Resumo: Sem embargo, pode-se considerar a cidadania uma importante matéria da história constitucional que se tem em comento, em face da relevância e polêmica que o assunto envolve. Assim, o desenvolvimento deste trabalho direciona-se ao rebuscar histórico do conceito de cidadania, para erigir uma avaliação do estado de cidadania ambiental baseado nos princípios norteadores do direito ambiental e dos direitos fundamentais.
Sumário: 1. Introdução. 2. História da cidadania. 3. Cidadania no Brasil. 4. Cidadania atual. 5. Direito humano e direito fundamental. 6. Meio ambiente. 7. Cidadania ambiental. 8. Considerações finais. 9. Bibliografia
1 – INTRODUÇÃO
A questão dos direitos fundamentais, ainda causa dúvida não só a população, mas, também, aos estudiosos e aplicadores do direito. Notório é o emprego do termo cidadania como representação de direitos tais como os direitos humanos, do consumidor, eleitoral, dentre outros, assim como, ao dirigir-se a um indivíduo qualquer desconhecido.
Releva-se que a mescla vocabular, é de forma inteligível em virtude das vertentes históricas muito próximas existente entre a história da cidadania e dos direitos humanos, ambas pautadas nas lutas das gentes para a afirmação dos valores de liberdade, éticos, dignidade e igualdade com o propósito de se estabelecer uma condição de justiça, de democracia e assegurar as condições de uma sobrevivência digna.
Ao entendimento de Dallari (1998, p.14), encontra-se que:
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social.”
De forma abalizada, entende-se que o ilustre jurista reflete na condição de cidadania o maior atributo do ser perante a sociedade e perante o estado, visto que a não satisfação do estado de cidadania exclui a participação do indivíduo dos processos decisórios da nação, sendo este entendido como o agrupamento de pessoas ligadas por laços históricos, culturais econômicos e fixados a um território.
Em nosso país os primórdios das conquistas para o estabelecimento da cidadania, de maneira pari passu aos direitos humanos, remontam dos movimentos reivindicatórios pela liberdade da nação brasileira, sendo marco a Conjuração Mineira, assim como as lutas pela independência, abolição da escravidão e a consecução da República. Em um passado recente, temos as lutas contra a ditadura militar e a volta do estado democrático, constituindo-se em uma forma simbólica da afirmação da cidadania.
O ápice do processo afirmativo é conquistado quando da promulgação da Constituição cidadã de 1988, que em seu bojo determina os mecanismos dos direitos fundamentais capazes de garantir o exercício da cidadania.
2 – HISTÓRIA DA CIDADANIA
Notável são as palavras de Guarinello (2003, p. 29) que elucida os liames que se entende haver entre a cidadania na antiguidade e nos nossos dias, ao afirmar que:
“É verdade que os primeiros pensadores que se debruçaram sobre a definição do que hoje entendemos por cidadania buscaram inspiração em certas realidades do mundo greco-romano, que conheciam por intermédio dos clássicos transmitidos pela tradição manuscrita do Ocidente: a idéia de democracia, de participação popular nos destinos da coletividade, de soberania do povo, de liberdade do indivíduo. A imagem que faziam da cidadania antiga, no entanto, era idealizada e falsa. A cidadania nos Estados-nacionais contemporâneos é um fenômeno único na História. Não podemos falar de continuidade do mundo antigo, de repetição de uma experiência passada e nem mesmo de um desenvolvimento progressivo que unisse o mundo contemporâneo ao antigo. São mundos diferentes, com sociedades distintas, nas quais pertencimento, participação e direitos têm sentidos diversos.” (Sem grifos no original).
