Sumário: Introdução – Da Aposentadoria Parcial – O Retiro Progressivo e o Estatuto do Idoso – A Aposentadoria Parcial como Opção à Preparação para a Saída da Vida Ativa à Inatividade – Conclusão
I- Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar e destacar a figura jurídica da aposentadoria parcial ou progressiva. Trata-se de uma modalidade de retiro que tem como contingência a necessidade de preparar o trabalhador na passagem da vida ativa à inatividade; situação que será vivida pelos segurados próximos à idade de aposentadoria, mas que, em sua grande maioria, não estão devidamente preparados para esta mudança tão brusca.
Em face a este tema tão pertinente, procuramos abordá-lo, inicialmente, destacando os efeitos danosos que essa retirada brusca da vida ativa à inatividade pode trazer ao segurado, os quais vão desde a perda do poder aquisitivo, passando pelo sentimento de isolamento e inutilidade até a decrepitude física e mental.
Ressaltamos que há vários estudos sobre este delicado problema e, no campo do seguro social, existe uma acentuada preocupação dos organismos internacionais, expressas em algumas recomendações, a fim de que os países membros adotem medidas que possibilitem aos segurados instrumentos que os preparem para a saída da vida ativa à inatividade. Neste sentido, podemos citar as Recomendações 40 e 41 do Plano Internacional de Viena sobre o envelhecimento e a recomendação 162 da OIT.
Essa preocupação, refletida nas recomendações acima destacadas, nos situa diante de uma contingência social que requer uma modalidade de cobertura previdenciária, permitindo ao segurado uma preparação para a sua retirada da vida ativa à inatividade, evitando, assim, os efeitos danosos a que já nos referimos acima.
Foi tratando de responder a esta contingência que o sistema de aposentadoria Sueco, em 1977, adotou a modalidade de aposentadoria parcial. Também seguiram este modelo a Dinamarca e a Finlândia. Cabe assinalar que outros países, como Espanha, Inglaterra, Franca e Bélgica utilizaram da aposentadoria parcial não como um meio de preparação para a aposentadoria definitiva, mas como medida de reparto de trabalho a fim de aliviar os graves efeitos da crise de desemprego. No caso Espanhol, a aposentadoria parcial foi instituída pela Lei 32, de 2/8/84, dentro de um programa de geração de empregos. Por meio desta modalidade, o trabalhador acima de 60 (sessenta) anos poderia retirar-se parcialmente até completar a idade definitiva de retiro, ou seja, aos 65 (sessenta e cinco) anos. Neste caso, o trabalhador aposentado parcialmente deixava uma parte da sua jornada de trabalho disponível para que outro trabalhador pudesse ocupá-la através de um contrato por tempo determinado.
No item III do nosso trabalho, com o título “O Retiro Progressivo e o Estatuto do Idoso”, procuramos demonstrar que há no nosso ordenamento jurídico previsão legal para esta contingência social. Inicialmente, destacamos o artigo 10, inciso IV, alínea “c”, da Lei 8.842, de 04/01/94, que dispôs sobre a Política Nacional do Idoso. No referido artigo, o legislador previu a criação de programas de preparação para aposentadoria nos setores público e privado, com antecedência mínima de dois anos antes do afastamento. A idéia é adequar o trabalhador à futura condição de inativo para as mudanças supervenientes com a cessação ou diversificação do trabalho. .
Destacamos também que a mesma contingência foi recepcionada pelo legislador ordinário no art. 28, inciso II, da Lei 10.741, de 01/10/03, que criou o Estatuto do Idoso. No entanto, a redação constante no Estatuto não é idêntica à prevista na Lei 8.842/94. No presente trabalho, demonstramos essas diferenças, uma vez que na redação atual o legislador preocupou-se em indicar algumas linhas de atuação para que se efetive este processo de preparação de retiro programado, com atividades sociais envolvendo o segurado, e de informações sobre os seus direitos voltados para a sua futura condição de aposentado.
