Direito à Desconexão ao Trabalho: Ausência de Regulamentação Específica e Impactos Sobre a Saúde Mental do Trabalhador Brasileiro

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Autora: Telma Cristina Arão – Acadêmica de Direito na Faculdade de
Saúde e Ecologia Humana – FASEH

Orientadora: Janaína Alcântara Vilela – Advogada com atuação na
Justiça do Trabalho. Mestre em Direito Privado com ênfase em Direito do
Trabalho pela PUC Minas. Professora da Faculdade de Saúde e Ecologia
Humana – FASEH. E-mail: [email protected].

Área do direito: Direito do Trabalho

Resumo: Este artigo descreve, por meio de método dedutivo de análise, a importância do direito à desconexão ao trabalho. As modificações estruturais e organizacionais, impostas pelos avanços tecnológicos da contemporaneidade laboral, expõem os obreiros à conexão ilimitada ao trabalho, haja vista a crescente e excessiva demanda por produtividade. Desse modo, embora o direito à desconexão seja uma garantia fundamental inerente a todo e qualquer empregado, não há, no Brasil, legislação específica que satisfaça plenamente o referido direito. Portanto, a conexão excessiva tem tornado tênue o limiar entre o trabalho e a vida pessoal dos empregados, fato que contribui para o aumento dos índices de adoecimentos mentais, tal como a Síndrome de Burnout – Esgotamento Profissional, devido à sobrecarga de trabalho sem as devidas pausas para descanso e lazer. Diante disso, este estudo busca enfatizar a necessidade da implementação de novas posições jurídicas a fim de garantir que os avanços tecnológicos no mundo do trabalho não sejam utilizados de forma desvirtuada, evitando que haja a sobrecarga laboral devido a não concessão de efetivas pausas. Desse modo, almeja-se preservar direitos e garantias trabalhistas com vistas à manutenção de patamares mínimos para o trabalho decente.

Palavras-chave: direito à desconexão, doenças mentais do trabalhador, sobrecarga de trabalho, conexão excessiva ao trabalho, sociedade tecnológica.

Abstract: Using a deductive method of analysis, this article describes the importance of the right to disconnect from work. Structural and organizational changes imposed by technological advances of work expose workers to unlimited connection to work, given the growing and excessive demand for productivity. Therefore, although the right to disconnection is a fundamental guarantee inherent to employee, no specific legislation in Brazil fully satisfies this right. Thus, the excessive connection has made problematic separation between the work and personal life of employees, and this fact contributes to an increase in rates of mental illness, such as Burnout Syndrome – Professional Exhaustion, due to work overload without the necessary breaks for rest and leisure. Thus, this study emphasizes the need to implement new legal positions to ensure that technological advances in the world of work are not used distortedly, preventing work overload due to the failure to grant effective breaks. As a result, the aim is to preserve labor rights and guarantees to maintaining minimum standards for decent work.

Keywords: right to disconnect, mental illness of the worker, work overload, excessive connection to work, technological society.

Sumário: Introdução. 1. Conexão excessiva aos meios telemáticos e o contexto atual sobre a sobrecarga de trabalho 2. Reflexos da sobrecarga de trabalho e o adoecimento mental: Síndrome de Burnout. 3. Ausência de legislação que garanta o efetivo direito à desconexão ao trabalho e jurisprudência correlata. 4. Incipientes normatizações para a aplicabilidade jurídica do direito à desconexão: Projeto de Lei n° 4044/2020 e atualização da NR-1. Conclusão. Referências.

Introdução

Esse estudo refere-se à importância da efetivação do direito fundamental de desconexão ao trabalho como forma de evitar a sobrecarga laboral e, consequentemente, mitigar os elevados índices de doenças mentais que acometem boa parte dos trabalhadores brasileiros na atualidade.

Trata-se de análise construída por meio de método dedutivo baseado em referenciais teóricos acerca das consequências das inovações tecnológicas na sobrecarga laboral ante a ausência das devidas pausas para o descanso.

Para tanto, observa-se que as referidas tecnologias têm demandado inúmeras mudanças na condição de subordinação jurídica, inerente da relação de emprego, tal como no tempo à disposição para o trabalho. Sendo assim, práticas comuns do mundo corporativo como o acionamento, em demasia, do empregado em momentos de não trabalho, como em períodos de férias, viola direitos sociais fundamentais do obreiro, como o descanso e o lazer com a família.