Ab initio refere-se que na modernidade o conceito de cidadania advém da Revolução Francesa em 1789, com o propósito de designar o conjunto de membros da sociedade que possuem direitos e que decidem os destinos do estado, tendo o mesmo, fortes laços com o termo latino ciuitas que significava cidadania e que foi cunhado a partir de ciuis, indicando que o ser humano era livre, donde se releva que o termo ciuitas apresentava o significado de liberdade. No entanto, na Grécia antiga já se tinha o surgimento do termo polites que dizia respeito a aquele que tinha direito a participar da Ágora que representava o espaço político da polis (cidade). De fato os viventes na polis eram considerados, exceto as mulheres, os escravos e estrangeiros, aptos a serem cidadãos e que tinham como objetivo a consecução do bem comum. No direito romano apenas os cidadãos tinham a capacidade jurídica plena garantida através no jus civile o direito de eleger-se magistrado, de votar, de contrair matrimônio, de comerciar, de agir em juízo, dentre outros, o que foi sendo diluído a partir dos fins da República, onde a cidadania foi sendo estendida aos habitantes de outras regiões sob a égide normativa da Lex Julia, Lex plautia Papiria e da Lex Roscia. Aos romanos, segundo Pacheco (apud Siqueira Júnior; Oliveira, 2007, p. 238) “O status civitatis ou estado de cidadania implica uma situação subjetiva, esparzindo os direitos e deveres de caráter público das pessoas que se vinculam ao Estado. Estabelece-se um círculo da capacidade conferido pelo Estado aos cidadãos”.
A decadência do Império Romano faz florescer profundas mudanças nas estruturas sociais, tendo como cerne o estamento da sociedade e o apogeu da igreja cristã que enseja a forja de um novo modo de produção, o feudalismo, marcado pela hierarquização das estruturas e das classes sociais, tornando o princípio de cidadania ineficaz em razão de que o homem medieval ou era vassalo, ou servo, ou suserano sem jamais atingir a condição de cidadão. Releva-se que a igreja assume as instituições de propriedade privada, o direito, o governos e a escravidão e, no entanto, legitima a pregação de uma forma ideal de sociedade, na qual preponderaria um Direito Natural Absoluto em que todos os homens seriam iguais e possuiriam todas as coisas em comum.
Silveira imputa a Bodenheimer a divisão da evolução dos Direitos Naturais em três distintas fases:
“Imediatamente após a Reforma – corresponde à teoria de HUGO GROTIUS, HOBBES, SPINOZA, PUFENDORF e WOLFF, em que o Direito Natural residia meramente na prudência e automoderação do governante;
Após a Revolução Puritana de 1649 – caracterizado por uma tendência ao capitalismo livre na economia e o liberalismo na política e filosofia (LOCKE, MONTESQUIEU);
Terceiro Período – marcado por uma forte crença na soberania popular, na Democracia, estando o Direito Natural confiado à vontade geral do povo (ROSSEAU, KANT).
GROTIUS (1583-1645) foi quem deu origem ao Jusnaturalismo, a partir da Escola de Jusnaturalismo Clássico ou Escola do Direito Natural, considerando este como imutável, comparando-o às normas dos axiomas matemáticos. Este é o Jusnaturalismo Abstrato, no qual “a explicação de tudo é encontrada no próprio homem, na própria razão humana, nada de objetivo é levado em consideração, a realidade social, a História, a razão humana se tornam uma divindade absoluta”.” (com grifos no original)
Com a derrocada do feudalismo devido ao enfraquecimento dos credos religiosos institucionalizados, dá-se a formação dos Estados nacionais, estando o poder centralizado nas mãos do rei, com autoridade sobre todo o território. Na Inglaterra, os barões limitam o Poder do Estado, ao impor ao rei a Magna Carta, que marca o primeiro passo em direção ao inicio da Monarquia Constitucional. O final deste período é marcado por questionamentos referentes às distorções e privilégios que a nobreza e também o clero insistiam em manter sobre o povo.
Importante momento histórico dá-se no contexto das Monarquias Absolutistas, onde a idéia de cidadania arraigava-se a superação da condição de súdito. Com o marco da Reforma Protestante surge a visão racional da realidade social, que sobremaneira, passa a ser motivo de reflexões e questionamentos, levando a novas atitudes intelectuais que, de forma decisiva, açularam a formação de uma nova cidadania, onde o cidadão considerado um ente livre e não como um integrante de uma comunidade política.
