Resumo: O presente artigo busca sedimentar, junto à comunidade jurídica, alguns conceitos sobre o Direito Militar, ramo especializado da Ciência Jurídica, possuidora do primeiro Tribunal Superior instalado no País e, assim, considerada como a mais antiga Justiça brasileira. Procuramos trazer a lume conceitos doutrinários e jurisprudenciais sobre Direito Penal Militar e crime militar, apresentando critérios de interpretação práticos para a correta análise e subsunção do fato concreto à norma posta.
Sumário: 1. Breves considerações sobre o direito militar. 2. Crime militar. 3. Configuração do crime militar. 4. Hipóteses do artigo 9º do CPM e precedentes jurisprudenciais. 5. Casos especiais: 5.1. O Advogado Militar. 5.2. O Parlamentar Militar. 5.3. Serviço Auxiliar Voluntário 6. Considerações finais. Referências bibliográficas
1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO MILITAR
O Direito Militar é um ilustre desconhecido da maioria dos doutrinadores e operadores da Ciência Jurídica. Como se sabe, poucas são as Instituições de Ensino Superior que possuem em sua grade curricular a referida disciplina e, mesmo assim, em muitas delas, apenas e tão somente como disciplina optativa. Esse esquecimento vem relegando, propositadamente, a segundo plano, o engrandecimento desse ramo especializado do Direito, chegando ao ponto da completa discrepância entre muitos de seus preceitos com aqueles estabelecidos pelo Direito Penal e Processual Penal Comum, uma vez que estes têm sido, continuamente, objeto de reforma de seus institutos e procedimentos, ao passo que o Direito Militar é proscrito deliberadamente dessa necessária atualização.
Apenas para citar, en passent, uma vez que pretendo escrever detalhadamente sobre este tema (“Fábula dos Proscritos”), cumpre indicar que o Código de Processo Penal Comum foi seguidamente alterado por 46 (quarenta e seis) diplomas normativos desde a sua promulgação, ao passo que o Código de Processo Penal Militar (CPPM), codex mais recente que aquele (1941 x 1969), foi atualizado em apenas 05 (cinco) oportunidades (Leis nº 6.544/78, 7.040/82, 8.457/92, 8.236/96 e 9.299/96). Essa apatia legiferante tem causado sérios e significativos prejuízos à prestação jurisdicional e aos direitos dos jurisdicionados, causando, não muitas vezes, a prescrição dos delitos pela demora na definitividade dos julgados.
Nem se diga que o Código Penal Militar (CPM) tenha escapado imune a essa situação. Pelo contrário, sofreu apenas alterações pontuais pelas Leis nº 6.544/78, 9.299/96 e 9.764/98, que passam ao largo das intensas modificações que vem sofrendo o Código Penal Comum, o qual, além da Reforma Penal de 1984, tem sofrido contínuas mudanças ao longo dos anos, principalmente em face da edição do Estatuto do Idoso e da Lei Maria da Penha.
Apenas para debruçarmos em algumas das discrepâncias existentes entre a legislação penal comum e a militar, basta apontarmos a omissão do legislador em alçar à condição de crimes hediondos os delitos elencados pela Lei nº 8.072/90, que também possuam igual previsão no CPM, assim como a brutal diferença da sanção penal prevista para os delitos de porte e tráfico de drogas na Lei de Droga (Lei nº 11.343/06), respectivamente, penas restritivas de direito (advertência, prestação de serviços e comparecimento a programa/curso educativo) e pena privativa de liberdade (reclusão de 05 a 15 anos), em contraponto ao preceito sancionador do artigo 290 do CPM (tipo alternativo que engloba o porte e o tráfico), que prevê a imposição de reclusão de 01 a 05 anos.
Sobre o assunto, colha-se a magistral lição do doutrinador Fernando Antonio Nogueira Galvão da Rocha, eminente Juiz do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais:
“Pode-se constatar, lamentavelmente, que ao longo dos últimos anos as políticas públicas implementadas para o melhor enfrentamento da criminalidade têm centrado atenções na Justiça comum e esquecido os conflitos sociais que envolvem os militares. Diversas foram as alterações introduzidas no Código Penal comum e no Código de Processo Penal comum que visaram qualificar a intervenção punitiva, bem como obter maior efetividade na relação processual penal. Tais intervenções político-criminais, formalmente, não atingiram a Justiça Militar”[1].
Volvemos nossos olhos, entretanto, para o tema em deslinde. O direito penal e processual brasileiro pode ser dividido, doutrinariamente, em comum e especial, situando-se o Direito Penal Militar como direito penal especial, uma vez que se destina, precipuamente, a preservar as finalidades essenciais das Instituições Militares (Federais e Estaduais).
Assevera o jurista Elias da Silva Correa que:
“Em que pese a proteção dos bens jurídicos essenciais ao convívio social, como a vida, a liberdade, o patrimônio, o Direito Penal Militar tem implícito, sempre, a tutela de um bem jurídico especial, que é a regularidade das Instituições Militares, no que concerne a hierarquia e disciplina, cuja quebra acarretaria sua desestabilização e a desregularidade de suas missões constitucionais peculiares”[2].
Segundo o mestre Romeiro (1994, p. 01), pode-se afirmar que o Direito Penal Militar “consiste no conjunto de normas que definem os crimes contra a ordem jurídica militar, cominando-lhes penas, impondo medidas de segurança e estabelecendo as causas condicionantes, excludentes e modificativas da punibilidade”.
Para Pietro Vico, “a lei penal militar […] mira diretamente a incriminação de ofensas a especiais deveres, e tem em consideração a qualidade da pessoa enquanto ela se torna culpada da violação de tais deveres; nem se afasta do direito comum, senão somente quando as disposições deste são incompatíveis com a índole dos crimes militares” [3]. Aduz o preclaro jurista que, “assim, a lei penal militar, embora formando o direito próprio e particular dos militares, é sempre, por outro lado, uma lei especial em confronto com a lei penal geral”.
Ainda sobre sua definição, podemos divisar ainda a seguinte definição:
“O Direito Militar é um ramo do direito que desperta o interesse das pessoas em razao de cuidar de uma categoria de funcionarios publicos que sao considerados como funcionarios especiais, com direitos e prerrogativas que na sua maioria nao sao assegurados aos funcionarios civis. Se possuem direitos especiais, os militares também possuem obrigaçoes especiais, como por exemplo o sacrificio da propria vida no cumprimento da missao. Em razao destas particularidades, o legislador constituinte originario assegurou aos militares o direito de serem processados e julgados perante uma Justiça Especializada, que é a Justiça Militar da Uniao ou a Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal”[4].
2. CRIME MILITAR
Ainda que se trate de um dos ramos mais antigos do Direito, remontando seu surgimento, no Brasil, à época do Príncipe Regente, que por Alvará de 1º de abril de 1808 criou o Conselho Supremo Militar de Justiça, não se delimitou, ainda, o conceito sobre crime militar. A legislação, seja na Carta Constitucional (art. 5º, LXI, 124 e 125, § 4º) ou nos diplomas castrenses (CPPM e CPM) não o define, não sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência os critérios para sua classificação.
Bem por isso, o saudoso mestre Mirabete já afirmava que “árdua por vezes é a tarefa de distinguir se o crime se o fato é crime comum ou militar, principalmente nos casos de ilícitos praticados por policiais militares” [5].
Para o Ministro Orozimbo Nonato, “o conceito de delito militar foi sempre considerado, nos domínios da doutrina, como dos mais tormentosos. ‘Doctores certant’ e deles, alguns, desenganados de qualquer critério científico, apegam-se sobretudo ao simples critério legal. Não, porém, sem relutâncias e dúvidas. O critério legal quando moderado e sem quebra de princípios essenciais, é o que vem norteando a jurisprudência” [6].
Nessa mesma linha de raciocínio, aduzia ainda que “essas dificuldades são tão importantes que muitos juristas, desenganados do critério doutrinário, seguem o critério objetivo da lei. Crime militar é o definido na lei como militar”. Igual entendimento é seguido por Jorge Alberto Romeiro (1994).
Essa assertiva encontra correlação lógica quando contraposta aos preceitos contidos no inciso LXI do artigo 5º (“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”), artigo 124 (“Á Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”) e § 4º do artigo 125 (“Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei…”).
Segundo Esmeraldino Bandeira, “em nossa legislação cinco são os critérios para a qualificação do crime militar: ratione materiae, ratione personae, ratione loci, ratione temporis e ratione legis” [7].
Comentando as disposições do artigo 9º do CPM, aduz Álvaro Mayrink da Costa que “o legislador […] adotou o critério ‘ratione legis’, isto é, crime militar é o que a lei obviamente considera como tal. Não define, enumera. Não quer dizer que não haja cogitado dos critérios doutrinários ‘ratione materiae’, ‘loci’, ‘personae’ ou ‘ratione numeris’. Apenas não são expressos, pois o estudo do art. 9º revela que, na realidade, estão todos ali presentes” [8].
Comungamos da mesma opinião, ou seja, de que os crimes militares são aqueles definidos em lei, adotando-se, portanto, o critério ratione legis, conforme se depreende da leitura do inciso LXI do artigo 5º, artigo 124 e § 4º do artigo 125, todos da Carta Magna.
Da análise dos dispositivos constitucionais acima citados depreende-se, ipso facto, a existência de crimes propriamente militares e, em contraposição, de crimes impropriamente militares. Destarte, crimes propriamente militares são aqueles cuja ação penal somente pode ser intentada contra militares, tendo em vista a sua situação funcional, ou seja, exige uma qualidade pessoal do agente, abarcando os crimes que não possuam igual definição na lei penal comum, tais como a Deserção, a Embriaguez em Serviço e a Violência contra Superior. Esse também o entendimento de Jorge Alberto Romeiro.
O critério acima utilizado se deve, principalmente, em virtude da existência de delitos militares que não possuem igual definição na lei penal comum e que são cometidos por civis, mormente os capitulados no Capítulo I do Título III (Dos Crimes contra o Serviço Militar e o Dever Militar), daí não se poder afirmar que crimes propriamente militares são todos aqueles que não possuam igual definição na legislação comum, como alguns conceituam, uma vez que os delitos acima mencionados não encontram definição no Código Penal e são cometidos por civis, tratando-se, por óbvio, de crimes impropriamente militares.
Célio Lobão leciona que “o grupo específico dos crimes propriamente militares é constituído por infrações que prejudicam os alicerces básicos e específicos da ordem e disciplina militar, que esquecem e apagam, com o seu implemento um conjunto de obrigações e deveres específicos do militar, que só como tal pode infringir” [9].
Pontua Ramagem Badaró que “os crimes propriamente militares dizem respeito à vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do sujeito do delito, na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do objeto da ofensa penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia militar” [10].
Os crimes impropriamente militares, ou acidentalmente militares, por sua vez, podem ser cometidos pelos militares e, em situações excepcionais, também por civis, abrangendo os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na legislação penal comum.
