Da inconstitucuionalidade dos atos normativos oriundo do protocolo ICMS 21 e tendência jurisprudencial no STF

Resumo: O presente artigo analisa os aspectos legais do Protocolo ICMS 21 que prevê alteração da base de cálculo do ICMS nas operações interestaduais quando se trate de consumidor final, bem como da evolução e tendência jurisprudencial sobre a temática.


Palavras-Chave: Inconstitucionalidade – Protocolo ICMS 21 – regras – jurisprudência.


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Abstract: This article examines the legal aspects of the Protocol ICMS 21 which provides changing the calculation basis of ICMS on interstate transactions in the case of final consumer, as well as the evolution and tendency of jurisprudence on the subject.


Keywords: Unconstitutionality – Protocol ICMS 21 – rules – jurisprudence.


Sumário: Introdução. 1. Regra de comércio eletrônico anterior ao Protocolo ICMS 21. 2. Regra de comércio eletrônico a partir da adoção do Protocolo ICMS 21. 3. Problemáticas na adoção do Protocolo 4. Panorama jurisprudencial atual. 5. Considerações finais. Referências.


Introdução


O Protocolo ICMS 21, de 1º de abril de 2011, onde alguns Estados da Federação são signatários, envolvendo as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, instituiu a cobrança do ICMS nas operações interestaduais em que o adquirente é o consumidor final, e adquire o bem de forma não presencial, isto é, por meio de internet, telemarketing, ou showroom. Dentre os considerandos do citado Protocolo estão: a sistemática atual do comércio mundial com a aquisição de mercadorias de forma remota; o aumento da modalidade do tipo de comércio não presencial, deslocamento das operações comerciais com consumidor final, não contribuinte de ICMS; imposto que envolve o consumo, cuja repartição tributária deve observar sua natureza, e; finalmente, destaca o aumento do comércio virtual, persistindo a tributação apenas na origem, não se coadunando com a essência principal do imposto estadual, não preservando a repartição do produto de arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e destino.


A Constituição Federal, de forma um tanto detalhada, traz um verdadeiro arsenal de regras do ICMS, imposto atribuído aos Estados pela União, talvez por isso alvo de uma série de medidas judiciais tendentes ao menos a aliviar a famigerada guerra fiscal vez que patente a falta de regulamentação mais eficiente por parte da União. Os benefícios fiscais concedidos por isenção ou renúncia de ICMS buscam atrair o investimento de capital privado, mesmo que utilizada para fins politiqueiros pelo gestor responsável, sem um embasamento ou estudo acerca da consequência nas finanças do Estado. O Protocolo ICMS 21 é reflexo da postura cada vez mais crescente e, equivocada frise-se, da natureza extrafiscal do ICMS, ao tentar aplacar o déficit fiscal que assola os Estados mais pobres.


Em virtude da autonomia financeira e tributária gozada pelos Estados, a adoção de políticas públicas embasadas em políticas de benefício fiscal necessitam atender à Lei Complementar nº 24/1975, segundo a qual a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados. O art. 155, parágrafo 2º, XII, g, preceitua:


Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…)


XII – cabe à lei complementar: (…)


g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.    


Assim, num comando tendente a combater a guerra fiscal, um Estado ou Distrito Federal, não pode, de forma unilateral, mesmo que por lei formalmente elaborada, conceder isenções, incentivos ou benefícios fiscais quaisquer que culminem com a desoneração do ICMS. No entanto, o Protocolo ICMS 21 não está a tratar de isenções ou incentivos, não se podendo alegar como em já decidido em inúmeros julgados do STF ofensa ao art. 155, parágrafo 2º, XII, g, da Carta Magna. O Protocolo alterou a forma de apuração e recolhimento do ICMS nas vendas para os Estados que passaram a exigir o pagamento do tributo de forma diferenciada.


2. Regra de comércio eletrônico anterior ao Protocolo ICMS 21


Operações que envolvam o comércio eletrônico entre Estados distintos onde o consumidor final, não contribuinte, o ICMS cabe integralmente ao Estado de origem da operação, que cobrará o imposto pela sua alíquota interna, em regra, maior que a interestadual (art. 155, parágrafo 2º, VI, da CF). Exemplificando: se um consumidor não contribuinte do ICMS residente em Fortaleza compra pela internet uma TV de uma empresa que armazena seus produtos em São Paulo, considera-se como uma venda direta ao consumidor, incidindo a alíquota interna de São Paulo, em regra 18%. O total apurado e arrecado ficaria com o Estado de São Paulo.


