Resumo: Tema bastante polêmico e que é alvo de recorrentes questionamentos judiciais diz respeito aos efeitos em que é recebido o recurso de apelação interposto contra a sentença de improcedência nos embargos à execução fiscal, em decorrência da possibilidade que se abre à liquidação da garantia antes do trânsito em julgado, quando a apelação é recebida no efeito apenas devolutivo, produzindo a sentença eficácia imediata. O problema da liquidação antecipada está mais atrelado ao seguro garantia em razão da crescente utilização pelo devedor do Fisco (baixo custo), bem como por não haver resistência pelas Fazendas Públicas, pois representam ativos financeiros de alta liquidez. A possibilidade de recebimento da apelação no efeito apenas devolutivo, aliado à alta liquidez dos ativos financeiros garantidos por fiança ou seguro garantia, propiciou um ambiente favorável à Fazenda Pública na busca de uma suposta garantia da satisfação do crédito tributário, ensejando um repertório de precedentes cada vez mais comum sobre a possibilidade de intimação do segurador para que efetue o depósito judicial do valor executado, mesmo pendente o julgamento da apelação. Essa possibilidade de liquidação antecipada da garantia pode ser combatida pelo instrumento processual consistente no “Pedido de Concessão de Efeito Suspensivo a Recurso de Apelação”.
Palavras-chave: tributo, execução, garantia, liquidação, antecipada.
Sumário: Introdução. 1. Efeitos nos recursos. 1.1 Efeito devolutivo. 1.2 Efeito suspensivo. 1.3 Efeitos antecipados da sentença. 1.4 Efeitos na apelação. 2 Tutelas provisórias. 2.1 Tutelas de urgência – cautelar e antecipada. 2.2 Requisitos para concessão de tutela de urgência. 2.3 Tutela provisória no âmbito recursal – apelação. 3 Risco de dano irreparável na execução antecipada do seguro. Garantia. 4 Previsão do art. 32 da LEF. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Não são poucas as notícias sobre o grande volume de execuções fiscais no Poder Judiciário, sem perspectiva de satisfação do crédito tributário.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça[1], através do estudo Justiça em número – 2016, relacionado a dados de 2015, as execuções fiscais são os processos responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, pois representam aproximadamente 39% do total de casos pendentes, com congestionamento de 91,9%, o maior dentre os processos. Isso significa que de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2015, apenas 8 foram baixados.
De acordo com tal relatório, chegam ao Poder Judiciário, em sua grande maioria, os títulos executivos referentes a créditos tributários antigos, em relação aos quais há maior dificuldade de satisfação e, por conseguinte, maior retardamento na extinção das execuções fiscais[2].
Esse cenário tem propiciado a proliferação de subterfúgios hermenêuticos judiciais tendentes à imprescritibilidade da pretensão fiscal, tais como o Recurso Especial 1.104.900/ES e a Súmula 435 do STJ, bem como o Recurso Extraordinário 1.120.295/SP do STF, os quais evidenciam a intenção de, a qualquer custo, assegurar a recuperação dos créditos tributários ad aeternum.
Como forma de legitimar essas distorções pragmáticas, sob uma perspectiva puramente positivista, temos observado a criação de variados instrumentos processuais com a finalidade de antecipar o bloqueio do patrimônio do devedor tributário, a fim de satisfazer a pretensão fiscal.
A partir de uma retrospectiva da evolução legislativa, daremos ênfase às alterações processuais que viabilizam a execução provisória do crédito tributário no contexto da sentença de rejeição dos embargos à execução fiscal, a qual opera eficácia imediata, ainda que objeto de irresignação do devedor por meio de recurso de apelação.
1 EFEITOS NOS RECURSOS
1.1 Efeito devolutivo
Conforme lição do processualista José Carlos Barbosa Moreira, todos os recursos admissíveis produzem um efeito constante e comum, que é o de obstar, uma vez interposto, ao trânsito em julgado da decisão impugnada. Ao lado desse efeito, que ocorre sempre, outros dois são produzíveis, em geral, pela interposição de recurso: o suspensivo e o devolutivo.[3]
Inexiste, o recurso totalmente desprovido de efeito devolutivo, com ressalva dos casos em que o julgamento caiba ao mesmo órgão que proferiu a decisão recorrida.[4] O que pode ocorrer é a variação da extensão e da profundidade do efeito devolutivo de um para outro recurso. Aquela nunca ultrapassará os limites da própria impugnação: no recurso parcial, a parte não impugnada pelo recorrente escapa ao conhecimento do órgão superior, salvo se por outra razão, este tiver que se pronunciar.[5]
Os recursos objetivam a reanálise das decisões, sejam elas terminativas do feito ou incidentais. Logo, forçoso reconhecer o efeito o devolutivo como natural de todo recurso.