Nos dizeres de Jorge Alberto Romeiro (1994, p. 68):
“crimes impropriamente militares são os que, comuns em sua natureza, podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que, quando praticados por militar em certas condições, a lei considera militares, como os crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio, os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, entre outros. São também impropriamente militares os crimes praticados por civis, que a lei define como militares, como o de violência contra sentinela” (CPM, art. 158) [11].
Porém, não basta que ocorra a subsunção do fato à norma típica, uma vez que os crimes militares apresentam tipicidade indireta, ou seja, há necessidade de se complementar as normas da parte especial com algumas das situações elencadas nos artigos 9º (em tempo de paz) ou 10 (em tempo de guerra) do CPM. Nesse contexto, diante do caso concreto, deve-se primeiro verificar se o fato encontra subsunção em algum dos delitos previstos no Livro I (Crimes militares em tempo de paz) ou no Livro II (Crimes militares em tempo de guerra) para, em seqüência, apontar se as circunstâncias que envolvem o delito amoldam-se aos critérios previstos nos incisos I, II e III do artigo 9º e 10.
3. CONFIGURAÇÃO DO CRIME MILITAR
Na análise do caso concreto, não basta ao operador do Direito, diante da citada tipificidade indireta do crime militar, apenas e tão somente se deter diante da subsunção do fato delituoso a algum tipo penal descrito na Parte Especial e em alguma das hipóteses do artigo 9º ou 10 do CPM. Isto se deve ao fato, precipuamente, de que o crime militar não se limita aos atos praticados por militares da ativa, mas também se inserem nas condutas praticadas por militares inativos (reserva e reformado) e civis.
Assevera Moraes (2003, p. 40) que “não se pode confundir a figura do crime militar com os crimes praticados pelos militares. O militar, estando de serviço ou de folga, pode praticar crimes definidos no CPM, bem como crimes previstos em outras normas penais. Por outro lado, o CPM prevê diversas figuras típicas que podem ser praticadas por civis”.
Como se sabe, prescreve a Carta Magna que “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (artigo 124). Vê-se, portanto, que a Justiça Militar Federal tem sua competência delimitada ratione materiae, ou seja, incumbe-lhe, sem exceções, julgar os delitos castrenses definidos em lei, sejam estes praticados por militares da ativa, da reserva, reformados ou por civis, apontando-se, em relação aos inativos e aos civis, que, nos exatos termos do inciso III do artigo 9º, sua conduta deve ter por finalidade ofender as Instituições Militares.
A Justiça Militar Estadual, por sua vez, não possui competência tão abrangente quanto a sua congênere. De acordo com o § 4º do artigo 125 da CF/88, compete-lhe processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei. Nota-se, assim, que sua competência é ratione materiae e ratione personae, ou seja, sua área de atuação é mais restrita que a Justiça Militar Federal, uma vez que se lhe atribui competência para julgar, apenas, os crimes militares praticados pelos militares estaduais, os quais, por força do artigo 42, abrangem os membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares.
A interpretação das regras constitucionais e infraconstitucionais é de suma importância para a formação da convicção jurídica quanto à configuração ou não do crime militar. Bem por isso, o ilustre doutrinador Cícero Robson Coimbra Neves apresenta uma ferramenta imprescindível para tal mister:
“a identificação do delito militar se materializa por uma tríplice operação, sendo importante responder a três indagações e, somente com resposta afirmativa a todas elas, teremos um crime militar nas mãos. Primeiramente, para que o fato seja crime militar é preciso que esteja tipificado na Parte Especial do Código Penal Castrense. Vencida essa pergunta, passa-se à análise da Parte Geral, verificando se o art. 9º, por seus incisos, subsume o fato, o adjetivando como crime militar. Finalmente, busca-se verificar se o sujeito ativo pode cometer o delito militar na esfera em que se aplica o CPM, questão que excluirá o crime praticado por adolescente, malgrado a previsão do art. 50 e 51 do referido Codex, e, somente no âmbito estadual, o delito praticado por civis”[12].
Noz dizeres do autor, portanto, poderíamos assim sintetizar a caracterização do crime militar, respondendo afirmativamente às três assertivas abaixo:
1º) o fato está previsto na parte especial do CPM?
2º) a conduta se amolda às circunstâncias previstas em algum dos incisos do artigo 9º?
3º) a Justiça Militar é competente para julgar o sujeito ativo do crime?
4. HIPÓTESES DO ARTIGO 9º DO CPM E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
Nesse ponto é que surgem as maiores controvérsias a respeito do que venha a ser considerado crime militar. Dividem-se as opiniões doutrinárias e jurisprudenciais, ora decidindo conforme a norma posta, ora restringindo o alcance de seu conteúdo. Colhe-se de pesquisa jurisprudencial nos Tribunais Superiores os seguintes enunciados:
Supremo Tribunal Federal (STF)
Súmula 298: “O legislador ordinário só pode sujeitar civis à Justiça Militar, em tempo de paz, nos crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares”.
Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Súmula 06: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura da Polícia Militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade”.
Súmula 53: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra as instituições militares estaduais”.
Súmula 75: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de Estabelecimento Penal”.
Súmula 78: “Compete à Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o crime tenha sido praticado em outra unidade federativa”.
Súmula 90: “Compete à Justiça Militar processar e julgar o policial militar pela prática de crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele”.
Súmula 172: “Compete a Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”.
Segundo Moraes (2003, p. 40), “por estabelecer critérios para a caracterização dos crimes militares em tempo de paz, o artigo 9º merece uma detalhada análise, face à sua irrestrita importância prática”. Indica o jurista, ainda, que a confusa redação de seus incisos exige “um esforço de interpretação para que haja coerência e harmonização de critérios entre os três incisos de tal artigo, particularmente no que se refere à definição dos sujeitos ativos de tais delitos” (p. 42).
Vejamos, detalhadamente, as disposições do referido artigo:
Art. 9º – Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
“I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial”;
O comando normativo trata dos delitos que sejam previstos na lei penal comum, de forma diversa, a exemplo do crime de desobediência [13], e daqueles que nela não sejam previstos, ou seja, cujos tipos penais pertençam exclusivamente à Parte Especial do CPM.
Essa exclusividade decorre, precipuamente, da necessidade de coibir condutas que venham a colocar em risco o regular desenvolvimento dos serviços prestados pelas Instituições Militares, que podem ser seriamente afetadas com a eclosão dessas condutas. Basta, para exemplificar tal fato, a rememoração de episódios relacionados com recentes levantes de militares estaduais e federais.
Incide, basicamente, o critério ratione materiae. Entretanto, em que pese o dispositivo não especificar o sujeito ativo ou passivo (“qualquer que seja o agente”), deve o operador do Direito observar a possibilidade do agente figurar como sujeito ativo do delito (i.e., no delito de Abandono de Posto, apenas o militar da ativa pode ser autor do fato), a competência da Justiça Militar (vide Súmula 53 do STJ) e se a conduta, no caso de civil, teve por intenção atingir, de qualquer modo, a Instituição Militar, de forma menosprezar, ofender ou desmoralizar o militar ou a função que este esteja desempenhando. Assim preconiza o Excelso Pretório (Súmula 298).
Alguns autores, a exemplo de Alexandre Henrique da Costa [14], aduzem que os crimes propriamente militares a que se refere o inciso LXI do artigo 5º da CF/88 estariam elencados na 2ª parte do presente inciso, ao se indicar se tratar de crimes militares aqueles que não sejam previstos na lei penal comum. Sob esse título poderíamos enumerar os delitos de Deserção, Violência contra Superior, Recusa de Obediência, etc.
Questão sempre suscitada, quanto à essa definição, surge quando se observam alguns delitos que, não previstos na lei penal comum, podem ter civis como sujeitos ativos, a exemplo dos delitos de Violência contra militar em serviço (art. 158) [15] e de Insubmissão (art. 183) [16]. Nessas circunstâncias seria inviável se afirmar que estes delitos se tratem de crimes propriamente militares.
Para o jurista Cícero Robson Coimbra Neves a melhor definição de crime propriamente militar seria aquela proveniente da Teoria Clássica, por meio da qual apenas os crimes praticáveis por militares incorporados, em razão da condição de ser militar, poderiam pertencer a esta classe de delitos. Nesta definição, portanto, estariam afastados os delitos que se subsumissem, por exemplo, na alínea “d” do inciso III do artigo 9º do CPM, tal como nas hipóteses dos artigos 158 e 166. Essa conceituação se aproxima da adotada por Jorge Alberto Romeiro, a qual também nos filiamos.
Convém ressaltar, igualmente, a doutrina de Patrícia Silva Gadelha que, com apoio no magistério de Cláudio Amim Miguel e Ione de Souza Cruz [17], aponta a existência de crimes propriamente militares, tipicamente militares e impropriamente militares. Nessa linha doutrinária os crimes propriamente militares seriam aqueles que possuem apenas o militar como sujeito ativo; os crimes tipicamente militares seriam aqueles que, tal como a Insubmissão, não possuem igual previsão na lei penal comum e que tenham civis como sujeito ativo. A título de exemplo, a Deserção, por essa corrente, seria um crime propriamente e tipicamente militar, visto que só o militar pode ser sujeito ativo e não há delito com igual definição na lei penal comum.
Entendimento jurisprudencial
EMENTA – Apelação nº 2002.01.006968-8 – Superior Tribunal Militar (STM) Constata-se como típica do Art. 158, “caput”, do CPM, a conduta de elemento, como a do civil imputado, que investe e toma, de forma abrupta, o armamento portado por Sentinela de Unidade Castrense. Violação patente de autoridade militar. Ação penal que cabe, “in concreto”, de se ver promovida. Recurso ministerial provido, dando-se por recebida a denúncia no grau “ad quem”, com determinação de baixa dos autos ao Juízo de origem para se prosseguir com o vertente feito. Decisão majoritária.
EMENTA – Apelação nº 4.952/00 – Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (TJMSP)
Comete o delito de desrespeito ao superior o policial militar que a ele dá as costas proferindo palavras de ofensa ao mesmo.
Ementa – Apelação nº 1997.01.047957-2 – STM. Insubmissão (CPM, ART. 183). O acusado tinha plena ciência da data fixada para comparecer a OM e, não obstante, decidiu apresentar-se quando de sua conveniência. O reconhecimento da exculpante do estado de necessidade requer prova convincente dos requisitos contidos na definição legal do art. 39 do CPM, tornando-se inviável, quando não apresentada, como na hipótese destes autos. Apelo provido para, reformando a sentença recorrida, condenar o ora apelado. Decisão unânime.
II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
O dispositivo em comento elenca os delitos impropriamente militares, ou seja, tipos penais que possuem idêntica definição na legislação penal militar e na legislação penal comum. A ocorrência do crime militar, entretanto, somente incidirá em situações especificadas, seja em razão da pessoa (ratione personae – sujeito ativo/passivo militar), em razão do serviço (ratione labore), em razão do local (ratione loci) e em razão da matéria (ratione materiae – ordem ou patrimônio militar).