Até o século XVIII, “Século das Luzes”, os atributos da cidadania restavam ligados apenas a atuação do individuo na vida do Estado com direito de votar e ser votado. A ampliação dos Direitos Políticos é inquestionável e ao decorrer do século XIX chega a alcançar o direito do exercício do voto secreto, direto, universal e periódico, sem, no entanto ocorrer qualquer mudança no status de cidadania.
Com o advento do Liberalismo, trazendo em seu bojo, princípios de liberdade e propriedade privada, fomentando a iniciativa econômica privada e de mercado, excluindo a iniciativa econômica estatal. É neste cenário que o Estado se coloca como garantidor do desenvolvimento autônomo da sociedade civil, por ser essa ser detentora de poder econômico.
Já o século XX marcado pela presença de um Estado Social (Welfare State) foi palco, também, de grandes crises das quais se podem referir as idéias fascista, nazista e socialista, além do que, foi neste período que houve a incorporação do Direito do Trabalho como parte dos direitos Fundamentais. No campo da cidadania, Silveira assim expressa “O cidadão passa a ser então o indivíduo portador não apenas de seus direitos políticos, os quais, paulatinamente, vão-se incrementando, como também detentor de seus direitos individuais e, agora, sociais e econômicos”. Deve-se destacar no período pós-segunda guerra, a instituição da Organização das Nações Unidas – ONU (1948) sendo responsável pela elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem que garante a eficácia dos Direitos Fundamentais.
3 – CIDADANIA NO BRASIL
O pensamento da cidadania no Brasil resguarda intimas ligações a história da evolução constitucional. Na Constituição Nacional de 1824 observava-se no artigo 6 uma definição de quem eram os cidadãos brasileiros, já a Constituição de 1891, reservou no Título IV, SECÇÃO I “Das qualidades do Cidadão Brazileiro”. No entanto, a partir da Constituição de 1930 ocorre uma nítida e necessária distinção entre os conceitos de cidadania, nacionalidade e naturalidade o que com a promulgação da Carta de 1988 assume definitivamente o título de “Constituição Cidadã” onde se afirma uma série instrumentos jurídicos e políticos necessários a efetiva participação do cidadão nos assuntos do Estado. De forma exemplificativa podemos referir ao Art. 14, I, II e III; Art. 49, XV; Art. 58, § 2º, V; Art. 61; Art. 74, § 2º, Art. 89, VII; Art. 98, II; Art. 101 e Art. 131, todos referem à cidadania.
4 – CIDADANIA ATUAL
Na atualidade, tomam-se por cidadãos todos os que possuem e exercem os Direitos Humanos, constitucional e legalmente garantidos, e não somente o exercício do direito do voto, mas, a participação da construção de um estado democrático de direito. De modo complementar colaciona-se o entendimento descrito por Silveira que aduz:
“Destarte formula-se o corrente conceito de cidadania, qual seja, a completa fruição e exercício dos Direitos Individuais, Sociais, Políticos e Econômicos – Direitos Humanos – garantidos no ordenamento jurídico. Portanto não basta a garantia formal de tais direitos, mister é sua concretização. Para tanto, inevitável se faz a implementação de todos eles, visto que apenas em conjunto se podem materializar plenamente. Desta forma, para a o perfeito exercício da cidadania, requer-se igualdade, não apenas jurídica, mas de oportunidades; liberdade física e de expressão; educação; saúde; trabalho; cultura; lazer; pleno emprego; meio-ambiente saudável; sufrágio universal e secreto; iniciativa popular de leis; dentre outros direitos que compõem o quadro dos Direitos Humanos.”
5 – DIREITO HUMANO E DIREITO FUNDAMENTAL
Mister a necessária diferenciação entre os termos Direito humano e direito Fundamental visto que os mesmos não se confundem e que é suporte para o perfeito entendimento para uma proposta de uma Cidadania Ambiental.