Sob a vigência do CPC/73, referido autor destaca a noção genérica do efeito devolutivo, segundo o qual é transferido ao órgão ad quem o conhecimento da matéria julgada em grau inferior de jurisdição.[6] Ou seja, seguindo essa linha, consideramos que há devolução sempre que se transfere ao órgão ad quem aquela matéria que fora submetida ao órgão a quo; não necessariamente tudo.
O efeito devolutivo é a manifestação do princípio dispositivo e impede que o tribunal conheça de matéria que não foi objeto de pedido do recorrente, nos termos do art. 141 e 1.013 do CPC/2015. O recurso interposto devolve ao tribunal ad quem a matéria efetivamente impugnada. O tribunal só pode julgar o que estiver contido nas razões de recurso, nos limites do pedido de nova decisão.
Para Nelson Nery Júnior, o efeito devolutivo pressupõe o ato de impugnação, de modo que não concebemos efeito devolutivo na remessa necessária. Assim, como não admitimos o pedido genérico, o recurso não pode ser interposto genericamente, devendo conter pretensão recursal explícita.[7]
O juízo destinatário somente poderá julgar o que o recorrente tiver recorrido nas razões do recurso, encerradas com o pedido de nova decisão, que fixará os limites e o âmbito de devolutividade de qualquer recurso.
Sob outra perspectiva, Nelson Nery considera não apenas os efeitos devolutivo e suspensivo tradicionalmente reconhecidos – que leva em conta a interposição do recurso e suas consequências apenas quanto à decisão recorrida –, mas também outros fenômenos relacionados com (a) a eficácia da decisão recorrida e (b) com o julgamento do próprio recurso, que são efeitos dos recursos e não se enquadram naquela posição clássica. Esses efeitos são expansivo, translativo e substitutivo dos recursos.[8]
De fato, o efeito devolutivo prolonga o procedimento, pois torna o processo pendente até que a decisão judicial não seja mais impugnável. Logo, esse efeito devolutivo retarda a formação da coisa julgada.
De acordo com a regra geral inserta pelo CPC/2015, temos que os recursos são recebidos no efeito apenas devolutivo, nos termos do artigo 995 de referido diploma legal.[9]
1.2 Efeito suspensivo
O recurso tem efeito suspensivo quando impede a produção imediata dos efeitos da decisão, sendo impróprio aludir que o único resultado dessa decisão é a impossibilidade de se pode promover a execução.[10] Salvo em previsão contrário, para Barbosa Moreira, a suspensão é de toda a eficácia da decisão, não apenas de sua possível eficácia como título executivo.[11]
Para o autor, trata-se de uma característica desse efeito, mas não esgota seu conceito, pois as decisões meramente declaratórias e as constitutivas, que apesar de não comportarem execução, também podem ser impugnadas por recursos com efeito suspensivo.
Entende Barbosa Moreira que mesmo antes da interposição do recurso, a decisão, pelo simples fato de estar sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que estaria cessada se não for interposto o recurso. [12]
Em certos casos, como na em face de sentença que rejeitar os embargos do devedor, que é o objeto de nossa análise, o óbice à eficácia da decisão não nasce da previsão legal do recurso, mas de ato judicial que, no caso concreto, diante de determinadas circunstâncias, suspende aquela eficácia. Em sentido contrário, sob a égide do sistema processual de CPC/73, a regra é que têm os recursos efeito suspensivo, o qual não ocorre quando alguma regra especificamente o exclua.
No ordenamento pátrio, quando provisoriamente exequível a sentença, o efeito executivo começa a produzir-se desde o recebimento da apelação, pelo órgão a quo, no mero efeito devolutivo. Não sendo essa previsão, deve prevalecer a regra geral de que a decisão só se torna eficaz com o trânsito em julgado.[13]
Carlos Barbosa Moreira destaca que, nos países germânicos, é habitual conceber o efeito suspensivo como impedimento à formação da coisa julgada. Porém, não é esse o conceito no direito brasileiro, pois adotá-lo importaria reconhecer tal efeito a todos os recursos, perderia a razão de ser a divisão dos recursos em suspensivos e não – suspensivos. Para o autor, o efeito suspensivo concerne apenas à eficácia da decisão, inconfundível com a auctoritas rei iudicatae, embora a regra seja a da coincidência entre o começo da produção de efeitos e o trânsito em julgado.[14]
O efeito suspensivo é a qualidade que ataca a produção de efeitos da decisão, perdurando até que transite em julgado a decisão ou o próprio recurso dela interposto. Assim, por suspensividade poderíamos entender o atributo da recorribilidade e não propriamente do recurso, tendo início com a publicação da decisão impugnável por recurso que a lei prevê esse efeito suspensivo, e termina com a publicação da decisão que julga o recurso. Logo, a suspensão é da eficácia da decisão e não somente de sua eficácia executiva. [15]
Esse efeito suspensivo evita a produção de efeitos da sentença condenatória – eficácia executiva -, e das sentenças declaratórias e constitutiva.