3. Regra de comércio eletrônico a partir da adoção do Protocolo ICMS 21


Nos termos do acordo assinado, os Estados signatários devem exigir a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela de ICMS devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom.


Um dos problemas é que o imposto é exigível até dos Estados não signatários do acordo (Cláusula primeira, parágrafo único, do Protocolo ICMS 21).  A parcela do imposto devido à unidade federada destinatária será obtida pela aplicação de sua alíquota interna, sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos percentuais previstos para cobrança do imposto devido na origem (alíquotas de 7% ou 12%), a depender do Estado.


Vamos ao exemplo com a nova regra: se um consumidor não contribuinte residente no Distrito Federal resolve comprar via internet uma geladeira de uma empresa situada em Minas Gerais. O Distrito Federal recolherá (17%-7%=10%), ou seja, a diferença entre a alíquota interna do DF (17%) menos o índice previsto no Protocolo para mercadorias ou bens oriundos dos Estados do Sul e Sudeste (7%), com exceção do Espírito Santo. Minas Gerais cobrará sua alíquota interna normalmente (18%). Dessa forma, teremos uma carga tributária global de 28%, ao invés dos 18% previstos na regra original.


4. Problemáticas na adoção do Protocolo


Sem adentrar no mérito da tormentosa guerra fiscal, me parece claro que a regra adotada tornará mais caótica a busca pela solução dos déficits financeiros estaduais, sem um delineamento efetivo por parte da União nas regras do imposto sob comento. A solução, sem sombra de dúvida, passa pela reforma tributária.


Ademais, temos um caso clássico de bitributação. Cobrança do mesmo tributo, sobre o mesmo fato gerador, por dois entes tributantes diversos. Os Estados distribuidores não renunciarão à parcela que lhes cabe no imposto, em contrapartida os Estados da Federação menos abastados veem como uma salvação a possibilidade de arrecadar através de comércio que mais cresceu nos últimos anos. O efeito do arranjo tributário é catastrófico para o consumo, prejudicando todos os Estados da Federação.


Outra inconstitucionalidade flagrante é a previsão do texto Constitucional acerca da adoção, com exclusividade, de alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte do ICMS (art. 155, parágrafo 2º, VII, b, da CF), verbis:


VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:


b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;


A alteração pretendida pelo Protocolo só poderia ter sido feita via Emenda Constitucional, fácil perceber a burla a regra clara transcrita acima.


Encontra-se maculada a previsão do art. 150, V, da Constituição Federal verbis: “art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios ; V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”,  a doutrina comumente denomina de princípio da liberdade de tráfego. Atente a definição do mestre Paulo de Barros Carvalho sobre o princípio:


“Significa que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para onde se destinem. Em consonância com essa regra constitucional (art. 152), a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”[1].


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Ao menos em tese, a feitura de atos normativos que adotem a sistemática prevista no Protocolo ICMS 21 burlam os princípios citados acima, pois adotar-se-á alíquota diferenciada para bens ou mercadorias destinadas a consumidor final no Estado de destino, além da configuração da bitributação. O Protocolo ainda estabelece alíquotas diversas do produto a depender do Estado da Federação, 7% (Estados do Sul ou Sudeste) ou 12% (Norte, Nordeste e Centro-Oeste e Espírito Santo). Nota-se que existe uma sanha desmedida pelos produtos oriundos do Sul e Sudeste, pólo industrial mais forte no cenário nacional e de onde, obviamente, provém a maioria dos produtos e bens.


5. Panorama jurisprudencial atual


Partidos Políticos e o Conselho Federal da OAB interpuseram Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra atos normativos oriundos do Protocolo ICMS 21 que visam alterar alíquotas em operações internas e externas.


O primeiro caso submetido à Corte foi a Lei nº 6.041/2010 do Estado do Piauí (ADIMC 4.565/PI).  A norma visa justamente legalizar a tributação pelo ICMS dos bens adquiridos pelos consumidores residentes no Estado via comércio eletrônico, atente-se:


“Art. 1º Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de que trata a Lei nº 4.257, de 06 de janeiro de 1989, incidirá sobre as entradas neste Estado, de mercadorias ou bens oriundos de outras unidades da Federação destinados a pessoa física ou jurídica não inscrita no Cadastro de Contribuintes do Estado do Piauí – CAGEP, independentemente de quantidade, valor ou habitualidade que caracterize ato comercial.


