Da aplicação da perícia biopsicossocial para concessão de aposentadoria por invalidez no regime geral de previdência social

Resumo: O referido trabalho possuiu o objetivo de demonstrar que a as condições sociais, culturais e psíquicas do caso concreto e individualizado devem ser analisados e atrelados às condições físicas do segurado para a configuração da incapacidade capaz de gerar a aposentadoria por invalidez no Regime Geral de Previdência Social. De acordo com artigo 42 da Lei nº 8.213/90 e artigo 43 do Decreto nº 3.048/91, a aposentadoria por invalidez "[…] será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência […]". Desta forma, o risco social protegido por esse benefício é a incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta a subsistência. É nesse contexto que a realização da perícia biopsicossocial se faz necessária, para determinar se o segurado possui incapacidade física parcial, para verificar se ele não esta incapacitado socialmente de retornar ao mercado de trabalho, garantindo a ele a proteção social prevista na Constituição Federal.

Palavras-chave: Perícia Biopsicossocial. Aposentadoria por invalidez. Regime Geral de Previdência Social.

Abstract: The present study has owned the objective of demonstrating that the social, cultural and psychological conditions of the concrete and individual case must be analyzed and linked to insured’s physical conditions for configuring inability able to generate the disability retirement in the Social Security Welfare Policy. According to Article 42 of Law n° 8.213/90 and Article 43 of Decree n° 3.048/91, the disability retirement "[…] is the provided to the insured person, whether or not receiving the illness benefit, which is deemed unable and incapable of rehabilitation for the work activity that guarantees the livelihood […]". Thus, the social risk protected by this benefit is the total and permanent incapacity to engage in any activity which guarantees subsistence. Therefore, based in this conditions, it's necessary a biopsychosocial expertise to determine if the insured has partial physical disability, to verify that it is not socially unable to return to the labor market, guaranteeing him the social protection provided in the Federal Constitution.

Keywords: Biopsychosocial expertise. Disability retirement. Social Security Welfare Policy.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos destacados da concessão de aposentadoria por invalidez no Regime Geral de Previdência Social no Brasil. 1.1. Definição. 1.2. Critério Material. 1.2.1. Requisito subjetivo: Qualidade de Segurado. 1.2.2. Requisito objetivo: Período de carência. 1.2.3. Requisito próprio do benefício: Incapacidade total e permanente para o trabalho. 1.3. Critério espacial. 1.4. Critério temporal. 1.4.1. Início. 1.4.2. Término. 2. Do critério biopsicosocial de incapacidade. 2.1. Da condição biológica. 2.2. Da condição psicológica. 2.3. Da condição sociocultural. 3. Da aplicação da perícia biopsicossocial para concessão de aposentadoria por invalidez no Regime Geral de Previdência Social. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Quando o segurado solicita administrativamente, perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o benefício de aposentadoria por invalidez, para a verificação da sua incapacidade é realizado apenas a pericia médica, reconhecendo tão somente a incapacidade física do segurado.

Neste caso, se constatada a incapacidade física parcial, o benefício não é concedido sob o argumento de que o segurado pode desempenhar outras atividades, o que na maioria das vezes não ocorre, permanecendo o segurado sem o devido amparo social.

Isto porque, a doença nem sempre é o único fator incapacitante que impede o segurado de retornar ao trabalho e garantir sua subsistência. Suas condições biopsicossociais também devem ser consideradas para a concessão do benefício.

Portanto, é necessário que se realize a análise biopsicossocial do caso concreto e individualizado, para que se verifique a gravidade da patologia, a possibilidade de cura, a idade, a expectativa de vida, o estado mental e psicológico, o grau de instrução, histórico laborativo, qualificação social, a estigmação social da doença, entre outros, para que o benefício de aposentadoria por invalidez seja concedido.