Nesse contexto, enfatiza-se que embora o ordenamento jurídico brasileiro proteja os períodos de repouso por meio de mecanismos que limitam a jornada de trabalho, até o momento, o efetivo direito à desconexão não possui expressa previsão legal, fato que favorece a naturalização de condições que violam a garantia ao descanso do labor em meio à ilimitada conexão do trabalhador às ferramentas de tecnologia e comunicação.

Outrossim, o presente estudo tem o objetivo de enfatizar a importância da garantia desse direito fundamental como meio de salvaguardar direitos trabalhistas adquiridos, tais como as férias, a limitação de jornada e o descanso semanal remunerado, mas que, frequentemente, estão sendo violados pela conectividade excessiva às ferramentas telemáticas, levando à sobrecarga de trabalho e, consequente, elevação dos índices de adoecimento mental dos trabalhadores.

Pelo exposto, é possível perceber alguns dos desdobramentos jurídicos em torno da problemática, como a correlação com o aumento do número de trabalhadores afastados por doenças do trabalho, relacionadas às doenças mentais e psíquicas, conforme dados do Ministério da Previdência Social, bem como a elevada incidência da Síndrome de Burnout no trabalhador brasileiro.

Ademais, é importante destacar que há jurisprudências sendo construídas baseadas no direito à desconexão. O entendimento que se tem formado é o de que, caso haja violação ao referido direito fundamental, será devida a concessão de danos extrapatrimoniais (morais) ao trabalhador.

Ainda em relação ao assunto, foi identificado o projeto de lei n° 4044/2020, que está em tramitação no Congresso Nacional, que versa sobre a efetivação do direito à desconexão, bem como a recente alteração da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) que passou a incluir, expressamente, a necessidade de controle dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho.

Por fim, percebe-se que esse estudo demonstra grande relevância e pertinência ao justificar a necessidade da implementação de legislação trabalhista com vistas ao direito à desconexão de modo a garantir que direitos trabalhistas fundamentais sejam efetivamente concedidos a fim de manter a saúde mental dos trabalhadores e os patamares mínimos necessários ao trabalho digno e decente.

 

  1. Conexão excessiva aos meios telemáticos e o contexto atual sobre a sobrecarga de trabalho.

 

O direito à desconexão é um direito fundamental que garante o descanso do ambiente e das tarefas laborais tal como aqueles direitos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 (CLT) e pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) no art. 7°, incisos XIII, XV, XVII, que correspondem à regulamentação da jornada de trabalho, ao descanso semanal remunerado e às férias, respectivamente.

Ocorre que muitos trabalhadores, a despeito das altas cargas horárias a que são submetidos de forma física, permanecem vinculados de forma virtual ao trabalho, por meio de grupos de WhatsApp, e-mails ou mesmo ligações (ALMEIDA, 2021, p.1884). Frisa-se que a prática reiterada de acionar o empregado em momentos de não trabalho, tal como em períodos de férias, viola direitos socias fundamentais do empregado, como o descanso e o lazer com a família (SOUTO MAIOR, 2003, p.310).

O filófoso e sociólogo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade do Cansaço (2017), afirma que a humanidade vive uma pressão pelo aumento da produtividade e pela busca constante por resultados, fato que tem levado as pessoas ao esgotamento físico e mental. Ainda segundo Han, as pessoas estão cada vez mais isoladas e pressionadas pelo ritmo acelerado do trabalho e pela necessidade de estar sempre disponível.

Nesse contexto, nota-se que a questão da necessidade de desconexão está intrinsicamente relacionada à contemporaneidade do mundo do trabalho. Fato que garantiu a efetivação do direito à desconexão pela legislação trabalhista francesa, em 2016:

“O Code du Travail francês, em seu art. L. 3121-1, estabelece que o tempo efetivo de serviço é aquele ‘durante o qual o trabalhador está à disposição do empregador e cumpre as suas diretivas sem poder participar livremente de suas ocupações pessoais’. No entanto, a definição tornou-se insuficiente para enquadrar juridicamente as situações de interrupção dos momentos de descanso do empregado por força de comunicações dinâmicas e fragmentadas realizadas por meio de equipamentos tecnológicos. Foi necessário o reconhecimento da existência de uma nova situação de ingerência na vida privada do empregado, até então não regulada, para então se pensar na forma mais adequada de conferir tratamento jurídico ao tema. A lei francesa nº 2016-1088, de 8 de agosto de 2016, regulou uma série de modificações relativas à legislação trabalhista no país, dentre as quais se encontra a inserção expressa de um dispositivo que garante o direito à desconexão do trabalho, previsto no artigo 55”. (Code du Travail francês apud PONZILACQUA e SILVA, 2022, p. 202).

