Critério objetivo de aferição quanto a hipossuficiência econômica por norma infralegal: Uma aplicação da lógica do razoável, ou a existência do sistema de prova tarifada?

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Objective criterion of economic hyposufficiency gauging by infralegal rule: An application of the logic of reasonable, or existence of taxed proof system?

Robinson BORGES DA SILVA JUNIOR*

 

RESUMO

O presente artigo surge como resultado de um trabalho desenvolvido em sede de ação de arrolamento com pedido de adjudicação e doutras a esta correlata, mas que, de alguma forma, demandavam um planejamento financeiro e tributário para com que a jurisdicionada não arcasse com excessivo ônus econômico para, só assim, vier a herdar. Apresentar-se-á o embate entre o direito referente à assistência jurídica integral e gratuita, e o conteúdo de norma infralegal oriundo da Defensoria Pública paulista que impõe restrição objetiva à concessão desta benesse. Deste cotejo, observar-se-á a utilização, ou não, do princípio da lógica do razoável, ou a mera existência de prova tarifada. O método é dialético, e a exigência daquele valor constitucional mostra-se inafastável.

Palavras Chave: Direito Tributário. Razoabilidade. Justiça Gratuita.

 

ABSTRACT

The present article arises as a result of a work developed in the course of action of filing with request of adjudication and other actions to this correlates, but that, in some way, demanded a financial and tax planning for which the jurisdiction did not charge with excessive burden economic for only so to inherit. There will be a clash between the right to full and free legal assistance, and the content of an infralegal norm originating from the Public Defender’s Office in São Paulo, which imposes an objective restriction on the granting of this benefit. From this comparison, the use or not of the principle of the logic of the reasonable, or the mere existence of taxed proof will be observed. The method is dialectical, and the requirement of that constitutional value is unassailable.

Keywords: Tax Law. Reasonability. Free Justice.

 

Sumário: Introdução. 1. Do direito à gratuidade judicial no ordenamento pátrio. 2. Restrições à benesse da justiça gratuita. 3. A deliberação nº: 89, da Defensoria Pública paulista como impositora de norma que estabelece sistema de prova tarifada. 4. O princípio da razoabilidade como meio de efetivação do direito ao acesso à jurisdição. 5.  Conclusão. Referências.

 

Introdução

Numa ação de arrolamento com pedido de adjudicação que versava sobre dois bens imóveis de titularidade do espólio, sendo outros dois de titularidade questionada por meio do ajuizamento de ação de usucapião ordinária, pela própria herdeira representando os interesses do espólio, é que se desenvolvera a celeuma ora sob estudo.

Há de se verificar, de antemão, que uma sucessão hereditária até então composta por dois imóveis, um situado num município do interior do estado de São Paulo, e, outro, no litoral do mesmo Estado, poderia implicar na compreensão de que se teria uma sub-rogação causa mortis de importe, de certa forma, significativo.

Quanto mais se diria, então, se se relevasse dois outros imóveis, também, sub judice, encontradiços, outrossim, no município de Santos, fossem, com advento de decisão judicial transitada em julgado originária do ajuizamento de uma ação de usucapião ordinária, assim, considerados de titularidade de tal espólio?

Consideração prévia, no entanto, há de ser feita. O patrimônio da inventariante e do espólio em nada se confundem, ainda mais no que concerne à verificação da hipossuficiência daquela, para, desta forma, fazer jus ao benefício previsto nos arts. 98 e 99, ambos, do Código de Processo Civil (CPC).

É ao menos isso que consta  no acórdão obtido naquele processo de arrolamento  em que o Tribunal bandeirante aludia, suscintamente, que nas disputas judiciais que tratam de interesses do inventariante, deve o patrimônio deste ser verificado para fins de custeio das despesas judiciais, ocorrendo, todavia, o reverso, no tocante aos litígios em que figuraria como parte o espólio, quando os ativos de tal ente jurídico é que responderiam pela eventual imposição de taxas judiciais[1].

Em conformidade com tal perspectiva, é de tal maneira lógica a consideração segundo a qual nas ações de arrolamento, assim como na ação de inventário e partilha – já que as disposições desta, segundo enuncia o art. 667, do CPC, são aplicadas subsidiariamente àquele – é o montante titularizado pelo inventariante o relevante para a aferição da possibilidade do mesmo de obter, ab initio, ou, no curso de tais ações, o beneficio da assistência judiciária gratuita. Assim, tanto numa, como noutra hipótese, ter-se-ia respeitada a autonomia patrimonial.

Compondo, agora, um esclarecimento interlocutório. Constata-se que nestas ações sucessórias, não se é aplicado, tão somente, conhecimentos advenientes da legislação civil material e formal, mas, também, de conceitos oriundos de outras searas, como a tributária. Por lógico, antes de se saber se se deve, ou não, arcar com determinado débito, mister se faz, antes, o conhecimento do que se estará a pagar.

Assim, as despesas judiciais, nada mais são do que taxas, sendo, assim, conceituadas, pelo inciso II, do art. 145, da atual Constituição Federal, e, desta forma, compreendidas, porquanto o jurisdicionado deve pagar pela utilização – neste caso –  efetiva da prestação de um serviço estatal divisível e específico, como, também é desta maneira, tida, em virtude do que enuncia a súmula de nº: 667, do STF.

A encerrar, efetivamente, a compreensão acerca da natureza jurídica de tais desembolsos processuais, basta se atentar ao que está descrito no próprio art. 1º, da lei estadual bandeirante 11.608/2003, que, assim, as define como a taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos (…)”.

Pode-se notar, então, que o operador do direito ao se deparar com o custeio, ou não, de alguma despesa judicial, e ao elaborar uma estratégia eficiente em termos de custo benefício para o seu outorgante estará efetuando, ao fim, o que se conhece como planejamento tributário, ou, por outra nomenclatura, elisão fiscal.

Tal planejamento, desta maneira, também pode ser feito no curso de uma ação de inventário, ou de arrolamento, não se adstringindo, pois, a avaliação dos débitos tributários, e a maneira menos onerosa, e lícita, de se fazer frente a estes, a negócios jurídicos demasiadamente complexos, que envolvam uma miríade de ativos e passivos, como nos casos de fusões ou incorporações de empresas, tal previsão de possibilidades viáveis também se faz presente, em casos simples, como  é verificação dos gastos tributários a serem adimplidos no curso de determinado processo judicial.

Superados, entrementes, tais esclarecimentos. Ainda em tempo, reitera-se: autonomia daquilo que se ostenta como patrimônio do inventariante, não se confunde com o montante representativo do espólio, é ao menos isso que nos sinaliza o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Contudo, ressalvas hão de ser feitas, não quanto à autonomia já aludida, mas quanto à verificação da miserabilidade do jurisdicionado, pressuposto autorizador para a concessão do benefício constante dos arts. 98 e 99 da legislação adjetiva civil. Na interpretação daquele mesmo tribunal é feita, comumente – assim como o fora no caso concreto ora sob estudo, ainda que de maneira implícita – em conformidade com o que enuncia Deliberação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, CSDP nº 89, de 08 de agosto de 2008 (Consolidada), precisamente no inciso I, do art. 2º.

Desta maneira, em virtude desta regra, o sujeito processual que recebe mais de três salários mínimos é tido como presumivelmente suficiente em termos econômicos, isto é, este poderá seguramente, salvo prova idônea e relevante em contrário, adimplir as exações judiciais porventura incidentes.

Nesta toada, ainda que venha aquele a herdar uma quantia exacerbadamente elevada, ou, mesmo se não herdar patrimônio de expressivo vulto, e perceber como renda quantum equivalente a três salários mínimos e meio, já pode ser, desta forma, considerado suscetível de arcar com o ônus econômico advindo da imposição daquelas despesas.

