Resumo: Todas as obrigações que venham a se constituir na vida jurídica, compreendem sempre alguma das seguintes condutas: dar, fazer e não fazer. Dentro desta perspectiva, o presente artigo traz como objetivo abordar algumas questões referentes aos efeitos do descumprimento das obrigações de fazer, identificando pontos relevantes em relação ao tema. Antes de adentrar especificamente nessas questões e analisar como se tem manifestado os Tribunais a respeito deste assunto através de jurisprudências, faz-se necessária uma breve exposição acerca das obrigações de fazer e do ato ilícito para uma melhor compreensão de suas consequências no caso de inadimplemento. Delimitando o estudo, faz-se uma sondagem para as possibilidades de reparações morais e materiais, advindas de quem comete tal conduta nos moldes do artigo 927 do Código Civil Brasileiro de 2002. Por fim conclui-se que no geral, muitas das relações sociais entre pessoas físicas ou entre pessoas físicas e jurídicas são geradoras de danos em face ao inadimplemento das obrigações de fazer e que poderiam ser evitadas se não houvesse afronta ao principio da boa-fé objetiva entre as partes.
Palavras-chaves: Obrigações de fazer. Ato Ilícito. Inadimplemento. Danos morais e materiais.
Abstract: All the obligations that come to be constituted in the legal life, always understand some of the following conducts: to give, to do and not to do. In this perspective, this article aims to address some issues related to the effects of noncompliance with the obligations to do, identifying relevant points in relation to the topic. Before going into these questions specifically and analyzing how the Courts have dealt with this matter through jurisprudence, a brief statement on the obligations to do and the unlawful act is necessary for a better understanding of their consequences in case of default. Delimiting the study, a survey is made for the possibilities of moral and material reparations, coming from those who commit such conduct in the mold of article 927 of the Brazilian Civil Code of 2002. Finally, it is concluded that, in general, many of the social relations between Individuals or individuals and legal entities are liable to damages in the event of default of obligations and could be avoided if there is no breach of the principle of objective good faith between the parties.
Keywords: Obligations to do. Unlawful act. Inadimplemento. Moral and material damages.
Sumário: 1. Introdução. 2. Referencial teórico. 2.1 Obrigações de fazer- Breves apontamentos. 2.2 Ato Ilícito. 2.3 Inadimplemento da Obrigação de Fazer. 2.4 Danos morais e materiais- possibilidade de reparação. 2.5 Análise jurisprudencial pátria. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Primeiramente é necessário breves considerações acerca das obrigações de fazer, bem como de sua divisão em obrigações fungíveis e infungíveis. Em seguida, cabe salientar um esclarecimento sobre o instituto do ato ilícito e suas consequências para quem o comete, tecendo também sobre o inadimplemento das obrigações de fazer e os danos morais e materiais dela advindos.
De acordo com a pesquisa de pesquisa de Rodrigues, Santos e Silva (2012) a obrigação de fazer é baseada na elaboração, realização ou produção de algo, sendo formado através de uma declaração de vontade, consistindo em um acordo mútuo entre partes. Para garantir que seja cumprido este contrato, ou a realização da reparação por perdas e danos a qualquer uma das partes pelo não cumprimento da obrigação de fazer, o Código Civil Brasileiro de 2002 manifesta em seu conteúdo as determinações legais em face do cumprimento das obrigações firmadas.
O presente trabalho objetiva demonstrar os efeitos que a obrigação de fazer proporciona tanto ao credor quanto ao devedor. Quando não acontece o cumprimento da obrigação de fazer, os quais os devedores são incumbidos de realizar, ocorre o inadimplemento, cabendo ao devedor se responsabilizar com as perdas e os danos causados ao credor.
