perda patrimonial, material ou moral.


Não é por outra razão que se formou uma vasta jurisprudência em torno da não incidência do imposto de renda sobre as férias indenizadas, uma vez que esse pagamento em dinheiro surge como sucedâneo da perda do direito ao descanso anual remunerado para recomposição das energias física e mental do empregado. Não há, no caso, rendimentos ou acréscimos patrimoniais nos termos exigidos pelo art. 43 do CTN, que define o fato gerador do imposto de renda. Pela mesma razão,  não incide o IR sobre o aviso prévio indenizado, nem sobre o montante pago na implementação do programa de demissão voluntária, que de voluntária só tem o nome.


5  O exame do sistema jurídico como um todo


O exame do sistema jurídico global leva à desconsideração do viso prévio pago em dinheiro da base de cálculo da  contribuição social, independentemente de qualquer norma expressa como a que estava no art. 28, § 9º, letra “a” da Lei nº 8.212/91.


Portanto, a revogação tácita dessa exclusão da base de cálculo operada pela Lei nº 9.528, de 10-12-1997 é totalmente irrelevante.


Menos relevante, ainda, é o Decreto nº 6.727, de 12 de janeiro de 2009, que revogou a alínea “f”, do inciso V, do § 9º, do art. 214 do Regulamento de Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999.


O fato de o atual Regulamento da Previdência Social não mais prever a exclusão do aviso prévio indenizado da base de cálculo da contribuição social nada significa, pois, a definição de base de cálculo de qualquer tributo está sob reserva de lei em sentido estrito (art. 97, IV do CTN) como decorrência do princípio de legalidade tributária (art. 150, I da CF).


Aliás, essa exclusão operada pelo Decreto nº 6.727/2009 choveu no molhado, pois, o inciso I do art. 214 do mesmo Regulamento só incluiu na base da cálculo da contribuição previdenciária a remuneração auferida pelo trabalhador a título de retribuição do trabalho. Não há que se falar em exclusão de algo que não está incluído.


6 Conclusão


O fato gerador da contribuição social em tela  é a remuneração paga ao empregado ou trabalhador avulso ou autônomo, bem como o pró labore pago ao sócio para retribuir o trabalho, pelo que não pode alcançar os pagamentos feitos a título de indenização de qualquer natureza.


Exigir a contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado, como lembrado por alguns autores, poderia submeter o empregado despedido à duplicidade de pagamento dessa contribuição caso ele encontre um novo emprego no mesmo mês da despedida, sem que o INSS compute em dobro o seu tempo de contribuição.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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