Dano estético: Autonomia e cumulação na responsabilidade civil

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar que o dano estético é uma terceira espécie de dano existente na responsabilidade civil, subsistindo autônoma e independentemente perante os danos material e moral, como já bem definiu o Superior Tribunal de Justiça em diversos julgados, e recentemente ao publicar, em 01.09.09, a Súmula 387, prevendo que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”


Assim, havendo lesão à integridade física da pessoa humana, nascerá para o Direito o dever de indenizar o dano estético causado.


1. DAS ESPÉCIES DE DANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.


Antes de tratarmos sobre a autonomia do dano estético, importante fazer sucintas digressões a respeito de cada espécie de dano encontrada na legislação pátria.


Na hierarquia das leis, primeiro lugar, está a Constituição Federal, de maneira que por esta Lei Maior começaremos a análise dos danos abordados.


O dispositivo da Lei Maior que se destaca pela abordagem aos danos é o artigo 5º, que logo no inciso V, assevera que caberá indenização por dano material, moral ou à imagem, quando houver violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, conforme complementa o inciso X do preceito em comento.


Importante abrir parêntese para dizer que, equivocadamente, a conjunção alternativa “ou” contida no inciso V do artigo 5° da Carta Magna não traduz fielmente a intenção do legislador quanto às indenizações cabíveis no nosso ordenamento jurídico, pois a melhor redação seria a conjunção aditiva “e”, cabendo, portanto, reparação pelo dano material, moral “e” à imagem.


Essa interpretação verifica-se quando da edição da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, estabelecendo que “São acumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato”.


Os danos também possuem proteção na legislação civil, conforme dispõe o caput do artigo 927, descrevendo que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”


Percebe-se, neste dispositivo, que inexiste menção a nenhuma espécie de dano, presumindo-se que “todo” tipo de dano merecerá a devida reparação.


Já o artigo 186 do Código Civil não enumera quais danos são abarcados pela legislação civil em vigor, mas ressalta que existe violação ao direito ainda que o dano seja exclusivamente moral, senão vejamos in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”


Percebe-se, deste modo, que as espécies de danos nominadas no Direito brasileiro cingem-se aos danos material e moral.


Entretanto, no presente trabalho busca-se atrair à seara da responsabilidade civil um dano não menos importante que os já citados, qual seja, o dano estético, que já é largamente reconhecido por nossos Tribunais Superiores, inclusive será após a edição da Súmula 387 do STJ, mas que é doutrinariamente recusada por diversos juristas, que ora entendem que a reparação do dano estético é de ordem material, com a destinação à realização de cirurgias, tratamentos etc., ora entendem ser o dano estético uma espécie do gênero dano moral, cabendo, assim, uma única reparação, que já englobaria o prejuízo psíquico e à saúde.


Entretanto, discordamos do entendimento que dano estético não se confunde com os danos material e moral porque são bens juridicamente diferentes, com conseqüências lesivas diferentes, haja vista que o dano material decorre de ofensa ao patrimônio, enquanto que o dano moral decorre de uma ofensa psíquica e o dano estético decorre de uma ofensa à integridade física.


2. DO CONCEITO DE DANO ESTÉTICO.


Como o presente trabalho atem-se apenas ao dano estético, dele somente trataremos.


A começar, importante dizer que dano estético[1] possui diversas terminologias, como, por exemplo, dano corporal (pretium corporis), dano físico, dano deformidade, dano fisiológico, dano à saúde, dano biológico, não importando qual terminologia será utilizada para a proteção da integridade física da vítima.


É, portanto, a “lesão à beleza física, ou seja, à harmonia das formas”[2],  “deformidades ou deformações outras, as marcas e os defeitos ainda que mínimos que podem implicar, sob qualquer aspecto, um ‘afeamento’ da vítima ou que pudessem vir a se constituir para ela numa simples lesão ‘desgostante’ ou em permanente motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos.”[3]


Para Tereza Ancona Lopez[4], “Estética vem do grego aisthesis que significa sensação. Tradicionalmente é o ramo da ciência que tem por objeto o estudo da beleza e suas manifestações na arte e na natureza. Na concepção clássica, que vem de Aristóteles, é a estética uma ciência prática ou normativa que dá regras ao fazer humano sob o aspecto do belo. Portanto, é a ciência que tem como objeto material a atividade humana (fazer) e como objeto formal (aspecto sob o qual é encarado esse fazer), o belo.”