A regra geral do CPC/2015 é que os recursos tenham apenas efeito devolutivo, sendo o efeito suspensivo concedido apenas a requerimento do recorrente e desde que presente os requisitos do art. 995. Para os recursos previstos sem efeito suspensivo, como a Apelação no caso de sentença que julga improcedente os Embargos, a decisão, tão logo publicada, passa a produzir efeitos, ensejando inclusive sua execução provisória.[16]
Durante o procedimento com efeito suspensivo, não se pratica ato de sequência do procedimento, já que o andamento também fica suspenso até o trânsito em julgado. Isso não impede o juiz de ordenar providência para conservação da coisa, através de tutela provisória.
Portanto, considerando essa regra geral do CPC/2015, que preconiza a ausência de efeito suspensivo, passamos a analisar como a doutrina aborda efeitos antecipados da sentença.
1.3 Efeitos antecipados da sentença
Quando a apelação não é suspensiva, haverá o efeito executivo. Essa executividade não constitui senão uma das várias manifestações da eficácia sentencial, em relação à qual pode a lei estender a antecipação.[17]
No caso de sentença improcedência dos embargos à execução, a exclusão da suspensividade nesse caso tem uma justificativa baseada no recebimento dos embargos do devedor, pois o mero recebimento dos embargos suspende a execução. Por consequência, se a apelação em face da sentença de improcedência também fosse dotada de efeito suspensivo, esse efeito obstaria à produção da eficácia sentencial, mantendo-se, portanto, suspensa a execução. [18]
Por isso, a lei expressamente dispôs em contrário, negando suspensividade à apelação, ela permite que retome sua marcha a execução embargada pelo devedor.
Para o autor, não há efeito executivo antecipado da decisão que rejeita os embargos. O efeito executivo que fora suspenso pelo recebimento dos embargos, e que recomeça a produzir-se apesar da interposição da apelação, é da sentença proferida no processo de conhecimento (ou decorrente do título extrajudicial).
A sentença que julga improcedentes os embargos é declaratória negativa, e, portanto, despojada de executividade. O seu efeito, que se antecipa ao trânsito em julgado, é precisamente o de configurar como infundada a pretensão do devedor embargante, mantendo intacta a eficácia do título executivo que os embargos visavam a coibir.
Quanto ao art. 995 do CPC/2015, toda decisão recorrível tem eficácia imediata, ainda que o recurso não tenha, ainda, sido interposto. Assim, o efeito imediato da decisão é a regra; a suspensão desses efeitos, a exceção.[19]
O art. 995 prevê que a regra é que qualquer recurso somente tenha devolutivo. Para que haja o suspensivo, deve haver o cumprimento do parágrafo único do art. 995.
É exatamente o inverso do CPC/73, que, sempre quando a lei silenciasse, ao recurso deveria ser conferido efeito suspensivo.
Flávio Cheim Jorge indica que a expressão “efeito suspensivo” pode dar a impressão de que a interposição do recurso quem faz cessar a eficácia da decisão, quando, de fato, a decisão já não produz qualquer efeito desde que publicada. O que há são decisões que têm eficácia imediata, e decisões que não produzem efeitos imediatos, estado este que é simplesmente prolongado pela interposição do recurso. De todo modo, além de ser expressão consagrada na prática, é a própria lei que, em certas ocasiões, se refere ao “efeito suspensivo”, como no art. 1.012 caput § 3.[20]
Em resumo, conforme demonstramos, pela regra geral do CPC/20215, o efeito comum a todos os recursos é o devolutivo, sendo o suspensivo uma exceção, havendo, por conseguinte, os efeitos antecipados da sentença.
Porém na Apelação do CPC/2015 há uma dupla atuação desses fenômenos. Em regra, pelo caput do art. 1.012, a Apelação é recebida no duplo efeito. Porém no parágrafo único, o código indica as hipóteses em que esse recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, ou seja com a eficácia plena da sentença.