É importante registrar que, ao longo desses anos, várias práticas surgiram na tentativa de atender a esta contingência, ou seja, a preparação do trabalhador para a saída da vida ativa à inatividade. Como exemplo dessas práticas, podemos citar: cursos de pré-aposentadoria, reaproveitamento na mesma organização, espaço para a terceira idade, escola para idosos e o afastamento gradual. No presente trabalho demos maior ênfase a esta última prática, porque, dentre as que foram mencionadas, é a que mais se aproxima à figura jurídica da Aposentadoria Parcial
II – Da Aposentadoria Parcial
A referida modalidade de cobertura previdenciária nasceu da discussão sobre os possíveis impactos que o segurado pode sofrer com a saída da vida ativa à inatividade. As investigações mais avançadas em geriatria apontam o caráter geralmente nefasto de uma suspensão súbita do trabalho seguida de uma inatividade total e definitiva.
Os inconvenientes, tanto sociológicos como médicos, de um trânsito brutal da vida ativa à inatividade, vêm sendo enumerados freqüentemente. Em síntese são: a) redução brutal da renda que impõe uma mudança considerável do modo de viver do segurado; b) sentimento de isolamento e inutilidade; c) decrepitude física e mental acelerada.
Heinz-Dieter Hardes e Judith Mall afirmam que a retirada abrupta da vida profissional, para entrar em uma situação quase desconhecida, pode trazer ao trabalhador problemas graves, tais como: sentimento de haver sido deixado descartado, perda de contatos sociais e mudanças no âmbito familiar([1]).
Ao se manifestarem contra essa segregação, os geriatras pensam que com a redução da idade de aposentadoria não seriam resolvidos tais problemas. Na verdade, seria uma falsa solução. É preferível facultar a cada indivíduo a redução progressiva do seu tempo de trabalho e, conseqüentemente, a incidência maior do tempo disponível para permitir uma organização nova da sua vida cotidiana, ou seja, um trânsito escalonado em direção às atividades da terceira idade. Inclusive, já se registra uma tendência das empresas e da sociedade quanto ao alto potencial de contribuição dos trabalhadores de idade avançada, tendo em vista a grande experiência profissional que este coletivo pode aportar ao setor produtivo. Neste sentido, advoga Alan Walker que
“(…) los sistemas públicos de pensiones deben facilitar esta flexibilidad mediante la creación de opciones de retiro parcial y la autorización de abonar cotizaciones adicionales en procura de pensiones de monto más elevado. También será preciso adaptar los sistemas impositivos a la necesidad de facilitar el empleo. En resumen, tal como ha argumentado la Comisión Europea, los sistemas de protección social, incluso en lo que concierne a las pensiones, deben evolucionar de manera más favorable a la continuación en el empleo”([2]).
Este assunto já foi tema da X Conferência Internacional do Centro de Geriatria Social e também da própria OIT, os quais recomendam aos países membros renunciarem à manutenção ou criação de aposentadorias compulsórias, e também adotarem mecanismos de redução da idade para geração de empregos. Observa-se, portanto, uma linha de atuação voltada para permitir que os trabalhadores de idade próxima à aposentadoria reduzam paulatinamente a jornada laboral, compatibilizando com a percepção de uma aposentadoria reduzida. Esse tipo de proposta tem como fundamento o princípio da decisão voluntária do trabalhador de eleger o momento e a forma com que irá retirar-se da vida ativa à inatividade, levando em conta fatores como a saúde, a capacidade e os interesses individuais, ou seja, considerando o aspecto sociológico do segurado e a idade próxima à aposentadoria.
Cabe assinalar que a Recomendação 162, de 23/06/80, da OIT, também foi editada com esse objetivo, isto é, com a preocupação dirigida a esse coletivo, recomendando aos Estados membros que adotem medidas tendentes a flexibilizar o acesso à aposentadoria, a fim de que o sistema protetivo de previdência social garanta uma transição progressiva entre a vida profissional e um regime de atividade livre.
Nesta mesma linha, podemos destacar as Recomendações 40 e 41 do Plano de Ação Internacional de Viena sobre o envelhecimento, as quais não podem ser esquecidas neste contexto, pois também recomendam que:
“(…) los Gobiernos deberán tomar o fomentar medidas para que la transición de la vida activa a la jubilación sea fácil y gradual, y hacer más flexible la edad de derecho a jubilarse. Estas medidas deben incluir cursos de preparación para la jubilación y la disminución del trabajo en los últimos anos de la vida profesional fomentando una disminución progresiva del horario de trabajo”([3]).