Conceituando o dano estético, recorre-se à lição de Maria Helena Diniz, para quem “O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa. P. ex.: mutilações (ausência de membros – orelhas, nariz, braços ou pernas etc.); cicatrizes, mesmo acobertáveis pela barba ou cabeleira ou pela maquilagem; perda de cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes, da voz, dos olhos (RJTJSP, 39:75); feridas nauseabundas ou repulsivas etc., em conseqüência do evento lesivo.”[5]


Sobre o assunto, posiciona-se Néri Tadeu Câmara Souza descrevendo, na sua concepção, que “o dano estético é aquilo que agride a pessoa nos seus sentimentos de auto-estima, prejudicando a sua avaliação própria como indivíduo. Denigre a imagem que tem de si. Por isto não precisa estar exposto, ser externo, nem ser de grande monta para que caracterize-se a seqüela física como dano estético. Mesmo deformidades em áreas intimas da pessoas que, dificilmente, nas situações sociais estejam expostas à vista de terceiros, caracterizam o dano estético já que a presença de alterações físicas, mesmo diminutas, têm conscientizada sua presença pelo portador e sabe este que em situações de maior intimidade com outras pessoas aflorarão, tornar-se-ão visíveis. Isto lhe traz um indizível sofrimento interno, psicológico.”[6]


O dano estético é toda ofensa, ainda que mínima, à integridade física da vítima, que ocorre quando há uma lesão interna no corpo humano, como, por exemplo, quando a vítima perde um rim, um baço, ou quando há ocorrência de lesão externa no corpo humano, como, por exemplo, quando a vítima sofre uma cicatriz, queimadura ou a perda de um membro, afetando, com isso, a higidez da saúde, a harmonia e incolumidade das formas do corpo, i.e., alterado o corpo da forma original, anterior à ocorrência da lesão.


3. DA PROTEÇÃO À SAÚDE


Sem prejuízo das interpretações divergentes, importante ressaltar que o dano estético advém de proteção à saúde, que ora se propõe a mostrar no presente trabalho.


Importante salientar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948 nas Nações Unidas, enumera os direitos que todos os seres humanos possuem, determinando, em seu artigo III, que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”


No preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde ganha inquestionável importância ao caber-lhe a conceituação que “é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças”.


O Brasil, após 40 (quarenta) anos da assinatura como signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, tratou do assunto na Constituição Federal de 1988, positivando o assunto no artigo 196, segundo o qual: “A saúde é direito de todos e dever do Estado.”


O direito à saúde encontra-se, ainda, no artigo 6º da Constituição Federal, sob a égide “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, sendo, portanto, um direito fundamental da pessoa humana, daí se inferindo mais uma característica do direito à saúde, um direito social.


Ainda que restasse alguma dúvida quanto ao caráter fundamental do direito à saúde, a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em seus artigos 4º e 6º, inciso I, expressamente determinam o respeito e a proteção à vida e à saúde, passando estes a serem concebidas como um direito do consumidor.


Há de mencionar, ainda, o disposto no artigo 1º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, ao determinar que: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.


Percebe-se, ato contínuo, que o direito à saúde possuí clara conotação de direito à integridade física, surgindo o dever de indenizar por dano estético toda vez que esse bem juridicamente tutelado for lesado.


A integral reparação do bem juridicamente tutelado (saúde), desta feita, ampara a reparação plena e inquestionável do dano estético, de maneira independente e autônoma à dos danos material e moral, haja vista tratar-se este de cunho subjetivo, ou seja, dependendo ou não das repercussões danosas causadas ao ofendido, enquanto que o dano estético é de cunho objetivo, existindo após a alteração da integridade física da vítima, sendo ele mais ou menos equivalente de uma pessoa para outra[7].