1 ASPECTOS DESTACADOS DA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NO REGIME GERAL DE PREVIDENCIA SOCIAL NO BRASIL

1.1 Definição

A definição legal da aposentadoria por invalidez encontra-se prevista no artigo 42 da Lei nº 8.213/91, in verbis:

“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição (BRASIL, 1991)”.

O conceito de Russomano (1981, p.135) diz que: “Aposentadoria por invalidez é o benefício decorrente da incapacidade do segurado para o trabalho, sem perspectiva de reabilitação para o exercício de atividade capaz de lhe assegurar a subsistência”.

Segundo Ibrahim (2004, p.154), a aposentadoria por invalidez é um benefício: “[…] concedido aos trabalhadores que, por doença ou acidente, forem considerados pela perícia médica da Previdência Social incapacitados para exercer suas atividades ou outro tipo de serviço que lhes garanta o sustento”.

De acordo com Martinez (1999): “Juntamente com o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez é benefício de pagamento continuado, de risco imprevisível, devido à incapacidade presente para o trabalho. É deferida, sobretudo, se o segurado está impossibilitado de trabalhar e insuscetível de reabilitar-se para a atividade garantidora da subsistência. Trata-se de prestação provisória com nítida tendência à definitividade […]”.

Além disso, a aposentadoria por invalidez está condicionada ao afastamento de todas as atividades, sendo pago enquanto o segurado permanecer incapaz de exercer seu labor. Como destaca Martins (2009, p. 330): “não há na lei previdenciária prazo de duração para a efetivação da aposentadoria por invalidez”.

Ainda Martins (2009, p. 330) relata que: “[…] a aposentadoria por invalidez, de modo geral, é provisória. Ela só será definitiva quando o médico assim entender, pois o segurado não é mais suscetível de recuperação. Passados cinco anos da concessão da aposentadoria por invalidez, não importa que ela venha a ser definitiva, pois o trabalhador pode se recuperar”.

1.2 Critério Material

1.2.1 Requisito subjetivo: Qualidade de Segurado

Um dos requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez é a qualidade de segurado. De acordo com Castro e Lazzari (2004, p.175), a qualidade de segurado “[…] decorre automaticamente do exercício de atividade remunerada para os segurados obrigatórios e da inscrição formalizada com o pagamento da primeira contribuição para o segurado facultativo”.

Para Martinez (2002, p. 594), a qualidade de segurado é: “[…] a denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido pela Previdência Social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão previdênciarimente cobertos”.

Assim, a partir da data que a pessoa se filiou ao Regime Geral de Previdência Social ela será considera segurada. Esta qualidade perdura enquanto o segurado estiver exercendo atividade que determine sua filiação obrigatória, ou no caso dos segurados facultativos, pelo recolhimento das contribuições.

Há também os acasos em que a legislação estabelece períodos em que mesmo não contribuindo a pessoa permanecer com a qualidade de segurado e protegido pela Previdência Social. Este período é conhecido como período de graça, previsto no artigo 15 da Lei n. 8.213/91, in verbis:

 “Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo”.

§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos”. (BRASIL, 1991)

Após o prazo do período de graça, ocorrerá à perda da qualidade de segurado perante a Previdência Social. No entanto, ela não se aplica ao segurado que já tenha preenchidos todos os requisitos necessários para a concessão do benefício desejado, conforme a legislação vigente à época do cumprimento destes requisitos, em respeito ao direito adquirido.

1.2.2 Requisito objetivo: Período de carência.

O período de carência é o tempo que segurado deverá contribuir sem poder usufruir dos benefícios previdenciários, ou seja, é o período que ele não poderá receber qualquer benefício mesmo estando em dia com suas contribuições.

Para Martinez (2002, p. 599) “o período de carência corresponde ao decurso de lapso de tempo associado à contribuições periódicas, devidas ou vertidas, exigidas como condição para a definição do direito a determinado benefício”.

Desta forma, tratando-se da concessão de aposentadoria por invalidez, temos duas hipóteses para este requisito.