Parágrafo único. O valor do ICMS, a ser exigido na hipótese de que trata o caput, corresponderá a uma carga tributária líquida entre 4,5% (quatro e meio por cento) e 10% (dez por cento) aplicada sobre o valor da operação constante no respectivo documento fiscal, conforme disposto em regulamento”.


A medida cautelar concedida pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa baseia-se na plausibilidade da inconstitucionalidade por prever bitributação, caracterizar caso de guerra fiscal, configura desobediência ao pacto federativo, violar reserva do Senado para dispor das alíquotas (art. 155, parágrafo 2º, IV, da Constituição Federal) e desprestígio à regra da liberdade de tráfego (art. 150, V e 152, da CF). A Lei Estadual estaria prevendo como fato gerador do ICMS a mera entrada de mercadoria no território do Estado do Piauí, alargando o espectro previsto na Constituição. A decisão foi tomada de forma unânime pela Corte.


Algumas suspensões de liminares e de segurança foram ajuizadas por Estados da Federação que se sentiram prejudicados com a concessão de liminares em mandados de segurança, por exemplo, alegando a disparidade de realidade econômica entre os entes que compõe a federação, que a revogação da norma ou declaração de inconstitucionalidade traria prejuízos incalculáveis às finanças públicas, grave risco e lesão ao interesse público. As medidas foram rejeitadas (SL 543/GO, SS 4402/AP, SS 4409/MA) em virtude de não haver qualquer prova ou demonstrativo do grave risco de lesão às finanças ou ao interesse público. Na medida cautelar concedida na (ADI 4565/PI) o Ministro bem ponderou tais questões, acompanhe trecho do voto[2]:


“Os argumentos do estado-requerido tangentes à disparidade abissal entre as diversas regiões de nosso país de proporções continentais são


relevantes, mas a alteração pretendida depende de verdadeira reforma tributária que não pode ser realizada individualmente por cada ente político da Federação, com posterior chancela de validade pelo Judiciário. (…)


Ademais, a harmonia que deve reger as relações entre os entes federados depende da estrita observância dos devidos processos legal e


político. “Inconstitucionalidades não se compensam”, conforme lição do


eminente Ministro Sepúlveda Pertence”.


Dessa forma, me parece que o entendimento prevalecerá em sede de julgamento definitivo de mérito vez as inconstitucionalidades apontadas em caráter liminar estão por demais evidentes.


5. Considerações finais


A postura dos Estados é legítima, no entanto o meio utilizado no afã de aplacar déficit financeiro que assola notadamente os Estados do Norte e Nordeste necessitam de respaldo constitucional. A alteração das regras constitucionais fundamentadas em convênios desestabilizam as relações democráticas e põe em xeque a segurança jurídica das relações comerciais, além de violar uma série de princípios tributários.


O prejuízo da desenfreada guerra fiscal penalizará em cheio os contribuintes, além de desestimular os investimentos privados face ao fator surpresa das medidas. Mudanças capitaneadas de forma mais ampla pela União (arts. 23, parágrafo único e 146, III, da CF) deveriam ser postas em prática, levando-se em conta as desigualdades regionais. Na orientação Calcioari: “…a responsabilidade pela guerra fiscal não pode ser imputada, de forma simplória, somente aos Estados ou Municípios. A sua principal causa é a falta de articulação da União ao estabelecer políticas cooperativas de desenvolvimento nacional[3].


 Assim, a reforma tributária aliada aos aspectos de cooperativismo federativo, orientados de forma mais ampla pela União fazem-se urgentes, a fim de ao menos amenizar os conflitos tão comuns no regime hoje existente.


 


Referências

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.


CALCIOLARI, Ricardo Pires. Aspectos Jurídicos da Guerra Fiscal no Brasil. Revista de Estudos Tributários, nº 77, Jan-Fev/2011.

 

Notas:

[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 166.

[2] http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1263902.

[3] CALCIOLARI, Ricardo Pires. Aspectos Jurídicos da Guerra Fiscal no Brasil. Revista de Estudos Tributários, nº 77, Jan-Fev/2011, Doutrina 35.


Informações Sobre o Autor

João Ricardo Alves De Albuquerque Nogueira

Procurador Federal, Pós-Graduado em Direito Empresaria pela UECE


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