Diante desses estudos e recomendações, verifica-se a existência de uma contingência social, isto é, uma modalidade de aposentadoria que venha permitir ao segurado esse trânsito ou passagem da vida ativa à inatividade de forma mais tranqüila, como uma preparação para a retirada definitiva. Significa uma transição progressiva, planificada, da vida laboral à aposentadoria completa, conjugando um trabalho em tempo parcial a uma determinada idade, próxima, evidentemente, à idade de retiro definitivo. Neste caso, o segurado deixa de trabalhar com jornada integral e inicia a jornada parcial até chegar a idade definitiva de aposentadoria ou mesmo prosseguir trabalhando parcialmente além da idade exigida para se aposentar([4]).
Outra vantagem desta modalidade de aposentadoria progressiva é a permanência dos trabalhadores de idade avançada na atividade laborativa ganhando uma parte do salário sem depender exclusivamente do benefício previdenciário.
Trata-se, portanto, de responder às graves dificuldades de adaptação na passagem brusca da vida ativa à inatividade. Dificuldades que, nas sociedades industrializadas ou em vias de industrialização, se fazem mais presentes, uma vez que nelas se dá grande importância à produção e aos valores do trabalho. E a conseqüência de tudo isso é a perda de categoria social que o aposentado sofre e a diminuição brusca da sua renda. É neste momento que se utiliza a modalidade da aposentadoria parcial ou progressiva como mecanismo para facilitar a referida transição([5]).
Estas propostas têm o mérito de renovar profundamente a reflexão em matéria do seguro de velhice. O sistema de aposentadoria Sueco, em 1977, foi o primeiro a adotar esta forma de retiro parcial. Para sua implantação não se invocou nenhuma motivação de política de mercado de trabalho que implicasse medidas criadas com a finalidade de gerar empregos. Portanto, esta modalidade de retiro foi instituída como mais uma opção que o segurado, próximo à idade de aposentadoria, tem para lograr uma transição adaptada individualmente do trabalho completo à aposentadoria([6]). Também seguiram este modelo a Dinamarca e Finlândia([7]).
É verdade que as diretrizes traçadas pelas referidas recomendações acima destacadas foram muito timidamente acolhidas, ou seja, poucos adotaram a modalidade de retiro progressivo como meio de facilitar a transição paulatina da vida ativa à inatividade. No entanto, outros países (Espanha, Bélgica, França e Inglaterra) a utilizaram para aliviar os efeitos da crise de desemprego. Segundo Ferreras Alonso, um informativo da Comissão Européia de 1980 apontava que em vez de adotar o retiro progressivo tal como preconiza a recomendação 162 da OIT, os países deram prioridade à contenção das altas taxas de desemprego, deixando para um segundo plano a implantação de medidas que pudessem favorecer o segurado de eleger a sua retirada de forma planejada e progressivamente([8]).
Foi nesse contexto de crise econômica que os governos e, principalmente, os sindicatos se encontraram ante um importante dilema: as restrições dos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores de idade próxima à aposentadoria. Empurrados por esta situação os sindicatos se viram obrigados a modificar sua estratégia ofensiva em torno da melhoria das aposentadorias pela luta em favor da manutenção dos empregos existentes. Esta conexão entre política de emprego e aposentadoria se produz precisamente no âmbito das medidas de reparto (divisão partilhada) de trabalho. Portanto, essa crise deixou estacionada em vários países da Comunidade Econômica Européia a idéia da flexibilidade da idade de aposentadoria, refletida na Recomendação 162 da OIT. Tudo isto devido às altas taxas de desemprego registradas desde os anos 70. Pretendeu-se com essa linha de atuação reservar o trabalho disponível para certas categorias da população, principalmente para aqueles que buscam o primeiro emprego.
No caso Espanhol, a aposentadoria parcial foi instituída pela Lei 32, de 2 de agosto de 1984, dentro de uma medida de geração de emprego. Através desta modalidade de retiro, o trabalhador acima de 60 (sessenta) anos poderia retirar-se parcialmente até completar a idade de retiro definitivo (65 anos). Neste caso, o trabalhador aposentado parcialmente deixava uma parte da sua jornada de trabalho disponível para que outro trabalhador desempregado pudesse ocupá-la através de um contrato por tempo determinado. Vê-se, portanto, que a intenção era conjugar o retiro progressivo com a política de geração de emprego. Medida muito criticada por alguns doutrinadores espanhóis porque não permitia ao segurado estender o seu retiro progressivo depois de completar a idade ordinária de aposentadoria, e também pelos escassos resultados produzidos como medida de geração de empregos. No entanto, com as alterações legislativas iniciadas em 2002, no referido país, permite-se ao segurado empregado aceder à aposentadoria parcial a partir dos 65 anos sem que esteja vinculada a qualquer medida de distribuição partilhada de trabalho.