A primeira hipótese é quando não será exigida período de carência quando se tratar de invalidez decorrente de acidentou doença profissional; bem como nos casos de doenças e moléstias graves especificadas em lei elaborada pelo Ministério da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social.

Já na segunda hipótese, o período de carência exigido é de 12 (doze) contribuições mensais.

1.2.3 Requisito próprio do benefício: Incapacidade total e permanente para o trabalho

Para a Previdência Social, o segurado deverá estar totalmente e permanentemente incapacitado para que lhe seja concedido à aposentadoria por invalidez. Para a verificação desta incapacidade, o segurado deverá passar por pericia médica no INSS.

Ocorre que, conforme será tratado no item 4, à incapacidade geradora do benefício não necessariamente terá que ser apenas física e permanente, sendo que ao possui incapacidade física parcial o juiz terá que analisar as condições psicossociais do segurado para uma possível concessão de aposentadoria por invalidez.

Além disso, se o segurado já era portador de alguma doença ou lesão ao filiar-se a Previdência Social não poderá requerer a aposentadoria por invalidez. De acordo com Bachur (2014, p.681): “Tanto a Lei nº 8.213/91 (art. 42, §2º), como o Decreto nº 3.048/99 (art. 43, §2º) e a própria IN nº 45/2010 (art. 201, §2º), asseveram que se o segurado já era possuidor de doença ou lesão ao filiar-se no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), não poderá ser concedido o referido benefício, exceto se oriundo de progressão ou agravamento dessa lesão ou doença […]”.

Segundo Bragança (2009, p. 87): “O intuito do legislador é evidente: não permitir que a adesão ao RGPS ocorra tão-somente para a concessão de benefício do segurado já portador de um mal, seja doença ou lesão. Não obstante, se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão, é possível o deferimento da aposentadoria por invalidez. É o caso do segurado vítima de diabetes e que depois de anos a fio de contribuição teve sua acuidade visual sensivelmente diminuída, em decorrência do agravamento da doença”.

1.3 Critério espacial

O benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será concedido aos segurados obrigatórios e facultativos filiados ao Regime Geral de Previdência Social, tendo o evento invalidez ocorrido no território nacional ou fora dele.

1.4 Critério temporal

1.4.1 Início

O início da aposentadoria por invalidez poderá ocorrer no dia mediatamente após a cessação do auxílio doença ou quando constatada a incapacidade total e permanente para o trabalho.

De acordo com Tsutiya (2007, p. 303):

“Segurado empregado: a partir do 16º dia do afastamento da atividade ou a partir da data de entrada do requerimento, se entre o afastamento e a entrada citada decorrem mais de 30 dias. Os primeiros 15 dias de afastamento por motivo de invalidez caberá à empresa pagar ao segurado o salário.

Demais segurados: a contar da data do início da incapacidade ou da data de entrada do requerimento, se entre essas datas decorrerem mais de 30 dias”.

1.4.2 Término

A aposentadoria por invalidez não é um benefício vitalício como as demais aposentadorias. A manutenção deste benefício esta condicionada a permanência da incapacidade, ou seja, o benefício vai durar enquanto perdurar a incapacidade do segurado.

A partir do momento que é cessada a incapacidade o segurado perde o direito a aposentadoria por invalidez.

Ocorre que, nos casos previstos em lei constatada a recuperação da capacidade de trabalho do aposentado, o benefício não será cancelado de imediato, e poderá ser pago com redução gradativa, conforme descreve o artigo 49 do Decreto nº 3.048/99:

“Art.49. […] 

I – quando a recuperação for total e ocorrer dentro de cinco anos contados da data do início da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença que a antecedeu sem interrupção, o beneficio cessará:

a) de imediato, para o segurado empregado que tiver direito a retornar à função que desempenhava na empresa ao se aposentar, na forma da legislação trabalhista, valendo como documento, para tal fim, o certificado de capacidade fornecido pela previdência social; ou

b) após tantos meses quantos forem os anos de duração do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, para os demais segurados; e