Alínea “a”: militar em situação de atividade ou assemelhado contra militar na mesma situação;
A interpretação com relação ao alcance da presente norma não é pacífica, apesar de, gramaticalmente, apresentar clareza insofismável. Por muito tempo objetou-se a existência de delito entre militares estaduais e federais, fora das demais hipóteses do artigo 9º, sob o pretexto de que o artigo 22 do CPM estabelecer que militares são apenas aqueles incorporados às Forças Armadas para nelas servir em postos ou graduações. Tal questão, a meu ver, restou definitivamente superada a partir da edição da EC/98 que, alterando o artigo 42 da CF/88, estabeleceu duas categorias de militares: federais (FFAA) e estaduais (PM e BM).
Por militar em situação de atividade deve ser entendido aquele que se encontra na ativa, ou seja, que não se encontra na inatividade (reserva ou reformado), pouco importando a situação do agente no momento do crime (em serviço, de folga ou licenciado), o movel do crime ou o local do delito (sujeito ou não à administração militar). O critério aqui é apenas o ratione personae, ou seja, leva-se em consideração a qualidade pessoal do sujeito ativo e passivo. Frise-se, igualmente, que para fins de aplicação da lei castrense o militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, se equipara ao militar em situação de atividade (artigo 13 do CPM).
Tal interpretação não exige muito esforço, uma vez que se fosse desejo do legislador indicar que “atividade” indicasse a necessidade de ocorrer em serviço ou local sujeito à administração militar este não acrescentaria as alíneas “b” e “c”, bastando, tão somente, que se acrescentasse o militar em situação de atividade àqueles dispositivos. Mais ainda, ao se buscar interpretação do que venha a ser a dita situação de atividade, nota-se que o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80), em seu artigo 6º, estabelece que:
“São equivalentes as expressões “na ativa”, “da ativa”, “em serviço ativo”, “em serviço na ativa”, “em serviço”, “em atividade” ou “em atividade militar”, conferidas aos militares no desempenho de cargo, comissão, encargo, incumbência ou missão, serviço ou atividade militar ou considerada de natureza militar nas organizações militares das Forças Armadas, bem como na Presidência da República, na Vice-Presidência da República, no Ministério da Defesa e nos demais órgãos quando previsto em lei, ou quando incorporados às Forças Armadas”.
No âmbito dos Tribunais de Justiça Militar, STM e STJ (CC 62.095/RJ, CC 85.607/SP e HC 92.477/RS) e essa situação já se encontra definitivamente pacificada. Porém, no âmbito do STF, há alternância de julgados, ora se admitindo o critério ratione personae (RE 122706-1/RJ, HC 80249-4/PE, RHC 80122-6/SP e CC 7071-1/RJ) e ora os critérios ratione personae e labore para a configuração do crime militar (CC 7051-0/SP, HC 83003-0/RS, RHC 88122-0/MG).
Acrescente-se, em relação ao STM, o surgimento de corrente jurisprudencial indicando a possibilidade de cometimento de crimes militares entre os integrantes das Forças Armadas e os militares estaduais (Recurso Criminal nº 2005.01.07284-0, HC nº 2005.01.034096-3 e Correição Parcial nº 2007.01.001965-3). A adoção desse princípio, entretanto, no âmbito da Justiça Militar Estadual, somente irá se verificar nos delitos em que o sujeito ativo for militar estadual, uma vez que, em sentido contrário, falece competência para o julgamento de militares federais.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – CC 7071/RJ – STF. Direito Constitucional, Penal e Processual Penal Militar. Jurisdição. Competência. Crime militar. 1. Considera-se crime militar o doloso contra a vida, praticado por militar em situação de atividade, contra militar, na mesma situação, ainda que fora do recinto da administração militar, mesmo por razões estranhas ao serviço. 2. Por isso mesmo, compete à Justiça Militar – e não à Comum – o respectivo processo e julgamento. 3. Interpretação do art. 9°, II, “a”, do Código Penal Militar. 4. Conflito conhecido pelo S.T.F., já que envolve Tribunais Superiores (o Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal Militar) (art. 102, I, “o”, da C.F.) e julgado procedente, com a declaração de competência da Justiça Militar, para prosseguir nos demais atos do processo. 5. Precedentes.
Ementa – CC nº 62095/RJ – STJ. Conflito negativo de competência. Constitucional e Penal Militar. Correlação da conduta com tipos previstos no Código Penal Militar. Autores militares e vítima bombeiro militar. Competência da Justiça Militar. Os delitos previstos na denúncia, tipificados nos artigos 129, caput, 147 e 331, do Código Penal, possuem equivalência nos artigos 209, caput, 233 e 299 do Código Penal Militar, como exige o art. 124 da CF/88 para os processos de competência da Justiça Castrense. A qualificação como crime militar encontra guarida na combinação do previsto na alínea ‘a’ do inciso II, do art. 9º, do CPM, que considera crime militar em tempo de paz, aquele que tiver sido, em tese, praticado ‘por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado’, com a definição de bombeiro como militar do art. 42 da CF/88. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Militar da União para processar e julgar o feito.
Ementa – Embargos nº 2003.01.007044-7 – STM. Embargos – Ilícito penal praticado por militar das Forças Armadas contra policial militar estadual. Competência da Justiça Militar da União. Recebimento da denúncia pelo Tribunal. Súmula 709 do STF. Preliminar de não-conhecimento dos presentes embargos, por intempestividade suscitada pela Procuradoria-Geral da Justiça Militar, rejeitada por unanimidade de votos. No mérito, compete à Justiça Militar da União processar e julgar crime praticado por Militar das Forças Armadas, em situação de atividade, contra Militar da Polícia Estadual, na mesma situação, por força da Constituição Federal (artigos 124, c/c artigos 109, inciso IV, 42 e 142) e do CPM (artigo 9º, inciso II, alínea “a”). O Acórdão que dá provimento ao recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento, o que afasta a alegação de supressão de instância. Decisão por maioria.
Alínea “b”: militar em situação de atividade, em local sujeito a Administração Militar, contra militar da reserva/reformado ou civil:
Para configuração do delito, nessa circunstância (ratione loci), torna-se necessário que o crime tenha ocorrido, no todo ou em parte, em local sujeito à administração militar, trate-se de bem próprio, conveniado ou cedido, a título gratuito ou oneroso. Para Jorge Alberto Romeiro, “lugar sujeito à administração militar é o espaço físico em que, necessariamente, as Forças Armadas realizam suas atividades, como quartéis, aeronaves e navios militares ou mercantes em serviço militar, fortalezas, estabelecimentos de ensino militar, campo de prova ou de treinamento, etc, bem como o que, na forma da lei, se encontrar sob administração militar” [18].
A destinação de áreas limítrofes a imóveis, a título de zona de segurança, desde que expressamente indicado o domínio da administração militar, também se inclui como local naquela definição. O TJMSP, na exposição de motivos do Provimento nº 003/05-CG, externou entendimento no sentido de que passam a ser considerados como lugares sujeitos à administração militar as viaturas, trailers e unidades móveis (Recurso em Sentido Estrito nº 974/05, Recurso Inominado nº 030/04, Recurso Inominado nº 035/04, Recurso Inominado nº 036/04 e Recurso Inominado nº 037/04).
Excluem-se dessa conceituação os imóveis fornecidos aos militares federais, para fins de moradia, por força do princípio da inviolabilidade do domicílio. A esse respeito, veja-se decisão do STM nos autos do Recurso Criminal nº 1989.01.005859-7/SP.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – Recurso em Sentido Estrito nº 974/05 – TJMSP. Para o estabelecimento da competência do foro militar, deve ser entendido “lugar da infração” como aquele militarmente ocupado e administrado. A viatura (ônibus) policial é considerada como local sujeito à administração militar, vez que pertencente ao patrimônio da polícia militar e utilizada por militares estaduais no desempenho de suas diversas missões
Ementa – Apelação nº 2005.01.050097-9 – STM. Ato libidinoso. Tentativa. Atentado violento ao pudor. Inocorrência. Beijo na boca. Lascívia. Crime militar. Lugar sujeito à administração militar. Condenação. Oficial militar, dentista, pratica ato libidinoso por tentar aplicar, de forma lascívia, beijo na boca de paciente, em local sujeito à administração militar. Conduta que não se agasalha no tipo descrito no art. 233 do CPM (atentado violento ao pudor) por ausentes as elementares do tipo – violência e grave ameaça. Configurado o delito do art. 235 do CPM, na forma tentada. Sentença absolutória reformada. Apelo ministerial provido. Decisão por maioria.
Ementa – Apelação nº 2006.01.050241-6 – STM. Substância entorpecente. Guarda em lugar sujeito à administração militar. Militar guarda cigarros de maconha em mochila encontrada a bordo de navio da Marinha de Guerra. O simples fato de trazer consigo, em lugar sujeito à administração militar, cigarro, ou parte dele, contendo substância que determine dependência física ou psíquica, como é o caso do tetrahidrocanabinol, tipifica o delito de natureza militar. Configuradas várias das elementares do tipo descrito no art. 290 do CPM. Apelo improvido. Decisão majoritária.
Alínea “c”: militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva/reformado ou civil:
Aqui se incluem as situações em que o militar esteja no efetivo desempenho das atividades relacionadas com o cargo, comissão, encargo, incumbência, missão, serviço ou atividade militar (ou policial militar) ou considerada de natureza militar, assim como no cumprimento de ordens emanadas de autoridade competente, disposições regulamentares ou legislação em vigor.
Acrescenta-se, também, a situação em que o militar, estando de folga ou licenciado, por força de função que lhe é inerente, vem a atuar para fazer cessar eventual prática delitiva que terceiro esteja sofrendo, agindo, assim, em estrito cumprimento de seu dever legal. Assim, não age em razão da função o militar que, por força de contrato tácito ou expresso, presta serviços de segurança particular a terceiros e, nessa condição, venha a intervir em fato delituoso, bem como quando age em repulsa a injusta agressão de que tenha sido vítima ou que presencie, fazendo parte diretamente da ocorrência policial.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – Recurso Inominado nº 65 – Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJMMG). – É competente a Justiça Militar estadual para processar e julgar militares que, mesmo de folga, em trajes civis, mas atuando em razão da função, causam lesões corporais em civil.
Ementa – Apelação nº 2.218 – TJMMG. – Policial militar que, em serviço ou atuando em razão da função, dirigindo viatura a Polícia Militar, vier a cometer delito de trânsito contra terceiro, militar ou civil, o crime será militar, conseqüentemente, seu julgamento, da competência da Justiça Militar (art. 9º, inc. II, “c”, do CPM). – O Código Penal Militar é lei especial, dispondo de proteção da Constituição Federal e, para que haja revogação por outra lei, é necessária a revogação expressa, não se podendo falar em revogação tácita. – Embora a matéria tenha sido sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 06), tem havido conflito de decisões com o Supremo Tribunal Federal, entendendo-se prevalecer as deste, não só por ser a mais alta Corte, mas por ser a questão debatida eminentemente constitucional (art. 125, § 4º, da CF).