III – O Retiro Progressivo e o Estatuto do Idoso
Antes de fazermos uma referência ao Estatuto do Idoso sobre o tema ora abordado, achamos oportuno registrar que essa forma de retiro progressivo ou preparação para a aposentadoria já havia sido prevista no artigo 10, inciso IV, alínea “c”, da Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispôs sobre a Política Nacional do Idoso, verbis:
“Art. 10 – Na implementação da política nacional do idoso, são competências dos órgãos e entidades públicos:
IV- Na área do trabalho e previdência social:
a)- (…);
b)- (…);
c)- criar e estimular a manutenção dos programas de preparação para aposentadoria nos setores público e privado com antecedência mínima de dois anos antes do afastamento.” (grifo proposital)
Sobre a referida contingência, assim manifestou Wladimir Novaes Martinez:
“A preparação para a aposentadoria tem hoje escopo nitidamente delineado. Sua primeira idéia é adequar o trabalhador à futura condição de inativo para as mudanças supervenientes com a cessação ou diversificação do trabalho e, em alguns casos, a principal causa do desajuste, administrar a perda do convívio com os amigo”([9]).
Citando Ricardo Moragas, conclui o referido autor:
“A preparação para a aposentadoria constitui um processo de informa-formação para que as pessoas aposentáveis assumam seu novo papel positivamente: benefícios aos interessados e à sociedade, minimiza custos médicos e sociais e melhora a saúde física, psíquica e social da pessoa que envelhece”([10]).
Celso Barroso Leite também tratou deste tema em sua obra O Século da Aposentadoria. O referido autor tece os seguintes comentários sobre a preparação para a aposentadoria:
“Com o desenvolvimento e aperfeiçoamento das políticas de recursos humanos, hoje a cargo de especialistas e até mesmo de organizações específicas, crescem as preocupações com essa inevitável transição. Iniciado e intensificado nos países desenvolvidos, como é natural, o movimento nesse sentido já se estende também ao Brasil e aos nossos companheiros do eufemismo mundo em desenvolvimento.
À semelhança de tudo mais que se refere a cuidados para com a aposentadoria, as medidas de preparação para ele voltam-se sobretudo para a terceira idade; e então se confirma uma vez mais a correlação entre esta e a previdência complementar, cujas entidades dedicam especial atenção aos programas respectivos, exercendo no setor intensa e variada atividade. Em 1997 a mencionada Associação delas e o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) realizaram na cidade do Rio de Janeiro um ‘Seminário da Terceira Idade – Integração do Aposentado’, cujos resultados foram reunidos numa publicação com esse mesmo título”([11]).
O referido autor comenta também que existem várias práticas que de certa forma vêm atender a essa contingência, ou seja, a preparação para a saída da vida ativa à inatividade. Cita como exemplos: cursos de pré-aposentadoria, reaproveitamento na mesma organização, espaço para a terceira idade, escola para idosos e o afastamento gradual. Sobre esta última prática, faz referência a uma tendência à generalização de empregos a tempo parcial e, principalmente, flexíveis, permitindo que o segurado possa compatibilizar o trabalho com um tempo mais livre. Essa talvez seja a melhor maneira de tornar mais tranqüila a transição da atividade para a inatividade, a melhor forma de preparação para a aposentadoria. Esse gradualismo do processo de retirada cria condições para que o segurado se adapte mental e psicologicamente à nova perspectiva, se desligando de rotinas arraigadas, formando novos hábitos e travando novas relações, acostumando-se, assim, à idéia e à prática da aposentadoria. Às vezes o difícil para as pessoas que caminham da maturidade à velhice, portanto, próximas de se aposentarem, não é o trabalho em si, principalmente quando se tem prazer no que se faz; é sobretudo a rigidez dos horários, a necessidade de comparecer diariamente, a obrigação de ir trabalhar quando o corpo pede descanso([12]).
