Descriminalização ou Despenalização?

A problemática jurídica existente atualmente sobre o assunto encontra-se de forma muito clara ao se analisar comparativamente as Leis 11.343/2006 e a então 6.368/1976, no qual estão diretamente relacionadas sobre as medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou drogas afins.

A revogada Lei 6.368/76 trazia (uma vez que fora revogada expressamente pela Lei 11.343/2006) em seu Capítulo III – Dos Crimes e das Penas – mais expressamente em seu art. 16 o crime de “adquirir, guardar consigo, para uso próprio, substância entorpecente…” (Grifo Nosso) – o qual era atribuído uma pena ao infrator de detenção de 6 meses a 2 anos cumulada com a pena de multa.

Todavia, ao se deparar com a atual Lei em vigência, pode-se perceber que em seu art. 28, o qual regula sobre o uso de substâncias entorpecentes para uso pessoal, que o infrator será submetido às seguintes penas: I- advertência sobre os efeitos das drogas; II- prestação de serviços à comunidade; III- Medida educativa de comparecimento a Programa ou curso educativo.

Cumpre ressaltar, ainda, que no § 6° do mesmo artigo, rege que[1]:

“§ 6º  Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:”

“I – admoestação verbal;”

“II – multa.”

Percebe-se que o legislador fora expresso ao elencar as medidas educativas previstas ao usuário de entorpecentes. Observa-se ainda que em nenhum momento o usuário que adquire, guarda, tiver em deposito, transportar consigo, para uso pessoal drogas ou substâncias entorpecentes será submetido a uma pena privativa de liberdade, como era então prevista na antiga Lei 6.368/76.

Lembra-se ainda que não estamos diante de uma causa prevista no art. 107, III do Código Penal – “retroatividade de Lei que não mais considera o fato como criminoso”, ou seja, uma causa de abolitio criminis, considerando-se que a conduta do uso de substâncias entorpecentes continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal, conforme já decidiu o C. STF (RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007, Informativo n.° 456/STF).[2]

“A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então previsto no art. 16 da Lei 6.368/76, julgou prejudicado recurso extraordinário em que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro alegava a incompetência dos juizados especiais para processar e julgar conduta capitulada no art. 16 da Lei 6.368/76. Considerou-se que a conduta antes descrita neste artigo continua sendo crime sob a égide da lei nova, tendo ocorrido, isto sim, uma despenalização, cuja característica marcante seria a exclusão de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva da infração penal. Afastou-se, também, o entendimento de parte da doutrina de que o fato, agora, constituir-se-ia infração penal sui generis, pois esta posição acarretaria sérias conseqüências, tais como a impossibilidade de a conduta ser enquadrada como ato infracional, já que não seria crime nem contravenção penal, e a dificuldade na definição de seu regime jurídico. Ademais, rejeitou-se o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade. Aduziu-se, ainda, que, embora os termos da Nova Lei de Tóxicos não sejam inequívocos, não se poderia partir da premissa de mero equívoco na colocação das infrações relativas ao usuário em capítulo chamado “Dos Crimes e das Penas”. Por outro lado, salientou-se a previsão, como regra geral, do rito processual estabelecido pela Lei 9.099/95. Por fim, tendo em conta que o art. 30 da Lei 11.343/2006 fixou em 2 anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva e que já transcorrera tempo superior a esse período, sem qualquer causa interruptiva da prescrição, reconheceu-se a extinção da punibilidade do fato e, em conseqüência, concluiu-se pela perda de objeto do recurso extraordinário”. (GRIFAMOS)

A polêmica foi também revelada pelos Professores Luiz Flávio Gomes e Rogério Cunha Sanches (GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Posse de drogas para consumo pessoal: crime, infração penal “sui generis” ou infração administrativa?, in verbis[3]

“Continua acesa a polêmica sobre a natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/2006 (nova lei de drogas), que prevê tão-somente penas alternativas para o agente que tem a posse de drogas para consumo pessoal. A questão debatida é a seguinte: nesse dispositivo teria o legislador contemplado um crime, uma infração penal sui generis ou uma infração administrativa?”

Ressalta-se ainda que com este entendimento do Supremo, afastou-se a corrente doutrinária que afirmava que o fato seria uma infração penal sui generis, ou seja, única em seu gênero, pois esta posição acarretaria sérias implicações, tal como uma aberração de a conduta tipificar-se como ato infracional, uma vez que não seria contravenção penal nem crime.

Logo, diante das razões acima mencionadas, não é exagero afirmar que o legislador é condescendente com o usuário de drogas ou substâncias afins, dando contornos de um início de legalização. Demais disso, observar-se ainda que houve uma falha primária por parte do Legislativo ao introduzir no ordenamento jurídico brasileiro um crime onde não há pena, pois estas estão previstas na Constituição Federal de 1988 (art. 5°) e no Código Penal Brasileiro (art. 32) de forma taxativa que são as privativas de liberdade, as restritivas de direitos e a multa. Sendo assim, como ficam os penalistas diante desse preceito constitucional de que todo crime é constituído de uma pena? Será que diante da Lei n° 11.343/2006 essa regra mudou?

 

Notas:
[1] Brasil. Lei n.º 11.343/2006.
[2] Julgados do Supremo Tribunal Federal. RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007. Informativo n.º 456/2007
[3] Site: http://www.lfg.com.br. 12 dez. 2006

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Luiz Araújo Portela

 

Bacharel em Direito Pós-graduando em Direito Penal

 


 

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