4. DA ORIGEM DO DANO ESTÉTICO


Para efeitos de estudo sobre a origem do dano estético na legislação nacional, importante se faz a lembrança dos dispositivos que a embasavam, senão vejamos.


A primeira delas remonta do início do século XX, de 07 de dezembro de 1.912, quando do Decreto nº 2.681, cuja legislação regula a responsabilidade civil das estradas de ferro.


Isto porque, nos artigos 17 e 21 da referida norma, possibilitava-se a cumulação de danos, pois, no artigo 17, estava descrito que: “As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea.”


Já o artigo 21 descrevia que: “No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente.”


Diante disso, algumas teorias surgiram para sustentar a possibilidade de indenização autônoma do dano estético, pois as expressões “lesão corpórea”, do artigo 17, “lesão corpórea ou deformidade” e “indenização conveniente”, do artigo 21, referiam-se justamente à indenização pelo dano à integridade física, à saúde e, portanto, possibilitando a reparação do dano estético.


Outros dispositivos devem ser mencionados, como por exemplo, o artigo 1.538, parágrafo 1º, do revogado Código Civil de 1.916, trazendo consigo a expressão “aleijão ou deformidade”, senão vejamos sua integral determinação: “No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente. § 1º – Esta soma será duplicada, se o ferimento resultar aleijão ou deformidade.”


Percebe-se que o caput do dispositivo supra-mencionado refere-se ao vigente artigo 949 do Código Civil de 2.002, conforme lição de Teresa Ancona Lopes, “cuidava o referido artigo de indenização no caso de dano estético, considerado este aquela lesão permanente e que acarreta sofrimentos morais, pois, ao estabelecer que ‘a soma será duplicada’ (o significado do vocábulo ‘soma’ veremos a seguir), quis tornar efetiva a reparação pelos danos morais advindos do aleijão ou da deformidade.”[8]


Importante voto do ilustre e saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, quando ainda no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp. 156.453/SP, em 17/05/1999, estando descrito que “tecnicamente, é possível que a indenização decorrente da lesão deformante alcance verbas independentes de dano material, de dano moral e de dano estético. Na realidade, com esta perspectiva o dano estético perde a sua característica inaugural de espécie do gênero dano moral, à medida que comporta ressarcimento diverso daquele, mesmo que, em alguns casos, haja o seu cômputo dentro do dano moral.”


Para fins históricos, importante lembrar que na Lei das XII Tábuas[9], a Tábua VIII – Dos Delitos, já protegia o delito de “iniura” designava todo tipo de lesão corporal causada ao homem, vejamos: a) ‘membrum ruptum’ – (Tav. VIII – 2) – referia-se ao delito de mutilação de um membro do corpo, para o qual era previsto a punição com a pena de Talião, ou seja, o autor deveria sofrer a mesma mutilação a que havia dado causa. Deixava-se à critério da vítima a opção pela composição pecuniária, não existindo qualquer regulamentação nesse sentido; b) os ‘fractum’ – (Tav. VIII – 3) – referiam-se ao delito de quebra ou fratura de um osso. Por tratar-se de delito menos grave, a pena de Talião era substituída pela pena pecuniária, no valor de 300 asses em se tratando de homem livre e 150 asses em se tratando de escravos; c) ‘iniura’ – Consistia em violência leve, que abrangia outras ofensas corporais, tais como tapas, beliscão, pontapé, etc. eram punidas com a multa de 25 asses.”[10]


5. DA FUNDAMENTAÇÃO LEGAL


Para que seja compreendido o dano estético como terceira espécie de dano, requer-se uma formulação constitucional do tema, amparando-se na Carta Magna a construção legal que sustenta a reparação da ofensa à integridade física do ser humano.


Os artigos 6º e 196 da Constituição Federal apresentam, como direito fundamental da pessoa humana e direito social, a proteção da saúde, sendo positivado que “A saúde é direito de todos.”


A reparação do dano à integridade física, portanto, surge da proteção à saúde, sendo a Constituição Federal uma importante norma regulamentadora da integral e plena reparação do dano estético.