E, em decorrência disto, alguns juízes de primeira instância, por vezes, equivocadamente, sequer pedem o aditamento da inicial para com que a parte demonstre se há, ou não, a possibilidade daquela arcar com tais taxas, havendo, simplesmente, a determinação judicial do recolhimento da importância correspondente, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito, entendendo-se, ter concluída a adequada forma contida na redação do §7º, do art.4º,  da lei estadual paulista de nº 11.608/03.

Caso haja tal comportamento pelo juízo a quo, o mesmo deverá ser tido como nulo, por força da legislação processual civil, como também de julgados que em relação a esta convergem, exarados pelo Tribunal de Justiça paulista, devendo, ainda, a colheita de provas referentes à hipossuficiência, antes ignorada pelo juízo a quo, ser realizada, compulsoriamente, em primeiro grau de jurisdição, por força de acórdão emanado daquele Egrégio Tribunal.

Neste diapasão: AI nº: 2035426-15.2018.8.26.0000; AI nº: 2001675-37.2018.8.26.0000; AI nº: 2021767-36.2018.8.26.0000; AI nº: 2223045-25.2017.8.26.0000, AI nº: 2049947-62.2018.8.26.0000.

Doutro vértice. Se o herdeiro perceber renda inferior à três salários mínimos, ainda que herde um só determinado bem, ou, até mesmo, numa hipótese diametralmente oposta, um patrimônio de expressiva monta, fará, mesmo assim, este jurisdicionado, jus ao benefício da assistência judiciária gratuita.

De tal arte, e ultimando, de antemão, é de se ter como sedimentado e elementar, portanto, a concepção de que o valor do patrimônio a ser herdado, bem da vida que é da ação de inventário, ou de arrolamento, não pode ser invocado na motivação de uma decisão interlocutória que venha a indeferir a benesse mencionada, não pelo simples fato de ser objeto de tais ações, mas, sobretudo, porquanto, se tal ocorrer, a autonomia patrimonial, já tantas vezes aludida, restará desrespeitada.

No entanto, a despeito disso, há juízes – como no caso em voga – que, ainda sem suporte jurídico-normativo, a denegam sob tal pretexto, trazendo, com tal prática, efeito negativo, mais especificamente, pela deflagração de instabilidade das normas jurídicas existentes sobre o tema da gratuidade dos serviços forenses e cartoriais, acarretando em prejuízo, ainda que remoto, ao sobreprincípio da segurança jurídica, haja visa a lesão infligida ao aspecto da previsibilidade dos efeitos das regras jurídicas até então existentes.

Apesar de haver tais decisões dissonantes em matéria de gratuidade processual, gerando dinâmicas de atos processuais, por vezes, desarmônicas, observadas quando comparado um processo judicial com o outro, maculando-se a razão de ser do princípio assim insculpido no inciso XXXVI, do art. 5º, da CF. Este, ao menos é respeitado no segundo grau de jurisdição daquela unidade federativa, a qual, ao menos, de forma uníssona, apresenta a noção de independência de patrimônios.

Esta perspectiva coletiva emanada do Tribunal de Justiça bandeirante, representa, desta maneira, dois aspectos: um positivo, pois auxilia, quanto ao  tema – problematizado nos juízos estaduais – no recrudescimento de um entendimento determinado, no robustecimento, num último plano, da segurança jurídica, ainda que, tal estabilidade, somente seria encontradiço no juízo ad quem; outro negativo, precisamente, quando se passa a contemplar como consequência de tais decisões divergentes entre as primeiras instâncias, e dentre estas e o segundo grau de jurisdição, o enfraquecimento de normas que visam a razoável duração do processo, a economia processual. Mas é assim que caminha a persuasão racional nalguns juízos ad quo

Fenômeno diverso, todavia, ocorre com a obediência da regra prevista para a constatação de imediato, de forma, especificadamente, quantitativa, ainda que por via de presunção, da hipossuficiência econômica da parte. Tanto na primeira instância, quanto na segunda instância, há uma convergência a tal respeito, expressa, ou não, ao que naquela deliberação resta consignado.

Uniformidade, esta, incoerente para a realidade atual em que se busca, cada vez mais, a constitucionalização do direito processual civil, pela aplicação das diretrizes encartadas na Lei das leis por meio da jurisdição (BUENO, 2015), bem como em todos os demais ramos do conhecimento jurídico, ultimando-se, desta maneira, a primazia de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, cumprindo-se, ao fim, com o princípio do diálogo das fontes.

Há, assim, demasiada disparidade, dos juízos em relação ao Tribunal bandeirante, que circunscreve-se à obediência, ou não, da regra que busca conceder prelazia a autonomia patrimonial, e, por outro vértice, posicionamento uníssono, expresso, ou não, quanto à vinculação das decisões tanto por aqueles, quanto por este, dos critérios objetivos previstos em ato infralegal para a constatação de hipossuficiência econômica do jurisdicionado.

Contudo, ainda, quanto a esta mesma semelhança de posicionamentos judiciais indigitada, o método hermenêutico utilizado para a aplicação daqueles limites desponta como elemento diferenciador duma e doutra instância. No juízo ad quem se verifica o desenvolvimento de uma hermenêutica de fundo constitucional, como resultado de uma compreensão sistêmica da ordem jurídica norteada pelo lógica do razoável – método adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – já, na primeira instância se privilegia um enfrentamento dos fatos sub judice segundo um tudo ou nada normativo, em que se despontaria o critério  literal de interpretação, traduzida na clássica subsunção munida de certo teor racionalista dogmático, do fato à norma positivada – caminho optado por alguns juízes (as) de primeira instância.

Verificar-se-á, ao fim deste trabalho, que mesmo o método constitucional de interpretação e de aplicação do direito frisado, utilizado pelo segundo grau de jurisdição paulista, quando exercido em desacordo com a compreensão precisa dos elementos presentes na hipótese sub judice, redundará em fonte de validade de normas que não deveriam ser aplicadas no caso concreto, ao invés de legítimo instrumento de ponderação e de atribuição de normatividade do texto constitucional.

 

 

1 Do direito à gratuidade judicial no ordenamento pátrio.

É a lei 1060/50 a que de maneira primeva regulara os institutos da assistência judiciária gratuita, ou justiça gratuita. Posteriormente, com o advento do novel Código de Processo Civil, passando a este diploma legal o trato do benefício da justiça gratuita, ao passo que aqueloutra lei, em seus remanescentes artigos não revogados, passaria a tratar, de alguns poucos aspectos da assistência judiciária gratuita. De assinalar, outrossim, que a coexistência normativa de tais diplomas legais é inclusive afirmada pela Corte paulista, em acórdão emanado de agravo de instrumento interposto nos autos do processo que ensejara a elaboração deste trabalho.[2]

A gratuidade da justiça, ou justiça gratuita, diz da isenção adstrita ao recolhimento de despesas processuais. Consistem estas, em consonância, com o que a própria legislação civil adjetiva, em seu art. 84, nos haveres correspondentes às custas dos atos processuais, da indenização de viagem, da remuneração do assistente técnico, assim como da diária da testemunha.

No entanto, deve-se esclarecer que tais dispêndios processuais, delimitados pelo CPC, teria sua abrangência restringida em virtude do que fora enunciado no parágrafo único, do art. 2º, da lei estadual nº 11.608/2003, não se incluindo, pois, dentre as referidas despesas: a indenização de viagem, a remuneração de assistente técnico, de perito, as diárias de testemunhas[3].

Já a assistência jurídica gratuita refere-se à não arrecadação dos dispêndios concernentes à postulação em juízo, ou extrajudicialmente (LOPES; SILVA, 2011).