Uma dessas hipóteses é exatamente a examinada neste estudo, relativa à apelação interposta em virtude de sentença que julga improcedente os embargos à execução.
Em face da relevância desse tema cabe destacar em um tópico especificamente sobre os efeitos da Apelação.
1.4 Efeitos na Apelação
Segundo José Carlos Barbosa Moreira, para quem a Apelação não produz efeito suspensivo, mas apenas devolutivo, nas hipóteses arroladas no art. 520 do CPC/73 (art. 1.012 do CPC/15), existe a previsão quando a Apelação interposto em virtude de sentença de denegou provimento a Embargos à Execução.[21]
A apelação será recebida somente no efeito devolutivo quando a sentença rejeitar liminarmente ou julgar improcedentes embargos opostos, pelo devedor ou pelo responsável a ele equiparado, não terceiro, à execução, quer de sentença, quer de título extrajudicial.[22]
Contrariando a regra de que os recursos só têm efeito devolutivo, o art. 1.012 confere a Apelação, impreterivelmente (“terá”), o efeito suspensivo, mas condiciona essa circunstância ao pedido do Apelante.
Para Nelson Nery, o efeito suspensivo só deve ser concedido mediante requerimento do apelante, razão pela qual deixou de ser matéria de ordem pública, conhecível ex officio. Para o autor, não se coloca mais a questão da suspensividade como efeito inerente à recorribilidade da apelação.[23] Nessa linha, conclui que, quanto ao art. 1.012, o julgamento de improcedência dos embargos do executado confirma a higidez do título executivo que aparelha a execução, de sorte que a apelação contra referida sentença deve ser recebida apenas no efeito devolutivo, prosseguindo-se na execução. [24]
Esse entendimento está alinhado à previsão de que a Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente os embargos à execução somente é recebida no efeito suspensivo, com eficácia imediata após seu proferimento, conforme prevê o § 1º do art. 1.012 do CPC-15.
Por outro lado, o art. 1.012 § 4º do CPC/2015 traz a possibilidade de concessão de efeito suspensivo pelo relator se o apelante demonstrar probabilidade de recurso, ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.
2 TUTELAS PROVISÓRIAS
Para falarmos de tutela provisória, balizamos nossas considerações na lição de Piero Calamandrei, para quem a tutela cautelar insere-se exclusivamente no plano processual, como o direito do Estado à seriedade da função jurisdicional que a exerce, o que permite apontar no sentido de uma medida antecipatória tenha natureza cautelar.[25]
O autor italiano viu na provisoriedade do provimento tomado sob cognição sumária o traço decisivo de caraterização da tutela cautelar. Para Calamandrei, o critério que fundamenta a separação do provimento cautelar, de um lado, dos provimentos classificativos, de outro, não é só a atividade do juiz.
Sob esse ponto de vista, o provimento cautelar é uma “unita” – daí a razão pela qual a tutela cautelar não é considerada um tertium genus, suscetível de contraposição à tutela de conhecimento e à tutela executiva.
O critério que fundamenta a separação do provimento cautelar, numa ponta, dos provimentos de conhecimento e de execução, em outra, é o critério da estrutura dos provimentos de cognição, execução e cautelar.[26]
Enquanto os provimentos de conhecimento e de execução são definitivos, os provimentos cautelares são provisórios. Essa a nota conceitual que singulariza o provimento cautelar na ótica de Calamandrei – a estrutura provisória do provimento.
Do ponto de vista funcional, o provimento cautelar em visa a assegurar que o processo não venha a sofrer um “dano jurídico”, ocasionando por um perigo de tardança, ou por um perigo de infrutuosidade da tutela jurisdicional, enquanto pendente o processo de conhecimento ou de execução ou quando quaisquer dessas atividades de encontrem prestes a iniciar.
O jurista italiano ensina que o provimento cautelar constitui proteção provisória emprestada aos processos de conhecimento e de execução. Por isso, trata-se do instrumento do instrumento – e, como tal, constitui o resultado do exercício de uma mera ação, sem amparo em qualquer espécie de “diritto sostanziale di cautela”.[27]
Nesse sentido, Calamandrei nega que o provimento cautelar constitua uma proteção ao direito da parte. Nessa linha, pouco importa a satisfatividade ou não do provimento para caracterização da função cautelar. Os provimentos cautelares podem ser tanto assecuratórios como satisfativos – tanto é assim que ele entendida como cautelares os provimentos antecipatórios da decisão final de mérito do processo de conhecimento.