Em relação ao contexto atual sobre a sobrecarga de trabalho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) salientam para a importância da adoção de ações de enfrentamento aos riscos para a saúde mental do trabalhador, tais como a criação de barreias à sobrecarga de trabalho e aos assédios, entre tantos outros fatores com potencial de criar angústia e doenças mentais laborais.

A saúde é um direito constitucional, previsto no art. 196 (CF/88), que está sujeita a diversos fatores determinantes, incluindo as condições do meio ambiente de trabalho. Os riscos psicossociais e a saúde mental do trabalhador são temas de grande relevância na atualidade, devido a reorganização do sistema produtivo advindo dos avanços tecnológicos de comunicação e de informação que impõem aos trabalhadores uma conectividade excessiva ao trabalho em prol do aumento da produtividade.

Nesse contexto, no qual o trabalho não se limita mais apenas ao tempo e ao espaço designados no contrato de trabalho, é possível afirmar que as tecnologias proporcionam um caráter antagônico às relações laborais. De um lado, conferem maior celeridade e eficiência aos processos de trabalho, por vezes, usufruídos do conforto do lar do trabalhador, por exemplo, por meio do teletrabalho. Em contrapartida, impõem aos trabalhadores a adesão excessiva aos meios telemáticos, devido a facilidade de acesso às tecnologias, bem como a necessidade do aumento da produtividade, o que torna, muitas vezes, a conexão ao trabalho ilimitada.

Outrossim, as novas tecnologias da informação e comunicação – TICs acarretam novos desafios para o Direito do Trabalho, haja vista tornarem tênue o limiar entre o trabalho e a vida pessoal, e conferirem maior sobrecarga laboral, trazendo, portanto, consequências ainda não administradas adequadamente pelo ordenamento jurídico brasileiro.

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O professor e sociólogo francês Francis Jaurèguiberry aborda a questão do uso excessivo dos meios eletrônicos de trabalho, destacando que desconectar significa não estar sempre acessível, não ser controlado à distância durante o tempo de descanso e recuperação, pois “o direito à dignidade das pessoas não poderia ser reduzido a funções ou recursos que podem ser controlados pelo trabalho remoto” (2007, p.102).

Desse modo, o excesso de trabalho devido à ausência de pausa adequada para o descanso está relacionado ao aumento do adoecimento mental dos trabalhadores e representa uma das grandes preocupações dos organismos internacionais de proteção laboral. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicou, em 2022, um relatório que contém um cálculo do Fórum Econômico Mundial da ordem de 2,5 bilhões de dólares em relação à perda econômica, apenas em relação ao ano de 2010, devido às doenças mentais nos trabalhadores. E estima-se que os referidos gastos, incluindo o aumento em relação aos custos sociais, sejam de 6 trilhões em 2030 (OMS, 2022, p. 50).

Dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) mostraram que, em 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais, 38% a mais do que o ano 2022, quando foram concedidos 209.124 benefícios (FONSECA, 2024).

Dessa maneira, observa-se que, na contemporaneidade, se exige

uma maior conscientização sobre os riscos psicossociais da sobrecarga de trabalho bem como a necessidade da manutenção da saúde mental do trabalhador, pois as ferramentas telemáticas de controle laboral permitem a invasão da vida privada, o aumento da demanda por trabalho e a maior elasticidade do tempo à disposição ao empregador, fatos que comprometem os momentos de descanso, de convivência sociofamiliar do obreiro e que refletem, negativamente, sobre a saúde mental deste.

 

  1. Reflexos da sobrecarga de trabalho e o adoecimento mental: Síndrome de Burnout.

 

Um fator relevante para o aumento dos afastamentos por transtornos mentais é a intensificação da carga de trabalho devido à constante pressão para atingir metas em curtos intervalos de tempo por meio de reiteradas práticas de ações abusivas com excesso de tarefas dentro e fora do horário de trabalho. Tais práticas podem ser caracterizadas como assédio moral por excesso de trabalho, ocasionando prejuízos de ordem moral, física e psíquica ao trabalhador (MARTINS, SILVA, 2022, p. 969).