Sendo assim, o estabelecimento das perdas e danos nos casos de inadimplemento da obrigação tem como fim específico a substituição do patrimônio do credor, e estas devem ser correspondentes ao prejuízo. A jurisprudência é farta de exemplos no sentido de que é possível a indenização por dano moral e material decorrente do descumprimento da obrigação de fazer, conforme os exemplos transpostos neste artigo. Assim, buscou-se a posição de diversos civilistas e pesquisadores quanto ao tema abordado.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Obrigações de fazer- Breves apontamentos
A obrigação de fazer é considerada positiva, porque impõe uma conduta, uma prestação para o devedor. Através da prática desta ação específica, que o devedor irá adimplir a prestação. (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2013)
Segundo Gonçalves (2013), a obrigação de fazer engloba o serviço humano do devedor, tanto material como imaterial, com a finalidade de ter utilidade ao credor. Nesse sentido:
“A obrigação de fazer (obligatio faciendi) abrange o serviço humano em geral, material ou imaterial, a realização de obras e artefatos ou a prestação de fatos que tenham utilidade para o credor. A prestação consiste, assim, em atos ou serviços a serem executados pelo devedor. Pode-se afirmar, em síntese, que qualquer forma de atividade humana lícita, possível e vantajosa ao credor pode constituir objeto da obrigação” (GONÇALVES, 2013, pág.84)
Para Venosa (2012), a obrigação de fazer pertence à classe das obrigações positivas, podendo ser contraída, tendo em vista a figura do devedor. Nesta obrigação, o credor pode escolher o devedor irá prestar a obrigação.
Gonçalves (2013) classifica as obrigações de fazer em infungíveis e fungíveis, nos dois casos se continua diante de uma conduta positiva específica, estando a diferença no fato de quem pode prestar a conduta.
Para o referido autor a prestação infungível é personalíssima, tanto pela natureza do bem ou pela convenção das partes, ou seja, quando está expresso que o devedor deve cumprir a prestação pessoalmente, nesta o devedor só se exonerará da obrigação se ele próprio cumpri-la, em razão de seus atributos pessoais.
Já a prestação fungível, pouco importa quem está cumprindo com a prestação, quando não existe este tipo de exigência expressa, o serviço pode ser realizado por terceiro. Nesse sentido, conforme pesquisa de Rodrigues, Santos e Silva (2012) a obrigação fungível é aquela em que o serviço pode ser praticado por terceiro, ficando a critério do devedor, podendo ele fazer ou mandar fazer, o importante é que ela seja feita, visando somente o resultado.
Conforme a referida pesquisa das autoras, podem ser exemplos de obrigação de fazer uma empresa de construção civil que se responsabiliza a construir seus projetos conforme o estabelecido, o artista que se compromete a realizar um show, a costureira a fazer uma roupa ou o advogado a defender uma causa, assim todos estes celebram um contrato comprometendo-se a realizar a obrigação de fazer.
2.2. Ato Ilícito
Conforme Diniz (2011, pág. 557), ato ilícito é “aquele praticado em desacordo com a ordem jurídica violando direito subjetivo individual”, causando dano a outrem, conforme artigo 186 do Código Civil Brasileiro de 2002. Assevera a autora que tal conduta produz efeito jurídico não desejado pelo agente, mas imposto pela lei, mas que no entanto há casos que excepcionais que não constituem atos ilícitos apesar de causarem lesões aos direitos de outrem.
Também comete ato ilícito aquele que pratica abuso de direito. Para Gonçalves (2011) o abuso de direito prescinde da ideia de culpa, ocorrendo quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o exorbita, ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Assim, enfatiza-se:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Para Gonçalves (2013), em consequência, o autor do dano fica obrigado a repará-lo, desta forma, ato ilícito é fonte de obrigação de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem, conforme artigo do Código Civil Brasileiro de 2002:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Nesse sentido, (Gonçalves, 2013, pág. 375) “reconhece que a capacidade sofre limitações no campo da responsabilidade contratual, sendo mais ampla no campo da extracontratual.” Desse modo, os atos ilícitos podem ser cometidos por amentais e por menores podendo gerar o dano indenizável, no entanto somente as pessoas plenamente capazes podem celebrar convenções válidas.
2.3 Inadimplemento da Obrigação de Fazer
Para Gonçalves (2013), as obrigações devem ser cumpridas, de acordo com a regra pacta sunt servanda, ou seja, quando a obrigação é cumprida de forma adequada ela extingue-se. No entanto, se a obrigação não for cumprida devidamente acarretará responsabilidade do devedor.