Dentro desse quadro teórico, Piero Calamandrei indica que a tutela jurisdicional prestada sob cognição sumária sempre foi afeiçoada à tutela cautelar. O autor italiano não estabelecia qualquer diferença entre tutela cautelar e tutela satisfativa – já que, diante do critério da provisoriedade, em ambos os casos poder-se-ia cogitar de tutela cautelar.[28]
Daí se passou a compreender toda tutela sumária como tutela cautelar e, como tal, vinculada à proteção contra o periculum in mora.
Assim, segundo Calamandrei (2000:25), a tutela cautelar assume a função de neutralizar provisoriamente o perigo de dano capaz de frustrar o resultado útil do exercício da jurisdição – ou seja, o resultado útil do processo principal.
Calamandrei serve-se do conceito de “mera azione” e, com isso, transforma o direito material à segurança em posição jurídica ligada ao Estado e não à pessoa.
2.1 Tutelas de urgência – cautelar e antecipada
A doutrina brasileira, sob forte influência da doutrina de Calamandrei, destaca nas medidas cautelares a “provisoriedade”, concebendo-as, pois, como acessórias, que visam a evitar males ao processo, isto é, têm por objetivo “garantir o resultado útil da função de conhecimento ou de execução”, e que a antecipação de tutela é espécie de tutela cautelar, atuando apenas em função da garantia do provimento definitivo, sendo impossível conceber por essa razão qualquer espécie de direito material à cautela.[29]
Para Ovídio Baptista da Silva a tutela cautelar apenas assegura a possibilidade de fruição eventual e futura do direito acautelado, ao passo que a tutela antecipada desde logo possibilita a imediata realização do direito. Nessa linha, a satisfatividade converte-se em um “requisito negativo da tutela cautelar”. Segundo Ovídio Baptista, a tutela cautelar é a tutela sumária que visa a combater, mediante providência mandamental, o perigo de infrutuosidade do direito de forma temporária e preventiva.[30]
A cautelar não tem por objetivo atacar o perigo da demora da prestação jurisdicional, nem prestar tutela a outro processo. Já a tutela antecipada tem por função combater o perigo de tardança do provimento jurisdicional compondo a situação litigiosa entre as partes provisoriamente.
Dessa forma, Ovídio Baptista da Silva destaca a diferença quanto a estrutura à função: para caracterização da tutela cautelar, tira o foco da provisoriedade do provimento e coloca-o na satisfação ou simples asseguração do direito.[31]
Logo, para Ovídio Baptista da Silva, a tutela sumária passa a ser entendida como tutela de urgência, gênero no qual se inserem a tutela cautelar, a tutela satisfativa de urgência autônoma e a tutela satisfativa (tutela antecipada).
Por conta das lições de Ovídio, o sistema processual brasileiro passou a distinguir a tutela cautelar e a antecipação de tutela.
Baseado na lição de Ovídio Baptista da Silva, Daniel Mitidiero parte do pressuposto de que as tutelas cautelares e satisfativas não se confundem, destacando que a técnica antecipatória não tem por função simplesmente compor o perigo de tardança do provimento jurisdicional.[32]
A técnica antecipatória pode prestar tutela satisfativa ou cautelar em face da urgência. Nessa linha, visa a realizar ou acautelar um direito diante do perigo de tardança.
A tutela satisfativa e cautelar são tutelas jurisdicionais do direito, oriundas do plano do direito material e são realizáveis, quando há ameaça ou efetiva crise de colaboração entre as partes, mediante a tutela jurisdicional. Já a técnica antecipatória é simples meio para antecipação de resultados. [33]
Dessa maneira, podemos dizer que a tutela cautelar incide sobre algo que é reparável (o dano), enquanto a antecipação de tutela incide sobre o objeto que é, em essência, irreparável (tempo).[34]
Cássio Scarpinella Bueno destaca que a distinção entre ambas recai sobre a aptidão da tutela provisória satisfazer ou apenas assegurar o direito do requerente. Satisfazendo-o, é antecipada; assegurando-o, é cautelar.[35]
2.2 Requisitos para concessão de tutela de urgência
O CPC/2015, ao tratar dos requisitos da tutela de urgência, abandonou a necessidade de existência de “prova inequívoca” para convencer o juiz da “verossimilhança da alegação” para a concessão da tutela, para adotar o conceito de probabilidade do direito, autorizando o juiz a conceder as tutelas de urgência, com base na cognição sumária, ou seja, ouvindo apenas uma das partes ou então fundado em quadros probatórios incompletos (sem que tenham sido colhidas todas as provas disponíveis para o esclarecimento das alegações de fato).[36]
A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder “tutela provisória”.