Se considerarmos que a população da terceira idade totaliza hoje 15 (quinze) milhões de brasileiros, e que as projeções demográficas indicam que o contingente de idosos irá mais que dobrar nos próximos anos, atingindo cerca de 32 milhões de habitantes, o que corresponderá à sexta do mundo([13]), bem andou o legislador ao recepcionar esta contingência no artigo 28, da Lei 10.741, 01/10/2003, que instituiu o Estatuto do Idoso, verbis:
“Art.28 – O Poder Público criará e estimulará programa de:
I – (…);
II- preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência mínima de 1 (um) ano, por meio de estímulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania”.
Cabe registrar que a redação inserida no Estatuto do Idoso não é idêntica à prevista no artigo 10, inciso IV, alínea “c”, da Lei 8.842/94. Há diferenças a serem consideradas. A primeira diz respeito ao tempo de preparação; pela referida norma, o prazo de preparação antes de efetivar-se a aposentadoria seria de 2 (dois) anos. Pelo Estatuto este prazo foi reduzido para 1 (um) ano. O texto anterior indicava a “preparação para aposentadoria nos setores público e privado”. No atual, destacam-se “(…) estímulos a projetos sociais, conforme seus interesses, e esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania”. Na verdade, no texto anterior havia a vantagem do prazo maior para a preparação da saída da vida ativa à inatividade e também faz-se referência à previdência do setor público. Na redação atual, o legislador preocupou-se em indicar algumas linhas de atuação para que se efetive esse processo de preparação de retiro programado, podendo materializar-se através de atividades sociais envolvendo o segurado, e de informações sobre os seus direitos voltados para a sua futura condição de aposentado.
Achamos também que, no referido Estatuto, o legislador poderia ter tratado o tema da preparação para a aposentadoria no Capítulo VII, com o título “Da Previdência Social”, e não no capítulo VI, que trata “Da Profissionalização e do Trabalho”, embora haja uma relação estreita entre as duas áreas. Contudo, no nosso entendimento, a figura jurídica da preparação está mais próxima à matéria previdenciária, pois, conforme já afirmamos, trata-se do risco idade avançada.
Quanto à redução do tempo de preparação para a aposentadoria de 2 (dois) anos para 1 (um) ano, achamos que foi um retrocesso, pois quanto maior o prazo de preparação, melhor para o segurado nessa mudança, porque ele terá que passar da vida ativa para à inatividade. Quanto ao silêncio do legislador em relação aos servidores públicos, não vemos dificuldade em estender o referido Instituto a esse coletivo, principalmente com a tendência de aproximação do regime próprio com o regime geral, em face das reformas implementadas a partir da EC 20/98, e recentemente com a EC 41/03. Na verdade, o artigo 10, inciso IV, da Lei 8.842/94, não foi ab-rogado pelo Estatuto do Idoso. Neste caso, a parte prevista na norma anterior, que não for incompatível com a norma atual, pode ser aplicada([14]).
Comentando sobre a vigência e eficácia da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), em seu artigo 118, afirma Wladimir Novaes Martinez que o dispositivo final da referida norma não utiliza a “desnecessária fórmula revogam-se as disposições em contrário, mas são significativas as normas legais que ficaram sem valor, principalmente partes das Leis 8.742/93 (LOAS), 8.842/84 (PNI), 8.213/91 (PBPS) e 10.666/03 (Aposentadoria por idade após a perda da qualidade de segurado)”([15]).
IV – A Aposentadoria Parcial como uma opção à preparação para a retirada da vida ativa à inatividade
Sem a pretensão de desconsiderar as outras práticas que, de certa forma, tentam atender à contingência da preparação para a retirada progressiva, entendemos que a prática referente ao afastamento gradual é a que mais se aproxima à idéia contida na Recomendação 162 da OIT, podendo materializar-se na modalidade de Aposentadoria Parcial ou Progressiva. Por ela permite-se ao segurado empregado retirar-se de forma gradual, reduzindo a sua jornada de trabalho, sendo que receberia uma parte do seu salário e a outra seria coberta pelo Seguro Social até que ocorra a implementação da idade e da carência. Também nada impede que o segurado venha retirar-se progressivamente após a implementação dos requisitos acima referidos. O artigo 28, da Lei 10.741/03, fala em preparação com antecedência de 1 (um) ano, sem exigir que esta se dê antes ou depois de completar a idade ordinária de aposentadoria.