Tanto no que toca a um ou a outro instituto, a finalidade de ambos seria a mesma, ou seja: concretizar, numa simbiose útil, o princípio do acesso à jurisdição, previsto no inciso XXXV, do art. 5º, assim como o da gratuidade insculpido no inciso LXXIV (FERNANDEZ, 2013).

Observar-se, então, a título de esclarecimento, que nenhum daqueles meios de isenção do custeio dos serviços que permitiriam a obtenção de determinado bem da vida, por intermédio de um provimento jurisdicional, adstritos, pois, ao âmbito processual judicial, se confundiria com o conceito de assistência jurídica gratuita que  além desta seara, também, compreenderia a esfera extrajudicial (BARBOSA, 1998 apud LOPES; SILVA, 2011). A assistência jurídica gratuita é, desta forma, gênero daqueloutros meios de isenções mais restritos (LOPES; SILVA, 2011).

Neste ínterim textual, e, ainda, no que atine à comparação entre justiça gratuita, e assistência judiciária gratuita, ganha relevo o embate entre os princípios do acesso à jurisdição e efetividade da prestação jurisdicional, mormente quando se atenta ao que na redação do art. 5º, da lei 1060 está consignado.

Em tal dispositivo legal há a descrição quanto a possibilidade de o juiz, ao entender se tratar de hipótese de indeferimento da assistência judiciária gratuita, o fazê-lo de maneira motivada, e, em se tratando de situação diversa, poderá concedê-la, de forma justificada ou não.

Tal regra é nos pretórios de segunda instância, também, aplicada quanto à concessão, ou não, do benefício da justiça gratuita, por intermédio, da utilização do princípio da lógica do razoável, em que, por meio de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico como um todo, numa perspectiva global do texto constitucional, bem como deste em relação às regras infraconstitucionais, e do cotejo destes valores jurídico-constitucionais, com a conjuntura política, econômica, social atual (ALBERNAZ JUNIOR, 2007 apud SILVA; ZENNI, 2008) se buscaria a máxima otimização dos princípios a serem ponderados em função de uma dada hipótese sub judice (Hesse, 1998 apud RABELLO, 2002), sem com que ocorra, no entanto, o esvaziamento de um destes, em favor da vigência assimétrica de uma só, ou de outras, normas principiológicas que protagonizaram tal embate axiológico-normativo (CAMPOS, 2004).

Posicionamento acertado, aliás, que se coaduna, outrossim, com os anseios de constitucionalização do direito, realidade observada nos mais diversos ramos do direito.

De assinalar, também, que tal complexa ponderação deverá ser juridicamente motivada, não só a bem do cumprimento da teoria da argumentação (BARROSO; BARCELLOS, 2003), mas, precipuamente, como forma de consolidar o princípio da publicidade, tão relevante nos regimes que se prezem democráticos, e tão carecedor de atenção por parte de alguns aplicadores do direito.

No entanto, há de se atentar quanto ao conteúdo das proposições normativas emanadas da redação demasiadamente objetiva encontradiça em atos infralegais que, por vezes, e dada a sua hierarquia, poderá, ilogicamente, compor vetor resultante nas decisões judiciais que versem sobre o benefício referido, possibilitando com que a literalidade de tais atos normativos sejam apenas guarnecidos de fundamentos principiológicos, permanecendo os mesmos, entretanto, irredutíveis em seu alcance e conteúdo.

Há de se perceber, portanto, que, caso os atos normativos mantenham-se intocáveis, contando com o fundamento axiológico dos princípios apenas como elemento legitimador de seu alcance e sentido. A própria atualização do sistema jurídico, nesta esteira, restaria, inevitavelmente, prejudicada, vez que o próprio ordenamento jurídico careceria de elasticidade hermenêutica, característica, esta, aliás, derivada das normas principiológicas, como mandamentos de otimização que são (ALEXY, 1997 apud RABELLO, 2002); e, estando ausente, tal flexibilização aventada, remanesceriam os comandos das regras jurídicas – meras prescritoras de comportamentos e sanções – repercutindo-se, ao fim, lamentavelmente, numa prática defasada, contemporânea mesmo ao racionalismo dogmático kelseniano.

Ainda no que respeita à lei 1060/50, esta fora, em consonância com a posição majoritária da doutrina hodierna, recepcionada pela Constituição Cidadã, havendo, no entanto, revogação parcial de seu texto com o advento do novel Código de Processo Civil.[4]

 

 

2 Restrições à benesse da justiça gratuita.

A nível constitucional poder-se-ia considerar como normas que integrariam a resistência à ampla e indiscriminada concessão da gratuidade da justiça gratuita, o princípio da reserva do possível, da efetividade da prestação jurisdicional (FERNANDEZ, 2013) já a nível legal, o teor do §2º, do artigo 99, do CPC, e, no plano infralegal, mais nitidamente no que concerne à realidade dos foros paulistas, a norma consignada no inciso I, do art. 2º, da Deliberação nº 89 da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

No processo inspirador do presente estudo, apenas houve a alusão à norma elaborada pela defensoria pública, não havendo, desta maneira, divagações densas a respeito da não concessão daquela isenção.

Insistamos, pois, no enfrentamento de cada um destes pretensos óbices, entendendo-os, de maneira não exauriente, a fim de se ultimar, se há, ou não, a predominância exacerbada dos mesmos, ainda que contemplados sob o prisma concedido pelo princípio da lógica do razoável.

O princípio da reserva do possível como cediço, remonta a um julgado de origem alemã em que um cidadão pretendia, neste país, ingressar numa instituição de ensino superior, sem que, para tanto, participasse do certame destinado a tal finalidade. Entendendo ser titular do direito social à educação, o invocou perante o Estado alemão, o qual como resposta indeferiu o pleito com base na inexequibilidade e na irrazoabilidade de prestar de maneira irrestrita a todos os alemães o referido direito social, dada limitações de caráter orgânico, orçamentário, e econômico (ARAKAKI, 2013).

Este julgado, por delimitar a participação do individuo na esfera pública quanto ao exercício de direitos sociais, não só constituiu um importante precedente para os países que foram influenciados pelo direito daquele país, mas também, pelo debate que levantara acerca do retorno da Teoria da Irresponsabilidade Absoluta Estatal (ARAKAKI, 2013).

Antes de tudo, há de se advertir, que esta teoria em nada se confunde com o princípio da reserva do possível, na medida que esta não exime o Estado de toda e qualquer responsabilidade deste para com o adimplemento dos direitos sociais pelo mesmo enunciados, mas, diferentemente, apenas impõe critérios plausíveis acerca da aplicabilidade dos direitos sociais em face de determinadas causas de pedir (ARAKAKI, 2013).

Os limites trazidos pela reserva do possível traduzem-se na razoabilidade das exigências, e na exequibilidade das mesmas, relevando-se as condições materiais Estatais, e o momento social, político e econômico vivenciado. De notar, ademais, que a adoção do referido princípio não leva à desconsideração total de outro que encontre guarida constitucional, ou mesmo legal, até porque, o seu método é a razoabilidade (ARAKAKI, 2013).

Destarte, tem-se como corolário, do que até então fora arguido, que não haveria de se conceber a possibilidade de supressão do mínimo existencial, pela aplicação de tal mandamento nuclear limitativo das ações estatais.

O mínimo existencial que nada mais é, em sucintos termos, do que o conjunto mínimo de direitos sociais necessários a uma vida digna. Compreende, logo, o patrimônio mínimo, cuja acepção, mais restrita que aqueloutra, traduz-se no conjunto diminuto de bens que devem ser titularizados pelo o indivíduo para com que o mesmo seja considerado como detentor de uma vida digna (ARAKAKI, 2013).