Ementa – Exceção de Incompetência nº 14 – TJMMG. – Apesar de estar de férias e em trajes civis, se o policial militar intervém em ocorrência policial, atuando em razão da função, a competência para julgar possível delito é da Justiça Militar (art. 9º, letra “c”, do CPM, com nova redação dada pela Lei 9.299/96).
Ementa – HC 82.142-1/MS – STF. Habeas-corpus. Policial militar. Conduta relacionada com atuação funcional. Crimes também de natureza penal militar. Competência reconhecida. 1. Policial militar. Existência de delitos tipificados ao mesmo tempo no CP e no CPM. Condutas que guardam relação com as funções regulares do servidor. Crime militar impróprio. Competência da Justiça Militar para o julgamento (CF, artigo 124). 2. Departamento de Operações de Fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul. Polícia mista. Mesmo nas hipóteses em que entre as atividades do policial militar estejam aquelas pertinentes ao policiamento civil, os desvios de condutas decorrentes de suas atribuições específicas e associadas à atividade militar, que caracterizem crime, perpetradas contra civil ou a ordem administrativa castrense, constituem-se em crimes militares, ainda que ocorridos fora do lugar sujeito à administração militar (CPM, artigo 9º, II, “c” e “e”). 3. Nesses casos a competência para processar e julgar o agente público é da Justiça Militar. Enunciado da Súmula/STF 297 há muito tempo superado.
4. Crime de formação de quadrilha (CP, artigo 288). Delito que não encontra tipificação correspondente no Código Penal Militar. Competência, nessa parte, da Justiça Comum. Habeas-corpus deferido em parte.
Alínea “d”: Militar durante período de manobras ou exercício, contra militar da reserva/reformado ou civil:
Preleciona Moraes (2003, p. 48) que “neste caso o crime se caracteriza como militar quando o agente, militar da ativa, pratica a conduta delitiva durante instruções coletivas de contingentes militares, ou seja, em manobras e outros tipos de exercícios de tropas”. O legislador poderia ter suprimido essa menção, uma vez que, por ocasião da realização das atividades, o militar estará efetivamente “em serviço”.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – Apelação nº 1984.01.044001-1 – STM. Crimes de violência contra inferior e com condescendência. I – Acusado que durante manobra impõe, imoderadamente, castigo físico a subordinado representante de figuração inimiga, tem a sua conduta, penalmente, reprovável, subsumida na norma penal estatuída no artigo 175 do diploma legal repressivo. II – Inconsistentes as alegativas da defesa. III – Superior hierárquico que presente assiste, passivamente, inerte, as violências praticadas, comete delito de condescendência criminosa. IV – O caso ‘sub examem’ se amolda a negligência a qual se configura pela ausência da diligência necessária capaz de impedir o cometimento. V – Acolhe-se a pretensão reformatória pugnada pelo Órgão Ministerial. VI – Nega-se provimento ao apelo da defesa para manter a decisão recorrida, pelos seus justos fundamentos. VII – Decisão unânime.
Ementa – Apelação nº 1996.01.047745-4 – STM. Lesão corporal culposa. Inadequado manuseio de faca de trincheira. Imprudência. Condenação. Lesão corporal ocorrida durante instrução militar onde ficou Demonstrado que o ora apelado deixou de observar os cuidados e diligências mínimas a que estava obrigado, principalmente ao descumprir orientação no sentido de que durante o exercício o único armamento permitido seria o fuzil 7,62mm, com reforçador para tiro de festim, bem como deveria manter distância do oponente e evitar o contato físico. Provido o apelo do MPM para, reformando a sentença, condenar o apelado a pena de 02 meses de prisão, como incurso no art. 210, c/c o art. 59, tudo do CPM, com o ‘sursis’ pelo prazo de 02 anos. Decisão unânime.
Ementa -Recurso Criminal nº 2008.01.007563-7 –STM. Abandono de posto e furto de uso. I – Designado, o agente, para atividades de instrução no Campo de Gericinó-RJ, onde sua Companhia de Fuzileiros estabeleceu acampamento, o acusado deixou a área no período noturno, vindo a sofrer a lavratura de prisão em flagrante. O exercício de uma subunidade do 57ª Batalhão de Infantaria Motorizado (Regimento-Escola) era conduzido de acordo com a programação para o treinamento de recrutas, previsto em Ordem de Instrução aprovada pelo Comandante da OM. Não obstante tão clara disposição, o ora recorrido havia recebido determinação nesse sentido de superiores, sendo certo que não poderia dali se afastar sem o consentimento hierárquico. II – Mas não foi isso que aconteceu: testemunhas presenciaram quando o militar deixou o perímetro do extenso terreno militar, circunstância que ele próprio admite. Somente retornou já ao início da manhã do dia seguinte. A ausência foi constatada por Oficiais que estiveram na “oficina de instrução” onde deveria pernoitar acompanhado de outros dois militares. III – Tal fato, em tese, constitui abandono do “serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo”, conduta delituosa prevista no artigo 195 do Código Penal Militar. Como bem frisou o ilustre Procurador de Justiça Militar, os autos atendem aos requisitos de obrigatoriedade do processo-crime fixados pelo legislador (artigo 30, alíneas a e b, do Código de Processo Penal Militar). IV – O mesmo não se pode dizer quanto ao segundo delito imputado: a acusação de furto de uso, pelo fato de sair do CIG portando a arma individual que havia recebido por meio de cautela. A atitude, data vênia, não configura crime, eis que havia recebido a pistola 09 mm. Imbel de forma regular, e nem ao menos demonstrou vontade de não devolvê-la. Como não houve subtração, mas posse lícita do bem levado para suas mãos de acordo com a rotina administrativa, não se caracterizou apreensão ilícita da arma. V – Recurso conhecido e provido, parcialmente, para, desconstituída a decisão que rejeitou a denúncia na parcela relativa ao art. 195, do CPM, recebê-la, quanto a esse delito – abandono de posto, em tese. VI – Decisão unânime.
Alínea “e”: Militar em situação de atividade contra o patrimônio sob a Administração Militar ou a ordem administrativa militar:
Na lição de Cícero Robson Coimbra Neves, deve-se entender como patrimônio sob a administração militar não só os bens pertencentes à Instituição, mas também aqueles pertencentes a pessoas físicas e jurídicas que, por qualquer forma, se encontram sob responsabilidade da administração militar.
Segundo Sílvio Martins Teixeira “para que possam alcançar sua finalidade, precisam as forças armadas de um patrimônio sob sua administração, representado pelo material e meios de produzi-lo ou adquiri-lo, assim como pelo dinheiro necessário às despesas de manutenção da tropa e pessoal encarregado de serviço administrativo. Toda ação delituosa que afete esse patrimônio prejudica, ofende a finalidade ou eficiência das forças armadas e, portanto, as instituições militares” [19].
Os delitos contra a ordem administrativa militar, compreendida como a organização, existência, finalidade e prestígio moral da Instituição, abarcam os crimes impropriamente militares contra a Administração Militar e contra a Justiça Militar.
Entendimento jurisprudencial.
Ementa – Apelação nº 3.422/02 – TJMRS. Soldado que se envolve em ocorrência policial e, ao ser interpelado por oficial de serviço, dirige-lhe impropérios, chamando-o de “tenentinho de merda” e “recruta”, comete o crime de desacato. O delito de desacato a superior não exige, para sua configuração, que a vítima sinta-se pessoalmente atingida, uma vez que o sujeito passivo primário é a Administração Militar. O fato de o apelante achar-se nervoso e revoltado, ao proferir os impropérios, é inaceitável como escusa. O elemento subjetivo de desacatar militar superior não pode ser escusado em virtude de alteração anímica – que, ademais, não foi provocada pelo oficial – sob pena de autorizar-se agressão aos pilares que sustentam a convivência castrense, ou seja, a hierarquia e a disciplina. À unanimidade, negaram provimento ao apelo.
Ementa – Apelação nº 5.228/03 – TJMSP. Aspirante a Oficial, de folga, civilmente trajado, no interior de casa noturna, agride Cabo da Polícia Militar, em serviço, com palavras de baixo calão. Descaracterizada a embriaguez involuntária (art. 49, do CPM) a beneficiar o réu. Desacato a militar tipificado.
Ementa – Apelação nº 2.076 – TJMMG. O crime de desacato a militar em serviço independe da qualidade de superior hierárquico e pode caracterizar-se, não só por palavras, mas também por agressão ou tentativa, por gestos, desafios e outras formas.
Ementa – Acórdão nº 2002.01.006976-9 – STM. Comete crime de inobservância de instrução ou regulamento (art. 324 do CPM), em tese, o militar que transmite, por meio eletrônico, a candidato de concurso de admissão a curso de formação de sargentos, o gabarito da prova. Conduta que traz efetivo prejuízo à ordem administrativa militar. Havendo indícios suficientes de autoria e materialidade do delito, a ação penal torna-se obrigatória.
Inciso III: os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
O dispositivo em comento, ao lado daquele inserto na alínea “a” do inciso II, talvez seja o que mais apresenta divergências de entendimento. Assim o é porque, se entendermos o crime comum como regra e o crime militar como exceção, estaríamos diante da exceção da exceção. Isto porque, conforme salientado no comando normativo e explicitado na Súmula 298 do STF, a prática de crime militar por civis somente restará configurada se afrontar diretamente as Instituições Militares.
Considera-se como militar da reserva ou reformado, nos termos da alínea “b” do § 1º do artigo 3º do Estatuto dos Militares, todos aqueles que alcançaram a situação de inatividade remunerada, aí incluídos os da reserva (aqueles que ainda se encontrem em condições de prestarem serviços na ativa, mediante reversão, convocação ou mobilização) e os reformados (aqueles definitivamente dispensados da prestação de serviço na ativa).
Diga-se, ainda, que a sujeição dos civis à Justiça Castrense se dá apenas no âmbito federal, ao passo que à Justiça Militar Estadual se sujeitam apenas os militares inativos. Compreende-se, no presente inciso, os crimes propriamente militares e impropriamente militares insertos nos incisos I e II do artigo 9º, desde que sejam observadas determinadas condições e a conduta dos agentes seja direcionada à prática de ofensa ou afronta à Instituição Militar.
Alínea “a”: contra o patrimônio sob Administração Militar ou contra a ordem administrativa militar;
Remetemos o leitor aos comentários expostos na alínea “e” do inciso II quanto ao que venha a ser entendido como patrimônio militar ou ordem administrativa militar. Estariam abarcados, portanto, os crimes contra o patrimônio, a Administração Militar e a administração da Justiça Militar.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – RE nº 121124/RJ – STF. – Ao passo que a Constituição de 1967 (art. 129 e seus parágrafos) partida de um requisito subjetivo, ligado a condição do agente (militar ou assemelhado), para a definição da competência da Justiça Militar, a Carta Política de 1988 (art. 124) adota a tipificação do delito, como critério objetivo da atribuição da mesma competência. Embora esse critério não confira, ao legislador ordinário, a franquia de criar, arbitrariamente, figuras de infração penal militar, estranhas ao que se possa conceitualmente admitir como tal, a espécie em julgamento (crime contra a administração naval, art. 309, e parágrafo único, do CPM) situa-se, sem esforço, na tipificação necessária ao estabelecimento da competência da Justiça Castrense, reconhecida pelo acórdão recorrido, ao conceder a ordem de habeas corpus.
