A diminuição do tamanho da máquina estatal, importando, dentre outras situações, a transferência de competências públicas para o setor privado, apresenta-se como realidade. Como assinala Caio TÁCITO, “o direito administrativo brasileiro reflete, historicamente, a sucessão de períodos nos quais a presença do Estado se harmoniza com a participação do capital privado.”[1] Tal fato se apresenta claro em relação à atividade administrativa de serviço público, uma das técnicas mais incisivas de intervenção do Estado no domínio econômico e na ordem social.
O encargo, contudo, de proteção dos interesses da coletividade, consubstanciado nesse processo de serviço público, permanece nas mãos do Estado por determinação do sistema constitucional brasileiro vigente: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
O serviço enquanto público é irrenunciável pelo Estado, não podendo ser transferida sua titularidade para a iniciativa privada, mas apenas se transferindo sua execução. O Poder Público mantém, dessa forma, permanentemente, a total disponibilidade sobre o serviço público delegado.
Verifica-se, portanto, a possibilidade de prestação de serviços públicos por meio de delegação de atribuições a particulares, mediante concessão e permissão, previstas nos arts. 21, XI e XII, 25, § 2º, 175 e 223, da Constituição Federal. O Estado, como apontado, mesmo quando repassa para um particular apenas a execução de um serviço público, mantém a disponibilidade do serviço, desde o exercício do controle e da fiscalização até a própria fixação de tarifas a serem cobradas dos usuários. Essa atividade consiste em manifestação da função regulatória executada pelo Poder Público. Há, portanto, nas hipóteses de transferência de competências públicas a operadores privados, uma atividade regulatória normativa efetuada pelo Estado, ao estabelecer normas jurídicas aos delegatários na realização de atividades de caráter econômico, e sua conseqüente fiscalização. Há uma transformação no papel do Estado: “em lugar de protagonista na execução dos serviços, suas funções passam a ser as de planejamento, regulamentação e fiscalização das empresas concessionárias”.[2] Juarez FREITAS, acompanhando esse entendimento, afirma que característico desse novo perfil da Administração Pública reside na redução da participação direta do Estado na execução de serviço público e a ampliação da sua dimensão fiscalizadora.[3]
Alerte-se, desde já, com base no art. 175 da Constituição Federal, que nem todo serviço público é passível de concessão ou permissão ao setor privado, tendo em vista que esses institutos pressupõem a remuneração do contratado oriunda dos usuários do serviço ou com receitas decorrentes da atividade do próprio serviço.
Nesse sentido, Fernando Garrido FALLA afirma que a separação entre titularidade e exploração do serviço, como ocorre na concessão, só é possível em atividades ditas econômicas, exercida pelo concessionário visando obter uma retribuição decorrente do produto das tarifas pagas pelos usuários.[4]
Ainda segundo os ditames do parágrafo único do art. 175 da Constituição Federal:
“A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.”
Deve-se interpretar esse dispositivo, conjuntamente com o disposto no art. 22, XXVII, da Constituição Federal, que determinou entre as competências privativas da União elaborar “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III.”
Essa matéria, destarte, caracteriza-se como de competência concorrente da União, Estados e Municípios. Compete à União estabelecer normas gerais a respeito do tema, e aos Estados e Municípios elaborar normas suplementares para atender às peculiaridades dos seus serviços, com fundamento no art. 24, § 3º, e art. 30, II, da Constituição Federal.
A Lei Federal nº 8.987/95 concretizou essa determinação constitucional ao prever as normas gerais sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.
Atualmente, a Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada (PPP) no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Em virtude da ausência de recursos orçamentários para a execução de projetos de infra-estrutura de setores como transportes, saneamento básico e saúde, buscou-se, por meio de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada, assegurar a prestação de serviços públicos de melhor qualidade. A parceria público-privada possui natureza contratual, em que entidade privada executa obra ou serviço público, assegurando-se uma garantia diferenciada dada pela Administração Pública.
Além da Lei n. 11.079/2004, as PPPs são, basicamente, regidas pela Lei n. 8.987/95 que estabelece normas gerais de concessão e permissão de serviços públicos. O conteúdo das parcerias público-privadas consiste em uma concessão de serviços públicos ou de obras públicas subsidiada parcial ou totalmente pelos cofres públicos (concessão patrocinada) ou contratação de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (concessão administrativa).
Para Marçal JUSTEN FILHO, o instituto das parcerias público-privadas tem como grande inovação possibilitar que o Poder Público capte investimentos privados para projetos em que anteriormente só dependiam de recursos públicos.
Como ensina Marçal JUSTEN FILHO, o ponto central das PPPs diz respeito ao financiamento do empreendimento: “O particular deverá custear a execução da obra, mas o Poder Público prestará garantia séria e firme de que arcará com os valores necessários à liquidação da dívida, no longo prazo. Essa garantia é utilizada pelo particular perante o sistema financeiro, de modo a reduzir os custos”[5].
Informações Sobre o Autor
Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt
Advogado da União, Mestre em Direito do Estado pela UFPR, Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Curitiba, da Escola da Magistratura Federal do Paraná, do Curso Aprovação e do Curso Jurídico. Autor do Livro “Manual de Direito Administrativo”- Editora Fórum – 2005