Da cessão da posição contratual, campo de atuação, efeitos e atipicidade no direito pátrio

Da cessão contratual

O instituto da cessão da posição contratual consiste no negócio jurídico pelo qual ocorre a transferência de posição contratual de uma das partes contratantes (cedente) para um terceiro (cessionário), estranho a relação contratual primitiva, com o consentimento da parte remanescente do contato-base (cedido).

Ao substituir o cedente, o cessionário assume a titularidade de uma variedade complexa de direitos e deveres que incumbiam àquele, como débitos, créditos, acessórios, deveres de abstenção etc. O que ocorre na realidade é, tão somente, uma substituição das partes, mantendo imutável o conteúdo e a razão de ser do contrato inicial.

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Ao analisarmos esse negócio jurídico devemos distinguir dois contratos, quais sejam, o contrato-base ou primitivo e o contrato propriamente de cessão contratual. No primeiro, a negociação é celebrada entre cedente e cedido, originando o contrato do qual resultará o complexo de direitos e deveres no qual se inserirá o cessionário posteriormente. Já o contrato de cessão é aquele no qual será acordada e celebrada a cessão da posição contratual entre cedente e cessionário, pormenorizando essa cessão.

No contrato de cessão não será discutido ou modificado o objeto do contrato-base bem como suas cláusulas, detendo-se tão somente aos aspectos da cessão, sendo uma negociação apartada.

Fato primordial a tal negociação é a aceitação por parte do cedido, pois ao contratar, as partes não tem como objetivo apenas a pessoa do contrato, mas também vários outros fatores primordiais a relação, como a situação patrimonial da parte oposta, visto que essa serve como base de garantia nos casos de inadimplemento contratual.

Notas-se, que o legislador brasileiro não disciplinou a matéria em questão, cabendo dessa forma à doutrina tratar desse assunto, baseando-se em documentos legais estrangeiros como o fez com as leis portuguesas e italianas. A doutrina utilizou-se também de institutos afins, que possuem regramento jurídico no direito pátrio, como é o caso da cessão de crédito, para discorrer sobre o tema, aplicando o que coube dos referidos institutos.

 “As legislações que primeiramente abordaram o tema, a italiana e a portuguesa, devem servir de parâmetro. O primeiro estatuto a tratar do assunto foi o Código Civil italiano de 1942, no art. 1.406, dizendo que qualquer parte pode substituir-se por um terceiro nas relações derivadas de um contrato com prestações correspectivas, se elas não foram ainda executadas, desde que a outra parte consinta”[1]

Campo de atuação

Entende-se, de acordo com a melhor doutrina, que a cessão da posição contratual pode atuar nos contratos que não estiverem exauridos completamente. Assim, sua atuação da-se basicamente nos contratos com relações a prazo e duradouras.

Nesse sentido ensina Silvio de Salvo Venosa:

“Na prática, entre nós, é muito grande a aplicação da cessão de posição contratual: nos contratos de cessão de locação, residencial e não residencial. Como é entre os contratos de duração que encontramos maior possibilidade de cessão de posição, é também freqüente o negócio nos contratos de fornecimento, empreitada e financiamento, entre outros.”[2]

No entanto nada impede que o instituto seja aplicado em relações instantâneas, já que as mesmas não necessariamente se exaurem no momento da conclusão do contrato, devido aos possíveis efeitos secundários e direitos potestativos que incidem sobre o referido negócio.

Dos efeitos

O efeito precípuo do instituto é a substituição de uma das partes do contrato primitivo sem que haja, no entanto, a alteração do mesmo. Ao ocorrer a transferência da posição o contrato será executado da mesma forma que foi pactuado expressamente no contrato-base.

Ao atinente as partes, cumpre-nos distinguir os diferentes efeitos causados.

Efeitos do cedente em relação ao cessionário.

Como já foi visto, o cessionário ao ingressar em um contrato através da cessão de posição contratual, o faz em um complexo obrigacional que orbita em torno do antigo contratante.

Ao transferir a posição contratual, o cedente deve garantir que tal posição exista, bem como que ele seja o legítimo possuidor da mesma, já que a ninguém é permitido transferir mais direitos do que aqueles que possui, sob pena de invalidade do negócio jurídico da cessão.

Nos casos de inexistência do contrato ou sua invalidade, bem como quando há vícios ou defeitos referentes à posição contratual, aplica-se analogamente os dispositivos da cessão de crédito, determinando que em tais casos o negócio resolver-se-á em perdas e danos, concomitantemente com a devolução da quantia acordada pela cessão.  Também poderá gerar direito a indenização nos casos em que a cessão for gratuita, quando essa incorrer em manifesto e incontestável dolo por parte do cedente.

Ocorrendo a inexistência do contrato, ou existindo, mas de forma a não possibilitar que a cessão se torne eficaz, sendo a mesma onerosa, entra-se no campo da responsabilidade civil, em face do artigo 295 do Código Civil Brasileiro.

“Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedimento de má-fé.”

Em regra geral, o cedente não se responsabiliza pelo adimplemento do contrato-base após a cessão. No entanto, pode ocorrer que o mesmo assuma expressamente uma garantia frente ao cessionário, podendo ser essa maior ou menor, dependendo das negociações realizadas e da natureza do negócio jurídico celebrado no contrato-base, pelo adimplemento das obrigações contratuais do cedido. Não havendo um descrição específica da garantia em tela, entende a melhor doutrina, que tratar-se-á de caução fidejussória.

Também é dever do cedente, além de identificar claramente o objeto do contrato-base, dar ciência de todas as cláusulas contratuais ao cessionário, para que assim, este tenha plena consciência das condições do contrato e da posição que esta assumindo.

Efeitos do cedente em relação ao cedido.

Quanto aos efeitos do cedente frente ao cedido interessa-nos saber a cerca da liberação do cedente, frente ao contrato primitivo, após ser cedida sua posição

Como regra, teremos a liberação total do cedente quanto ao contrato-base e a uma possível inadimplência do cessionário. No entanto, se preferirem as partes, poderá ser acordado, mediante cláusula escrita, que o cedente ficará responsabilizado por possível inadimplência do cessionário. A responsabilidade do cedente pode ser maior ou menor, dependendo do que as partes avençarem, podendo ser solidário quanto à totalidade ou parcialmente ao cumprimento do contrato.

A não desoneração total do cedente em nada impede a celebração e validade do contrato de cessão, havendo sim um negócio singular no qual o cedente assume posição diversa da anterior.

Efeitos do cessionário em relação ao cedido.

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Como efeito precípuo o cessionário toma o lugar do cedente nas suas obrigações e direitos concernentes ao contrato-base.

O contrato em questão poderá ser cedido em trânsito, transferindo-se tão somente as relações jurídicas ainda não exauridas. Pode, no entanto, caso expressamente seja acordado pelas partes, que sejam transmitidas obrigações que já se encontrem vencidas.

A posição é transferida no estado em que se encontra na atual fase de execução do contrato que é alvo da negociação de cessão.

Nos casos de contratos de execução instantânea, deve-se atentar para a intenção das partes que estão transacionando, visto que tal intenção pode ser de transferir obrigações já vencidas, uma vez que, a princípio, não há expectativa de surgimento de novas obrigações concernentes ao contrato primitivo.

Nota-se que, como de costume no direito, o acessório segue o principal, sendo então transmitidos todos os acessório do contrato-base. Quanto às garantias fixadas, como o penhor e a hipoteca, só serão válidas caso o cessionário as consinta expressamente frente ao cedido.

Ponto controverso na doutrina, que causa calorosas discussões, reside no aspecto da possibilidade da transmissão do direito de anulação do contrato-base.

Alguns autores entendem que ao receber o contrato, o cessionário o faz já na sua fase de execução, por sua vez então não participando de sua fase de formação. Visto por esse prisma, não teria esse o direito de evocar a anulação contratual, já que tais poderes estariam ligados diretamente à fase nascedoura do contrato.

Por outro lado, a doutrina majoritária posiciona-se em favor da possibilidade de transmissibilidade também do direito de pleitear anulação, já que ao assumir a posição contratual do cedente, o cessionário estaria se inserindo no complexo obrigacional e adquirindo todos os direitos e deveres de que dispunha aquele, independentemente deste não ter participado da fase de formulação contratual.

Atipicidade no direito pátrio.

Como já foi mencionado, a cessão de posição contratual, ou simplesmente cessão de contrato, consiste em negócio atípico no direito brasileiro, uma vez que nossos legisladores não discorreram sobre o assunto.

Apesar de atípico, possui o respaldo do artigo 425 que dispõe o seguinte texto:

“Artigo 425. É licito as partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste código.”

Sendo assim, mesmo com a negligência legislativa, tal negócio opera na seara dos contratos que não possui regramento próprio, mas que ao mesmo tempo não são proibidos pela lei civil.

Frente à falta de previsão legal, resta aos operadores do direito nortearem-se através de institutos afins, como a cessão de crédito e a assunção de dívida, realizando dessa forma uma interpretação analógica que em muitos casos pode se mostrar de suma importância.

Outro método utilizado, como forma de socorro, frente à atipicidade, são os documentos legais estrangeiros. Ao contrário do que ocorreu com o nosso ordenamento, outros países, frente a crescente aplicação do instituto, trataram da referida cessão em seus códigos civis, caso que pode ser evidenciado nas leis civis italiana e portuguesa.

 

Notas:
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil:Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3ed. São Paulo. Atlas, 2003, página 346.
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil:Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3ed. São Paulo. Atlas, 2003, página 359.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rafael Gama

 

Acadêmcio do curso de direito da Fundação Universidade Federal de Rio Grande, FURG.

 


 

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