Ementa – RHC nº 81048/PE – STF. Recurso de “habeas corpus”. A competência da Justiça Militar, no caso, decorre do disposto no artigo 9º, III, “a”, do Código Penal Militar. Não-ocorrência da alegada atipicidade da conduta do paciente. Recurso de “habeas corpus” a que se nega provimento.
Ementa – Processo de Competência Originária nº 08 – TJMMG. A censura pública, dirigida por qualquer policial militar, ao Governador e aos chefes Militares do Estado, é, manifestamente contrária à disciplina e à hierarquia, induzindo no âmago da Polícia Militar a desordem e a desmoralização. Não deve ser considerada apenas como transgressão disciplinar, mas sujeita o seu autor à penalidade mais severa, especificada no Código Penal Militar (art. 166 do CPPM).
Alínea “b”: em lugar sujeito a administração militar contra militar em situação de atividade ou contra funcionário da justiça militar ou ministério militar no exercício de seu cargo;
O critério aqui exposto é o ratione loci, nos termos em que esclarecido na alínea “b” do inciso II. A única menção a ser feita, entretanto, além das considerações anteriormente expostas, se refere aos sujeitos passivos do delito, uma vez que, na lição de Célio Lobão, existe uma impropriedade redacional na presente alínea, porquanto que, em se tratando de funcionário da Justiça Militar ou Ministério Militar, a competência para o julgamento se insere na jurisdição comum, federal ou estadual.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – Recurso Criminal nº 2000.01.006684-0 – STM. Rejeição parcial de denúncia referente a concurso de crimes. Refutada increpação sobre roubo de numerário pertencente a banco. Delito perpetrado em área militar. Ofensa à ordem administrativa castrense. Inteligência do art. 9º, inciso III, alínea a, do CPM. Competência patente da Justiça Militar. Assalto realizado por bando armado contra helicóptero pousado, em área do Hospital Geral de São Paulo (HGeSP), para entrega de malotes contendo numerário destinado a posto bancário localizado naquele nosocômio do EB. Prisão em flagrante de civil, reconhecido como um dos assaltantes, e contra o qual ofertou-se denúncia por roubo de malotes bancários, Art. 242, § 2º, incisos I, II e III, de armamento militar, Art. 242, § 2º, incisos I e II, e seqüestro, Art. 225, c/c o Art. 70, inciso II, alínea b), tudo do CPM. No grau “a quo”, recebendo-se a exordial quanto às segunda e terceira increpações, se rejeitou a primeira sob alegação precípua de que, se vendo a quantia de dinheiro roubado como pertencente a específica instituição bancária, faltaria competência à Justiça Militar para avaliar sobre tal crime. Equivocada a rejeição proferida “in prima instantia”, eis que, com a ação delituosa havida contra o HGeSP, restou ofendida, indubitavelmente, a ordem administrativa militar, tutelada pelo CPM, “in fine”, da alínea a) do inciso III de seu Art. 9º. Provido o colacionado recurso em sentido estrito, com reforma da decisão “a quo” na parte atacada pelo Órgão Ministerial. Baixa dos autos à 2ª Aus/2ª CJM para análise, à luz do Art. 77 do CPPM, da “notitia criminis” havida contra o denunciado com base no Art. 242, § 2º, incisos I, II e III, do CPM. Decisão por unanimidade.
Ementa – RHC nº 81341/DF – STF. Constitucional. Penal militar. Processual penal militar. Crime praticado por ex-cabo da aeronáutica contra militar da ativa e em lugar sujeito à administração militar: crime militar. Representação da vítima. I. Crime de injúria praticado por ex-Cabo da Aeronáutica contra militar da ativa e em lugar sujeito à administração militar: competência da Justiça Militar, na forma do art. 9º, III, “b”, do C.P.M. II. Na Justiça Militar, a ação penal é pública incondicionada e somente pode ser instaurada por denúncia do Ministério Público Militar (CPPM, art. 29). Inexistência de nulidade. III. Recurso improvido.
Ementa – Recurso em Sentido Estrito nº 248 – TJMMG. Se a vítima é Major PM QOS e exercia a sua função de dentista, em unidade sujeita à Administração Militar, ao ser ameaçada por um Major da reserva, configurou-se a prática de crime militar e competente é a Justiça Militar para processar e julgar o feito, apurado pelo instrumento próprio, que é o IPM. Razão assiste à irresignação do Ministério Público, eis que houve violação ao dever militar e aos preceitos de hierarquia e disciplina, que são essenciais nas instituições militares, que se estendem e se aplicam inclusive, aos militares da reserva e reformados. Provimento do recurso.
Alínea “c”: contra militar em formatura ou durante período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
O disposto nessa alínea se aproxima muito daquele preconizado na alínea “d” do inciso II, variando, tão somente, quanto ao sujeito ativo do delito. Convém trazer à colação, para maior compreensão dos termos consignados, as definições apresentadas por José da Silva Loureiro Neto [20]:
“Formatura – lexicamente, significa ato ou efeito de formar, alinhamento e ordenação de tropa.
Período de prontidão – lapso temporal em que a tropa permanece em sua unidade em estado de alerta para eventual deslocamento.
Vigilância e observação – ato ou efeito de vigilar, espreitar.
Exploração – procurar descobrir, percorrer, estudando; em regra, explora-se terreno para cumprimento de alguma missão;
Exercício – refere-se a adestramento de tropa.
Acampamento – estacionamento de tropa em barracas.
Acantonamento – deriva de acantonar, que significa dispor ou distribuir tropas por cantões; é o lugar onde se acantonam tropas, aproveitando das instalações existentes.
Manobras – também visa ao adestramento da tropa com seu deslocamento da unidade.”
Alínea “d”: ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim ou em obediência a determinação legal superior;
O regular desempenho das atividades desempenhadas pelas Instituições Militares, sejam federais ou estaduais, é essencial para o cumprimento de suas finalidades constitucionais. Denota-se, assim, a preocupação em se garantir a eficiência e eficácia na atuação dessas instituições. Nos dizeres de Antonio Pereira Duarte, “quando praticada uma ação delituosa contra um militar de serviço – e aqui envolve vários atos de serviço, são atingidas as próprias Instituições Militares, razão por que o delito se especializa, caracterizando-se como militar” [21].
Esclarece Célio Lobão que atividade militar é “o conjunto de atribuições conferidas por disposição legal ou por determinação de autoridade competente, ao militar federal ou ao militar estadual, na condição de integrante de corporação militarizada” [22], que abrange, por conseguinte, a sua atividade precípua (defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais [FFAA] – policiamento ostensivo e extinção de incêndios/salvamentos [PM e BM]) e a secundária (garantia da lei e da ordem – preservação da ordem pública e defesa civil).
Como vimos, portanto, função de natureza militar é aquela relacionada pelas normas constitucionais e infraconstitucionais como de competência atribuída às Instituições Militares. Para o Estatuto dos Militares, função militar é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar (artigo 23). Algumas Instituições Militares incluem, também, as funções executadas em outros órgãos ou entidades da Administração Pública, desde que expressamente previstos em lei.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – CC nº 7040/RS – STF. Constitucional. Penal militar. Crime culposo decorrente de acidente de trânsito praticado contra militar em manobra. Inocorrência de crime militar. Competência do juízo criminal comum. C.P.M., art. 9º, III, “c”.
I. O crime que enseja a competência da Justiça Militar, praticado por civil contra militar na situação inscrita no art. 9º, III, “c”, do C.P.M., é aquele que é marcado pelo intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr, desmoralizar ou ofender o militar ou o evento ou situação em que este esteja empenhado. Mero acidente de trânsito, do qual resulta crime de lesões culposas, não apresenta qualquer conotação de crime militar. II. Conflito positivo de competência conhecido para o fim de ser declarada a competência do Juízo Criminal.
Ementa – Apelação nº 2.316 – TJMMG. Militar da reserva que desacata outro militar em razão de sua função, em tese, comete crime militar atingindo a própria administração castrense. Não há que se falar em aplicação dos institutos da Lei nº 9.099/95 na Justiça Castrense, quando o crime militar tiver sido praticado na vigência da Lei nº 9.839/99. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade da Lei nº 9.839/99, assim como o Superior Tribunal de Justiça, o Superior Tribunal Militar e este egrégio Tribunal de Justiça Militar têm, reiteradamente, decidido pela inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95, na Justiça Castrense. Recurso improvido.
Ementa – Apelação nº 2.253 – TJMMG. Major reformado da Polícia Militar que, em entrevero com guarnição da Polícia Militar, exercendo função de natureza militar, ofende, desrespeita, injuria e vilipendia os militares, sem razão, com palavras chulas e de baixo calão, deprimindo-lhes a autoridade – o que contraria seu dever – comete o crime militar de desacato a militar (art. 9º, inc. III, letra “d”, do CPM). Se o crime for desclassificado para o de injúria, a situação permanece a mesma, mesmo porque a injúria não é nada mais do que uma forma mitigada de desacato. O importante para a caracterização no caso do crime militar é o fato de estarem os militares em função de natureza militar, pois um e outro crime estaria atentando contra a instituição militar, que os militares representam – não confundir com crime contra a administração militar – e que o militar, quer na ativa, quer na atividade, tem o dever de honrar e engrandecer (art. 9º, inciso III, letra “d”, do CPM). É bom lembrar, de passagem, o respeito e o apreço que os elementos da ativa devem aos seus companheiros da inatividade, como no caso.
5. CASOS ESPECIAIS:
Como se viu até o presente momento, a conformação do crime militar é tarefa que exige redobrada atenção por parte do operador do Direito. Isto porque a subsunção do fato concreto ao delito castrense, por se tratar de norma penal de tipicidade indireta, exige a presença de vários requisitos ligados à adequação típica na Parte Especial e Parte Geral, bem como relacionadas com a competência ratione personae.
Para nos aprofundarmos ainda mais sobre o tema abordado, tomamos a liberdade de apresentar alguns temas, sem a pretensão de esgotar o assunto, obviamente, uma vez que se tratam de assuntos cada vez mais presentes nas Instituições Militares.
5.1. O Advogado Militar
A Carta Magna prescreve que o Advogado é indispensável à administração da justiça, estabelecendo o artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB) que não constitui injúria ou difamação punível qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB pelos excessos que cometer (§ 2º), permitindo a sua prisão em flagrante, por motivo do exercício da profissão, apenas nos casos de crimes inafiançáveis (§ 3º).
O Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez, elenca como deveres do advogado, entre outros, a atuação com destemor, independência, honestidade, decoro e veracidade, de forma a contribuir com o aprimoramento das Instituições, do Direito e das leis (artigo 2º). Aponta, igualmente, que em suas relações profissionais deve preponderar o respeito, a discrição e a independência, impondo-lhe atuar com lhaneza e emprego de linguagem escorreita e polida (artigos 44 e 45).
