Lei n.º 6.830/80, que dispõe sobre a cobrança
judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, tratou também de prescrição para a
cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, estabelecendo, em seus
artigos 2º, §3º, e 40, duas hipóteses de suspensão do curso do prazo
prescricional.
O art. 2º, §3º, estabelece que, sendo o débito
inscrito em Dívida Ativa, fica suspensa a prescrição pelo prazo de 180 dias, ou
até a distribuição da execução fiscal, caso esta ocorra em prazo inferior aos
180 dias contados da data da inscrição. Já o art. 40, segundo a interpretação
preponderante, estabelece que em não sendo encontrado o devedor ou seus bens,
fica o processo executivo fiscal suspenso ad eternum, ou até que seja
encontrado o devedor ou seus bens.
Nesse sentido transcreve-se Ementa de julgado do
STJ, no Resp 22720/RS:
“PRESCRIÇÃO – EXECUÇÃO FISCAL – SUSPENSÃO DO
PROCESSO – LEI 6.830/80, ARTIGO 40.
Enquanto estiver suspenso o processo de execução
fiscal, nos termos do art. 40 da Lei n.º 6.830/80, também estará suspenso o
prazo prescricional.
Precedentes do STJ (Resp n.º 24.165-4-SP).”
Como muitas vezes é mais fácil chegar-se ao final
do prazo ad eternum do que serem encontrados bens do devedor, restou
criada a figura da imprescritibilidade de débitos inscritos em Dívida Ativa, o
que não se apresenta em consonância com o Direito Positivo brasileiro, como a
seguir de expõe.
As normas existem no intuito de possibilitarem uma
efetiva convivência entre serem humanos, mas também para assegurar “segurança
jurídica” a esses mesmos humanos, ou seja, o arcabouço legal, disciplinando as
relações humanas, visa também possibilitar uma certa previsibilidade em relação
a circunstâncias futuras, nisto consistindo a “segurança jurídica”.
Abarcado pelo conceito de “segurança jurídica” está
também o instituto da prescrição, e a ausência de prazo prescricional é tema de
tal excepcionalidade, no Direito Pátrio, que é tratada tão somente em âmbito
constitucional.
A Carta Magna de 1988 estabeleceu, em seu art 5º,
algumas infrações penais para as quais inexiste prazo prescricional e, no
âmbito civil, somente foram estabelecidas como imprescritíveis as ações de
ressarcimento em caso de servidores públicos que pratiquem atos que causem
prejuízo ao erário (art. 37, §5º).
Mas, mesmo afastando-se da discussão sobre a
possibilidade de ser por lei estabelecida hipótese de suspensão de prescrição
que se caracterize efetivamente como negação ao instituto prescricional em
matéria tributária, continua a Lei n.º 6.830/80 carecedora de competência para
disciplinar prescrição tributária, como agora se expõe.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu
art. 24, a competência concorrente, entre a União, os Estados e o Distrito
Federal, para legislar sobre direito tributário e, no §1º do mesmo artigo, estabeleceu
que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União ficaria
limitada a estabelecer normas gerais.
Mas, não satisfeito em delimitar à União a
competência para legislar em termos de normas gerais e ciente dos freqüentes
abusos tributários praticados em solo pátrio, o legislador constituinte
estabeleceu, no art. 146, III, que as normas gerais em matéria tributária
seriam objeto de normatização em nível de Lei Complementar.
Conforme consta no próprio art. 146, III da
Constituição Federal, o conceito de “normas gerais”, no âmbito tributário,
abrange a definição de tributos, suas espécies, fatos geradores, bases de
cálculo, contribuintes, adequado tratamento tributário às cooperativas,
obrigação tributária, lançamento, crédito tributário, decadência e também a
prescrição tributária, além de temas outros que venham a ser, por lei
complementar, considerados como “normas gerais”.
Como tais temas se encontram disciplinados no
Código Tributário Nacional, lei ordinária recepcionada como lei complementar
pela Carta Magna de 1988, pode ser um incauto levado ao mesmo entendimento
sobre a Lei n.º 6.830, a de que teria sido, no que trata de suspensão da
prescrição tributária, recepcionada como lei complementar pela Constituição
Federal de 1988, mas não é o que se verifica quando da análise mais acurada do
tema.