Sem mais delongas conceituais. O princípio da reserva do possível, no que concerne ao tema objeto de estudo, pode ser utilizado, como meio de resistência e de afastamento da pretensão que, destituída de razão de ser, porquanto, precisamente, diante do momento atual, demonstra-se ser uma exigência irrazoável e inexequível, visa à obtenção de gratuidade na prestação jurisdicional – destoando-se da regra que é a onerosidade de tal serviço.

Contudo, ainda assim, a resistência estatal para se fazer adequada ao afastamento do referido pleito deveria, antes, mostrar-se relevante, isto é corroborada por um quadro probatório robusto que ratifique a indisponibilidade dos recursos estatais que motivasse a não concretização de determinado direito fundamental (ARAKAKI, 2013).

Desta feita, e em convergência não só com a lógica do razoável, mas, também, com o princípio do diálogo das fontes, é possível encontrar uma regra processual que demande daquele que pretenda o afastamento de tal benesse a ser concedida a determinado jurisdicionado, a apresentação de provas que permita constatar sua oposição, que é a redação prevista no art. 100, caput, e, em seu parágrafo único, do CPC, concernente à impugnação da gratuidade concedida a determinado sujeito processual.

Doutro vértice, merece, outrossim, destaque o princípio da efetividade da prestação jurisdicional, norma esta que possibilita, aliás, uma ampla gama de argumentos contrários à concessão desarrazoada do benefício da justiça gratuita.

A efetividade da prestação jurisdicional permite a verificação do processo como instrumento hábil à consecução dos fins a que se propôs, o que permite, a revisão, constante da eficácia das regras que o compõem, com ênfase no devido processo legal, e na jurisdição (FILIAR, 2010).

Somada à tal concepção do processo, a lógica subjacente ao princípio da reserva do possível, a qual é consistente na consciência da limitação dos recursos estatais e que os seus serviços devem ser concedidos desde que obedecidos certos critérios, haver-se-ia de concluir que a gratuidade não deve ser ilimitada, concedida de maneira universal, posto que, se assim o fosse, os verdadeiros necessitados não poderiam de maneira satisfatória usufruir com qualidade dos serviços forense disponibilizados, pelo que se colocaria em xeque as garantias íncitas à tutela jurisdicional efetiva (FERNANDEZ, 2013).

A tanger a realidade. Os defensores da mitigação da gratuidade da justiça em razão da reserva do possível e da efetividade da prestação jurisdicional, preconizam que a ampliação demasiada do referido benefício processual reverteria em encarecimento dos serviços forenses, na morosidade quanto a solução de litígios, no decréscimo na qualidade destes serviços, na exclusão daqueles que efetivamente são hipossuficientes, e na formulação de uma cultura do litigio, e da consciência coletiva de que o Judiciário, dada a precarização de seus serviços, poderia constituir em verdadeira fonte de injustiças (FERNANDEZ, 2013).

Esta pesquisa científica alinha-se, em termos, com o mencionado posicionamento. E, assim, o faz, devido a entender que sua premissa consistente na crítica à universalização do acesso ao judiciário pelo simples fato de ser o jurisdicionado hipossuficiente, com a máxima vênia, poderá originar argumentos falaciosos, como ora se constata.

Pois bem. Se, assim, se apresenta, o jurisdicionado, de um modo geral, por triste decorrência da realidade nacional, por lógico que, em havendo lei e estando convergentes os princípios integrantes do ordenamento jurídico vigente, com a concessão de tal isenção a uma dada situação concreta que aquele se encontra, reunindo as condições necessárias para a obtenção de tal benefício; este deverá ser concedido, ainda que em larga escala.

O argumento pelo qual se divulga que com a ampla concessão do referido benefício haveria o encarecimento dos serviços judiciários, também não merece prosperar. As taxas não seguem – ao menos estritamente – a lei da oferta e da procura, porquanto o custeio das mesmas não permitiria àqueles que as cobram a percepção de lucro, mas, tão apenas, na remuneração dos serviços prestados, ou do poder de polícia exercido.

A majoração, desta forma, do quantum atinente à tais serviços não se confundiriam, e nem acompanhariam, os preços daqueles praticados pelo setor terciário na iniciativa privada. O encarecimento desmedido dos serviços judiciários causados pela concessão da gratuidade inexistiria, podendo, no entanto, apresentar outros motivos, que não o deferimento da isenção indigitada.

Conceber a universalização do acesso ao Judiciário de maneira absoluta, a tomando como ponto de partida de uma contraposição à concessão da gratuidade da justiça, parece método um tanto ingênuo, já que as eras em que se acreditavam em utopias já se passaram há muito tempo, e a sua concessão total nunca ocorreria.

O desenvolvimento de tal raciocínio seria o mesmo do que partir de uma abstração para constatar uma realidade inexistente. Tal miopia metodológica, deste modo, há de ser absolutamente esmerada.

A oposição ao que é ideal e, deste modo, irrealizável, circunscreve o óbvio, sendo assim, criticar o inexistente é o mesmo que não contestar, já que deste embate nenhum avanço se extrairia, a não ser a desnecessária divagação acerca das coisas inexistentes, malabarismo extravagante dos intelectos rebuscados dos quais originam frutos impraticáveis, ou, quando menos, imprecisos.

A realidade, para ser entendida e, de alguma forma, aprimorada, deve ser questionada enquanto situação concreta, e não a partir de uma quimera conceitual que a ela faz menção.

Propõe-se, destarte, a sub-rogação de premissas, devendo, a universalização, como elemento eminentemente teórico, ceder espaço ao questionamento acerca dos critérios até existentes para aferição da gratuidade processual, regras integrantes que são do direito positivo, e se estes promovem, ou não, o acesso à Justiça.

Prosseguem, ainda, alguns autores, adotando o método – refutado neste trabalho – no argumento de que a miséria é problema atinente à implementação adequada de políticas sociais que deveriam ter sido levadas a efeito pelo executivo, legislativo, não podendo ser a desigualdade social resolvida somente com a concessão da supracitada isenção (FERNANDEZ, 2013).

Por lógico que, desta forma deveria ser conduzida a mitigação das desigualdades sociais, mas, também, seria um tanto desacreditada a crença absoluta de que o desnível social estaria findo, tão somente, em virtude da concessão desmedida da isenção mencionada. Aliás, não se é possível observar qualquer conclusão, ao menos de pronto, de que deferimento de tal benesse implicaria num milagre da minimização da desigualdade social.

A prestação jurisdicional imparcial e adstrita aos termos da lei e aos ditames constitucionais os quais versem em alguma medida sobre os critérios para aferição da insuficiência econômica deverá ser cumprida, independentemente se a clientela do Judiciário se estender a ponto de trazer alguma precariedade para o mesmo, posto que daí o que se teria não seria um problema do jurisdicionado, mas de política administrativa deste Poder.

Há de se compreender, então, que a provável solução, deveras, não estaria no aniquilamento de algumas normas principiológicas em detrimento doutras, mas da conciliação de todas para com que se prestigie a unidade do ordenamento jurídico, consagrando a lógica do razoável, diante da qual se preferirá, ante um caso concreto, pela reserva do possível, ou doutra circunstância, pela concessão da gratuidade ao jurisdicionado.

O ponto de convergência, deste modo, com tais autores seria a de que tal isenção não poderia ser contemplada sob uma perspectiva insular, como que se revestisse de um caráter dogmático absoluto. Isto não quer significar, por lógico, que as normas que ousem a limitar a concessão da gratuidade sejam tidas, também, como insuscetíveis de mitigação, ante uma determinada hipótese sob apreciação jurisdicional.

As normas de hierarquia constitucional não poderiam oferecer respaldo inquestionável às normas que chancelam, ou denegam a gratuidade, limitando-se, apenas, em apresentar-se como trono legitimador destas regras – refletindo a antiquada concepção racionalista dogmática kelseniana –, mas, ao reverso, haverão de mitigá-la, se assim for necessário, caso a hipótese submetida à apreciação jurisdicional, deste modo, aconselhar.