Segundo o referido autor, pode constituir objeto da obrigação de fazer qualquer forma de atividade humana desde seja lícita, possível e benéfica ao credor. Porém, as obrigações nem sempre são realizadas devidamente, gerando assim, um efeito indesejável: o inadimplemento. Nesse sentido:
“O início deste terceiro milênio vem cercado de novas práticas comerciais que desafiam os juristas. Os meios de comunicação, cada vez mais eficazes, permitem que os negócios se façam à distância e quase instantaneamente. Há canais de televisão que se dedicam exclusivamente à venda e a internet se revela igualmente um meio veloz e cômodo de se adquirir bens. Por outro lado, o crédito ao consumidor, cada vez mais dinâmico, favorece os negócios, mas as elevadas taxas bancárias, por outro lado provocam o aumento dos índices de inadimplência, induzindo as execuções judiciais. (NADER, 2012, pág. 33 e 34)”.
Ainda de acordo com Gonçalves (2013), quando a obrigação não é cumprida, em toda sua extensão, tem-se o inadimplemento ou a inexecução, que pode causar prejuízo ao credor, ingressando na categoria de ato ilícito, quando imputável o fato ao devedor.
Segundo pesquisa de Oliveira (2009) o cumprimento das obrigações se dá nos exatos termos do pactuado entre as partes, espontaneamente e por iniciativa do devedor, satisfazendo assim integralmente o interesse do credor, porém, inúmeras vezes esse adimplemento voluntário não ocorre, caracterizando a inexecução da obrigação.
Ainda, reforça a autora que este tipo de modalidade de inexecução das obrigações também chamada de cumprimento imperfeito, consiste na prestação defeituosa por parte do devedor, ou seja, foi realizada de modo vicioso. Ao contrário da inexecução definitiva, conhecida como inadimplemento absoluto, que ocorre quando se torna impossível a prestação, quando o devedor insubstituível nega-se a realiza-la ou quando o credor não tem mais interesse em recebê-la.
Sendo assim, para Gonçalves (2013), as obrigações de fazer podem ser inadimplidas de três formas, porque a prestação tornou-se impossível sem culpa do devedor, com culpa do devedor ou porque podendo cumpri-la opta por não cumpri-la.
Cabe ressaltar ainda que quando não há culpa do devedor, independente de ser pela impossibilidade da prestação ou porque optou por não fazê-la, fica afastada a responsabilidade do obrigado, conforme artigo in verbis:
“Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.”
Conforme Figueiredo; Figueiredo (2013), quando ocorre o inadimplemento, por culpa do devedor, tanto nas obrigações fungíveis, como nas infungíveis, será possível ao credor optar pela conversão da obrigação em perdas e danos.
Ainda sobre o referido autor, pelo fato da obrigação fungível ser substituível, diante de seu descumprimento culposo, poderá o credor, que ainda está interessado no cumprimento da obrigação, exigir que outra pessoa adimpla a obrigação às custas do devedor, sem prejuízo da indenização cabível.
Para o citado autor, nos casos de urgência, nas obrigações fungíveis, poderá o credor de próprio punho e independente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido. Tal conduta é chamada de “justiça de mão própria”, assim acentua a Código Civil Brasileiro de 2002:
“Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo de indenização cabível. Parágrafo Único: Em caso de urgência, pode o credor, independente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato,sendo depois ressarcido”
De acordo com Figueiredo; Figueiredo (2013), tendo em vista que a obrigação infungível é insubstituível, diante do descumprimento culposo, o credor poderá se ainda interessado no adimplemento obrigacional valer-se do pedido da tutela específica somada a perdas e danos. Se não houver mais interesse ou possibilidade de adimplemento, será tudo convertido em perdas e danos. Nesse sentido:
“Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível”
2.4. Danos morais e materiais- possibilidade de reparação
Conforme Gagliano; Filho, (2011) é imperioso demonstrar a importância trazida pela Constituição Federal de 1988, a qual consagrou a teoria mais adequada para admitir expressamente a reparabilidade do dano moral, sem que houvesse atrelamento ao dano material, conferindo-lhe assim juridicidade e autonomia em nível supralegal. É o que se pode observar nos incisos V e X do art. 5º da Carta Magma, que dispõe:
V. É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem.
X. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo a linha do Constituinte foi mais além, firmando entendimento no sentido de que, “a despeito de serem juridicamente autônomas, as indenizações por danos materiais e morais, oriundas do mesmo fato, poderiam ser cumuladas, ex vi do disposto em sua Súmula 37.” (GAGLIANO; FILHO, 2011, pág. 330)
O Código Civil Brasileiro de 2002, por sua vez, afinado com o espírito constitucional, reconheceu expressamente a reparabilidade dos danos material e moral, advindos do ato ilícito, ao dispor:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (grifo nosso)
Assim, importa asseverar que “a sistemática adotada pelo Código Civil Brasileiro de 2002 foi a de regular a responsabilidade contratual nos artigos 402 a 405 e a responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, pertinente aos atos ilícitos em geral, nos artigos 186, 187, 927 e 954” (NADER, 2012, pág,460). A primeira deriva do contrato e a última oriunda do inadimplemento culposo da obrigação, de infração ao dever de conduta.