O Código Tributário Nacional, na época de sua
publicação ainda não denominado como tal, foi promulgado como lei ordinária,
Lei n.º 5.172/66, sob a égide da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de
18/09/46, visto que não existia, perante este Diploma Constitucional, a figura
da lei complementar.
Quando da promulgação da Carta Constitucional de
1967, foi criada a figura da lei complementar e reservada a esta, pelo art. 18,
§1º, abaixo transcrito, a competência para estabelecer normas gerais de direito
tributário.
§1º Lei complementar
estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sôbre conflitos de
competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.”
Como a Lei n.º 5.172/66 já disciplinava normas
gerais em matéria tributária, foi esta recepcionada pela Constituição de 1967
como lei complementar e, como se não bastasse a automática aplicabilidade do
Princípio da Recepção, foi promulgado o Ato Complementar n.º 36, em 13/03/1967,
que, em seu art. 7º, denominou esta lei de Código Tributário Nacional,
conferindo-lhe status de lei complementar.
A Constituição Federal de 1969 manteve inalterado o
§1º do art. 18 da Constituição Federal de 1967. Por conseguinte, tendo sido o
Código Tributário Nacional recepcionado como lei complementar pela Carta
Constitucional de 1967, e como a matéria por este tratada continuou, pelas
Constituições posteriores, a de 1969 e a de 1988, reservada à lei complementar,
manteve-se e mantém-se até hoje este código como lei complementar.
O mesmo não se verifica em relação à lei n.º
6.830/80 que, sendo promulgada sob a forma de lei ordinária, já na vigência da
Constituição de 1969, tratou de tema que, no momento de sua promulgação, se
encontrava constitucionalmente reservado à lei complementar.
Argúem alguns que a simples inexistência de
conflito material entre o art. 74 do CTN, que disciplina prescrição e suas
causas interruptivas, e o art. 40 da Lei 6.830/80, que estabelece causa
suspensiva de prescrição, seria motivo para considerarem-se válidos os
dispositivos da Lei n.º 6.830/80 que versam sobre prescrição, como ocorreu no
julgado do STJ, Eresp n.º 37087/SP, Ementa abaixo transcrita.
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO
FISCAL. PRESCRIÇÃO. CPC, ART. 219, §4º. CTN, 174 E PARÁGRAFO ÚNICO. LEI
6.830/80 (ARTS. 8º, §2º E 40)
1. A Lei 6.830/80 (arts. 8º, §2º e 40),
expressamente concede privilégio, estabelecendo a interrupção do prazo
prescricional na data do despacho judicial, por si, criando causa interruptiva
eficiente.
2. “Não há conflito entre o Art. 174 do CTN e o
Art. 40 da Lei de Execuções Fiscais: enquanto este trata de suspensão, aquele
dispõe sobre as causas que interrompem a prescrição”. (Resp
26.164-4-SP – Rel. Min.
Humberto Gomes de Barros).
3. Embargos acolhidos.
Todavia, a questão que se põe não é a de existência
ou não de compatibilidade material entre o disposto no art. 174 do CTN e o art.
40 da Lei n.º 6.830/80, mas simplesmente o fato de que a Lei de Execuções
Fiscais, por ser lei ordinária, não poderia tratar de matéria que se encontrava
reservada, pela Constituição então em vigor, à lei complementar.
Por conseguinte, juridicamente não é possível
analisar-se de igual forma, no que concernente à Recepção, o Código Tributário
Nacional e a Lei n.º 6.830/80. Aquele foi promulgado como lei ordinária, na
vigência de Constituição que não reservava sua matéria à lei complementar.
Advindo nova Constituição, estabelecendo com competente a lei complementar para
tratar de normas gerais em matéria tributária, passou o Código Tributário
Nacional a ser materialmente lei complementar. Já com a Lei n.º 6.830 ocorre
situação essencialmente diversa, posto que, promulgada como lei ordinária,
tratou de matéria que se encontrava, à época de sua promulgação, reservada à
lei complementar.
A última questão restante é a verificação se o tema
prescrição tributária, à época da promulgação da lei n.º 6.830/80, era matéria
considerada como norma geral em matéria tributária.