Esta opinião, no entanto, não se encontra acolhida de maneira categórica no Egrégio Tribunal Paulista, o qual parece aplicar o princípio da lógica do razoável apenas para conferir guarida à norma editada pela Defensoria Pública em sua Deliberação de nº 89. É o que se observou do acórdão proferido em sede de agravo interposto perante aquele tribunal.[5]

Diante do que até então tem-se arguido, se é permitido avançar para o estudo do que consta dos diplomas legais, e infralegais como normas impeditivas à obtenção da gratuidade.

O §2º, do art. 99, do CPC enuncia a forma como ocorrerá, a nível nacional, o indeferimento do beneficio da justiça gratuita. Há de se compreender que tal regra não incidirá de maneira isolada, até porque é anseio da própria legislação adjetiva civil, consignado em seu art. 1º, a constitucionalização da aplicação de tal diploma legal.

Ora, tanto é assim, que em inúmeros julgados entende-se a gratuidade como sendo questão de ordem pública, isto é, que pode ser arguida em sede de pedido de reconsideração, ou mesmo em qualquer outra situação processual, a qualquer tempo, fortalecendo-se, ademais, o que se encontra redigido no art. 99 daquele mesmo códex processual.

Em não consistindo numa norma de inquestionável incidência, estará suscetível, portanto, à ponderação em relação aos valores ou sobrevalores encontradiços em nosso ordenamento jurídico como um todo e que estão projetados na Constituição Cidadã.

Nesta legislação processual verifica-se que o juiz ao constatar a ausência dos pressupostos que autorizam a concessão da gratuidade, prevista em seu art. 98, poderá indeferir o pedido de tal isenção, desde que, para tanto, conceda à parte prazo de 72 (setenta e duas) horas para demonstrar um conjunto probatório relevante que ateste as razões pelas quais entende ser necessária a concessão da referida benesse.

Verifica-se, destarte, que há, ainda que de maneira incita, a inversão do ônus da prova, ainda mais quando se trata do impedimento do Estado de arcar com a referida gratuidade, não obedecendo-se, o que de resto deriva do princípio da reserva do possível, precisamente, do fato deste ter de comprovar a impossibilidade de arcar com tal isenção em favor do jurisdicionado (ARAKAKI, 2013). Isto talvez se dê, sendo autorizada tal permuta do onus probandi, porquanto o pedido de gratuidade não circunscreve-se como bem da vida perseguido na ação judicial aventada.

De se notar, também, que a revogação da gratuidade – e não só o indeferimento do pedido – poderá ocorrer em qualquer momento processual, desde que verificável no processo a ausência dos requisitos que possibilitem a manutenção da aludida isenção, ao menos seria esta conclusão que se poderia extrair da exegese dos comandos insertos no caput do art. 99, e em seus parágrafos 1º e 2º, bem como, de acordo com o que dispõe o art.101, caput, todos, da legislação adjetiva civil.

No que toca à redação de tal norma processual, não parece por demais dificultosa a conclusão de que a denegação da referida benesse deverá ser sempre motivada em consonância com o que dos autos constam, além de ser mister do magistrado proceder com a intimação da parte que pretendeu a concessão de tal isenção, a fim de demonstrar que, de fato, era hipossuficiente economicamente.

Tal dinâmica processual, contudo, não ocorre na prática forense – conforme já demonstrado nesta pesquisa, por intermédio de uma alusão prévia a alguns julgados que revelam a referida inobservância pelos juízes paulistas de primeira instância da regra contida no §2º, do art.99 do CPC.

Alguns pretores, além de não obedecerem à risca tal regra processual, ainda utilizam, de forma implícita, para fins de concessão do benefício da justiça gratuita, o disposto no I, do art. 2º, da Deliberação de nº 89, da Defensoria Pública bandeirante.

De asseverar, ainda, que estes magistrados sequer expõem tal artigo em seus despachos lacônicos, os quais trajados de decisão interlocutória, podem terminar ou não com determinado processo sem com que seja dado ao mesmo uma solução definitiva. Restringem, assim, estes atos judiciais a, tão apenas, indeferir a gratuidade respaldados no fato – objetivamente considerado – de a parte não receber quantia inferior a três salários mínimos.

Há de se convir que tal ato consubstanciaria numa afronta ao princípio da publicidade, à teoria da argumentação (BARROSO; BARCELLOS, 2003), ao devido processo legal, e o próprio regime democrático de direito, porquanto desamarraria sob a forma de um enigma jurídico-linguístico os atos judiciais dos controles legais, constitucionais.

Doutro ângulo, observando a questão do ponto de vista eminentemente normativo, especificamente no que concerne ao teor de uma norma que impõe limites objetivos para com que haja, ou não, a chancela de determinada benesse. Esta regra, enfim, não há de escapar a questionamentos, sobretudo, aquele correspondente à sua incidência absoluta frente a toda e qualquer hipótese que se encontra submetida à apreciação jurisdicional. Daí, novamente, a ditar a solução, o princípio, tantas vezes mencionado por este trabalho, da lógica do razoável.

Assim, ainda que o inciso I, do art. 2º, da Deliberação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo de nº 89 entenda serem hipossuficientes aqueles que percebam quantia inferior a três salários mínimos, tal patamar, bem como o que ocorrera com a LOAS, que previa limite à concessão do benefício assistencial às pessoas portadoras de necessidades especiais, deverá ser mitigado frente ao fato sub judice que apresenta singulares contornos (AgRg no AResp 319889/PR).

A miserabilidade, ainda que não seja presumida, em virtude da inobservância dos limites objetivos impostos pelas regras citadas, há de ser constatada casuisticamente, permitindo, ao menos, com que ao jurisdicionado lhe seja assegurado o mínimo existencial, consagrando, na prática o ideal aristotélico de justiça distributiva.

 

 

3 A deliberação nº: 89, da defensoria pública paulista como impositora de norma que estabelece sistema de prova tarifada.

Via de regra, as decisões judiciais consistentes no indeferimento do pleito de gratuidade da justiça, emanados do Poder Judiciário bandeirante, quer da primeira instância, quer do segundo grau de jurisdição, se fundamentam em limites objetivos para a constatação de que há, ou não, a hipossuficiência alegada nos autos, prosseguindo, no entanto, ao largo do posicionamento encontradiço no Superior Tribunal de Justiça, o qual, no Agravo Regimental em sede de Agravo em Recurso Especial de nº: 257.029/RS, enuncia ser a miserabilidade fruto de uma verificação que observe não só a renda do jurisdicionado, mas, também, os débitos que este, em função de si, e de sua família, deverá arcar.

Por outro lado, conforme um dos precedentes citados, “Para o deferimento da gratuidade de justiça, não pode o juiz se balizar apenas na remuneração auferida,no patrimônio imobiliário, na contratação de advogado particular pelo requerente (gratuidade de justiça difere de assistência judiciária), ou seja, apenas nas suas receitas. Imprescindível fazer o cotejo das condições econômico-financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família. (AgRg no AREsp 257.029/RS).”

A norma adotada pelo Judiciário paulista, em suas diferentes instâncias, provém daquela deliberação da Defensoria Pública bandeirante já citada em que se é enunciado o limite pecuniário que uma pessoa pode perceber para, assim, ser presumidamente reconhecido como materialmente hipossuficiente.

Já é constante de alguma data da literatura processual civil brasileira que existem três tipos de norma que permitem a influência do sistema de prova tarifada, ou legal, em nosso direito, sendo uma destas aquela que traz consigo presunção relativa acerca do que se almeja demonstrar (DINAMARCO, 2001, apud VIEIRA, 2010). É o caso vertente da análise ora desenvolvida.