Sobreleva dizer que a Professora Teresa Ancona Lopes destaca outra vertente para amparar o dano estético, presente no inciso V do artigo 5º da Constituição Federal, que é a “imagem”.


A imagem inserta na Lei Maior, que Miguel Reale a classificou como sendo a dimensão ética que a pessoa possui perante a coletividade[11], pode ser interpretada como dano à saúde e à integridade física.


Inobstante à incontestável fundamentação constitucional que sustenta a reparação autônoma e independente do dano estético, outros dispositivos legais também a amparam, conforme se depreende da parte final do artigo 949 do Código Civil, ao descrever que “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”


Observe-se que a parte final do dispositivo em comento possibilita a reparação “de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.


A III Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em dezembro de 2004, sob coordenação do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ari Pargendler, aprovou o Enunciado 192, trazendo expressamente a previsão legal para a reparação independente do dano estético, elucidando que: “Os danos oriundos das situações previstas nos arts. 949 e 950 do Código Civil de 2002 devem ser analisados em conjunto, para o efeito de atribuir indenização por perdas e danos materiais, cumulada com dano moral e estético.”


O Superior Tribunal de Justiça, enfim, pacificou as discussões ao publicar, em 01.09.09, a Súmula 387, prevendo que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”


6. DA AUTONOMIA E CUMULAÇÃO DO DANO ESTÉTICO NA RESPONSABILIDADE CIVIL.


A questão da cumulação do dano estético com os danos material e moral é há muito tempo aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, ao contrário do entendimento majoritário de ilustres juristas que tratam do assunto.


Inicialmente, merece destaque o REsp 435371/DF, julgado em 07.04.2005, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, ao asseverar que “as duas turmas de direito privado deste Tribunal admitem a cumulação dos danos morais com os danos estéticos, derivados do mesmo fato, quando possível, como determinado, no caso, a apuração em separado.”


O relator Ministro Antônio de Pádua, ao relatar o REsp 401124/BA, julgado em 05.10.2004, sintetizou o assunto ao ditar que “permite-se a cumulação de valores autônomos, um fixado a título de dano moral e outro, a título de dano estético, derivados do mesmo fato, quando forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis”, destacando, no julgamento do RESP 156118/RJ, também de sua relatoria e datado de 29.03.2005, que “a jurisprudência da Corte assentou ser possível a cumulação do dano moral com o dano estético decorrentes do mesmo fato.”


A Ministra Nancy Andrighi, ao relatar o RESP 722524/SC, julgado em 05/05/2005, enfatizou que “é possível a cumulação de danos morais e estéticos, conforme jurisprudência pacífica desta Corte”.


Mesmo raciocínio encontra-se no voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, no REsp 289.885/RJ, julgado em 02/04/2001, asseverando que, “como se sabe, o dano moral pode existir sem o dano estético, ou seja, sem a deformidade ou o aleijão, o que evidencia a possibilidade de serem considerados também distintamente.”


Percebe-se claramente que, perante o Superior Tribunal de Justiça, antes mesmo da edição da Súmula 387 já era assente o entendimento pela cumulação do dano estético com o dano moral.


7. DA INDEPENDÊNCIA DO VALOR ARBITRADO.


Concluindo-se pela autonomia e independência do dano estético, necessário verificar a forma na qual o juiz arbitrará o quantum devido.


Sendo autônomos e independentes os danos material, moral e estético, consequentemente, as reparações (quantum) também o serão, cabendo a separação das verbas relativas a cada espécie de dano.


A finalidade precípua da reparação do dano estético é obter compensação pelo prejuízo à saúde, à integridade física, sem prejuízo da obtenção de indenização por dano moral e material.


Vejamos que a reparação em separado do dano estético é regra no Superior Tribunal de Justiça, conforme REsp 540.021⁄ES, julgado em 19.12.2003, relatado pelo Ministro César Asfor Rocha, aduzindo que “permite-se a cumulação de valores autônomos, um fixado a título de dano moral e outro, a título de dano estético, derivados do mesmo fato, quando forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis.”


