Resumo: O estudo que se propõe tem como intuito a análise da possibilidade do parcelamento ordinário dos débitos tributários junto à União (instituído pela Lei n. 10.522 de 2002) abranger tributos originários de dívida junto ao sistema de tributação do Simples Nacional. A questão vem sendo enfrentada pelo Judiciário, sendo inegável sua repercussão prática.
Palavras-chave: Lei n. 10.522 de 2002, simples nacional, parcelamento e competência.
Abstract: This research has as its purpose the analyze the possibility of splitting the ordinary tax debts to the Union (established by Law 10.522 de 2002) to embrace also taxes resulting from debts to the tributary system called “Simples Nacional”. This matter is being addressed by the Judges, therefore it has an undeniable practice impact.
Keywords: Law 10.522/2002, “Simples Nacional”, splitting payment competency.
Sumário: 1-Introdução. 2-Do sistema de tributação pelo Simples Nacional. 3-Do parcelamento instituído pela Lei n. 10.522/2002. 4-Da impossibilidade de parcelamento de dívida oriunda do Simples Nacional nos termos da Lei n. 10.522/2002 . 5- Conclusão
1 Introdução
Importante questão a ser debatida diz respeito à possibilidade de débitos oriundos do Simples Nacional serem objeto do parcelamento ordinário de tributos federais previsto na Lei nº 10.522/2002 (BRASIL, 2002).
O indigitado ato normativo cuida do parcelamento de tributos federais, enquanto os débitos apurados pelo sistema do Simples Nacional abarcam também exações estaduais e municipais.
Diante de tal cenário, surge o debate que ora se propõe, que passa por questões enfrentadas pelo Judiciário, sendo relevante o estudo da reserva legal na seara tributária, bem como o da sistemática do SIMPLES NACIONAL (Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) que restou implementada pela Lei Complementar nº 123/2006 (BRASIL, 2006).
Uma vez que a Lei n. 10.522/2002 não traz em seu texto permissivo expresso para incluir os débitos oriundos de dívida junto ao Simples Nacional, poderia o parcelamento em comento abranger tais dívidas sob a escusa de não haver proibição quanto a tal?
Propõe-se, portanto, sucintas considerações acerca da questão para o fomento do debate acadêmico e elucidações das nuances de ordem prática.
2 Do sistema de tributação pelo Simples Nacional
O legislador constituinte, ao incluir no artigo 179 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)[1] tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, nada mais fez que dar efetividade ao princípio da isonomia tributária, na medida em que dispõe da exata medida de desigualdade de tratamento entre sujeitos que se encontram em situações desiguais.
Calham nessa esteira de raciocínio as ilustres palavras de Dirley da Cunha Júnior (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 638):
Em suma, as Constituições do mundo civilizado prescrevem que todos são iguais perante a lei, abraçando a igualdade formal, que determina que tanto o legislador quanto o aplicador da lei tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualem.
Portanto, há de se identificar um elemento discriminador válido a ensejar o tratamento especial para o pleno exercício da igualdade. O critério discriminatório deve, portanto, ostentar caráter racional, bem como lógica em seu fundamento, na medida em que consagre valor protegido pelo próprio texto constitucional.
Nesse sentido, a igualdade tributária almeja a mais justa repartição do ônus fiscal.
Nesse diapasão, o normativo constitucional acima referido encontra sustentáculo tanto na diferença que se verifica na capacidade contributiva entre as microempresas e as empresas de pequeno porte e as médias e de grande porte, como também no fato das primeiras serem responsáveis pela maior empregabilidade no País, necessitando de proteção do Estado para que possa concorrer numa economia de mercado.
A Lei Complementar n. 123/2006 (BRASIL, 2006), tirando seu fundamento da autorização constitucional, inaugura o Simples Nacional (Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), trazendo regras gerais de tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte nos âmbitos dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Município.