Ainda sob aquele enfoque, tal regra, um ato infralegal, apresenta-se como uma chancela absoluta que seleciona quem pode, ou não, acessar o Judiciário gratuitamente.

Por vezes ocorre que, mesmo no juízo a quo, são exarados despachos munidos de teor interlocutório que sequer trazem consigo fundamentação jurídica – cingindo, de resto, manifestação da íntima convicção do magistrado – não sendo consubstanciada precisamente na menção a algum artigo da lei, ou de atos infralegais.

Quanto à referida matéria, tal realidade não se demonstraria de maneira diversa. Assim, ainda que denegue, o juiz de primeiro grau, a gratuidade. Tal decisão, mesmo que detentora de importantes efeitos práticos para os sujeitos processuais, não apresenta, em contraposição à teoria da argumentação (BARROSO; BARCELLOS, 2003) e aos princípios da publicidade e do devido processo legal, qualquer elemento jurídico apto a afastar o pedido do mencionado benefício.

Pende, deste modo, as decisões judiciais sobre o tema, duma vez ou outra, quer para o sistema de íntima convicção, quer para o de prova legal. Noutros termos, ou se verifica a demasiada relevância conferida a apenas uma norma em específico, ou, ao reverso disso, a menção, por meio de argumentos gerais – destituídos de identificação jurídica imediata – as razões que deneguem o pleito deduzido.

No entanto, mesmo nestes atos judiciais, caracterizados pela ausência de alusão jurídica direta, se encontra a inteligência, também constante do inciso I, do art.2º, da Deliberação nº 89 da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o que acaba configurando, de certo modo consciente, ou não, exercício categórico de uma prática empirista exegeta.

Por óbvio que a lei, em nossa realidade hodierna, não traz consigo diferenciações incontestes entre um ou outro meio de provas, de maneira a se privilegiar absolutamente – numa perspectiva sistemática – este, ou aquele, em detrimento das demais que compõem o quadro probatório acostado aos autos (VIEIRA, 2010)

Entretanto, o Judiciário, em face de tal matéria, neste sentido decide, conferindo um valor absoluto ao quantum recebido e apresentado nos autos pelo jurisdicionado, omitindo-se quanto aos dispêndios que este já suportava antes mesmo de acessar a jurisdição.

Tal prática, com as devidas vênias, há de ser rechaçada do cotidiano forense, posto que afronta os anseios presentes no momento hodierno consistentes na construção duma constitucionalização do direito como um todo, conferindo à Lei Maior efetiva força normativa. A interpretação sistemática, por meio da aplicação da lógica do razoável, deverá prevalecer ante a aplicação insular e literal de uma regra jurídica.

O presente debate nos remete, então, à ponderação do conteúdo do inciso, LXXIV, do art. 5º, da CF, e da legalidade – inciso II, daquele mesmo artigo constitucional – esta que relevaria a reserva do possível. A considerar, neste ínterim textual, então, a lição de Hesse em que os princípios hão de ser sempre concebidos em função de pontos de vistas que acompanhados por certos aspectos fáticos, possibilitem a otimização da força das normas constitucionais como um todo (1998 apud RABELLO, 2002).

A configurar, de maneira mais nítida, as características da conjuntura atual vivenciada em função de tal matéria jurídica. Deve-se relevar o critério eleito pelo STJ para aferição da miserabilidade calcado no cotejo entre as despesas que o jurisdicionado terá de fazer frente e as suas possibilidades financeiras no momento, e não apenas baseada apenas no quantum percebido pelo contribuinte, ou no seu patrimônio (AgRg no AREsp 257.029/RS)[6].

Novamente, não se deve compreender como de demasiada heterodoxia a consideração pela qual se permita ratificar, dentro de um espectro de ponderações a serem realizadas casuisticamente, que o primeiro valor constitucional já ressaltado deva se sobressair aos que lhe foram subsequentemente mencionados.

Primeiramente, porque alguns juízes não concedem ao pleiteante da referida isenção, a demonstração, por meio de um suporte probatório suficiente, de que a utilização, por aquele, da justiça gratuita, poderia, inevitavelmente, acarretar num colapso de tal serviço público. Assim, a reserva do possível, desta maneira, não poderia ser invocada como argumento a salvaguardar o Judiciário.

Segundo. Não releva, a aplicação de tal norma, a conjuntura política, social e econômica atual vivenciada pelos sujeitos processuais, como tampouco de maneira precisa a situação econômica da parte que demanda a prestação da jurisdição, e nem a fundamentação jurídica que possibilitaria a não concessão de tal benesse. O ato judicial não esteado em argumentos jurídicos, consiste num absolutismo judiciário que não merece qualquer proteção de um Estado que se preze como de direito.

Aquele ato munido de teor decisório há de ser fundamentado em lei, ou em atos normativos, posto que do contrário não se estaria obedecendo ao princípio da legalidade, até porque o magistrado ao fazê-lo produz lei entre os sujeitos processuais, como bem explanaria o princípio da relatividade das decisões judiciais.

O comando adveniente da deliberação da Defensoria Pública, por si só, não autoriza a recusa da justiça gratuita, estando consignado, naquele ínterim textual normativo já frisado e verificável no Código Processual Civil, que o limite quantitativo apenas expressa uma presunção, permitindo-se, ademais, a colheita de outras provas hábeis ao fortalecimento de uma convicção precisa acerca da situação econômica alegada pelo litigante.

A pesquisa a tais fontes probatórias complementares, não ocorre como esperado, tanto é que há jurisprudência demonstrando que a isenção não obtida, não apresentou precedente busca de outros meios de prova para com que assim a fosse enjeitada.

Assim sendo, atualmente, o conteúdo de tal norma seria utilizada como um meio lacônico de seleção daqueles que seriam agraciados, ou não, pela benesse citada, que, quando aludido conformaria uma decisão representativa do sistema de prova tarifada, e, quando omitido quanto a quaisquer referências legais ou jurídicas, da íntima convicção. Fenômenos jurídicos estranhos, portanto, ao sistema atual que é o da persuasão racional do magistrado.

 

 

4 O princípio da razoabilidade como meio de efetivação do direito ao acesso à jurisdição.

O princípio da razoabilidade, ou da proporcionalidade – tratado por muitos autores como sinônimos, e por outros como distintos em razão de diminutas peculiaridades concernentes à origem dos mesmos, sendo, aliás, tal diferença bem ressaltada por Campos (2004) – diz não somente da harmonização de direitos, mas, também, da atribuição adequada de poderes, privilégios ou benefícios (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008).

Em termos práticos, tal princípio considerará equilíbrios, porventura existentes, entre prós e contras, fins e meios, das regras a serem aplicadas ao caso concreto (PISKE,2011), sem com que, para tanto, haja prejuízo da unidade da constituição, obedecendo-se, de forma remanescente, os limites impostos ao poder constituinte derivado.

Resulta, além do mais, de “uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição do excesso, direito justo e valores afins”, (MENDES; COELHO; BRANCO, p.120-121 ,2008).

É a razoabilidade, ou proporcionalidade, também considerada como nota distintiva do segundo momento do Estado Democrático de Direito, caracterizado, em suma pela primazia concedida aos valores consagrados no texto constitucional, superando, pois, o modelo jurídico estatal que exsurgiu da promulgação da Constituição de Weimar, que se centrava na observação concedida às normas legais (PISKE, 2011).

Consubstancia-se, pois, num objeto cuja abrangência e conteúdo é muito mais complexa, ampla e dinâmica do que simplesmente o mero exercício da interpretação e da aplicação equilibrada de direitos, que, encartados na Constituição, de alguma forma demonstram-se contrapostos, integrando, de início, um pseudo quadro de antinomia de mesmo nível hierárquico, mas que, ao fim, a bem da unidade constitucional, mereçam ser combinados.