A expressão direitos humanos se aplica com maior conformidade aos, segundo Sarlet (2004, p.36) “documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional”. Diferentemente deste, os direitos fundamentais, refere Sarlet (2004, p.35), “se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado estado”. Segundo o entendimento de Marmelstein (2008, p.20) “os direitos fundamentais são normas jurídicas intimamente ligadas à idéia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivados no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”.
A evolução dos direitos fundamentais perpassa por transformações de ordem social e a garantia da unidade e da indivisibilidade do direito constitucional interno (SARLET, 2004) de modo que, são agrupados em dimensões que resguardam as características e valores do período socioeconômico aos quais foram criados. Atualmente, tem-se direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensão. Existe a proposta de reconhecimento de uma nova dimensão, quarta, dos direitos fundamentais. De modo geral, os direitos fundamentais de primeira dimensão são aqueles que se afirmam como direitos de defesa onde se assentam no caráter negativo estatal visto que garantem uma abstenção e não uma conduta por parte dos poderes públicos, Bonavides referenciado por Sarlet (2004, p.54) refere aos direitos fundamentais de primeira dimensão como sendo “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. No rol desses direitos estão presentes os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Em resumo, segundo Bonavides apud Sarlet (2004, p.55) são os “chamados direitos civis e políticos”. Com relação aos direitos fundamentais de segunda dimensão, pode-se afirmar que se tratam dos direitos econômicos, sociais e culturais, marcados por uma dimensão positiva, sendo, conforme preleciona Lafer citado Sarlet (2004, p.55) “direito de participar do bem-estar social”, positivo na medida de sua consecução através do estado.
Os direitos de solidariedade e fraternidade encontram arrimo nos direitos fundamentais de terceira dimensão, onde segundo Lafer em expressão de Sarlet (2004, p.56), “trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, conseqüentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa”. No entendimento de Bonavides (apud Sarlet, 2004, p.57), esta dimensão de direitos, assume como destino “o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”. Cumpre relevar que nesta dimensão encontram-se os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação (BONAVIDES, 2006).
Existe uma tendência de reconhecimento de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais a qual abarca os direitos à democracia, ressalvando os aspectos de um processo democrático direto, à informação e ao pluralismo, este último arrolando questões ligadas a manipulação genética, mudança de sexo, dentre outros direitos. Mesmo entendendo seu caráter eminentemente profético, é esta dimensão, segundo Bonavides conforme Sarlet (2004, p. 60), “compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”.
6 – MEIO AMBIENTE
O artigo 225, caput, da Constituição Federal brasileira expressa que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso do povo e essencial à sadia qualidade da vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. A exegese do caput do artigo supra, configura a existência de uma nova realidade jurídica em que a titularidade transcende as concepções de público ou privado, estabelecendo uma coletividade como titular do direito de uso e preservação. Insurge daí uma categoria de bens metaindividual concernente ao indivíduo e também a coletividade.
Em conclusão tira-se que o bem ambiental é um bem de uso comum do povo, que segundo Fiorillo (2006, p. 63-64), “podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade da vida. Devemos frisar que uma vida saudável reclama a satisfação dos fundamentos democráticos de nossa Constituição Federal, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, conforme dispõe o artigo 1º, III.” Finaliza Fiorillo (2006, p. 64) ao dizer que: “É, portanto, da somatória dos dois aspectos – bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida – que se estrutura constitucionalmente o bem ambiental.” Para Manzato (apud ARAÚJO) “São ambientais todos os bens que adquirem essencialidade para a manutenção da vida em todos os seus aspectos”.
Com efeito, é de grande valor ao entendimento do ambiente como bem as conceituações trazidas por Antônio Herman V. Benjamim e por José Afonso da Silva (2007).
Benjamim, citado por Adame (2007, p. 25) assim expressa:
“O objeto da função ambiental – bem ambiental – é identificado ora com o meio ambiente, como categoria única e global, ora como partes ou fragmentos deste (uma determinada montanha, um córrego específico, um ecossistema localizado). Tal é decorrência da forma macro ou micro com que se analise a questão.