Essa situação é agravada em culturas organizacionais que priorizam a produtividade em detrimento ao bem-estar dos empregados. Além do mais, locais de trabalho que incentivam as longas jornadas de trabalhos e a hiperconectividade aos meios telemáticos de controle por produtividade promovem ambientes que comprometem o equilíbrio mental o que pode, inclusive, levar ao quadro de esgotamento profissional, também denominado Síndrome de Burnout.

A Síndrome de Burnout caracteriza-se pela exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal devido à sobrecarga de trabalho, conforme definição do sítio eletrônico do Ministério da Saúde:

“Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho”. 

Nesse contexto, um estudo da International Stress Management Association (ISMA-BR) (2020) apontou que o Brasil é o segundo país mais afetado pelo esgotamento profissional excessivo no mundo. Segundo a OMS, o país possui a maior taxa de pessoas com ansiedade, além de ocupar o quinto lugar no ranking de pessoas com depressão, ambas condições também ligadas ao Burnout. (CALCINI e MORAES, 2023).

A Síndrome de Burnout foi reconhecida pela Previdência Social, Anexo II do Decreto 3.048/99, como uma doença equiparada a acidente de trabalho. Desse modo, na prática, o empregado diagnosticado com o esgotamento profissional tem garantidos os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários gerados pelo diagnóstico de outras doenças e acidentes decorrentes do trabalho.

Incialmente, o Burnout foi incorporado à legislação brasileira pela Portaria nº 1339 de 18 de novembro de 1999 do Ministério da Saúde (MS) que o incluiu à Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho na seção: transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho, sob o código Z73.0 (grupo V, Código Internacional de Doenças, CID-10).

Posteriormente, o Decreto nº 6.042/2007, alterou o Decreto 3.048/1999, inserindo a síndrome de Burnout na lista B, sob o título: transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho.

Em janeiro de 2022, a Síndrome do Esgotamento Profissional passou a ser reconhecida e classificada pela OMS como doença ocupacional, tendo sido incluída na Classificação Internacional de Doenças (CID) (FARIAS, 2023). Nessa mesma data, houve a décima primeira mudança na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) e o Burnout passou a ter o código QD85. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para efeito de registro dos benefícios por incapacidade junto à Previdência, será necessária a gradual atualização dos normativos internos e dos sistemas a fim de efetivar as modificações trazidas com a CID-11 (CAVALLINI, 2022).

Apesar do reconhecimento do Burnout como doença relacionada à sobrecarga de trabalho, na prática, ainda há muito o que se evoluir, pois uma irregularidade trabalhista, frequentemente, associada à síndrome é a não observância das normas relacionadas à limitação da jornada de trabalho, acompanhada de inadequadas pausas para o descanso, consequentemente, evidente violação do direito à desconexão do trabalho.

A juíza Mirella Cahú, em entrevista concedida ao TRT-13 (Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região – Paraíba), explica que a classificação da síndrome como doença ocupacional representa um avanço e possibilita a busca por outras reparações, a exemplo da indenização por dano moral e material em face do empregador. Ademais, a magistrada comentou:

“É preciso compreender que o esgotamento está em exigir esforço físico e mental, ou seja, nível de concentração e trabalho superior às forças orgânicas do trabalhador, fazendo com que eles se preocupem em excesso. Não basta pagar hora extra, é necessário se preocupar com aspectos de saúde por exigir jornada extensa ou metas difíceis de serem alcançadas que geram estresse ao trabalhador”

Pelo exposto, infere-se que a ausência de uma legislação específica que garanta o direito à desconexão laboral permite a sutil pulverização de direitos trabalhistas previamente adquiridos, sob o falacioso argumento de que a monetização da saúde do trabalhador, por meio do pagamento de adicionais e/ou de horas extras, seria suficiente para compensar a sobrecarga de trabalho e adequar o meio ambiente laboral ante a riscos psicossociais. Contudo, o referido pensamento é equivocado e, na prática, o que se tem observado são dados alarmantes de acometimentos de trabalhadores por doenças mentais devido aos excessos laborais, combinados com a ausência de adequadas pausas para descanso.