Não vemos muita dificuldade para a implantação dessa forma de retiro parcial no nosso ordenamento. Na verdade, estamos diante de uma contingência ligada à questão da idade avançada (aposentadoria por idade). É possível uma mesma contingência gerar mais de um benefício, ou seja, mais de uma prestação pecuniária. Quanto à questão da jornada, temos no nosso ordenamento celetista a figura jurídica da jornada a tempo parcial, introduzida pela MP 1.709/98, prevista no artigo 58-A do Texto Consolidado. Segundo Sérgio Pinto Martins, a Convenção 175 da OIT, de 1994, considera como trabalhador a tempo parcial aquele que tem atividade laboral inferior àqueles trabalhadores que laboram a tempo completo, calculada semanalmente, desde que este tenha a mesma atividade, efetuando o mesmo trabalho no mesmo estabelecimento. O referido autor registra com muita propriedade que essa forma de jornada parcial traz uma série de vantagens a determinados coletivos de trabalhadores. Proporciona, por exemplo, maior disponibilidade para a mãe se dedicar à educação, à formação da criança e a outros cuidados de que necessitar e ao mesmo tempo exercer sua atividade laborativa. Permite ao estudante conciliar o trabalho a jornada parcial com os seus estudos, podendo custeá-los. E, ao Idoso, possibilita trabalhar meio período([16]). É importante assinalar que o artigo 58-A, § 2º, da CLT, permite que o empregado, com jornada completa, opte por esta forma de jornada parcial, desde que seja através de instrumento de negociação coletiva, ou seja, convenção ou acordo coletivo.
Ainda quanto ao campo previdenciário, cabe assinalar que no período de gozo da aposentadoria parcial, o segurado receberá parcialmente o seu benefício até completar a idade definitiva de retiro ou mesmo, se assim lhe for conveniente, seguir trabalhando parcialmente e recebendo sua aposentadoria parcial até decidir retirar-se definitivamente, quando, então, passará a receber o valor integral do benefício, considerando o tempo de percepção do benefício parcial como salário de contribuição. Embora não tenha havido contribuição no período de gozo da aposentadoria parcial, esse período poderá ser considerado para efeito de cálculo do benefício previdenciário, tal como prevê, atualmente, o artigo 55, inciso II, da Lei 8.213/91, para os casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
Conclusão
Diante das reflexões acima apresentadas, esperamos que o tema ora abordado possa despertar outros estudos nesta área. Achamos que a cobertura que mais se aproxima à contingência da preparação para a aposentadoria, prevista no artigo 28, inciso II, da Lei 10.741, de 1º/10/2003, é a denominada aposentadoria parcial ou progressiva, uma vez que possibilita ao segurado empregado próximo à aposentadoria programar a sua saída gradual da vida ativa à inatividade, sem o impacto que geralmente o segurado sente com mudanças desta natureza.
Embora não tenhamos a referida modalidade de benefício no nosso ordenamento jurídico previdenciário, não vemos muita dificuldade em criá-la, pois temos a contingência, conforme ficou demonstrado na evolução legislativa acima descrita. Considerando que uma contingência pode gerar mais de um benefício, a aposentadoria parcial seria uma espécie do gênero aposentadoria por idade. Há que se considerar, também, a questão da denominada regra da contrapartida. Trata-se do princípio constitucional previsto no artigo 195, § 5º, da Carta Magna de 1988, o qual não permite a instituição de fonte de custeio ou de prestação de seguridade social sem a respectiva correlação atuarial entre estas, quando da elaboração dos respectivos planos de custeio e de prestações (benefícios e serviços).
Acreditamos que se houver vontade política, será possível oferecer ao segurado empregado próximo à idade de aposentadoria a possibilidade de retirar-se de forma progressiva, evitando, assim, os efeitos às vezes nefastos ocorridos com a retirada brusca da vida ativa à inatividade. Neste sentido, a título de conclusão das reflexões acima apresentadas, vale a pena transcrever o enunciado contido no artigo 2º do Estatuto do Idoso, que, na verdade, se constitui numa carta de intenções, garantindo a esse coletivo um conjunto de medidas voltadas para a sua melhor qualidade de vida, assegurando a efetivação dos direitos previstos no próprio estatuto e outros que poderão ser criados em beneficio do Idoso, conferindo-lhe o exercício pleno de sua cidadania: “O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. (grifo proposital)
Informações Sobre o Autor
Germano Campos Silva
Doutor em Seguridade Social – Universidad Complutense de Madrid- Professor de Direito do Trabalho e Previdenciário da Universidade Católica de Goiás.