II – quando a recuperação for parcial ou ocorrer após o período previsto no inciso I, ou ainda quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade:

a) pelo seu valor integral, durante seis meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade;

b) com redução de cinqüenta por cento, no período seguinte de seis meses; e

c) com redução de setenta e cinco por cento, também por igual período de seis meses, ao término do qual cessará definitivamente”. (BRASIL, 1999)

Nos casos em que o aposentado retorna ao trabalho, o benefício é cessado na data do retorno. De acordo com Tavares (2008, p. 125) “Se o aposentado retornar voluntariamente à atividade, terá sua aposentadoria automaticamente cancelada desde o retorno”.

2 DO CRITÉRIO BIOPSICOSOCIAL DE INCAPACIDADE

O critério biopsicossocial de incapacidade é tridimensional, ou seja, analisam-se as condições biológicas, psíquicas e sociais do segurado para a constatação da incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

2.1 Da condição biológica

A condição biológica nada mais é do que a condição clínica do segurado, que é constatada por meio de perícia e exames médicos nos quais comprovam a gravidade das patologias físicas do segurado.

2.2 Da condição psicológica

A análise da condição psíquica leva em consideração a condição emocional do segurado.

Segundo Bachur (2014, p. 691): “A análise psicológica deve considerar o estado mental e psicológico do paciente que tem ou não consciência de sua doença, mas que sofre com ela e com suas conseqüências, bem como dos sentimentos que desenvolve durante o tratamento”.

2.3 Da condição sociocultural

A condição sociocultural leva em conta o relacionamento do segurado com a sociedade, ou seja, são levados em consideração as características pessoais e subjetivas do segurado e a interação na sociedade, tais como idade, grau de instrução/nível de escolaridade, profissão, a possibilidade de acesso a tratamento adequado, o tipo de doença, a discriminação gerada pela doença, entre outras situações que na prática, torna inviável a reabilitação e inserção no mercado de trabalho.

3 DA APLICAÇÃO DA PERÍCIA BIOPSICOSSOCIAL PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

A aposentadoria por invalidez é um benefício cujo risco social protegido é a incapacidade total e permanente para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta a subsistência.

Ocorre que a análise do requisito incapacidade é verificada pelo INSS apenas sob a ótica das condições físicas do segurado, por meio de perícia médica. Desta maneira, o segurado que possuí incapacidade física parcial, mas em razão das suas condições socioculturais esta impossibilitado de exercer atividade que lhe garanta subsistência, ele estava desamparado e as margens do direito social garantido pela Constituição, pois não lhe era concedido à aposentadoria por invalidez.

Assim, para que se tenha uma interpretação justa da norma quanto ao requisito incapacidade total e permanente, necessário se faz analisar as condições biopsicossociais do segurado. Castro e Lazzari (2008, p. 526) afirmam que: “A incapacidade para o trabalho é fenômeno multidimensional e não pode ser avaliada tão-somente do ponto de vista médico, devendo ser analisados também os aspectos sociais, ambientais e pessoais. Há que se perquirir sobre a real possibilidade de reingresso do segurado no mercado de trabalho. Esse entendimento decorre da interpretação sistemática da legislação, da Convenção da OIT- Organização Internacional do Trabalho, e do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Um exemplo da necessidade da analise biopsicossocial é trazido por Costa (2014, p.34) quando ele relata que: “[…] consideremos dois segurados, ambos amputados de um membro inferior e aposentados por invalidez. O primeiro possui um razoável ambiente familiar, social e econômico. Não possui problemas de deslocamento, pois seu bairro é servido de ônibus e não possui dificuldade de acessá-lo. Este segurado não tem nenhum problema de deslocamento, podendo fazê-lo com dificuldade, mas transpõe com tranqüilidade essa barreira. Com a mesma patologia, o outro reside precariamente na periferia da cidade, com uma estrutura familiar corroída pelo tempo, cuja separação de sua esposa e de seus filhos foi inevitável. Não acessa os programas sociais de transferência de renda e de inclusão social por falta de esclarecimento e acompanhamento social, não consegue deslocar-se em virtude de não existir transporte público que sirva seu bairro, entre outros aspectos circundantes”.