Um estudo, divulgado em 2022, realizado pela Federação dos Trabalhadores do Ramo Químico da Central Única dos Trabalhadores (Fetquim/CUT), revelou que em 2015, houve 170.830 casos de trabalhadores afastados por depressão, ansiedade ou outros transtornos mentais. Em 2020, os números subiram para 289.677. Assim, houve um aumento de mais de 50% de danos à saúde mental, durante os 5 anos analisados, conforme dados previdenciários brasileiros.

Portanto, os alarmantes dados mostram ser imperiosa a garantia do efetivo direito à desconexão do trabalho por meio de legislação específica a fim de mitigar os elevados índices de doenças mentais que acometem grande parte dos trabalhadores brasileiros atualmente.

 

  1. Ausência de legislação que garanta o efetivo direito à desconexão ao trabalho e jurisprudência correlata.

 

O direito à desconexão, embora não tenha expressa regulamentação jurídica, tem sido amplamente suscitado nos Tribunais do país. Esse fato demonstra a necessidade da implementação de novas posições do ordenamento jurídico brasileiro a fim de garantir que os avanços tecnológicos no mundo do trabalho não sejam utilizados de forma desvirtuada, evitando, assim, a sobrecarga laboral devido a violação do direito à desconexão ao trabalho.

É importante destacar que um levantamento construído por meio da ferramenta Data Lawyer, software de jurimetria, demonstrou que desde 2014 já foram propostas na Justiça do Trabalho ao menos 23.750 ações sobre o direito à desconexão, tendo valor total das causas a quantia de cerca de R$ 5,65 bilhões. Estes números acompanham a crescente adoção das modalidades de teletrabalho ou de modelos híbridos no país (HOSSON, 2023, p.48).

Nesse contexto, as jurisprudências que estão sendo construídas baseadas no direito à desconexão demonstram que, caso haja comprovada violação ao referido direito fundamental, será devida a concessão de danos morais ao trabalhador. A legislação civil prevê que para que seja caracterizada a obrigação de indenizar, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos previstos no art. 927, Código Civil, quais sejam a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade entre os dois primeiros.

A título de exemplificação, segue ementa de recente julgado do TRT-4, 4ª Região, Porto Alegre/RS, no qual houve provimento ao Recurso Ordinário, concedendo ao reclamante indenização pela caracterização da não fruição do pleno direito de desconexão do trabalho quando, em período de férias, foi acionado reiteradas vezes.

“EMENTA FÉRIAS. DIREITO À DESCONEXÃO. As férias são a expressão do direito à desconexão do trabalho com a finalidade de que o trabalhador recupere suas energias. As férias possuem fundamentos fisiológicos (reposição das energias); econômico (a produtividade do empregado aumenta após as férias); psicológico (ajuda no equilíbrio mental do trabalhador); cultural; político e social. Desta forma, a pausa no trabalho somente será cumprida quando houver a desvinculação plena do trabalho. O fato de o reclamante ter sido acionado diversas vezes não concretiza tal objetivo, ficando evidenciado que não houve sua fruição plena. (TRT-4 – ROT: XXXXX20195040021, Relator: LUIZ ALBERTO DE VARGAS, Data de Julgamento: 14/07/2023, 8ª Turma)”.

Sendo assim, entende-se que a aplicabilidade jurídica do direito à desconexão demonstra a necessidade de preservar direitos e garantias trabalhistas com vistas à manutenção de patamares mínimos do trabalho decente.

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  1. Incipientes normatizações para a aplicabilidade jurídica do direito à desconexão: Projeto de Lei n° 4044/2020 e atualização da NR-1.

 

No Brasil, embora o ordenamento jurídico proteja o período de descanso por meio de mecanismos que limitam a jornada de trabalho, até o momento, o efetivo direito à desconexão não possui expressa previsão legal. Assim, a temática tem sido suscitada e debatida ante a necessidade de implementação de novas posições jurídicas de proteção ao referido direito.