Por tal sistemática, a diferenciação de tratamento no campo tributário é verificada na forma de apuração e recolhimento de grande parte dos impostos e contribuições da União, do ICMS estadual e distrital e do ISS municipal e distrital, por meio de um regime único de arrecadação e de obrigações acessórias.
Consequentemente, os optantes pelo Simples farão mensalmente um único pagamento, resultante de cálculo obtido por meio de um percentual progressivo sobre sua receita bruta.
Restam inclusos na sistemática de recolhimento ora tratada os seguintes tributos: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição para o PIS/Pasep, Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de determinados serviços, Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). [2]
Dessa forma, o Simples Nacional configura-se como um regime simplificado e favorecido, cujo fim é reduzir a burocracia e a carga tributária que recaem sobre as microempresas e empresas de pequeno porte, possibilitando a apuração e recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais conjuntamente.
3 Do parcelamento instituído pela Lei n. 10.522/2002
O parcelamento de tributos visa a criar condições de ordem prática para que os contribuintes em situação de inadimplência possam retornar à regularidade, configurando típica medida de política fiscal para recuperação de créditos.
Ocorre que o parcelamento obedecerá à forma e condições estabelecidas em lei específica, nos estritos termos do artigo 155-A do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966).[3]
O parcelamento é modalidade de suspensão do crédito tributário e somente pode ser deferido ou indeferido pela autoridade competente nos termos do que
determinar a lei tributária.
Isso quer dizer que referida lei há de emanar do ente federativo ao qual pertence a competência para a instituição do tributo, de forma que cada membro da Federação possui plena autonomia para editar suas leis concessivas de parcelamento de seus créditos tributários.
Nessa esteira de raciocínio, a Lei n. 10.522/2002 (BRASIL, 2002), que instituiu o denominado parcelamento ordinário, traz as condições de parcelamento de dívidas junto à União.
Emana do próprio texto normativo que o parcelamento em comento abrange débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional. [4]
O parcelamento em discussão, portanto, irá atingir débitos oriundos de não pagamento de tributos de competência da União, em razão justamente do chamado princípio da competência, que encontra, por sua vez, clareza nas palavras de Hugo de rito Machado (MACHADO, 2006, p. 63):
“O princípio da competência é aquele pelo qual a entidade tributante há de restringir sua atividade tributacional àquela matéria que lhe foi constitucionalmente destinada. Já sabemos que a competência tributária é o poder impositivo juridicamente delimitado, e, sendo o caso, dividido. O princípio da competência obriga a que cada entidade tributante se comporte nos limites da parcela de poder impositivo que lhe foi atribuída. Temos um sistema tributário rígido, no qual as entidades dotadas de competência tributária têm, definido pela Constituição, o âmbito de cada tributo, vale dizer, a matéria de fato que pode ser tributada.”
O mesmo raciocínio acima esposado para instituição do tributo é aplicável à concessão de parcelamento de créditos tributários.
4 Da impossibilidade de parcelamento de dívida oriunda do Simples Nacional nos termos da Lei n. 10.522/2002
Do quanto acima exposto, pode-se aferir que se mostra incompatível com a lógica normativa posta o parcelamento de débitos provenientes de apuração de tributos pelo sistema Simples Nacional.
Ora, urge esclarecer, de início, que a lei instituidora do parcelamento dito ordinário não prevê expressamente a possibilidade de se atingir débitos oriundos do Simples Nacional.
Uma vez que se trata de questão da seara tributária, impera o Princípio da Legalidade Estrita, de forma que para concessão do parcelamento de dívida de determinada espécie se faz necessária previsão legal expressa neste sentido, sendo insuficiente a mera ausência de proibição.
Também não agasalha o sistema tributário pátrio a possibilidade de um ente da federação instituir o parcelamento de créditos pertencentes aos demais entes federados.