O exemplo acima deixa claro que as duas pessoas possuem a mesma patologia, porém as circunstâncias econômicas e sociais do segurado que morava na periferia demonstravam a sua dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, bem como a necessidade do auxílio de terceiros. Neste caso, a perícia exclusivamente médica não seria capaz de trazer para o juiz a realidade enfrentada por esse segurado quanto a sua incapacidade laboral. Somente com a perícia biopsicossocial é que se conseguiria obter informações mais abrangentes capazes de instruir o juiz para a aplicação da justiça de acordo com o caso concreto.

Segundo Amando (2014, p. 443): “Além das condições clinicas do segurado, será preciso analisar a sua idade, e condições sociais, pois em alguns casos a baixa escolaridade e a idade avançada tornam inviável a reabilitação profissional, sendo necessário se conceder a aposentadoria por invalidez ao segurado”.

Pulino (2007, P. 182) esclarece que: “A aferição da invalidez não se resume, portanto, numa comprovação de ordem exclusivamente médica – embora seja uma condição necessária – para a edição do ato de concessão do benefício compreendendo um juízo completo, em que se deve avaliar a concreta possibilidade de o segurado retirar do próprio trabalho renda suficiente para manter sua subsistência em patamares, senão iguais, ao menos compatíveis com aqueles que apresentavam antes de sua incapacitação e, que foram objetivamente levados em consideração no momento de quantificação de suas contribuições para o sistema – dentro, sempre, dos limites e de cobertura geral de previdência social. Não há como deixar de considerar, nesse juízo, as condições pessoais do segurado”.

Em 2002, a Orientação Interna INSS/DIRBEN Nº 73º, aprovou o Manual de Perícias Médicas no qual foi definido o conceito de invalidez: “4.3 – A invalidez pode ser conceituada como a incapacidade laborativa total, indefinida e multiprofissional, insuscetível de recuperação ou reabilitação profissional, que corresponde à incapacidade geral de ganho, em conseqüência de doença ou acidente”.

Diante deste conceito de incapacidade podemos concluir que o segurado que possui incapacitado total ou parcial de forma indefinida (por tempo indeterminado), ou que possui incapacitado total ou parcial e de forma definitiva, que o impeça de prover seu sustento em condições iguais às demais pessoas, deve ser considerado inválido e ter suas condições sociais, econômicas e culturais analisados. No entanto, este alargamento do conceito de incapacidade, de fato não é aplicado nas perícias realizadas pelo INSS.

Desta forma, a perícia biopsicossocial é essencial para se ter o verdadeiro conceito e definição da incapacidade laboral, de acordo com o caso concreto

O ideal para se obter o conceito e definição da incapacidade laboral de cada segurado, seria por meio da perícia biopsicossocial, a ser realizado por meio de um trabalho interdisciplinar, ou seja, a perícia médica e social que se comunique entre si, assim como já ocorre para a concessão de benefícios de prestação continuada descrito na Lei Orgânica da Assistência Social.

A Pericia Social não deveria ser utilizada penas para a verificação da renda per capita nos benefícios de prestação continuada, mas também para a verificação das condições sociais, econômicas e culturais do segurado, para fins de aposentadoria por invalidez. A perícia da Assistente Social é tão importante para os benefícios previdenciários, que ela encontra-se prevista no artigo 88 da Lei 8213/91:

Art. 88. Compete ao Serviço Social esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade. 

§ 1º Será dada prioridade aos segurados em benefício por incapacidade temporária e atenção especial aos aposentados e pensionistas. 

§ 2º Para assegurar o efetivo atendimento dos usuários serão utilizadas intervenção técnica, assistência de natureza jurídica, ajuda material, recursos sociais, intercâmbio com empresas e pesquisa social, inclusive mediante celebração de convênios, acordos ou contratos. 