Para caracterizar a urgência capaz de justificar a concessão de tutela provisória, o legislador indicou como requisito o “perigo de dano” ou o “risco ao resultado útil do processo”.
Identificados os requisitos para a concessão de tutela de urgência: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, passaremos a analisar a utilização deles para a suspensão dos efeitos da sentença proferida em embargos, nos termos do art. 1.012 § 4º.
2.3 Tutela provisória no âmbito recursal – Apelação
A competência para outorgar tutela jurisdicional satisfativa ou cautelar em seara recursal ao tribunal competente para examinar o mérito do recurso é prevista pelo art. 299 do CPC/2015. No mesmo sentido, o art. 932, inciso II, dispõe que o relator também deverá apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; tutela essa que pode ser concedida em qualquer tempo e grau de jurisdição.
A outorga de efeito suspensivo constitui hipótese de antecipação de tutela recursal: quer-se suspender a eficácia imediata da sentença.[37]
Nos casos em que o recurso não tenha efeito suspensivo automático (ope legis), é possível que o relator profira decisão no sentido de sustar a eficácia da decisão (ope judicis). Para tanto, deve o recorrente demonstrar que a imediata produção de efeitos pode causar dano grave, de difícil ou impossível reparação, e a probabilidade de que o recurso venha a ser provido.
Por essa sistemática, torna-se desnecessário ajuizamento de ação cautelar inominada para a atribuição de efeito suspensivo a recurso, razão pela qual o novo CPC não manteve a regra constante do art. 800 do CPC/73.
Quanto ao efeito suspensivo excepcional, autorizado pelo § 1º do art. 1.012, tanto o relator monocraticamente quanto o tribunal podem conferir o efeito suspensivo à Apelação, verificados os requisitos indicados (probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação).[38]
O recorrente deverá fazer pedido expresso de concessão do efeito suspensivo junto ao Tribunal, em petição autônoma (art. 1.012 § 3º). Este, por sua vez, só acolherá o pedido e suspenderá os efeitos em caso de probabilidade de provimento do recurso (tutela de evidência: fumus boni iuris) ou de risco de dano gravo de difícil reparação (tutela da urgência: periculum in mora), nos termos do § 4º do art. 1.012 do CPC/2015:
“Art. 1.012. …
§ 3o O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1o poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:
I – tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;
II – relator, se já distribuída a apelação.
§ 4o Nas hipóteses do § 1o, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.”
A interpretação literal do referido dispositivo indica que basta um dos requisitos, o que está em desacordo com os demais dispositivos do CPC que tratam dessa matéria (um “ou” outro).
A primeira, “demonstração de probabilidade de provimento do recurso”, há, para o autor, uma espécie de tutela evidência para fins de atribuição desse efeito. Ou seja, demonstrada a probabilidade de êxito do recurso, seja porque a decisão apelada hostiliza jurisprudência sumulada ou firmada em julgamento em sede de repetitivo, além das outras hipóteses do art. 311, sendo evidente o êxito, poderá pretender a suspensão da eficácia da sentença.
Quanto à segunda, se relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou difícil reparação. Nessa segunda hipótese estamos diante de preção de natureza típica de tutela de urgência, pois se exige, para a suspensão de eficácia da sentença, a demonstração conjunta da relevância da fundamentação (avalia-se o quão relevante é a pretensão recursal, algo assemelhado à aparência do bom direito), e o risco de que, se for passível de cumprimento desde sua publicação, a sentença poderá gerar dano irreparável ou de difícil reparação.
William Santos Ferreira expõe que o efeito suspensivo também é uma forma de antecipação da tutela recursal, porque o relator, ao analisar “a relevância da fundamentação” do recurso, realiza um juízo provisório e antecipado sobre o que provavelmente será decidido pelo órgão colegiado. Não se pode esquecer que um dos principais efeitos do provimento do recurso é a substituição da decisão impugnada, tendo, como consequência, o encerramento dos efeitos desta. Logo, a obtenção do “efeito suspensivo” é uma das facetas da antecipação da tutela recursal, com requisitos e objetivos similares, para não dizer idênticos, aos da tutela antecipada.[39]
No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno expõe que efeito suspensivo, no sentido de suspender os efeitos da decisão recorrida, remete a função da tutela cautelar, de evitar riscos, assegurando a fruição futura da pretensão, ainda que recursal. Já o efeito suspensivo ativo, por seu turno, é inequívoca manifestação de tutela antecipada, no sentido de viabilizar, de imediato, a fruição da pretensão recursal.[40]
Com base na lição acima, é viável a utilização de tutela de urgência no âmbito recursal para fins de concessão de efeito suspensivo na Apelação que foi interposta contra sentença que julgou improcedente os Embargos à Execução Fiscal.