Nesse contexto, as perdas e danos decorrentes da obrigação de fazer traduzem em geral, o prejuízo material e moral, causado por uma parte à outra, em razão do descumprimento da obrigação. Desse modo, “o inadimplemento, provocado por culpa ou dolo, impõe ao devedor a obrigação de indenizar, de acordo com a disposição geral do art. 389 do Código Civil vigente, nela se compreendendo perdas e danos, juros e atualização monetária, e honorários advocatícios” (NADER, 2012, pág. 460).
Diante do exposto, salienta Nader (2012, pág. 456) “para que o incumprimento se transforme em ressarcimento é necessário que haja perdas e danos, que não são meramente presumíveis, mas devem ser concretos, verificáveis, quantificados pecuniariamente.” Ou seja, percebe-se que para o dever de indenizar é preciso existir um nexo de causalidade entre os prejuízos sofridos pelo credor e o incumprimento da obrigação. Nesse sentido, o autor declara que:
É de se cogitar não apenas eventual perda material, mas ainda moral. Se um Clube contrata, com uma empresa especializada, complexa montagem de móveis e refrigeradores, tendo em vista as festas comemorativas de seu jubileu, mas o reus debendi descumpre a obrigação de fazer por simples desídia, caberá, in casu, não apenas a apuração de perdas materiais, mas também de danos morais, pois haverá motivo de constrangimento para a diretoria e associados. (NADER, 2012, pág.93)
Logo, ainda segundo o referido autor, para que haja verba indenizatória decorrente do descumprimento de obrigação, além de abranger um ato doloso ou culposo por parte do causador do dano, deve haver efetivo prejuízo ao credor. Importante ressaltar quais são as consequencias do descumprimento de uma obrigação de fazer, levando em consideração se houve culpa ou não do devedor, conforme destaca-se a seguir:
“Se a prestação do fato torna-se impossível sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação, sem que haja consequente obrigação de indenizar. Assim, se um malabarista foi contratado para animar um aniversário de criança, e, no dia do evento, foi vítima de um sequestro, a obrigação extingue-se por força do evento fortuito Entretanto, se a impossibilidade decorrer de culpa do devedor, este poderá ser condenado a indenizar a outra parte pelo prejuízo causado. Utilizando o exemplo acima, imagine que o malabarista contratado acidentou-se porque, no dia da festa, dirigia seu veículo alcoolizado e em alta velocidade. Nesse caso, o descumprimento obrigacional decorreu de sua imprudência, razão pela qual deverá ser responsabilizado. (GAGLIANO; FILHO, 2011, pág. 89)”
Conforme pesquisa desenvolvida por Oliveira (2012), configurado o dano, independente da sua causa, deve ser reparado pois o dano moral é um reflexo no plano existencial da pessoa e embora o seu conceito seja simples, as lesões são amplas, tendo em vista que o sujeito de direito pode ser atingido em diversos aspectos, como por exemplo na ofensa à sua integridade física bem como na de seus interesses intelectuais, assim podem ser oriundos da violação do descumprimento de uma obrigação.
Destaca a autora ainda que o dano moral deve ser compensado levando em consideração a origem do direito violado, pois a conduta ilegal que atinge a personalidade do indivíduo atenta contra a dignidade da pessoa humana, o qual possui grande valor jurídico no ordenamento pátrio, não se podendo impor limitações à sua proteção.
Assim, os magistrados devem proceder com a devida cautela de modo “a impedirem que vítimas menos escrupulosas, incentivadoras da famigerada indústria da indenização, tenham êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com o nítido escopo, não de buscar ressarcimento, mas de obterem lucro abusivo e escorchante” (GAGLIANO; FILHO, 2011, pág. 326)
Portanto, o entendimento acima exposto é bastante usual nas cortes brasileiras e tem sido também consagrado jurisprudencialmente, como veremos a seguir.