De observar, em tempo, nesta fresta textual, que há autores, a exemplo de Mendes, Branco, e Coelho, que entendem que os referidos princípios também deveriam ser utilizados pela atividade legiferante estatal, não servindo de instrumento exclusivo dos aplicadores do direito (2008).

Ressalta-se, enfim, que é imprescindível, para com que tal mandamento nuclear, não consagrado expressamente no texto constitucional (PISKE, 2011), se realize, por meio da observação, pelo julgador, do momento político, social, econômico vivenciado pela sociedade (ALBERNAZ JUNIOR, 2007 apud SILVA; ZENNI, 2008) isto é, da própria fonte material que formará o enunciado, sentencial ou colegiado, assim como a verificação das singularidades que delineiam a hipótese sub judice, bem como das normas jurídicas vigentes em nosso ordenamento jurídico como um todo.

Estes elementos todos, contemplados de maneira conjunta, e segundo critérios integrantes do próprio conceito da proporcionalidade como são os subprincípios: proporcionalidade em sentido estrito, da adequação, da necessidade; que possibilitarão ser, tal norma, encarada como um decantado hermenêutico, ou, da experiência jurídica em sentido amplo. (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008)

Deveras, assim o seria, porquanto os referidos princípios num segundo momento de sua aplicação apresentar-se-ia como um meio de verificação acerca de restar concretizado o perfil constitucional do Estado Social e Democrático de Direito (PISKE, 2011)

Por lógico, já que diante do fluxo incessante de casos que se apresenta sob o crivo da jurisdição, traduzindo o que de derradeiramente também é constante, como são as transformações na vida social, é que o princípio da razoabilidade, ou da proporcionalidade, ganha densidade, ou ampliação de sua abrangência, revelando seu conteúdo, conferindo, por fim, a consolidação harmoniosa das normas que compõem o ordenamento jurídico como um todo.

De assinalar, em tempo, que há autores que entendem a razoabilidade como fruto de uma intepretação evolutiva do due process of law, encontrando, diferentemente da proporcionalidade de origem tedesca, nascedouro na atividade jurisdicional norte americana. (CAMPOS, 2004).

Não seria de todo equivocado, portanto, afirmar ser a lógica do razoável, instrumento interpretativo e de resolução de embates de valores, explicita ou implicitamente, consagrados constitucionalmente. Em suma um aperfeiçoamento hermenêutico da proporcionalidade.

A provar o arguido. Ao invés da lógica do razoável se circunscrever simplesmente na elaboração de silogismos, na subsunção pura e simples, a mesma abarcará raciocínios mais abstratos, e, desta forma, mais complexos (SILVA; ZENNI, 2008), que relevará não só as especificidades do caso concreto trazido à apreciação jurisdicional, a realidade social em contínua transmudação, mas, também, os seus próprios critérios de aplicabilidade para resolver aquela hipótese sub judice (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008),e, ainda, as experiências humanas do próprio julgador, norteando-se pelo anseio de aplicação da equidade, otimizando-se, por fim, o direito positivo (COELHO, 1979 apud  SILVA; ZENNI, 2008).

Há de ter a lógica do razoável sempre respaldo na lei, e na constituição, no direito, enfim, tendo a função criadora do juiz os limites normativos que coincidiriam com os fundamentos axiológicos que o legislador teria quando da edição de determinado comando legal. Sendo um tanto exagerado entender que o magistrado poderia se omitir, não aplicando a justiça ao caso concreto apenas porque os motivos da gênese de alguma regra não mais ali se encontre, a não ser que não a aplique, mas, para tanto, se utilize de outras normas, também, presentes no ordenamento jurídico vigente, ou, então, lance mão da equidade judicial. (SILVA; ZENNI, 2008)

Verifica-se que o raciocínio, por demais abstrato, por parte dos aplicadores e operadores do direito, não conferem carta branca aos mesmos para alegações absurdas, ou arbitrariedades. A lógica do razoável possibilita ao julgador a antevisão dos efeitos práticos da aplicação da norma jurídica (SILVA; ZENNI, 2008), o sopesamento – peculiar ao princípio da proporcionalidade – das soluções a serem adotadas à hipótese sub judice, sem que, para tanto, haja exacerbada restrição de direitos fundamentais envolvidos na celeuma sob apreciação jurisdicional, tecendo-se, assim, situação equilibrada, harmoniosa e a efetivação dos interesses e direitos frente a um caso concreto (CAMPOS, 2004).

Muito pelo contrário, mesmo a lógica do razoável será limitada pela teoria da argumentação, a qual por meio do princípio da publicidade, deverá ser demonstrada num raciocínio suscetível de controle pelo Judiciário em suas diversas instâncias, e pela sociedade os quais serão legítimos fiscais da compatibilidade de determinado ato com o ideal de justiça vigente (BARROSO; BARCELLOS, 2003).

De consignar, ainda, que a equidade, por meio da lógica do razoável, possibilita a otimização do direito. Por óbvio, assim, o seria, já que a equidade desde Aristóteles já era concebida como instrumento adequado para mitigar os rigores da justiça legal, retificando-se, as imprecisões legislativas, permitindo-se, ao fim, a obtenção da justiça distributiva (SILVA; ZENNI, 2008).

A lógica do razoável destoa em muito da interpretação meramente literal, em que se verifica a simples operação de conformação dos fatos à regra jurídica positiva, emergindo, tal método hermenêutico, daquela ampla gama de situações excepcionais que não são previstas de maneira cristalina pelo legislador; é, portanto, intelecção formulada a partir daquilo que a inspiração normativa sequer tenha consagrado, mas que por necessidade pontual necessite ser abarcada, de alguma forma, pelo direito; é, talvez, a última instância interpretativa, com seus critérios e anseios, que se preze jurídica – e não arbitrária – de uma regra, ou princípio jurídico, em função de uma controvérsia peculiar.

 

 

5 Conclusão

O processo que inspirou a feitura do presente artigo conferiu derrota ao pleito de gratuidade apresentado pela autora do processo de arrolamento. Esta ainda que relutasse desde a primeira instância em aceitar o indeferimento da benesse prevista no Código de Processo Civil, ainda teve de arcar com a recusa quanto a concessão de tal objeto, mesmo no segundo grau de jurisdição, em sede de agravo de instrumento, como também, de embargos de declaração com efeitos infringentes.

Em todas as decisões foram aludidas, de forma direta ou não, os limites previstos na deliberação nº 89 da Defensoria Pública paulista.

Em primeira instância, além de não se mencionar este ato normativo, sequer houve o sopesamento dos valores constitucionais trazidos à baila pelo pedido de reconsideração ajuizado, já que, caso não fosse exercido tal pedido, o processo. fatalmente, seria extinto sem resolução do mérito, posto que a juíza não havia oportunizado, como aconselha uma série de julgados presentes no Tribunal de Justiça de São Paulo, a demonstração pela parte de hipossuficiência econômica alegada.

No juízo ad quem houve, inicialmente, por intermédio da interposição de agravo de instrumento, a concessão de efeito suspensivo quanto a exigibilidade das exações judiciais.

Em julgamento eletrônico, houve por unanimidade, o indeferimento do pedido veiculado pelo agravo. Confundira-se os rendimentos pessoais da inventariante com aqueles oriundos do espólio. Por mais paradoxo que possa parecer, ainda que mencionada a autonomia patrimonial em tal acordão, a mesma não fora observada, entendendo-se como rendimento da agravante não só os seus vencimentos como funcionária pública municipal como também aqueles advenientes do imóvel em que era explorada atividade hoteleira. Opostos embargos de declaração, com efeitos infringentes. O Tribunal paulista, firme no entendimento do STJ consignado no julgamento do REsp 437.380, emitira decisão lacônica, os rejeitando, mantendo, ademais, por simples cópias textuais, o que já fora enunciado no último acórdão obtido.