§ 3º O Serviço Social terá como diretriz a participação do beneficiário na implementação e no fortalecimento da política previdenciária, em articulação com as associações e entidades de classe. 

§ 4º O Serviço Social, considerando a universalização da Previdência Social, prestará assessoramento técnico aos Estados e Municípios na elaboração e implantação de suas propostas de trabalho”. (BRASIL,1991) 

Apesar da previsão legal, não há a realização de perícia social para verificação das condições sociais, econômicas e culturais para o fim de constatação de incapacidade laboral.

Atualmente a analise biopsicossocial ficou a cargo os juízes que nos casos de incapacidade parcial tanto indefinida quanto definitiva, passaram a analisar as características pessoais e subjetivas do segurado.

Em 2008, o julgado da TNU já apontava o uso desse método analógico de resolução de conflitos:

“1. A interpretação sistemática da legislação permite a concessão da aposentadoria por invalidez se, diante do caso concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção do segurado no mercado de trabalho, conforme livre convencimento do juiz que, conforme o brocardo judex peritus peritorum, é o perito dos peritos, ainda que a incapacidade seja parcial.

1.1. Na concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, a incapacidade para o trabalho deve ser avaliada do ponto de vista médico e social. Interpretação sistemática da legislação (Lei n. 7.670/88; Decreto 3.298/99; Decreto 6.214/07; Portaria Interministerial MPAS/MS Nº 2.998/01).

2. Além disso, o novel Decreto nº 6.214/07 estabelece: “Art. 4º. Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: III – incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social”; “Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54ª Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001. § 1º. A avaliação da deficiência e do grau de incapacidade será composta de avaliação médica e social. § 2º. A avaliação médica da deficiência e do grau de incapacidade considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”; (Art. 16, §2, Decreto n. 6.214/2007).

3. Segurado com 62 anos de idade, portador de hipertensão arterial e doença degenerativa. Baixa escolaridade. Baixíssima perspectiva de reinserção no mercado de trabalho. A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e a interpretação sistemática da legislação que trata da incapacidade conduzem à aposentadoria por invalidez, ainda que atestada a capacidade parcial do ponto de vista estritamente médico.

4. Incidente do INSS conhecido e não provido”.

De acordo com o STJ: “Segundo jurisprudência deste Colegiado, é possível a verificação do contexto socioeconômico do segurado com a finalidade de concessão da aposentadoria por invalidez sem ofensa a norma do art. 42da Lei de Benefícios”.

Neste sentido, foi que em 2012 a Turma Nacional de Uniformização (TNU) aprovou a Súmula 47 pacificando o tema ao definir que “Uma vez reconhecida à incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão da aposentadoria por invalidez” (BRASIL, 2012).

Desta forma, havendo o reconhecimento de incapacidade laborativa, deverão ser apreciadas as condições físicas, psíquicas e socioculturais do segurado para aplicação do benefício por incapacidade, aposentadoria por invalidez ou auxílio doença, cabível.

CONCLUSÃO

Diante de todo o aqui exposto, concluímos que para constatação da incapacidade não se deve levar em consideração apenas a pericia médica, como ocorre atualmente com o INSS, pois a incapacidade física nem sempre é o único fator que impede o trabalhador de retornar ao trabalho e garantir sua subsistência. Os contextos psíquico, social e cultural, no qual abrange diversos aspectos, como por exemplo, a idade, o seu nível de escolaridade, a profissão, discriminação gerada pela doença  e a cultura no qual ele esta inserido, acabam tornando torna inviável a reabilitação e inserção no mercado de trabalho.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Kamila Gabriely de Souza Gomes

Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNIFAFIBE. Pós Graduada em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera UNIDERP. Pós Graduando em Seguridade Social e Direito Público pela Faculdade Legale e Universidade Cândido Mendes

Carlos Alberto Vieira de Gouveia

Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale


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