De relatoria do Ministro José Delgado, extraído do AGA 498706/SP, julgado em 04/09/2003, outra decisão que entende pela necessidade de separação das reparações de dano estético e dano moral, senão vejamos: “É pacífica e vasta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com relação ao entendimento no sentido de que é possível a cumulação da indenização para reparação por danos estético e moral, mesmo que derivados de um mesmo fato, se inconfundíveis suas causas e passíveis de apuração em separado, id est, desde que um dano e outro sejam reconhecidamente autônomos.”


Conclui-se, desta forma, que não há dificuldade em se arbitrar o montante devido a título de dano estético, devendo ser este diferenciado das demais espécies de dano.


8. DOS OPOSITORES DA TESE.


A questão da autonomia e cumulação do dano estético não é unânime na doutrina, razão pela qual serão colacionados, nesta parte final do trabalho, as digressões dos opositores da tese.


Para Néri Tadeu Camara Souza, “o dano estético é espécie do dano moral, que é o gênero. Constitui-se o estético em modalidade do dano moral que lesa um dos direitos da personalidade: a aparência física.”[12]


O ilustre Antonio Jeová Santos descreve que “O dano estético não é ressarcível por si mesmo, pois se enquadra na lesão moral e patrimonial. Esta questão tem importância prática porque alguém pode sofrer um menoscabo em sua integridade corporal que altere sua normalidade física e, de tal lesão, sobressair um prejuízo econômico e outro de caráter nitidamente moral. A indenização abarcará duplamente o dano, fazendo jus a pessoa lesionada a ser indenizada por ambos os prejuízos, desde que a lesão estética tenha repercussão nas órbitas material e espiritual da vítima.” E continua, descrevendo que ”Os danos que desencadeiam a deformação estética, podem produzir dano patrimonial, se impedirem que a vítima deixe de obter seus ganhos normais, que teria, se o dano não tivesse acontecido e, também, carreia um dano moral pelos sofrimentos e angústias. Sendo assim, o dano estético não se coloca como terceiro gênero, entre o moral e o patrimonial. “[13]


Há o entendimento, ainda, que aduz ser bis in idem a reparação do dano estético cumulada com o dano moral.


Neste sentido, Antonio Jeová Santos narra que “admitir cumulação de dano moral e dano estético, mesmo derivado do mesmo fato, é outorgar bis in idem, pois não existe um terceiro gênero de indenização. Ou alguém sofre dano moral (aí incluído o estético), ou sofre lesão patrimonial, ou ambos, como já afirmado neste trabalho. O que não é de ser admitido é que alguém seja indenizado três vezes, pelo mesmo e idêntico fato. Se a lesão estética repercute no espírito, mortificando-o, não se vá concluir que a vítima sofreu três lesões autônomas, passiveis de gerar três indenizações.”[14]


Deve ser mencionado, para enriquecimento da exposição, que os juízes que participaram do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado em São Paulo nos dias 29 e 30 de agosto de 1997, firmaram o entendimento que “O dano moral e o dano estético não se cumulam, porque o dano estético importa em dano material ou está compreendido no dano moral.”


O conceituado Yussef Said Cahali também diverge do tema proposto no presente trabalho, pois entende que “todo dano estético, na sua amplitude conceitual, representa um dano moral, devendo como tal ser indenizado.”[15]


Acerca do dano estético, preleciona Aguiar Dias: “A alteração do aspecto estético, se acarreta maior dificuldade no granjeio da subsistência, se tornam mais difíceis para a vítima as condições de trabalho, se diminui as suas probabilidade de colocação ou de exercício da atividade a que se dedica, constitui sem nenhuma dúvida um dano patrimonial. Não se pode objetar contra a sua reparação, nem quando, erradamente, se considere dano moral, porque nem apresenta dificuldade para avaliação. Deve ser indenizado, pois, como dano patrimonial, o resultado prejudicial da ofensa ao aspecto estético, sempre que se traduza em repercussão de ordem material, porque a lesão a sentimento ou a dor psíquica, com repercussões patrimoniais, traduzem dano patrimonial. É dessa natureza o dano estético que deforme desagradavelmente as feições, de modo que cause repugnância ou ridículo e, portanto, dificuldade à atividade da vítima. Ao lado desse há, porém, o dano moral: este consiste na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada pela recordação do defeito ou de lesão, quando não tenha deixado resíduos mais concretos, seja pela atitude de repugnância ou de reação a ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam.”[16]