O meio ambiente, como bem objeto da função ambiental, é gênero amplo (macrobem) que acolhe uma infinitude de outros bens – numa relação assemelhada à dos átomos e moléculas – menos genérico e mais materiais (microbens): são “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”, ou em outras palavras, os elementos da hidrosfera, da litosfera e, quiçá, também de uma antroposfera.”
José Afonso da Silva (2007, p. 83-84) expõe que:
“A Constituição, no art. 225, declara que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico. A isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Teremos que fazer especificações depois, mas, de um modo geral, pode-se dizer que tudo isso significa que esses atributos do meio ambiente não podem ser de apropriação privada mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa pública ou particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente ao seu bel-prazer, porque ela não integra a sua disponibilidade. Veremos, no entanto, que há elementos físicos do meio ambiente que também não são suscetíveis de apropriação privada, como o ar, a água, que são, já por si, bens de uso comum do povo. Por isso, como a qualidade ambiental, não são bens públicos nem particulares. São bens de interesse público, dotados de um regime jurídico, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo.”
De forma complementar colaciona-se duas situações descritas por Medeiros (2004, p.23) que demonstra de modo inequívoco a necessidade de proteção ambiental. No primeiro recorte, tem-se: “A conexão do Direito com o meio ambiente não é gratuita. Ela funciona como articuladora e mediadora das necessidades da população, dos indivíduos, das instituições em suas diferenciadas configurações, assim como necessita de ordenamentos jurídicos que busquem manter os interesses de cada um e de todos”. E de forma emblemática arremata ao aduzir que:
“A natureza clama por atenção. Desastres ecológicos aumentam em quantidade e poder de destruição em todas as regiões do planeta. Navios cargueiros derramam toneladas de óleo em regiões que deveriam ser consideradas patrimônio da humanidade; animais morrem pelo uso indiscriminado de poluentes despejados nas águas, na terra e no ar; florestas encontram-se ameaçadas de extinção devido à ganância do homem, assim como a própria vida humana está correndo o risco de sucumbir se nenhuma preocupação for tomada.”
De fato deve-se pensar em um processo protetor ambiental que transcenda a nacionalização, quebrando as barreiras geográficas e clamando a todos os habitantes do planeta a se imbuírem na validação de uma ética ambiental, que de acordo com a teoria crítica social de Habermas (apud Medeiros, 2004, p. 175) há um direcionamento à “uma teoria social capaz de reconhecer a intersubjetividade dos sujeitos numa reciprocidade dialógica que reúne o ‘eu’ e o ‘tu’ em torno de expectativas comuns, formando um ‘nós’ que está frente a outros sujeitos também capazes de linguagem e ação”. Arregimenta ainda o citado autor que é “através de uma prática de autodeterminação, que exige dos cidadãos o exercício comum de suas liberdades comunicativas, o direito extrai sua força integradora em última instância, de fontes de solidariedade social”.
7 – CIDADANIA AMBIENTAL
A cidadania esteve e está em permanente construção; é um referencial de conquista da humanidade, através daqueles que sempre lutam por mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e não se conformam frente às dominações arrogantes, seja do próprio Estado ou de outras instituições ou pessoas.
Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o mundo, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de contribuição, somente assim se chega ao objetivo final e coletivo.
Nas questões atinentes ao meio ambiente, é imperativo o constructo de uma espécie nova de cidadania de forma a suplantar os limites geopolíticos das nações e alcançar a consecução de uma racionalidade ambiental capaz de fornecer uma base sólida para o processo de sustentabilidade. Afirmando uma proposta de democracia e de oportunidade do cidadão.
Ao examinarmos a crise ambiental observa-se que são necessárias providências imediatas e eficazes. O paradigma do desenvolvimento sustentável como alternativa de melhoria da situação caótica já instalada necessita ser compreendido em toda sua complexidade para que assim possa contar com o compromisso de cada um dos bilhões de habitantes deste planeta.
