Deve a alteração da data de pagamento do tributo, respeitar o princípio da estrita legalidade tributária?

Resumo: Sendo o princípio da legalidade um prisma central em nosso ordenamento previsto constitucionalmente, poderá haver casos de excessões em sede tributária? O artigo passa por essas vertentes trazendo ainda a visão do STF, da doutrina e do autor do artigo quanto a temática com relação específica quanto a alteração do prazo para o pagamento dos tributos e o princípio da legalidade.

Sumário: 1 – O Princípio da Legalidade : Suas atenuações e exceções. 2 – A alteração da data de pagamento e o Princípio da Legalidade: uma abordagem doutrinária e do STF

 

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1 – O Princípio da Legalidade : Suas atenuações exceções.

Assevera o doutrinador Ives Gandra da Silva Martins que o princípio da legalidade é acima de tudo uma limitação ao poder de tributar, encontrado na Constituição Federal em seu artigo 150, I e que na medida em que reserva de modo exclusivo à lei escrita por meio de atos do legislativo a criação ou majoração de tributos, resulta em consequente direito individual do contribuinte (MARTINS, 1994 p.141) ratificando o tema da seguinte forma:

“E com este mesmo enunciado continua a existir na Constituição de 1988, como direito individual decorrente do princípio da legalidade, ex vi do §2º do seu art.5º (ressalva outros direitos e garantias decorrentes dos princípios adotados pela Carta Magna). Com efeito, as duas limitações constitucionais do poder de tributar estão correlacionadas. Se o princípio da legalidade limita o poder tributário, colocando sob monopólio da lei escrita, proveniente do Legislativo, a criação e majoração dos tributos, faz nascer o direito público subjetivo do cidadão contribuinte – exigir que os demais entes do governo somente interfiram na sua área particular de ação, criando ou aumentando tributos, através da lei.” (MARTINS, 1994, p.141-142).

Nesse diapasão, encontra-se estampado também no CTN em seu artigo 97, a alusão de tal princípio da legalidade em sede do campo do Direito Tributário especificamente, quando este artigo expõe as matérias que ficam reservadas ao Direito tributário regular: instituição de tributos ou a sua extinção, sua majoração ou redução, a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, da fixação da alíquota do tributo, da base de cálculo do tributo, das penalidades bem como das hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários.

Tomando por base essa premissa pode-se concluir como se demonstrará, que na visão do STF, as matérias não regulamentadas no artigo 97 do CTN não necessariamente precisam passar pelo crivo da estrita legalidade do legislativo para sua criação ou alteração, podendo ter seu corpo alterado conseqüentemente por ato do Poder Executivo. Cabe nesse ponto entretanto, uma ponderação nas palavras de MARTINS: “O judiciário ainda que enfrente caso de lacuna legal, jamais cria ou aumenta tributos.” (MARTINS, 1994, p. 142).

Nessa toada, pode-se destacar, como ressalva o doutrinador Eduardo Sabbag, que existem atenuações ao princípio da legalidade que poderão ser feitas por via de ato do Executivo (SABBAG, 2010, p.68). Cumpre expor também o posicionamento dos doutrinadores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo em sua obra quanto a temática, pois, eles elencam esses atos que poderão ser alterados por atos do Executivo por meio dessas atenuações ao princípio da estrita legalidade, como os do parágrafo primeiro do art. 153 da CF do Executivo em alterar alíquotas do II, IE, IPI, IOF; do art. 177, parágrafo quarto, inciso I, alínea b da CF (reduzir e restabelecer alíquotas da cidecombustível) e também do art. 155, parágrafo quarto, inciso seis da CF (alteração das alíquotas do icms combustível mediante convênio dos Estados e Distrito Federal). (ALEXANDRINO & PAULO, 2007, p. 21-23).

Portanto, como se pode concluir com as informações supramencionadas, existem duas realidades distintas que versam para a temática: as atenuações a estrita legalidade no Direito Tributário (que permitem por meio de atos do Executivo alteração da matéria tributária); bem como situações em que por não se ter previsão expressa no artigo 97 do CTN quanto a reserva legal da matéria, possibilita – se seu uso por meio de atos do Executivo também.

Uma vez construído tal raciocínio e já expostas as atenuações a legalidade, faz-se necessário relatar as hipóteses em que por não haver expressa previsão legal do art. 97 do CTN; tem-se permitido com aval do STF o uso de atos do Poder Executivo para definirem seus valores como a mera atualização e correção da base de cálculo dos tributos (conforme criva o art. 97, parágrafo segundo do CTN), a fixação de obrigação tributária acessória (nos moldes do art. 113, parágrafo segundo do CTN) e a norma que altera o prazo para recolhimento da obrigação tributária (nos termos da súmula número 669 do STF).