9. CONCLUSÃO


Analisadas as questões pertinentes à responsabilidade civil, as espécies de danos e as legislações nacionais que protegem o direito à vida como direito fundamental e social constitucionalmente protegido, as reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, que possibilitaram a edição da Súmula 387, amparam a cumulação do dano estético com os danos material e moral, ganhando, assim, o dano estético, espaço na responsabilidade civil como terceira espécie de dano, existindo de forma autônoma e independente perante os demais.


Importante passo para o ordenamento jurídico nacional o acolhimento do dano estético como forma autônoma na medida em que haverá inconteste “reparação integral” (restitutio in integrum) de todos os danos sofridos pela vítima, sem exceção.


Entretanto, buscou-se trazer à baila que dano estético possui natureza jurídica distinta dos danos material e moral, sendo jamais confundidas essas espécies de dano, haja vista que o dano material causa uma ofensa à integridade patrimonial, o dano moral uma ofensa à integridade psíquica e o dano estético uma ofensa à integridade física da vítima.


 


Bibliografia

CARMIGNANI, Maria Cristina da Silva, A evolução histórica do dano moral. São Paulo: Revista do Advogado, Associação dos Advogados de São Paulo, nº 49 de dezembro de 1999.

DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7.

REALE, Miguel. Temas de direito positivo, São Paulo: Revista dos Tribunais. 1992.

LE TOURNEAU, Philippe. La responsabilité civile, 2. ed. Paris: Dalloz, 1976.

LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético, São Paulo: Revista dos Tribunais. 3. ed. 2004.

MINI Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, Rio de Janeiro: Objetiva. 2003.

SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4ª ed.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003.

SILVA, Wilson Melo. O Dano Estético, RF, vol. 194. 1961.

SOUZA, Néri Tadeu Câmara. O dano estético na atividade do médico. Publicada no Júris Síntese n. 29 – MAI/JUN de 2001, in: Júris Síntese Millennium

www.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas.

 

Notas:

[1] Relativo à estética, belo, harmonioso, Mini Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, Rio de Janeiro: Objetiva, p. 220, 2003.

[2] Lopez, Teresa Ancona, O Dano Estético, São Paulo: Revista dos Tribunais. 3. ed. 2004, p. 45

[3] Silva, Wilson Melo, O Dano Estético, RF, vol. 194, p. 23, 1961.

[4] Ob. Cit., p. 44

[5] Curso de direito civil brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7. p. 61-63

[6] O dano estético na atividade do médico. Publicada no Júris Síntese n. 29 – MAI/JUN de 2001, in: Júris Síntese Millennium

[7] Philippe Le Tourneau, La responsabilité civile, 2. ed. Paris: Dalloz, 1976. p. 201.

[8] Ob. Cit. P. 180.

[9] A Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum ou simplesmente Duodecim Tabulae, em latim) constituía uma antiga legislação que está na origem do direito romano. Formava o cerne da constituição da República Romana e do mos maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta) – Fonte: Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas).

[10] Maria Cristina da Silva Carmignani, A evolução histórica do dano moral. São Paulo: Revista do Advogado, Associação dos Advogados de São Paulo, nº 49 de dezembro de 1999. p. 33/34.

[11] Temas de direito positivo, São Paulo: RT. 1992. p. 22.

[12] op. cit. p. 81.

[13] Dano Moral Indenizável. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003, p. 345.

[14] op. cit. p. 348.

[15] op. cit. p. 256.

[16] op. cit.  p. 431 e 432


Informações Sobre o Autor

Bruno Karaoglan Oliva

Advogado, Formado pela Universidade Santa Cecília de Santos em 2001 e Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito – EPD


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