Para a concessão desse efeito suspensivo, os requisitos para a tutela provisório no âmbito recursal são o provimento do recurso ou de risco de dano gravo de difícil reparação.
3 RISCO DE DANO IRREPARÁVEL NA EXECUÇÃO ANTECIPADA DO SEGURO GARANTIA
Conforme já destacamos, na execução de títulos extrajudiciais, como a Certidão de Dívida Ativa, os embargos não têm efeito suspensivo automático, podendo esses podem ser atribuídos pelo magistrado.
Conforme o já transcrito art. 1.012, podemos afirmar que o seguro-garantia está sujeito à excussão a partir da sentença de improcedência dos embargos à execução fiscal, eis que dotada de executividade imediata.
Desta forma, assim que acionada a garantia pelo MM. Juízo, haverá sua liquidação ainda que pendente o julgamento definitivo.
Com o seguro garantia judicial, o juízo e a Fazenda Pública não correm o risco de solvabilidade do Executado, muito menos se condiciona a apólice a qualquer pagamento de prêmio entre o Executado e a Seguradora.
Isto é, sempre haverá o pagamento da apólice pela seguradora, ainda que haja falta de pagamento do prêmio não se aplicam ao seguro garantia judicial, pois mesmo a impontualidade no pagamento do prêmio, por parte da empresa, não afeta a solidez do contrato que continuará vigente. Ainda que o prêmio não seja pago, a Seguradora manterá e quitará a garantia.
A Circular nº 477 da SUSEP regulamenta a forma de cobrança do prêmio através da execução do contrato de contra garantia firmado com o Tomador, sem que isso afete o objeto do contrato que é a obrigação de pagamento da indenização ao segurado no caso de sinistro. A apólice não poderá ser cancelada por tal motivo. Cumpre a seguradora, neste caso, cobrar o valor do respectivo prêmio diretamente do tomador, sem qualquer prejuízo ao segurado.
Nestes casos a apólice continua vigente e caberá a Seguradora, tão somente, executar o prêmio que lhe é devido diretamente em face do Tomador, sem que isto implique qualquer alteração ou cancelamento da garantia devida ao Segurado.
Logo, é visível que há um risco de dano irreparável que incorrerá caso haja o prosseguimento da ação executiva, como no art. 1.012 § 1º, quando a sentença julgar improcedente os embargos à execução, pois haverá a liquidação da garantia em qualquer hipótese.
Desse modo, a importância da concessão de efeito suspensivo na Apelação pelo relator, conforme garantida pelo art. 299 do CPC/2015, o qual estabelece a competência para outorgar tutela jurisdicional satisfativa ou cautelar em seara recursal ao tribunal competente para examinar o mérito do recurso.
No mesmo sentido, pelo art. 932 inciso II, o relator também deverá apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal; tutela essa que pode ser concedida em qualquer tempo e grau de jurisdição.
Trata-se de uma concessão de natureza típica de tutela de urgência, pois há a demonstração do risco de que, se for passível de cumprimento desde sua publicação, a sentença poderá gerar dano irreparável ou de difícil reparação.
Resta claro que é possível a concessão do efeito suspensivo, como tutela provisória antecipada no âmbito recursal, para impedir que haja os efeitos imediatos na execução provisória da garantia em fiança ou em seguro garantia.
Assim, a empresa deve fazer pedido expresso de concessão do efeito suspensivo junto ao Tribunal, em petição autônoma, pois há de risco de dano gravo de difícil reparação, quando a execução da garantia do seguro-garantia, nos termos do § 4º do art. 1.012 do CPC/2015.
Portanto, há a possibilidade de concessão de efeito suspensivo na Apelação interposta quando de sentença improcedência de embargos, quando está for garantida por seguro-garantia ou fiança, por expresso risco de perigo de dano pela execução desse seguro-garantia.
4 PREVISÃO DO ART. 32 DA LEF
Outra possibilidade para evitar a execução provisória da ação executiva garantida por seguro-garantia é observar o art. 32 de LEF, que especificamente trata do depósito, mas pode ser estendido ao seguro-garantia.