O termo cidadania ambiental ou cidadania planetária é até certo ponto tido como neologismo, sua afirmação é de grande importância para a consecução de novas estratégias socioeconômicas capazes de implementar uma forma de sustentabilidade efetiva e a necessidade da criação de um paradigma holístico, orgânico e participativo e, cuja ética se reflita nas relações do cotidiano.
Conscientes mesmo diante das fortes influências dos que insistem em manter o paradigma econômico dominante e conseqüentemente a degradação ambiental, sendo inevitável uma ruptura desse processo predador e esta violação depende do despertar da consciência ambiental, social e política do povo, reafirma-se a importância do entendimento pleno da proposta do desenvolvimento sustentável para assim se envidar esforços a partir de um grande projeto de resgate da cidadania pautado, especialmente, na educação socioambiental de forma a impulsionar a postura participativa na definição de diretrizes que atingem a vida de todos e que na maioria das vezes são definidas por poucos.
Em verdade, afirma Silva-Sanchez (2000, p. 95) “a construção de uma cidadania ambiental faz parte de um processo mais amplo de reconstrução da sociedade civil brasileira, a partir da emergência de setores organizados, capazes de intervir e participar dos rumos e processos de decisão política”, o que se pode afirmar que tais postulados se aplicam não somente aos brasileiros e sim para toda a humanidade.
Conclama-se que a promoção do equilíbrio ambiental no planeta depende da possibilidade de cada cidadão, em qualquer país, exercer direitos e deveres correspondentes a tal objetivo. Para tanto, é necessário também a promoção da democracia, da justiça, da educação e do acesso aos meios para uma vida digna, incluindo acesso a informação. Cidadania Ambiental ou Cidadania Planetária refere-se, portanto, ao conjunto de condições que permite cada ser humano atuar efetivamente na defesa da vida no nosso planeta.
8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história da cidadania revela grandes avanços ao longo dos séculos, atingindo um patamar de direitos que efetivamente são postos em prática nas diversas nações do nosso planeta. Releva-se que os moldes de prática da cidadania variou entre os diversos períodos civilizatórios, onde já se pregava os direitos do cidadão no mundo grego através de Platão e Aristóteles. Em seguimento surge a era romana onde ocorreu uma relativa evolução, para na Idade Média sofrer uma estagnação, vindo a reflorescer no Século XVIII e atinge o apogeu no Século XX. Notório o paralelo entre a história da cidadania e a luta para afirmação dos Direitos Humanos. Conclui-se que o conceito de cidadania não se encontra estanque, necessitando a todo o momento uma nova visão de cidadania para que se possa atingir uma cidadania ambiental ou planetária capaz de firmar o ideal de preservação da vida, não somente humana, bem como, de todo o planeta terra. Perpassa os diversos entendimentos de preservação ambiental a necessidade de conquista de uma cidadania plena que se realizar-se inopinadamente pela Cidadania Ambiental.
Informações Sobre os Autores
João Batista de Sousa Neto
Mestre em Recursos Naturais pela UFCG. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Castelo Branco. Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA. Graduado em Direito pela UEPB. Graduado em Enfermagem pela UEPB. Advogado e Enfermeiro. Professor da Escola Técnica Redentorista.
Erivaldo Moreira Barbosa
Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Professor Adjunto II da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais. Professor e Orientador do Mestrado e Doutorado em Recursos Naturais da UFCG/PPGRN e de Especialização em Direito do CCJS/UFCG. Autor dos livros: Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica; Direito Ambiental: em busca da sustentabilidade. Introdução ao Direito Ambiental. Introdução ao Estudo do Direito. História Ambiental e Direito Ambiental: diálogos possíveis. Direito Ambiental e dos Recursos Naturais: biodiversidade, petróleo e águas (no prelo). Capítulo do livro – Trabalhador Rural, intitulado: O Trabalhador Rural na Região Nordeste. Capítulo do livro – Água Doce: Direito Fundamental da Pessoa Humana. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Econômico, Direito de Águas.