A Constituição de 1988, ao reservar à lei
complementar a competência para disciplinar normas gerais em matéria
tributária, não definiu o conceito e abrangência da terminologia “normas
gerais”, determinando tão somente que, dentre outros mais temas, estariam
incluídas como normas gerais a definição de tributos, suas espécies, fatos
geradores, bases de cálculo, contribuintes, adequado tratamento tributário às
cooperativas, obrigação tributária, lançamento, crédito tributário, decadência
e também a prescrição tributária.
A Carta Magna de 1988 trouxe em seu bojo uma lista
exemplificativa de temas que se encontrariam abarcados como normas gerais, não
uma lista exaustiva, mas, de todo modo, dentre os temas tratados encontra-se a
prescrição tributária, não deixando dúvidas que, sob a Carta Magna de 1988,
prescrição tributária é norma geral, devendo ser regulada por lei complementar.
Já a Constituição de 1967, assim como ocorreu com a
Constituição de 1969, reservou à lei complementar a competência para legislar
sobre normas gerais sem conduto definir o conceito ou extensão das matérias a
serem abarcadas sob tal denominação.
Ao reservar à lei complementar a competência para
tratar de normas gerais, sem contudo definir o que seriam normas gerais, o
legislador constitucional delegou à lei complementar a competência para definir
o alcance e a abrangência do conceito “normas gerais em matéria tributária”.
Segundo a Ementa da Lei n.º 5.172/66, Código
Tributário Nacional, esta lei “dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e
institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
Municípios.”
O Código Tributário Nacional encontra-se dividido
em dois livros, o Livro Primeiro que trata do “Sistema Tributário Nacional”, e
o Livro Segundo que trata das “Normas Gerais de Direito Tributário”. O tema
Prescrição tributária encontra-se tratada no art. 174, artigo que se encontra
inserido no Livro Segundo, que versa sobre “Normas Gerais de Direito
Tributário”.
Por conseguinte, o próprio Código
Tributário Nacional, no uso da competência a ele constitucionalmente outorgada,
definiu a prescrição tributária como uma das “normas gerais em direito
tributária”, conseqüentemente restringindo à lei complementar a competência
para disciplinar essa matéria.
Como a Lei n.º 6.830/80 não se reveste de status de
lei complementar, à primeira vista seria de se concluir serem
inconstitucionais, por vício formal, os artigos 2º, §3º, e 40, no que tratam
sobre prescrição, por se tratar de tema cuja competência foi constitucionalmente
restrito à lei complementar desde a promulgação da Carta Constitucional de
1967, mas, antes de considerar-se uma norma como inconstitucional, deve-se
buscar uma interpretação em consonância com o texto constitucional, ou, nas
palavras de Carlos Maximiliano “todas as presunções militam a favor da
validade de um ato, legislativo ou executivo; portanto, se a incompetência, a
falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade em geral, não estão acima de
toda a dúvida razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do
deliberado por qualquer dos três ramos em que se divide o Poder Público. Entre
duas exegeses possíveis, prefere-se a que não infirma o ato de autoridade. Oportet
ut res plus valeat quam pereat.”
A Lei n.º 6.830/80, apesar de conhecida como “Lei
de Execução Fiscal”, trata não somente da cobrança judicial dos débitos de
natureza tributária, mas da cobrança judicial de toda a Dívida Ativa da Fazenda
Pública, considerando-se por Dívida Ativa, segundo o art. 2º, caput, da
Lei n.º 6.830, aquela definida como tributária ou não tributária na Lei n.º
4.320/67, que dispõe sobre as normas gerais de direito financeiro.
Por conseguinte, como não seria cabível a uma lei
ordinária disciplinar matéria restrita à lei complementar, a única
interpretação possível dos dispositivos da Lei n.º 6.830/80 que tratam sobre
prescrição, de modo a mantê-los em conformidade com o ordenamento jurídico
brasileiro, é o de que são aplicáveis tão somente aos débitos de natureza não
tributária inscritos em Dívida Ativa da Fazenda Pública.
Bibliografia:
MAXIMILIANO, Carlos,
Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 320, 8ª ed., Rio de Janeiro, Freitas
Bastos, Rio, 1965.
Informações Sobre o Autor
Dênerson Dias Rosa
Consultor Tributário, ex-Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e sócio da Dênerson Rosa & Associados Consultoria Tributária.