Defesa Pública e Ampla Defesa é possível conciliar?


Organismos de Direitos Humanos têm alardeado que as defesas públicas dos juridicamente pobres são desenvolvidas, em sua grande maioria, de maneira precária, especialmente nos processos criminais, inclusive com a notícia de que as audiências contam com a participação de estagiários de Direito na defesa dos acusados, sem a presença e acompanhamento de advogados.


Quem freqüenta os fóruns sabe, no seu íntimo, que a assertiva não é inverídica. A deficiência na defesa pública não é da responsabilidade dos advogados que a ela se dedicam, especialmente dos defensores públicos, que se esmeram na atenção simultânea a tantos casos, e dentro dessas contingências desenvolvem o melhor trabalho que é possível produzir.


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É verdade sabida e comentário geral que em nosso país apenas os pobres são condenados e, de um certo modo, todos na situação de excluídos ou discriminados e inseridos na condição de miserabilidade jurídica. Será este um sintoma da deficiência da advocacia pública?


A questão não é tão simples, nem se pode generalizar, sob pena de vis injustiças com magníficos trabalhos desenvolvidos por advogados ou defensores no mister da assistência jurídica gratuita nos processos criminais.


Também não é razoável dizer que seja absoluta a premissa de que “o rico  não é condenado porque tem condições de contratar os melhores advogados”. Os melhores profissionais não estão necessariamente no segmento privado. Afinal, o cargo de Defensor Público foi conquistado, quase sempre, em disputado e rigoroso concurso público, o que dá a eles um referencial de conhecimento jurídico.


O conhecimento jurídico é fundamental, porém nada irá suprir a essencialidade do minudente estudo do caso concreto. E isso pressupõe tempo de análise dedicado com exclusividade ao caso. Indubitável que isto falta ao profissional da defesa pública, o qual, assoberbado de serviço, precisa otimizar com métodos racionais, inclusive delegando a estagiários, normalmente acadêmicos de Direito, o estudo detido do caso. É verdade que os estagiários são profundamente interessados e debruçam-se na elaboração do melhor, mas isto não satisfaz a lei nem exclui o risco considerável de vilipêndio ao princípio da ampla defesa.


A Defesa Pública não pode ser apenas para atender o aspecto formal de garantir o exercício do contraditório no processo, mas deve ser na plenitude do princípio, ou seja, ampla, na abordagem de todas as teses possíveis e na exploração dos detalhes que podem ser determinantes, o que só é possível conhecer mediante o estudo minucioso do caso. Seja também ampla, na utilização dos mecanismos legais de defesa e na exploração dos recursos que a lei disponibiliza.


Quantos processos criminais tramitam nas instâncias extraordinárias, onde se discute essencialmente matéria de direito? Um número considerável, ao certo. Mas destes, quantos são patrocinados por advogados públicos e levados aos tribunais superiores pela interposição de recursos seus? Quiçá seja possível contar nos dedos! Um exagero? Pode ser… mas indispensável para um diagnóstico fundamental – não é possível falar em ampla defesa, se é descartado, quase na totalidade dos casos patrocinados por defesas públicas – o acesso ao questionamento nos tribunais superiores.


Foi fato histórico registrado em discurso do Ministro Celso de Mello, quando presidente do Supremo Tribunal Federal, a sustentação oral proferida por um Defensor Público na defesa de um cidadão juridicamente pobre, como sendo a primeira sustentação oral da defensoria pública na história do mais importante pretório do país. De lá para cá, não tive mais notícia de nenhuma outra, talvez… a única até hoje.


A conivência do Estado e as falhas do próprio ordenamento jurídico contribuíram para a aflição dos que hoje necessitam da assistência jurídica gratuita. Para isto, basta ver que só recentemente foi instituída a Defensoria no âmbito da Justiça Federal e que não existe Defensoria Pública para atuação específica no âmbito dos Tribunais Superiores.


Aliás, a própria legislação vigente não disponibiliza nem prevê nomeação de defensores públicos na fase policial, só contemplando tal situação após o interrogatório do acusado, em juízo, para a confecção da Defesa Prévia, sem garantir sequer as condições de ser orientado previamente por um advogado. Quantos cidadãos juridicamente pobres ficam presos até depois da Defesa Prévia, enquanto poderiam ter sido soltos muito antes, se fosse garantido a assistência de um defensor desde o momento de sua prisão?


Mas nem tudo são mazelas, a exigência do estágio de prática forense, obrigatório nos cursos jurídicos, trouxe alento à defesa pública e perspectivas de sensíveis melhoras, porque todas as faculdades de direito, por meio de seus Núcleos de Prática Jurídica, devem disponibilizar estrutura e mão-de-obra qualificada (advogados/professores) para assistência jurídica, oportunizando ao seu corpo discente o exercício do estágio e contribuindo com a sociedade para minorar os efeitos da descomunal desproporção entre a demanda por assistência jurídica gratuita e a escassa oferta de defensores públicos.


A medida, embora importante, é notadamente insuficiente! E muito mais deve ser feito…


A simples comparação entre a quantidade de magistrados, promotores de justiça e defensores públicos (em quantidade muito inferior), já bastaria para constatar o óbvio! A Defesa Pública e a Ampla Defesa, no atual panorama, estão em desarmonia.


É perfeitamente possível conciliar a Defesa Pública e a Ampla Defesa. Não só possível como indispensável! Os profissionais do direito devem estar cônscios desta necessidade e abandonar o estado de inércia e acomodação para exigirem a AMPLA DEFESA PÚBLICA!



Informações Sobre o Autor

Asdrubal Junior

Advogado, sócio da Asdrubal Júnior Advocacia e Consultoria S/C, pós-graduado em Direito Público pelo ICAT/UniDF, Mestre em Direito Privado pela UFPE, Professor Universitário, Presidente do IINAJUR, organizador do Novo Código Civil da Editora Debates, Coordenador do Curso de Direito da UniDF, Diretor da Faculdade de Ciências Jurídicas da UniDF, Consultor das Nações Unidas – PNUD, Editor da Revista Justilex, integrante da BRALAW – Aliança Brasil de Advogados.


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