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Entrevistado pelo jornal “Folha de São
Paulo” de  segunda-feira, 25 de fevereiro, o médico Marcos Boulos, professor titular de doenças infecciosas e
parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi
enfático. Disse, em linhas gerais: “- O Aedes está dentro da casa da gente, vive perto do ser
humano. O primeiro foco do mosquito, no Brasil, foi descoberto em 1976.
Responsáveis pela epidemia, hoje, são o governo federal e os municípios. São
Paulo, há muito tempo, é vulnerável às picadas do Aedes
Egypti. Há, na capital do Estado de São Paulo, muita
água parada. O dengue vai e volta. Convive conosco. Será nosso parceiro
permanente. O esforço coletivo no combate à epidemia é fundamental, porque só
por meio dele  poderemos ter uma quantidade menor de mosquitos”.

O ilustre parasitólogo parecia estar
falando do ensino do Direito no Brasil. Algumas diferenças, é
claro, mas as divergências se encontram estreitamente ligadas a convergências
variadas. Existem, igualmente, distonias nas datas de
começo das epidemias. Por exemplo: a derrama de cursos de ensino das ciências
jurídicas começou, no Brasil, a partir de 1969. Naquele tempo, escrevi com o
grande advogado Waldir Troncoso Peres um esboço de tese denominado
“Perspectivas da advocacia em futuro próximo”. Referia-me a um político chamado
Vasconcelos Torres e a Jarbas Passarinho, este último ligado umbilicalmente ao
Ministério da Educação. Vê-se que a desgraça já era prevista,
assemelhadamente às previsões referentes ao mosquito
da dengue. Duas pestes multiplicando-se nas águas paradas, corrompidas por
dejetos antigos. Não há inseticida eficaz para o Aedes
Egypti e as Faculdades de Direito. O contágio,
tocante às novas instituições de ensino jurídico, chegou a tal ponto que não se
sabe, no Ministério da Educação e respectivo Conselho, quantas há espalhadas
pelo Brasil. Vale o desafio de se indagar ao Ministro Paulo Renato se conhece a
dimensão da praga. Ele não sabe. Tem ciência, apenas, dos resultados de provões, com subseqüente ameaça de fechamento daquelas
faculdades que se saem mal, sabendo-se, por igual, que tais furores são
passageiros e não levam a coisa alguma. Portanto, talvez precisemos
conformar-nos com o mosquito e com a pútrida água parada. A própria OAB,
instituição dentro da qual me sacrifico há quarenta anos, não
pode desanimar com o envenenamento crônico. Mas os protestos precisam de
imensa agressividade. Existe, à margem, fenômeno extremamente curioso:
investe-se contra os maus empresários, os dilapidadores do dinheiro público, os
vencedores das licitações deformadas, os políticos desonestos, mas os anjos da
honestidade restaurada passam ao largo do deterioramento
do ensino universitário no Brasil. É como chapinhar, sem ver, no lodo da água pasmacenta. Havia no Rio de Janeiro, nos meus tempos de
freqüentador da praia de Ipanema, uma expressão muito usada pelos cariocas:
“Xaveco”. Explique-se: vinha a chuva e inundava os desníveis da calçada. A água
ficava lá embaixo. Quando alguém pressionava o piso, aquilo esparramava em volta. Aparecia
tudo quanto era sujeira velha deixada na escuridão. Assim é o Aedes Egypti, transmissor da
dengue; assim acontece com o ensino e o estudo do Direito no país. Tenho pena
dos moços que enfrentam as conseqüências da insana atividade de falsos educadores,
hoje transmudados em potentíssimos empresários cujas disputas externas ocultam
associações que podem influenciar, inclusive, as eleições para as diretorias da
Ordem dos Advogados do Brasil. Se os líderes da advocacia não se cuidarem, logo
serão submetidos a um processo de cooptação. A picada do mosquito é dengosa.
Suaviza as iras. Anestesia. Pacifica. Torna razoável o inexplicável. Serve até
mesmo para o aplauso à divulgação da cultura jurídica no país. Transforma o
analfabeto em advogado e este em pedinte submetido à indignidade de ver a beca
amortalhada a poder de fatores corruptivos variados.
Eis aí! Há, nas linhas de frente da Corporação, gente imensamente valorosa e
ainda decidida ao bom combate. Do lado deste velho cronista, é só esperar para
ver, nos candidatos às eleições na OAB, quais as cicatrizes de batalha
mostradas no peito. Há quem pretenda chapinhar no lodo e colher vantagens?
Existe quem se disponha a limpar a água suja abandonada pelas noites escuras aviltadoras do ensino do Direito no país? Há aqueles
picados pelo inseto voejante, ansiosos por acordos
espúrios? Prevejo sério drama. No fim das contas, voltando ao infectologista
Marcos Boulos, o mosquito quer sobreviver. É nosso
parceiro. Se não vigiarmos, entra em nossa casa. É só o que falta.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


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