Nesse contexto, encontra-se em tramitação legislativa o Projeto de Lei nº 4.044/2020, que visa a modificação da CLT a fim de regular o assunto, propondo alterar o § 2º do artigo 244, que trata do “sobreaviso”, bem como a inclusão do § 7º ao artigo 59, que versa sobre o serviço extraordinário, e a introdução dos artigos 65-A, 72-A e 133-A, que tratam em específico sobre a desconexão digital (HOSSON, 2023, p. 48). Outrossim, em agosto de 2024, houve alteração na portaria do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, Norma regulamentadora NR-1 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) que passou a enfatizar o gerenciamento proativo de riscos ocupacionais, com destaque para a inclusão de riscos psicossociais e a introdução de novos termos e definições cruciais para a saúde e segurança laboral.

Ambas as propostas demonstram relevância do direito à desconexão com vistas às demandas atuais do mundo do trabalho, especialmente, pelo crescente número de trabalhadores brasileiros diagnosticados com transtornos mentais e comportamentais associados ao trabalho.

Por fim, percebe-se a relevância da necessidade da implementação de legislação trabalhista em relação ao direito à desconexão, especialmente, como modo de garantir que direitos trabalhistas fundamentais, como limitação da jornada de trabalho, descanso semanal remunerado e férias, sejam protegidos e efetivamente gozados. Desse modo, almeja-se a melhoria da saúde mental dos trabalhadores, concomitantemente, ao uso saudável das ferramentas tecnológicas de labor.

 

Conclusão

 

As inovações tecnológicas proporcionaram inúmeras mudanças na organização laboral, afetando diretamente a condição de subordinação jurídica inerente da relação entre empregado e empregador. Nesse contexto, verifica-se que tais ferramentas do mundo corporativo oferecem inúmeras vantagens, como a celeridade dos processos, entretanto, concomitantemente, acarretam o desafio de submeter o empregado a jornadas de trabalho ilimitadas, haja vista o uso excessivo das tecnologias de controle e comunicação.

Assim, entende-se que, a despeito das vantagens conferidas pelo acesso tecnológico, a não efetivação do direito à desconexão do trabalho permite a pulverização de direitos sociais, como o direito às férias, devido à sobrecarga de trabalho pela conexão excessiva aos meios telemáticos de controle patronal e ante a ausência de adequadas pausas para descanso.

Desse modo, salienta-se que a ausência do efetivo direito à desconexão do trabalho está relacionada ao crescente número de trabalhadores brasileiros diagnosticados com a transtornos mentais e comportamentais associados ao labor, tal como a Síndrome de Burnout.

Dados do INSS mostraram que, em 2023, foram concedidos 288.865 benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais e comportamentais, 38% a mais do que o ano 2022, quando foram concedidos 209.124 benefícios.

Os incipientes debates sobre o direito à desconexão do trabalho, atualmente suscitados, fomentam a necessidade de importantes modificações legislativas sobre o assunto, visando à implementação de novas posições jurídicas de proteção ao referido direito fundamental e, consequente, mitigação dos elevados índices de doenças mentais relacionadas ao trabalho.

Nesse contexto, encontra-se em tramitação legislativa o Projeto de Lei nº 4.044/2020, que visa a modificação da CLT a fim de regular em específico o direito à desconexão. Ademais, houve alteração na portaria do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, Norma regulamentadora n°1 (NR-1) que passou a enfatizar o gerenciamento de riscos ocupacionais, com destaque para a inclusão de riscos psicossociais.

O direito à desconexão, embora não tenha expressa regulamentação jurídica, tem sido amplamente suscitado nos Tribunais do país. O entendimento jurisprudencial que se tem formado é o de que, caso haja violação ao referido direito fundamental, será devida a concessão de danos morais ao trabalhador. Esse fato demonstra a necessidade da implementação de novas posições do ordenamento jurídico brasileiro a fim de garantir que os avanços tecnológicos no mundo do trabalho não sejam utilizados de forma desvirtuada, evitando, assim, a sobrecarga laboral devido a violação do direito à desconexão ao trabalho.

Conclui-se, portanto, que a contemporânea estrutura laboral, na qual há uma maior disponibilidade do empregado ao empregador por meio das ferramentas tecnológicas, necessita de adequado posicionamento jurídico a fim de que os avanços tecnológicos não importem em riscos à saúde mental do trabalhador pela violação do direito à desconexão do trabalho. Por fim, é importante salientar que a efetivação do referido direito fundamental visa à preservação de direitos e garantias trabalhistas com vistas à manutenção de patamares mínimos para o trabalho decente.

 

Referências

 

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Revista 243