Aos militares, enquanto no serviço ativo, é vedado o exercício da advocacia, mesmo em causa própria, conforme determina o inciso VI do artigo 28. Assim, desejando exercer esse múnus público, deve o militar passar para a inatividade, ex-officio (posse em cargo público ou reforma por incapacidade física definitiva), a pedido ou pela aquisição do direito de aposentação.
Tanto o advogado militar quanto o advogado civil estão sujeitos ao cometimento de crimes militares, ainda que no exercício da profissão. Nesse sentido, trago à colação importante julgado a respeito da imunidade profissional do advogado que, apesar de julgado antes da edição da Lei nº 8.906/94, guarda pertinência com o tema desenvolvido:
HC nº 69085 / RJ – RIO DE JANEIRO. Relator: Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 02/06/1992. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Ementa “Habeas Corpus” – Inviolabilidade do Advogado – CF/88, Art. 133 – Ofensas morais irrogadas em juízo e dirigidas ao Magistrado – Valor relativo da garantia constitucional – Inviabilidade do “Habeas Corpus” para efeito de discussão das excludentes anímicas – Ordem indeferida. – A proclamação constitucional da inviolabilidade do Advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz uma significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos pela ordem jurídica a esse indispensável operador do direito. A garantia de intangibilidade profissional do advogado não se reveste, contudo, de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessa especial prerrogativa jurídico-constitucional expressamente a submete aos limites da lei. A invocação da imunidade constitucional, necessariamente sujeita as restrições fixadas pela lei, pressupõe o exercício regular e legitimo da advocacia. Revela-se incompatível, no entanto, com praticas abusivas ou atentatórias a dignidade da profissão ou as normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício. O art. 142 do Código Penal, ao dispor que não constitui injuria ou difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador – excluídos, portanto, os comportamentos caracterizadores de calunia (RTJ 92/1118) – estendeu, notadamente ao Advogado, a tutela da imunidade judiciária, desde que, como ressalta a jurisprudência dos Tribunais, as imputações contumeliosas tenham relação de pertinência com o “thema decidendum” (RT 610/426 – RT 624/378) e não se refiram ao próprio juiz do processo (RTJ 121/157 – 126/628). – O “Habeas Corpus” não constitui meio processual adequado a analise das excludentes anímicas – “animus defendendi”, “animus narrandi”, “animus consulendi”, v.g. -, cuja concreta ocorrência teria o efeito de descaracterizar a intenção de ofender. O remédio heróico não se presta, em função de sua natureza mesma e do caráter sumaríssimo de que se reveste, a indagação probatória efetivada com o objetivo de apurar, a partir dos elementos instrutórios produzidos nos autos, a ocorrência de justa causa para a ação penal ou para a condenação criminal.
Analisando-se as disposições legais, doutrinárias e jurisprudenciais, chegamos à seguinte conclusão: o advogado, militar ou civil, pode cometer crimes militares, mesmo no exercício da profissão, sujeitando-se, amplamente, ao julgamento pela Justiça Militar Federal. Quanto ao âmbito da Justiça Militar Estadual, apenas o advogado militar poderá responder perante essa especializada, devendo o advogado civil ser processado por crime comum no âmbito da Justiça Comum Estadual.
Precedentes jurisprudenciais
Ementa – HC nº 75783/DF – STF. Crime contra a honra de Comandante de Comando Aéreo Regional, em razão do exercício dessa função (art. 9º, III, d, do C.P.M.). A inviolabilidade conferida ao advogado pelo art. 133 da Constituição encontra limite na lei e protege a liberdade de debate entre as partes, sem estender-se à ofensa irrogada ao magistrado, o mesmo sucedendo em relação à autoridade que dirija processo administrativo.
Ementa – RHC nº 80536/DF – STF. I. Crime militar: para a sua caracterização o militar reformado se considera civil; mas, tal como o civil, o militar reformado pode ser agente de crime militar (CPM, art.9º, III), quando praticado “contra as instituições militares”, como tal considerado, entre outros, o cometido “em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade” (CPM, art. 9º, III). II. Imunidade do advogado por ofensas ao Juiz ou autoridade dirigente de processo administrativo: superação, pelo art. 7º EAOAB (L. 8.904/94) da jurisprudência formada sob o art.142, I, C.Pen., que os subtraía, de modo absoluto, do alcance da libertas conviciandi, que, entretanto, continua a reclamar que as expressões utilizadas pelo profissional – ainda que, em tese, injuriosas ou difamatórias -, guardem pertinência com a discussão da causa e não degenerem em abuso da prerrogativa, mediante contumélias e epítetos pessoais, absolutamente dispensáveis ao exercício do nobre múnus da advocacia.
Ementa – RHC nº 82033/AM – STF. Recurso em Habeas Corpus. Trancamento parcial da ação penal. Imunidade material do advogado. Na hipótese de as expressões tidas por ofensivas serem proferidas em representação penal, na defesa de seu cliente e no exercício de sua profissão, mesmo que em sede de procedimento administrativo, incide a imunidade material do advogado (art. 7º, § 2º, da Lei 8906/94). Está configurado o nexo causal entre o fato imputado como injurioso e a defesa exercida pelo recorrente, faltando, portanto, o elemento subjetivo do tipo. Precedente (HC 81389). Recurso em habeas corpus provido para trancar a ação penal, restando prejudicado o exame da incompetência da Justiça Militar.
Ementa – HC nº 89973/CE – STF. Habeas Corpus. Crime contra a honra. Art. 215 do Código Penal Militar. Trancamento da ação penal por ausência de justa causa. Elemento subjetivo do tipo. Ausência. Imunidade material do advogado. Representação dirigida à OAB. Precedentes. Concessão da ordem. 1. As expressões tidas por ofensivas foram proferidas por advogada que agia no interesse de seus clientes, em representação dirigida à OAB, para que fosse enviada ao Ministério Público Militar e ao 3° Comando Naval. 2. Eventual conflito aparente entre o art. 215 do Código Penal Militar e o art. 7°, § 2° da Lei 8.906/94 deve ser solucionado pela aplicação deste último diploma legal, que é lei federal especial mais recente e amplia o conceito de imunidade profissional do advogado. Precedentes. 3. A acusação por crime contra a honra deve conter um lastro probatório mínimo, no sentido de demonstrar a existência do elemento subjetivo do tipo. Conclusão que não pode ser extraída como conseqüência lógica do mero arquivamento da representação por ausência de suporte probatório. 4. Afasta-se a incidência da norma penal que caracterizaria a difamação, por ausência do elemento subjetivo do tipo e também por reconhecer-se ter a paciente agido ao amparo de imunidade material. 5. Habeas corpus provido para deferir o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa.
5.2. O Parlamentar Militar
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 53 que os membros do Congresso Nacional são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, sujeitando-se, desde a expedição do diploma, a julgamento perante o STF e prisão em flagrante apenas nos casos de crime inafiançável, regras essas que são aplicáveis, por simetria, aos Deputados Estaduais, conforme § 1º do artigo 27. Os Vereadores, por força do inciso VIII do artigo 29, gozam de inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.
Tratam-se, como indica o § 8º do artigo 53, de imunidades concedidas aos parlamentares, a fim de que possam exercer com a necessária independência as atividades para as quais foram eleitos. Nos dizeres de Alexandre de Moraes, essas “garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal, são admitidas nas Constituições para o livre desempenho do ofício dos membros do Poder Legislativo e para evitar desfalques na integração do respectivo quorum necessário para deliberação” [23].
Em brilhante e completo artigo sobre o tema, o preclaro Cícero Robson Coimbra Neves conclui ser perfeitamente possível o cometimento de crime militar por militares detentores de cargos eletivos, desde que observada a incidência ou não das imunidades parlamentares.
Pela pertinência com o tema aqui tratado, ousamos transcrever o seguinte trecho:
“Exemplificativamente, um Deputado Federal, militar da reserva remunerada do Exército Brasileiro que, desejando afrontar aquela instituição pela sua desmoralização, ingresse em quartel decidindo subtrair material bélico (fuzil automático leve, por exemplo), praticando tal conduta na calada da noite, estará, em tese, em prática de crime militar capitulado no § 4º do art. 240 (furto qualificado), combinado com a alínea “a” do inciso III do art. 9º, tudo do Código Penal Militar.
Todavia, tal parlamentar somente poderá ser preso se for encontrado em uma das hipóteses do art. 244 do Código de Processo Penal Militar, ou seja, em flagrante delito, sendo desnecessária a observação de ser o crime inafiançável, posto que todos os crimes militares o são. Caso haja a prisão em flagrante, a Autoridade de Polícia Judiciária Militar deverá encaminhar cópia dos autos também à Câmara dos Deputados, no prazo máximo de vinte e quatro horas, remetendo ainda os autos originais à Auditoria de Justiça Militar correspondente. Essa, por sua vez, verificando a prerrogativa de foro já esmiuçada, deverá, após manifestação do representante do Ministério Público, providenciar para que o procedimento seja encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, onde haverá ou não o recebimento da denúncia. Mesmo após o recebimento da denúncia, a Casa respectiva, por maioria absoluta, poderá sustar o processo, suspendendo-se também o curso prescricional por hipótese não enumerada no art. 125 do CPM.
O mesmo já não poderia acontecer caso o parlamentar em questão ofendesse, no exercício do mandato, a honra de um Comandante de Unidade do Exército, isso não só porque ausente a intenção de afrontar a instituição mas, principalmente, pela inviolabilidade nos crimes de opinião.
A mesma compreensão pode, obviamente, ser dada a um Deputado Estadual, militar inativo de uma milícia estadual, que pratique os delitos exemplificados, guardado o mencionado paralelismo.
Por fim, no caso do vereador, militar inativo da Polícia Militar, por exemplo, perfeitamente possível a prática de delitos militares, e isso com uma maior facilidade dada a extrema redução de prerrogativas em comparação aos parlamentares federais e estaduais”[24].
O jurista Ricardo Henrique Alves Giuliani também nos oferta interessante artigo a respeito da competência para processamento e julgamento de Prefeitos e Deputados Estaduais nos crimes militares, no âmbito da Justiça Militar Federal, para onde remetemos o leitor [25].
Precedentes jurisprudenciais
Processo nº 43.274/05 – TJMSP. O feito se encontra em trâmite junto ao Tribunal de Justiça Militar, não tendo a sentença transitada em julgado. Trata-se de Sd PM reformado, ocupante do cargo de vereador, preso em flagrante delito como incurso no artigo 298 do CPM (Desacato a Superior), por ter, em tese, proferido palavras com o intuito de menoscabar superior hierárquico. O Ministério Público, entendendo existirem indícios delitivos, ofereceu denúncia, devidamente recebida pelo douto Juiz de Direito da Terceira Auditoria de Justiça Militar Estadual, em 28 de novembro de 2005, tendo início o Processo n. 43.274/05. O caso supracitado, corrobora a visão exposta, segundo a qual é perfeitamente possível a prática de crime militar por parlamentar integrante da inatividade, desde que observadas as restrições materiais e processuais dispostas na Constituição Federal.