2.5. Análise jurisprudencial pátria
A indenização por dano moral e material em face de ato ilícito decorrentes da obrigação de fazer encontra-se assegurada na legislação e na doutrina. Várias são as jurisprudências que podem vir à colação demonstrando o acerto dessa afirmação.
1) Ementa: Apelação cível. Ensino particular. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Demora para entrega do diploma. Dano moral configurado. Fixação de indenização por danos morais ao aluno que, ao concluir o curso superior, não recebe o diploma, vendo-se impossibilitado de exercer suas atividades na forma devida. Minoração da verba indenizatória fixada em sentença quanto ao dano moral. O valor da indenização pelo dano moral deve ser arbitrado considerando a necessidade de punir o ofensor e evitar que repita seu comportamento, devendo se levar em conta o caráter punitivo da medida, a condição social e econômica do lesado e a repercussão do dano. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70053970448, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 31/07/2013)
Comentário:
No caso relatado acima, a aluna não recebeu seu diploma após terminar seu curso superior, o que somente ocorreu passados mais de 1 ano após a conclusão, tendo que suportar a possibilidade de ver frustrada a sua expectativa de ascensão profissional. É evidente o abalo moral que suportou a autora, em razão de ter se visto impedida de atuar na área para a qual buscou qualificação, pois dedicou longo período em busca de tal aperfeiçoamento.
A entrega do diploma deveria ocorrer no ato da colação de grau, o que, de regra, é possível, pois existem universidades em que a entrega do referido certificado ocorre no momento da formatura. Assim, a aluna foi tratada com descaso pela Universidade na qual estudou por vários anos, não se justificando a demora em fornecer o diploma, que é indispensável para ingressar no mercado de trabalho.
Portanto, não há como afastar o dano moral decorrente da conduta negligente da Universidade, o qual dispensa prova concreta do prejuízo sofrido. A relação havida entre a autora e a universidade é de consumo, fazendo que incidam as regras do Código de Defesa do Consumidor, dentre elas a responsabilidade objetiva da demandada pela prestação de serviços que disponibiliza, independentemente da existência de culpa.
2) Ementa: AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DANOS MORAIS. Deve ser confirmada a sentença que condenou a apelante a construir o playground, o estacionamento privativo, o local para instalação do serviço de portaria 24 horas, o salão de festas, o calçamento, bem como ao pagamento de indenização por danos morais em favor dos apelados, na medida em que, mesmo após o pagamento do preço ajustado, a apelante não terminou de construir a obra conforme o contratado. No presente, verifica-se um atraso de aproximadamente onze anos no cumprimento da obrigação de completar a construção do projeto residencial, o que extrapola o plano da razoabilidade. Mantido, outrossim, o valor arbitrado para a compensação dos danos morais. PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70056733710, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 21/11/2013)
Comentário:
Os autores adquiriram imóveis vendidos pela demandada no condomínio residencial e cumpriram suas obrigações de pagamento do preço ajustado. Entretanto, a construtora não cumpriu completamente as contraprestações a que se obrigou no contrato, uma vez que entregou as residências, mas deixou de entregar o playground, o salão de festas, o estacionamento privativo, fazer o calçamento e as instalações para acomodar o serviço de portaria 24 horas.
Assim, a sentença reconheceu a existência da obrigação de fazer em favor dos autores e condenou a ré à construir os itens reclamados. Por certo que as benfeitorias mencionadas no momento da compra colaboraram para atrair os autores na busca da casa própria, com a promessa de segurança, de lazer e da tranquilidade de disposição de um estacionamento privativo.
Presente o dever de indenizar tendo em vista que fazem quase cerca de onze anos que a demandada não se desincumbiu de cumprir totalmente a obrigação contratual assumida. Evidente que o atraso decorreu da necessidade de finalização das obras, as quais importaram no inadimplemento da obrigação de fazer.
3) Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATAÇÃO DE CONJUNTO PARA EXECUTAR MÚSICAS EM BAILE DE FORMATURA. FALTA DE COMPARECIMENTO. DEVER DE INDENIZAR. 1. Não constitui caso fortuito (CC, art. 1.058) o defeito mecânico em ônibus, que conduziria o conjunto para executar músicas em baile de formatura, porque evento previsível e evitável com oportunas providências. O limite à cláusula penal, previsto no art. 9° do Decreto nº 22.626/33, se aplica a quaisquer contratos. Não comparecendo o conjunto, inúteis se tomaram as despesas realizadas para ensejar sua apresentação, que deverão ser indenizadas. Dano moral cabivel, no inadimplemento de obrigações de fazer (CC, art. 879, segunda parte, e 880), por falta de regra limitativa, e bem fixado. 2. APELAÇÃO PRINCIPAL PARCIALMENTE PROVIDA E APELAÇAO ADESIVA DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 597181320, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 04/03/1998)
de 2002, em seu art. 393, tais eventos correspondem a um impedimento para o cumprimento da obrigação, onde se verifica se no fato necessário, os efeitos não eram possíveis de evitar ou impedir, circunstância esta que não se enquadrou no caso em tela.
Comentário:
Resta claro, no presente caso, que houve o descumprimento da obrigação de fazer (neste caso infungível) tendo em vista que contratado pelos formandos um conjunto musical para tocar em baile de formatura, o qual não compareceu no dia e hora estipulados, frustrando evento de importante solenidade.
O alegado defeito mecânico no ônibus que conduziria os integrantes do grupo até o local da formatura não configura caso fortuito ou de força maior, conforme Código Civil Brasileiro
Assim, na situação relatada as perdas e danos, por sua vez, consistem na indenização por danos morais e materiais, em razão do prejuízo pela despesa com show que acabou não acontecendo e gerando quebra de expectativas depositadas na tão esperada noite de formatura, uma vez que o transtorno poderia ter sido evitado se tomadas todas as cautelas e providências necessárias para dar cumprimento à obrigação de fazer estipulada.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, entende-se por obrigação a relação jurídica marcada pela transitoriedade, ou seja, dura até que seja cumprida a prestação pela qual fica o devedor vinculado ao credor pelo cumprimento de determinado comportamento previamente estabelecido. Dentre as modalidades de obrigações, destacamos as de fazer, que consistem na realização de uma atividade ou serviço do devedor ao credor.
Nenhuma estranheza, pois, deve causar a ideia de que o dano moral possa estar associado ou vinculado ao descumprimento de uma obrigação de fazer. Desde que se configure a ofensa a atributo da personalidade, nada importa que a causa remota desse dano tenha sido o inadimplemento de uma obrigação por parte do devedor.
Com isso, o objetivo do artigo foi evidenciado com a análise das jurisprudências citadas que demonstraram uma posição favorável do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a indenização dos danos morais e materiais decorrentes da obrigação de fazer.
No entanto, verifica-se, uma predisposição ao alargamento do conceito de dano moral, acompanhada do redimensionamento do papel da respectiva indenização. Há uma falsa percepção de que o dano moral seria sinônimo de incômodo, chateação ou qualquer constrangimento que alguém venha a passar motivado por outrem. Entretanto, este não é o real significado do dano moral, ao menos para o Direito.
Ocorre que a rapidez do comércio, a quantidade de negócios comuns que se impõem diariamente, os compromissos que se avolumam constantemente, o condicionamento da vida a uma dependência de relações contratuais inevitáveis, entre outros fatores, formam as causas que levam o homem a não dar tanta importância ao conteúdo dos atos que realiza, prendendo-o ao aspecto exterior dos eventos que se apresentam e que por isso, acabam trazendo consequências desfavoráveis ao credor.
Conclui-se que o inadimplemento da obrigação de fazer é causado, na maioria das vezes, por ato ilícito cometido por aquele que se comprometeu a honrar com seus serviços ao credor. Este, por sua vez pagou por tais atos a serem executados e devido ao descumprimento ocasionado pelo devedor sofre prejuízos sejam materiais ou morais. Nas atividades realizadas nesse tipo de obrigação o melhor é procurar fazer reinar a justiça, impondo-se a existência de certo grau de credibilidade mútua nos relacionamentos que exigem reciprocidade e boa-fé objetiva, para tornar possível a vida social dentro de um padrão médio de honestidade e moralidade.
Informações Sobre o Autor
Carla Rocha Ferreira
Bacharel em Direito pela FURG