O depósito de que cuida o art. 32 § 2º é o meio legal para garantia da execução, sob a modalidade de caução, sem formalidades acessórias, ou que prolonguem o curso dos Embargos. Não é depósito liberatório, a título de pagamento, mas para conferir condição de admissibilidade da defesa dentro do prazo legal.[41]
O depósito em dinheiro tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito, nos temos do art. 151, inciso II, do CTN.[42]
O efeito suspensivo do recurso de apelação contra a sentença que julga os embargos só se manifesta efetivamente quando há dinheiro depositado para a segurança do juízo da execução.[43]
Isso decorre da regra especial do art. 32 § 2º da LEF, que cria um regime específico para o executivo fiscal, visto que somente permite à Fazenda Pública levantar as importâncias depositadas judicialmente “após o trânsito em julgado”.
Humberto Theodor Junior indica que a explicação desse rigorismo se deve à dificuldade que o devedor terá de enfrentar para reaver as importâncias embolsadas pela Fazenda Pública, caso saia vitorioso em seu recurso.[44] Daí decorreria a cautela legal de apenas permitir o levantamento de todos os depósitos judiciais verificados na execução fiscal depois de consolidada a sentença pelo trânsito em julgado.
Para corroborar a impossibilidade de executar o título extrajudicial quando ainda pendente o julgamento da apelação sem efeito suspensivo, Humberto Teodoro Júnior destaca que o art. 32 § 2º da Lei n. 6.830/80 condiciona à coisa julgada a entrega à Fazenda Pública do dinheiro depositado judicialmente para segurança do juízo.[45]
No caso de garantia da execução fiscal por meio de fiança bancária ou seguro garantia, o regime de satisfação da Fazenda exequente é o mesmo do art. 32 § 2º da LEF. Isto é, somente após o trânsito em julgado, poderá a credora obter o levantamento do valor que o banco fiador houver depositado em juízo, para cumprir a garantia judicial prestada.
Portanto, pelo entendimento de Humberto Theodoro Júnior deve haver a aplicação do art. 32 da LEF para o seguro garantia e a fiança, para quem a execução provisória está condicionada ao trânsito em julgado do processo.
CONCLUSÃO
O efeito suspensivo dos recursos, que impede a produção imediata dos efeitos da decisão, não é verificável automaticamente no recurso de apelação em face de sentença de improcedência dos embargos à execução fiscal, de modo que é possível a produção antecipada dos efeitos da sentença, ou seja, a execução provisória da sentença.
Essa é a própria regra geral do CPC/2015, ou seja, é a eficácia imediata das decisões judiciais, não possuindo efeito suspensivo automático, salvo previsão legal em contrário, como na Apelação.
Apesar disso, a própria legislação processual civil prevê hipóteses em que é possível a atribuição de efeito suspensivo à Apelação, tendo como requisitos: a probabilidade do direito e o risco de dano ou de difícil reparação quando há execução provisória.
Os requisitos para a tutela provisória no âmbito recursal na Apelação, são alternativos: probabilidade do direito ou perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Para impedir a execução provisória da ação executiva do seguro-garantia, demonstra-se que o haverá o perigo de dano ao processo, pois essa garantia é plenamente líquida, conforme a legislação civil de regência, notadamente a Circular SUSEP n. 447/2013.
Isso porque, uma vez quitado o débito, a Seguradora se subroga nos direitos do credor, podendo cobrar do devedor-segurado, em ação civil regressiva, o valor relativo ao pagamento do prémio, acrescido de prémio, juros e acréscimos contratuais.
Paralelamente, pode ser o recurso de apelação provido e anulado o crédito tributário, o que evidencia o prejuízo ao executado, o qual pode valer-se da tutela provisória recursal com o fim de atribuir, ope iudicis, efeito suspensivo à apelação interposta contra sentença que negou provimento a embargos à execução fiscal, nos termos do § 4º do art. 1.012 do CPC/2015.
Dessa forma, o provimento judicial suspensivo determinará que essa garantia somente seja executada após o trânsito em julgado, em analogia ao art. 32 § 4º da LEF, que limita o levantamento da garantia em depósito após esse trânsito em julgado, o que é possível em razão da equiparação jurídica do seguro-garantia ao depósito.
Portanto, a possibilidade legal de execução provisória do seguro-garantia deve ceder lugar à observância ao trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal a partir da interpretação conjugada dos dispositivos processuais que asseguram a tutela provisória recursal com o regime jurídico especial do processo executivo fiscal.
Informações Sobre o Autor
Igor Fernando Cabral dos Santos
Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Advogado