Ementa – Processo de Competência Originária nº 15 – TJMMG. O artigo 9°, em seu inciso II, alíneas “b” e “c”, bem como em seu inciso III, do Código Penal Militar ao definir o crime militar faz expressa referência ao “militar da reserva” e ao “civil”, de modo a deixar claro que as situações jurídicas não se confundem. Se o militar da reserva fosse considerado civil, para os fins do Direito Penal Militar, os dispositivos legais não lhes fariam qualquer referência, e a previsão normativa referir-se-ia apenas ao civil. Não se pode entender que na lei existam palavras inúteis. Se a própria lei faz distinção entre o “militar da reserva” e o “civil” é porque tais situações jurídicas são distintas e não se pode confundi-las. Pondo fim a questão, o art. 13 do CPM deixa claro que o militar da reserva submete-se, na condição de militar, aos efeitos da lei penal militar. Portanto, o militar da reserva é militar e não pode ser considerado civil para os efeitos da aplicação da lei penal.
Segundo o art. 53 da Constituição da República, o Deputado Federal é processado e julgado perante a mais alta corte de justiça, considerando-se o contexto nacional. Aplicando-se o princípio da simetria, o parlamentar estadual deve ser processado e julgado na mais alta corte do sistema judicial estadual.
[…] Conforme disposto na Constituição Estadual, compete ao Tribunal de Justiça Militar processar e julgar os Deputados Estaduais militares nos crimes militares.
[…] O denunciado está sendo acusado da prática de crime de motim, previsto no inciso IV do art. 149 do CPM. A parte final do referido inciso esclarece que a ocupação deve se operar em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar. Fica claro que a desobediência à ordem de superior é apenas uma das três possibilidades de incriminação.
No caso concreto, o denunciado está sendo acusado de ocupar a sala de operadores de patrulhas, incitando a tropa à desobediência, em detrimento da ordem dos serviços militares ou da disciplina militar. Tais imputações possuem previsão legal da mesma forma que a hipótese de imputação relativa à ocupação que se verifica em desobediência a ordem de superior. […]
Informativo STF nº 425 – Crime Militar e Imunidade Material – Inq – 2295
O Tribunal iniciou julgamento de inquérito no qual se imputa a Deputado Federal, militar da reserva remunerada, a suposta prática do crime de publicação ou crítica indevida, previsto no art. 166 do Código Penal Militar – CPM, em razão de ter publicado, em seu jornal, matéria crítica a ato de comandante de batalhão da polícia militar. Preliminarmente, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, afirmou, na linha do que decidido no Inq 1538/PR (DJU de 14.9.2001), a necessidade de o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral da República ser objeto de apreciação jurisdicional, quando fundado na atipicidade do fato ou na extinção da sua punibilidade, tendo em conta os seus efeitos de coisa julgada material. No mérito, determinou o arquivamento dos autos, no que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Joaquim Barbosa. Asseverou que o indiciado, embora no exercício de mandato de Deputado Federal, submete-se à aplicação da lei penal militar por ser militar da reserva remunerada (CPM, art. 9º, III e 13), e que estão presentes, em tese, os elementos constitutivos do tipo penal militar apontado. Entretanto, entendeu haver incidência, na espécie, da imunidade material parlamentar, por considerar que os fatos narrados guardam relação de conexão com a condição de parlamentar do investigado, eis que ele fora eleito com votos de outros membros da corporação militar a que pertence e, ao publicar a referida notícia, teria agido no legítimo exercício do mandato representativo de que está investido. Em seguida, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Cezar Peluso. Inq 2295/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 3.5.2006. (Inq-2295)
Informativo STF nº 525 – Crime Militar e Imunidade Material – 2 – INQ – 2295
No mérito, determinou-se o arquivamento dos autos. Salientou-se que o indiciado, embora no exercício de mandato de Deputado Federal, submeter-se-ia à aplicação da lei penal militar por ser militar da reserva remunerada (CPM, art. 9º, III e 13), estando presentes, em tese, os elementos constitutivos do tipo penal militar apontado. Entretanto, entendeu-se haver incidência, na espécie, da imunidade material parlamentar, haja vista que os fatos narrados guardariam relação de conexão com a condição de parlamentar do investigado, eis que ele fora eleito com votos de outros membros da corporação militar a que pertence e, ao publicar a referida notícia, teria agido no legítimo exercício do mandato representativo de que estava investido. Inq 2295/MG, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, rel.p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 23.10.2008. (INQ-2295)
5.3. Serviço Auxiliar Voluntário
De acordo com William Platner, em pesquisa monográfica que buscou verificar a viabilidade da implantação do serviço temporário na atividade meio da Polícia Militar do Paraná, “o serviço voluntário, já foi genericamente tratado na Lei Federal nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, mas nesta não há previsão de remuneração, ou direitos trabalhistas” [26]. Com a edição da Lei Federal nº 10.029, de 20 de outubro de 2000, estabeleceu-se normas gerais para a prestação voluntária dos serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas policiais militares e corpos de bombeiros militares.
Segundo o autor, “tal lei veio a assegurar uma possibilidade de incremento de efetivos nas Polícias Militares, visando a reforçar os recursos humanos dessas Corporações, quando escassos, dentro da conveniência e oportunidade administrativa”. Para Claudir Roberto Teixeira de Miranda, em perfunctória análise sobre a legislação, “o importante é a contribuição social revelada e devolvida para a sociedade neste projeto de integração dos jovens, mormente nesta fase da vida, em que as facilidades para a delinqüência devem a todo custo ser combatidas e as oferta de oportunidade para o crescimento e exercício condigno da cidadania deve ao máximo ser estimulada” [27].
Essa prestação voluntária de serviços, de regime jurídico especial, remunerada por meio de auxílio mensal indenizatório, tem duração de um ano, prorrogável por, no máximo, igual período, podendo ser em prazo inferior nas condições em que especifica, admitindo-se homens e mulheres maiores de 18 anos e menores de 23, que, no caso dos homens, circunscreve-se ao efetivo que exceder às necessidade de incorporação das Forças Armadas.
Em que pese permitir aos Estados a livre conformação dos requisitos necessários para o desempenho das atividades inerentes aos serviços a serem prestados, veda peremptoriamente, sob qualquer hipótese, nas vias públicas, o porte ou uso de arma de fogo e o exercício do poder de polícia. Note-se, outrossim, que a lei silencia por completo em relação à sujeição dos voluntários a estatutos disciplinares ou aos delitos castrenses.
Interna corporis, os voluntários recebem as seguintes denominações:
– Soldado Temporário PM: São Paulo (Lei nº 11.064/02), Mato Grosso (Lei nº 7.729/02), Goiás (Lei nº 14.012/01) e Alagoas (Lei nº 6.451/04);
– Soldado PM Temporário e Soldado Bombeiro Temporário: Roraima (Lei nº 430/04);
– Voluntário PM Temporário: Acre (Lei nº 1.375/01).
À exceção do Estado do Acre, cuja legislação de regência determina expressamente a sujeição dos voluntários à lei penal militar e ao estatuto disciplinar, equiparando-o, na escala hierárquica, ao Aluno Soldado PM, os demais Estados determinam a aplicação, no que couber, das normas aplicáveis aos militares estaduais, delegando ao Comandante-Geral das Polícias Militares a edição de normas complementares para aplicação do disposto na lei de origem.
Ocorre que, assim como o Estado do Acre, impôs-se aos voluntários, por meio de normas internas, sua sujeição ao Estatuto Repressivo Castrense, olvidando-se, entretanto, do abuso do poder regulamentar e da inobservância das normas constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis à espécie. Essa sujeição ao diploma castrense veio, a posteriori, a ser confirmada pela Justiça Militar Estadual de São Paulo, a qual, inclusive, segundo o eminente Abelardo Julio da Rocha, já teve a oportunidade de decretar a perda de graduação de Soldados PM Temporários [28].
Para o citado autor, em arremate ao artigo elaborado:
“As características intrínsecas do serviço voluntário impedem que haja qualquer vínculo empregatício com a Administração, o que reforça a idéia de que a denominação de Soldado PM Temporário, dada pela própria Lei Estadual 11.064/02, não outorga ao prestador de serviço voluntário na Polícia Militar graduação.
Tratando-se de civil, incabível, então, a sujeição do Soldado PM Temporário ao Código Penal Militar, em qualquer hipótese.
Também, neste sentido, mostra-se de todo descabida a submissão do Soldado PM Voluntário a Processo de Perda de Graduação de Praça na Justiça Militar estadual” [29].
Contrapondo-se ao estudo acima apresentado, o ilustre Claudir Roberto Teixeira de Miranda, fundamentando-se em extenso e bem elaborado artigo e na sentença lavrada nos autos do Processo nº 35.535/03 da 1º Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, aponta que:
Por fim, sob a ótica administrativo-disciplinar e penal resta claramente demonstrado que ante a ausência de disposição legal que defina as regras regentes dessa atividade, não cabe ao administrador, até por permissivo legal existente, outra opção que não a aplicação das normas regentes dos militares do Estado aos integrantes do SAV.
Este parâmetro é calcado na inexistência de regras que melhor definam o exercício dessa função, e a aplicação de outro sistema jurídico não contemplaria as situações peculiares da vida de caserna. Daí, a aplicação do Regulamento Disciplinar, do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar ser a melhor forma de conjugação dessa função no ambiente em que se inseriu [30].
Em pesquisa junto aos julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, nos processos de sua competência, se constata que a fundamentação para aceitação da sujeição dos voluntários aos rigores dos diplomas castrense variam, em maior ou menor grau, na interpretação dos artigos 21 e 22 do CPM, do artigo 327 do CP, em motivação exposta na Apelação nº 5.430/05 e no julgado proferido pelo STJ nos autos do CC nº 54.518/SP.
Conforme abaixo se demonstrará, em que pese a importância dessas decisões para o regular funcionamento das Instituições Militares, não se alcança, entretanto, a melhor interpretação conforme a Constituição e as normas infraconstitucionais. Enfrentemos, então, detalhadamente, cada uma delas.
O artigo 21 do CPM está assim redigido: “Considera-se assemelhado o servidor, efetivo ou não, dos Ministérios da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento”. Segundo a jurista Alice Krebs Teles, “para o assemelhado ser considerado como tal, deveria fazer parte das Forças Armadas, isto é, qualquer pessoa incorporada às Forças Armadas, subordinar-se aos regulamentos militares, gozar de direitos e vantagens e prerrogativas de militares e, não fazer parte da classe dos combatentes” [31]. Para o estudioso Jorge César de Assis esse dispositivo é letra morta no atual Código Penal Militar [32].
Assim, não havendo expressa menção dessa situação jurídica na legislação primeva ou mesmo nas leis orgânicas e estatutos das Instituições Militares, não há como se sustentar que possam os voluntários serem considerados ou equiparados a assemelhados. Ainda que assim não fosse, o que aqui se admite apenas a título de argumentação, tal questão não sobreviveria a um simples confronto com as disposições do artigo 42 e do § 4º do artigo 125 da CF/88, uma vez que a Justiça Militar Estadual possui competência ratione materiae e personae, não abarcando, por via de exclusão, a figura do assemelhado.