São lamentáveis tempos, de lamentáveis práticas jurisprudenciais. A constitucionalização do direito em todos os seus ramos seguirá ameaçada se acaso optarmos pelo tudo ou nada da subsunção de um ato normativo ao invés do atual instrumental hermenêutico posto à disposição dos aplicadores e dos operadores do direito como a é a lógica do razoável.

Longe de ser uma ferramenta demagógica de mera ratificação de disposições infralegais, arrimando alicerces oriundos de aspirações antiquadas, como as são as advenientes da escola do racionalismo kelseniano. Tal princípio, deve ser encarado com a seriedade que lhe é merecida, ou seja, como última instância interpretativa de hard cases, em que se não se deva relevar a conformação a qualquer preço de regras à fatos de peculiares configurações, mas a harmonização simétrica, equilibrada e ponderada das normas jurídicas e constitucionais, relevando o substrato norteador do sistema jurídico como um todo, e o ideal de equidade, com o efetivo diálogo das fontes, obediência à teoria da argumentação e da proporcionalidade.

A interpretação implementada pelo Tribunal da unidade federativa mais rica do país é um exemplo de apego a tradições desnecessárias, quinquilharias simplistas e inadequadas, impróprias aos tempos em que a realidade é mutável constantemente, e que demandaria, por parte do ordenamento jurídico, uma evolução – e não revolução – constante das regras jurídicas em consonância com os parâmetros hodiernamente disponíveis, em nítido acordo com os ideais de justiça distributiva.

A interpretação literal, fundamentada, na lógica do razoável consubstancia-se numa retórica de fundo precário. Não poderia tal meio de interpretação permitir a observação de todo os valores e sobrevalores do ordenamento jurídico, para com que, posteriormente, se preferisse a aplicação restrita de uma regra jurídica, ultimando um tudo ou nada normativo, solapando, totalmente, qualquer equilíbrio normativo.

É aplicação incoerente, ilógica, inexistente do ponto de vista da técnica, já que a consequência do meio interpretativo nega a própria razão de ser do método. Disto surge – por mais irônico que possa parecer – inclusive a questão de se aplicar a lógica do razoável em função da lógica do razoável, em que se decidiria se seria adequado ou não a utilização de tal método frente a determinados casos concretos – arbitrariedade pura.

A função otimizadora dos princípios jurídicos há de ser considerada, ainda mais quando a mesma converge com os fundamentos da Constituição Federal, com os direitos individuais, obtendo, ademais, respaldo na conjuntura posta sob apreciação judicial para a sua aplicação, haja vista que, do contrário, o que se terá será apenas um engessamento rebuscado das regras legais, permitindo-se, o absurdo de uma norma infra-legal, ser mais eficaz do que um valor constitucional.

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Referências

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SILVA, Elizabet Leal da; ZENNI, Alessandro Severino Vallér. Aspectos Gerais da Lógica do Razoável como Arte da Interpretação Jurídica. Revista Jurídica Cesumar, Maringá, v. 8, n. 1, jan./jun. 2008. Disponível em: < http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/viewFile/724/559 >. Acesso em: 01 jul. 2018.

 

* Advogado, pós-graduado em direito tributário e empresarial pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba, Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]

[1] (TJSP, 4ª Câm. Dir. Priv., AI 2105215-38.2017.8.26.0000, rel. Des. Teixeira Leite, j. 26.09.2017). Aludido pelo acórdão, fls.73, proferido em sede do Agravo de Instrumento de nº: 2241242-28.2017.8.26.0000.

[2] “ Reza o art. 98 do CPC2015 que “ a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça”.O §3º do art. 99 do diploma processual, por sua vez, estabelece que se presume “verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.” Diz, ainda, o art. 5º da Lei 1060/50, não revogado pelo CPC2015: “O juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas.” Resta saber o exato alcance desses dispositivos quanto à conduta do Juiz. Cabe dizer, desde logo, que foram recepcionados pela Constituição da República vigente, segundo a melhor corrente adotada pelo Pretório Excelso e pelo Colendo STJ, embora haja divergência (…)Sendo assim, a melhor interpretação é a de que os dispositivos acima citados formam um todo harmônico e coerente, integrados na lógica do razoável, permitindo ao Juiz, sim, em caso de apresentação de dado fático, na inicial, que possa estar em contradição com a miserabilidade jurídica afirmada, indeferir o benefício ou ordenar sejam prestados esclarecimentos ou a feitura desta ou daquela prova.(…)” (acórdão em AI de nº: 2241242-28.2017.8.26.0000)

[3] De notar-se, a título de elucidação complementar, que tal ampliação da referida dispensa legal de pagar, consistente na exclusão de alguns serviços da hipótese de incidência, não afligiria o princípio da vedação das isenções heterônomas, uma vez que, as taxas são espécies tributárias que decorrem, para a sua instituição, de competência concorrente. Deste modo a isenção concedida, assim a fora, pelo ente que poderia, se, assim, almejasse, criar a taxa sobre a qual pairaria a referida dispensa.

[4] Tal entendimento é, assim, expressado pelo acórdão prolatado no julgamento do agravo de instrumento, precisamente, em suas fls.71-72, autos do processo de nº: 2241242-28.2017.8.26.0000.

[5] Sendo assim, a melhor interpretação é a de que os dispositivos acima citados formam um todo harmônico e coerente, integrados na lógica do razoável, permitindo ao Juiz, sim, em caso de apresentação de dado fático, na inicial, que possa estar em contradição com a miserabilidade jurídica afirmada, indeferir o benefício ou ordenar sejam prestados esclarecimentos ou a feitura desta ou daquela prova.(…) Na hipótese, ponderando que a requerente seja representada por procurador particular, possua renda líquida superior a quatro salários mínimos e que o valor dos bens a inventariar seja considerável (R$ 280.092,51),a MMª Juíza a quo houve por bem indeferir o pedido de concessão das benesses da assistência judiciária (fls.25). (…) que a ora agravante, de 56 anos de idade e professora da rede pública municipal da Comarca de Buritama, tem vencimentos da ordem de R$ 3.500,00, além de rendimentos médios de R$ 1.200,00 atinentes à locação de flat na Comarca de Santos, o que, na verdade, corresponde atualmente a mais de 5 salários mínimos, forçoso é convir que a agravante, de fato, reúne condições de arcar com as despesas do processo. Assim, ante os termos expressos do art. 5º, inciso LXXIV da Constituição da República, o r. pronunciamento deve ser prestigiado. 2.- CONCLUSÃO Daí por que se nega provimento ao recurso. (acórdão em AI de nº: 2241242-28.2017.8.26.0000)

[6] “Por outro lado, conforme um dos precedentes citados, “Para o deferimento da gratuidade de justiça, não pode o juiz se balizar apenas na remuneração auferida, no patrimônio imobiliário, na contratação de advogado particular pelo requerente (gratuidade de justiça difere de assistência judiciária), ou seja, apenas nas suas receitas. Imprescindível fazer o cotejo das condições econômico-financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família. (AgRg no AREsp 257.029/RS).” (AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 419.104 – AC (2012/0164064-8) RELATOR: MINISTRO SÉRGIO KUKINA; AGRAVANTE: ESTADO DO ACRE; PROCURADOR:  JOÃO PAULO SETTI AGUIAR E OUTRO(S); AGRAVADO: JERSEY PACHECO NUNES; ADVOGADO: ISABELLE LAVOCAT NUNES DIAS E OUTRO(S) – AC003034)