O objetivo deste estudo é o de verificar se os créditos da COFINS calculados na forma do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, podem ou não ser deduzidos do lucro líquido da pessoa jurídica para os fins de apuração do IRPJ e da CSLL, em face do que dispõe o § 10 do art. 3º dessa lei:
“§ 10 – O valor dos créditos apurados de acordo com este artigo não constitui receita bruta da pessoa jurídica, servindo somente para dedução do valor devido da contribuição”.
Para a perfeita compreensão deste dispositivo, necessário se faz tecer breves considerações acerca da base de cálculo da COFINS, segundo a Lei nº 10.833/2003, que introduziu o regime não-cumulativo.
A base de cálculo da COFINS não-cumulativa é o valor do faturamento, assim entendido o total da receita bruta, conforme se depreende da leitura conjugada do caput do art. 1º e do seu § 2º. Sobre essa base de cálculo aplica-se a alíquota de 7,6%, conforme prescreve o art. 2º, com as exceções previstas em seus § 1º a 5º, que prevêem alíquotas diversas, inclusive, alíquota zero.
Sobre o valor da contribuição assim apurado descontam-se os créditos calculados na forma do art. 3º e relacionados em seus incisos I a IX.
A forma de apuração desses créditos está prevista no § 1º desse art. 3º.
Verifica-se que todos esses dispositivos, que cuidam das exclusões da base de cálculo, das exceções ao regime de tributação não-cumulativa e da dedução de créditos são prolixos e casuísticos, atentando contra o princípio da transparência tributária. Tamanha a dose de discricionariedade para não dizer arbitrariedade utilizada pelo legislador palaciano, ao depois, encampada pelo Legislativo, que chega a atentar contra o princípio da igualdade tributária, pois, nem sempre as distinções feitas encontram respaldo em pressupostos fáticos diferentes.
Feitas essas considerações preliminares, já podemos interpretar o § 10 do art. 3º da Lei nº 10.333/03 dentro do sistema jurídico como um todo, afastando a sua interpretação literal. Qual o correto tratamento contábil e fiscal a ser conferido ao valor que pode ser utilizado como crédito sobre os insumos, mercadorias, bens e serviços adquiridos?
Sobre o assunto, duas correntes se firmaram.
Para uma corrente, esse valor do crédito seria uma espécie de subvenção para investimento, devendo ser registrado em conta de Reserva de Subvenção, no Patrimônio Líquido, hipótese em que se veria livre do IRPJ e da CSLL.
Outra corrente, sustenta que tais valores estariam excluídos de tributação do IRPJ e da CSLL, por expressa determinação do art. 3º § 10 da Lei 10.833/03.
A primeira tese funda-se na natureza de incentivo fiscal, posto que, na exposição de motivos da MP, que instituiu a não-cumulatividade refere-se à estimulação da eficiência econômica.
Trata-se de uma interpretação bastante forçada, mesmo porque a legislação tributária e a legislação societária só admitem o registro em Reserva de Subvenções quando eles estiverem vinculados a um investimento.
No nosso entender, o § 10 do art. 3º citado permite o entendimento de que os valores de créditos da COFINS não devem ser tributados pelo IRPJ e CSLL qualquer que seja o tratamento contábil que lhes tenha sido dispensado.
Entretanto, várias consultas formuladas junto à Receita foram respondidas em sentido contrário, entendendo que o citado § 10 tem eficácia limitada ao campo das contribuições sociais.
Há até a edição de Solução de Divergência nº 9, de 4-1-2007 no sentido da vedação da exclusão desses créditos do lucro líquido, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.
Porém, na forma do § 11 do art. 48 da Lei nº 9.430/96 a Solução de Divergência não tem efeito em relação à parte interessada.
No nosso modo de ver, a interpretação restritiva do citado § 10 não tem guarida no sistema jurídico vigente.
O texto legal prescreve, com solar clareza, que o valor dos créditos apurados de acordo com o art. 3º da Lei nº 10.833/03 “não constitui receita bruta de pessoa jurídica”.
Não estabeleceu qualquer restrição ou exceção à regra de que não constitui receita bruta de pessoa jurídica, pelo que, não há como pretender circunscrever essa regra geral ao âmbito da contribuição social.
Sendo a receita, elemento que integra a base de cálculo do IRPJ, seu conceito foi afetado pela disposição do § 10 do art. 3º retro citado. Somente uma legislação específica do IRPJ superveniente à Lei nº 10.833/03 teria o condão de restabelecer o conceito de receita sem a dedução do valor utilizado como crédito sobre os insumos, mercadorias, bens e serviços adquiridos pela pessoa jurídica.
O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal para as hipóteses de suspensão e exclusão do crédito tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações acessórias, não tem aplicação ao caso sob exame.
Realmente, não se trata de suspensão do crédito tributário, cujas hipóteses estão elencadas no art. 151 do CTN; não se trata de exclusão, cujas hipóteses estão previstas no art. 175; finalmente, não se cuida de outorga de isenção, nem de dispensa de obrigação tributária acessória.
Devido ao posicionamento contrário do Fisco, na maioria esmagadora das consultas feitas pelos contribuintes, essa matéria só poderá ser dirimida em definitivo pelo Judiciário.
Registre-se, por oportuno, que o § 10, do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, que implantou o PIS não-cumulativo e que continha idêntica redação do § 10, do art. 3º da Lei nº 10.833/03 sob comento, foi revogado pelo art. 16 da Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004, se sorte que seus créditos não podem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
SP, 16-06-08.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.