Nesse sentido, conceder-se o parcelamento nos termos da Lei n. 10.522/2002 (BRASIL, 2002) aos débitos oriundos do Simples Nacional seria permitir à União parcelar créditos estaduais e municipais, em total descompasso com o artigo 146, III, alínea “d”, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o que só seria possível mediante edição de lei complementar, o que não se verifica.[5]
Portanto, envolvendo o Simples Nacional tributos de competência de outros entes tributantes, não compete ao legislador ordinário federal prever que os demais entes políticos recebam seus créditos também parceladamente.
Nesse sentido, veja-se o excerto abaixo colacionado:
“TRIBUTÁRIO. EMPRESA OPTANTE PELO REGIME DO SIMPLES NACIONAL. PARCELAMENTO ORDINÁRIO PELA LEI N. 10.522/2002. IMPOSSIBILIDADE. 1. Embora a Lei n. 10.522/2002 estabeleça a possibilidade do parcelamento de débitos de qualquer natureza, em até 60 parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, tal comando normativo não contempla os débitos procedentes do SIMPLES Nacional, porquanto este, por ser um regime especial unificado de arrecadação, engloba, além dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS/PASEP, COFINS, IPI e CPP), o imposto estadual (ICMS) e o imposto municipal (ISS), consolidando em um único documento de arrecadação os referidos tributos. 2. Dessa forma, em face do Princípio Federativo, não pode haver ingerência da União Federal na competência tributária dos Estados e Municípios, no sentido de conceder parcelamento de tributos da competência desses entes federativos. 3. Ademais, não se encontra na competência da lei ordinária estabelecer transferência à União Federal de parcelamentos de tributos devidos aos demais entes da federação, sob pena de afronta ao art. 146, III, d, da Constituição Federal. 4. Demais disso, a apelante pleiteia o parcelamento de seus débitos em até 180 meses, prazo esse não previsto na Lei n. 10.522/02, mas sim na Lei n. 11.941/2009, o que também não seria possível, eis que, conforme estabelece o artigo 1º da Lei n. 11.941/2009, apenas os débitos administrados pela SRFB e PGFN – isto é, débitos federais -, podem ser objeto de parcelamento, não sendo tal benefício fiscal, consoante se anotou, extensível aos tributos municipais e estaduais. 5. Ressalte-se que na Lei Complementar n. 123/2006, que criou o Simples Nacional – regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido, devido às Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) -, não há qualquer previsão para o parcelamento dos débitos desse regime. Há, é certo, no seu artigo 79, a possibilidade de parcelamento em até 100 (cem) parcelas mensais e sucessivas para débitos com a Seguridade Social, Fazenda Nacional e com as Fazendas Estaduais e Municipais, com parcela mínima de R$100,00 (cem reais), mas apenas para efeito de ingresso no Simples Nacional, 6. Ademais, tal regime, nos termos da LC 123/2006, já contempla tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, com um sistema tributário simplificado e uma gama de benefícios que lhes assegura competitividade no mercado, a teor dos artigos 170 e 179 da Constituição Federal, não lhe sendo permitido aproveitar apenas aquilo que lhe é favorável em cada regime. 7. Por conseguinte, não há que se falar em violação ao princípio da isonomia tributária, eis que entendeu por bem o legislador, por uma questão de política fiscal, considerando que as empresas optantes pelo Simples Nacional já são beneficiadas com o tratamento jurídico diferenciado, não prever a possibilidade de parcelamento de eventuais débitos surgidos nesse regime, ao contrário das demais empresas integrantes do regime normal de tributação, o que sugere tratamento diferenciado para situações diferenciadas. 8. Apelação improvida.