2 – A alteração da data de pagamento e o Princípio da Legalidade: uma abordagem doutrinária e do STF

Concentrando-se em ponto mais central da discussão mister se faz a leitura da supracitada súmula número 669 do STF que aborda a temática da alteração dos prazos para o pagamento da obrigação tributária:“Norma legal que altera o prazo para recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.

Convém argumentar, que apesar da supracitada súmula elucidar que ela não desrespeita a anterioridade, também não irá ferir o princípio da legalidade, pela sua ausência nas matérias de reserva legal do artigo 97 do CTN. Ratificando tal raciocínio, argui o seguinte sobre o tema os doutrinadores Alexandrino e Paulo em outra obra sua sob o enfoque do Direito Tributário dessa vez especificamente na Constituição e no STF:

“O STF já firmou posição de que o prazo para vencimento dos tributos é passível de instituição por norma infralegal (decreto), visto que o art.97 do CTN relaciona taxativamente as matérias submetidas à reserva legal, dentre as quais não se inclui a fixação do prazo para recolhimento de tributos (RREE 182.971;193.531)”. (ALEXANDRINO E PAULO, 2006, p.85).

Pode-se encontrar mais bases para tal interpretação do STF quanto a temática, na obra de SABBAG, quando este cita alguns julgados proferidos por este Órgão com o mesmo entendimento: RE número 140.669/PE, relator Ministro Ilmar Galvão; 2008, RE número 172.394/SP, relator Ministro Marco Aurélio; 1995 e RE número 195.218/MG, relator Ministro Ilmar Galvão, 2002. (SABBAG, 2010, p.64).

Nesses termos, estabelece o doutrinador SABBAG seu posicionamento quanto a discussão:

“De nossa parte, estamos que o prazo para recolhimento do tributo, conquanto ausente da lista exaustiva dos elmentos configuradores da reserva legal, consoante do art. 97 do CTN, apresenta-se como rudimento substancial para a completude da lei tributária, ao indicar o átiom de tempo em que se deve adimplir, com pontualidade, a obrigação tributária. Deixar tal determinação ao alvedrio do Poder Executivo, ao sabor da discricionariedade, é sufragar o perene estádio de insegurança jurídica, acinstosa ao elemento axiológico justificador do postulado da estrita legalidade”. (SABBAG, 2010, p.65).

Assim sendo na visão do STF, uma vez que não há reserva legal para a alteração dos prazos nos termos de previsão expressa do artigo 97 do CTN, é plenamente válida sua alteração por via de ato do Executivo, entretanto, como a própria doutrina ressalva e alerta, não necessariamente é preciso que todas as matérias que sejam de caractere de ser legislada por ato do Legislativo deverá estar expressamente mencionado em reserva legal.

Dessa forma concordo com tal posicionamento da doutrina, na figura do doutrinador Sabbag, até porque acreditar que uma ciência social como o direito, deve estar limitada a um rol de situações que permitam sua ação é algo incontroverso e desafiador ao cientista jurídico e muito mais ao julgador do Direito, pois, quem regula o Direito é a sociedade, a qual,  representada por meio do Legislativo freqüentemente muda e varia seus conceitos e conseqüentes normas, criando conceitos novos e extinguindo antigos. Nesse contexto, acaso tomássemos como parâmetro o posicionamento do STF quanto alteração de prazo para pagamento das obrigações tributárias, estaríamos, por exemplo, congelando as ações dos juízes, os quais, mediante o novo e inexistente no campo legal não poderia agir.

Portanto, compreendo que a alteração dos prazos para o pagamento das obrigações tributárias sem exame prévio de ato do Legislativo fere a segurança jurídica das relações jurídicas existentes bem como das futuras, além de que passa ao executivo um poder que não lhe seria capaz, ferindo conseqüentemente a cláusula pétrea da separação dos poderes estampada na CF, em seu artigo 60, parágrafo quarto, inciso terceiro.

 

Referências Bibliográficas:
ALEXANDRINO & PAULO, Marcelo & Vicente; Manual de Direito Tributário, Editora Impetus, Niterói, RJ, 2007.
ALEXANDRINO & PAULO, Marcelo & Vicente; Direito Tributário na Constituição e no STF Teoria e Jurisprudência, Editora Impetus Niterói, RJ, 2006.
MARTINS, Ives Gandra da Silva; Curso de Direito Tributário, Volume 1, Editora Cejup, Belém, PA, 1994.
SABBAG, Eduardo; Manual de Direito Tributário, Editora Saraiva, São Paulo, SP, 2010.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Darwin Silveira Longhi

Advogado, pós-graduado em Direito Tributário e Direito de família e sucessões; mestrando em direito pela PUC/RS

 


 

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