Com relação ao artigo 22 do CPM, igual linha de pensamento pode ser delineada. Para Célio Lobão, “militar em situação de atividade, na ativa, no serviço ativo é o militar incorporado às Forças Armadas ou às instituições militares estaduais, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina (…) O Estatuto dos Militares relaciona, como militar da ativa, o de carreira, o incorporado às Forças Armadas para prestação de serviço militar, o da reserva, quando convocado, reincluído, designado ou mobilizado, o aluno de órgão de formação de militar da ativa ou da reserva…” [33].
O STM, julgando o Recurso Criminal nº 2002.01.007044-9/RS, já teve a oportunidade de declarar a não recepção do artigo 22 do CPM pela CF/88, cuja decisão restou assim ementada:
Nesse contexto, apenas a indicação de que o voluntário se sujeita aos rigores do estatuto disciplinar não é suficiente para lhe impingir a qualidade de militar, uma vez que não estão listados nas leis de organização básica da Polícia Militar como detentores de graduação, a qual seria, por força de interpretação da Lei nº 5.292/67, decorrente de sua incorporação e efetiva inclusão no estado efetivo de trabalho, fazendo jus aos direitos, deveres e prerrogativas daí advindas [34].
A menção ao contido no artigo 327 do CP também não é suficiente para tal desiderato. Não se descure, por óbvio, ao desempenhar suas funções junto à Administração Pública, tal qual o mesário e o jurado, que não seja possível o cometimento de crime funcional por parte do voluntário, como se entende a partir da interpretação daquele dispositivo, mas, daí decorrente, por força do princípio do juiz natural, exssurge claramente a competência da Justiça Comum, Federal ou Estadual.
O Processo nº 35.535/03 (Apelação nº 5.430/05) foi alvo de impetração de Habeas Corpus junto ao STJ (HC nº 62.100/SP), tendo sido anulado, desde o recebimento da denúncia, por força de absoluta incompetência da Justiça Militar Estadual e ofensa ao princípio do juiz natural, restando decidido que, na condição de civil, o processamento e julgamento do fato que lhe era imputado (Peculato-furto) compete à Justiça Comum.
O teor da decisão constante do CC nº 54.518/SP, julgado pelo STJ, também não se aproveita ao estudo sob lentes. A matéria de fundo ali tratada versa sobre a competência para julgamento de ação contra atos disciplinares militares que, por força da EC nº 45/04, alterou o artigo 125 da CF para dispor que a competência para o julgamento dessas ações pertence à Justiça Militar Estadual.
Assim, tendo a legislação infraconstitucional sujeitado o voluntário aos preceitos de regulamentos disciplinares, por meio dos quais se infere a possibilidade de prisão por transgressão militar e instauração de processo administrativo para seu desligamento, resta claro que estes são atos disciplinares militares decorrentes do poder disciplinar da Administração Pública e suscetíveis de apreciação, portanto, pela Justiça Militar Estadual, em razão da competência ratione materiae.
Em face do que acima foi exposto, alinhamo-nos com o pensamento do jurista Abelardo Julio da Rocha no sentido de que não é possível a sujeição do voluntário ao diploma repressivo castrense.
Entendimento jurisprudencial
Ementa – Apelação Criminal nº 005497/05 – TJMSP. Soldado Temporário executando atividades no Museu da Polícia Militar utiliza de seus conhecimentos na área de informática, retirando HD de um computador e recolocando em seu lugar HD de capacidade extremamente inferior. Autoria e materialidade do delito plenamente demonstradas. Patente a intenção do policial em subtrair o bem e manter sua impunibilidade por avizinhar-se o término de seu contrato de trabalho junto à Instituição Militar.
Ementa – Apelação Criminal nº 005453/05 – TJMSP. A mera suposição de que o réu venha a restituir a coisa subtraída é insuficiente para a configuração do furto de uso. Policial militar temporário sujeita-se à disciplina militar e deve ser julgado pela Justiça Castrense quando do cometimento de crimes militares.
Ementa – Recurso Inominado (CRIME) nº 000007/08 – TJMSP. O Soldado Temporário, enquanto prestar serviço auxiliar voluntário para a Administração Militar, estará sujeito às regras hierárquicas e disciplinares, conferidas a qualquer outro miliciano da ativa. Equiparado a militar de carreira, na hipótese de cometimento de crime militar, assim definido em lei, a competência exclusiva de processar e julgar pertence a esta Justiça Castrense.
Ementa – HC nº 62.100/SP – STJ. Processual Penal Militar. Habeas Corpus. Competência. Serviço Auxiliar voluntário. Soldado PM Temporário. Polícia Militar do Estado de São Paulo. Lei Federal 10.029/00 e Lei Estadual 11.064/02. Justiça Estadual Militar. Incompetência. Súmula 53/STJ. Precedente do STF. Ordem concedida. 1. Ao contrário do que sucede com a Justiça Militar da União, cujo âmbito de incidência, por expressa previsão constitucional – art. 124, caput, da CF/88 – abrange também os civis, a competência da Justiça Militar Estadual abrange apenas os policiais e os bombeiros militares. 2. Sobre a questão, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado Sumular 53 do seguinte teor: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”. 3. A Lei Federal 10.029 de 20/10/00 possibilitou, aos Estados e ao Distrito Federal, a instituição da “prestação voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil nas Polícias Militares e nos Corpos de Bombeiros Militares”, sendo o Serviço Auxiliar Voluntário instituído pela Lei 11.064 de 8/2/02 no âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 4. O Soldado PM temporário, nos termos da legislação do Estado de São Paulo, presta serviços administrativos e auxiliares de saúde e de defesa civil, não sendo, portanto, policial militar, mas civil, de modo que não pode ser processado e julgado pela Justiça Militar Estadual. 5. Habeas corpus concedido para anular o Processo 35.535/03 da 1ª Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo desde o recebimento da denúncia, inclusive, expedindo-se alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.
Ementa – HC nº 66.442/SP – STJ. Processual Penal. Habeas Corpus. Prestação voluntária de serviço. Soldado PM Voluntário. Incompetência da Justiça Militar. 1. A atividade desenvolvida pelo Soldado PM Voluntário, prestador de serviço auxiliar, tem cunho meramente administrativo e social, não podendo ser equiparado ao policial militar. 2. Compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar apenas os policiais e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei. 3. Reconhecida a competência da Justiça Comum Estadual para processar e julgar o paciente. 4. Ordem concedida.
5.4. Casal de militares
O cometimento de lesão corporal em decorrência de desavença entre um casal de militares é um tema delicado e invariavelmente esquecido por todos, sejam juristas, autoridades públicas ou agressores. A única pessoa a lembrar-se, constantemente, da existência de tão ignóbil atitude é a vítima, abandonada à própria sorte e, quase sempre, “a culpada por tudo isso”. Com o acesso das mulheres aos quadros das Instituições Militares, tornou-se comum o casamento entre militares e, daí decorrente, a questão de agressões entre os conviventes e subsunção dos eventuais delitos ao Código Penal Militar.
O assunto não é pacífico. Muitos questionam a indevida intromissão do Estado na relação familiar, indicando se tratar de crime comum aquele havido no asilo inviolável do lar. Outros, em sentido contraposto, face a previsão contida na alínea “a” do inciso II do artigo 9º, entendem que havendo subsunção do fato à Parte Especial o crime será de competência da Justiça Militar.
A edição da Lei nº 11.340/06, denominada de Maria da Penha, trouxe ao ordenamento jurídico, acertadamente, uma série de mecanismos destinados a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entre eles a conceituação e as formas pelas quais essa violência pode ser perpetrada, alterando normas penais e processuais penais para garantia da efetivação dos direitos da mulher em situação de violência doméstica e criando Juizado Especial para processo e julgamento das causas cíveis e criminais com aquela relacionada.
O campo de estudo relacionado com o tema é extenso e não permite maiores digressões nessa pequena contribuição. Assim, tomo a liberdade, tão somente, de elencar as doutrinas encontradas em site especializado no Direito Militar [35], separando-as quanto ao entendimento acerca do assunto e recomendando a sua leitura.
Os juristas Murillo Salles Freua (“O Casal de Militares perante a Lei Maria da Penha”) e Felisberto Cerqueira de Jesus Filho (“Militares casados entre si e os delitos penais”) assentem que os fatos envolvendo casais de militares, em situação de violência doméstica, devam ser apreciados pela Justiça Comum, por força de interpretação extraída de diversos preceitos constitucionais e da Lei Maria da Penha, não sendo lícito à Administração Militar proceder à apuração de eventuais crimes ocorridos no interior do lar ou em função da ventilada entidade familiar.
Fernando Rodrigues Kobal, em trabalho monográfico apresentado como requisito para conclusão do curso de Pós-Graduação em Direito Militar, intitulado “Direito Militar e a Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, denominada ‘Maria da Penha’”, reconhece a incidência do crime militar em fatos envolvendo militares da ativa, mesmo decorrentes de violência doméstica, defendendo a adoção das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha diretamente pelo Juiz de Direito Militar.
Precedente jurisprudencial
Ementa – Recurso Criminal nº 1989.01.005859-7 – STM. Crime praticado por militar em residência localizada em prédio sob administração Militar. I- Incompetência da Justiça Militar. Local sujeito a administração militar não inclui o interior do apartamento onde reside o militar com sua família, em face do preceito constitucional que assegura a inviolabilidade do lar – art. quinto, XV da Constituição. II- Desavenças conjugais terminando em agressões físicas do marido (Oficial) a esposa não descaracterizam o lar como bem particularmente tutelado pela Constituição Federal. III- Conflito negativo de competência entre Tribunal Superior e Juiz Federal. Remessa dos autos ao Excelso Pretório em razão do art. 27 parágrafo primeiro das Disposições Transitórias da Constituição Federal em vigor, combinado com o art. 119, inciso I letra ‘e’, da Carta de 1967. IV- Decisão unânime.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face da escassez de obras doutrinárias e de sua não inclusão nos currículos dos cursos jurídicos, o Direito Militar tem se tornado, pouco a pouco, um ilustre desconhecido. Bem por isso, gracejam interpretações equivocadas em torno do que venha a ser o crime militar.
A conformação do crime militar, por apresentar tipicidade indireta, é tarefa que exige amplo conhecimento do hermeneuta, principalmente sobre as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria. Conforme se viu, há necessidade de subsunção do fato à Parte Especial do CPM e em alguma das situações descritas nos artigos 9º e 10º.
Buscamos, assim, lançar uma pequena contribuição à discussão e aperfeiçoamento do estudo desse intrigante ramo especializado da Ciência Jurídica, tão presente e, ao mesmo tempo, ausente, no nosso dia-a-dia.
Informações Sobre o Autor
Benevides Fernandes Neto
Oficial da Polícia Militar de São Paulo. Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pela UNORP