(AC 00017285620104058308, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Primeira Turma, 19/04/2011)TRIBUTÁRIO. EMPRESA OPTANTE PELO REGIME DO SIMPLES NACIONAL. PARCELAMENTO ORDINÁRIO PELA LEI N. 10.522/2002. IMPOSSIBILIDADE. 1. Embora a Lei n. 10.522/2002 estabeleça a possibilidade do parcelamento de débitos de qualquer natureza, em até 60 parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, tal comando normativo não contempla os débitos procedentes do SIMPLES Nacional, porquanto este, por ser um regime especial unificado de arrecadação, engloba, além dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS/PASEP, COFINS, IPI e CPP), o imposto estadual (ICMS) e o imposto municipal (ISS), consolidando em um único documento de arrecadação os referidos tributos. 2. Dessa forma, em face do Princípio Federativo, não pode haver ingerência da União Federal na competência tributária dos Estados e Municípios, no sentido de conceder parcelamento de tributos da competência desses entes federativos. 3. Ademais, não se encontra na competência da lei ordinária estabelecer transferência à União Federal de parcelamentos de tributos devidos aos demais entes da federação, sob pena de afronta ao art. 146, III, d, da Constituição Federal. 4. Demais disso, a apelante pleiteia o parcelamento de seus débitos em até 180 meses, prazo esse não previsto na Lei n. 10.522/02, mas sim na Lei n. 11.941/2009, o que também não seria possível, eis que, conforme estabelece o artigo 1º da Lei n. 11.941/2009, apenas os débitos administrados pela SRFB e PGFN – isto é, débitos federais -, podem ser objeto de parcelamento, não sendo tal benefício fiscal, consoante se anotou, extensível aos tributos municipais e estaduais. 5. Ressalte-se que na Lei Complementar n. 123/2006, que criou o Simples Nacional – regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido, devido às Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) -, não há qualquer previsão para o parcelamento dos débitos desse regime. Há, é certo, no seu artigo 79, a possibilidade de parcelamento em até 100 (cem) parcelas mensais e sucessivas para débitos com a Seguridade Social, Fazenda Nacional e com as Fazendas Estaduais e Municipais, com parcela mínima de R$100,00 (cem reais), mas apenas para efeito de ingresso no Simples Nacional, 6. Ademais, tal regime, nos termos da LC 123/2006, já contempla tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, com um sistema tributário simplificado e uma gama de benefícios que lhes assegura competitividade no mercado, a teor dos artigos 170 e 179 da Constituição Federal, não lhe sendo permitido aproveitar apenas aquilo que lhe é favorável em cada regime. 7. Por conseguinte, não há que se falar em violação ao princípio da isonomia tributária, eis que entendeu por bem o legislador, por uma questão de política fiscal, considerando que as empresas optantes pelo Simples Nacional já são beneficiadas com o tratamento jurídico diferenciado, não prever a possibilidade de parcelamento de eventuais débitos surgidos nesse regime, ao contrário das demais empresas integrantes do regime normal de tributação, o que sugere tratamento diferenciado para situações diferenciadas. 8. Apelação improvida”.[6]
5 Conclusão
Pode-se concluir do quanto exposto que o parcelamento previsto na Lei n. 10.522/2002 (BRASIL, 2002) não engloba os débitos advindos do Simples Nacional, pois, além de não haver previsão legal expressa nesse sentido, tal possibilidade haveria de ser tratada por lei complementar, nos estritos termos do artigo 146, III, “a”, da Constituição Federal, sob pena de afronta ao Pacto Federativo.
Assim, tratando-se de forma de apuração simplificada de tributos também estaduais e municipais, é defeso ao legislador ordinário federal parcelar créditos oriundos de tributos que fogem de sua competência.
Tampouco merece respaldo a alegação de que tal circunstância afrontaria o Princípio da Isonomia, pois justamente em razão da situação peculiar das microempresas e empresas de pequeno porte é que o ordenamento jurídico dispensou tratamento diferenciado às mesmas com um regime especial de tributação nos moldes da Lei Complementar nº 123/06 (BRASIL, 2006). Nesse aspecto, plenamente satisfeito o tratamento isonômico de tais entes ante sua singularidade outrora demonstrada.
Por sua vez, o parcelamento pela Lei n. 10.522/2002 de débitos apurados via Simples Nacional deturpa toda a lógica do sistema constitucional tributário, sendo descabida sua verificação.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Ana Cristina Leão Nave Lamberti
Procuradora da Fazenda Nacional. Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista. Pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.