Introdução
Os direitos das
crianças assumiram uma visibilidade e protagonismo social algo inéditos o que,
naturalmente, suscita a atenção dos cidadãos e dos políticos e desperta o
interesse analítico dos cientistas sociais. Este protagonismo, produto de uma
conjugação de factores que evoluem historicamente, torna necessário periodizar
a evolução e mutações na aplicação desses direitos desde a sua instauração a
fim de poder contextualizar melhor a situação presente; essa aplicação depende
doutros factores para além dos políticos, ou seja, depende também do nível de
desenvolvimento do país, e, portanto, da posição que o país ocupa no sistema
mundial e na economia-mundo e da cultura jurídica dominante.
Tratar-se-á de um
fenómeno recente, ou pelo contrário, esteve sempre presente nas nossas
sociedades, tendo-se tornado só agora, alvo de atenção? Será que assistimos ao
fenómeno da globalização da infância e dos problemas que sofre?
Um tema tão
complexo como é este determina respostas múltiplas e não poderá ser realmente
resolvido com reformas facilmente globalizadoras, tão brilhantes como
simplistas. A realidade é que os direitos das crianças constituem, ou deverão
constituir, um fenômeno multifacético sobre o qual se deve incidir desde
diferentes ângulos, se bem que complementares.
Direitos da
Criança
A História diz-nos
que só no século XIX a criança foi objecto do primeiro diploma legal que
estabelecia o limite mínimo de idade para o trabalho nas minas de carvão. Foi o
Factory Act, na Inglaterra que, como a Bélgica e a França, se mostraram
pioneiras nesta matéria. Podemos afirmar que se passou «da descoberta da
infância e do seu afastamento do mundo dos adultos, na sociedade como no
direito penal (séculos XVI – XVIII), à descoberta da protecção à infância
(fim do século XIX – XX), à descoberta dos direitos do homem (fim do
século XVIII, e, sobretudo, segunda metade do século XX, depois à descoberta
dos direitos das crianças e dos jovens (como aplicação dos direitos do
homem aos menores, nos últimos 20 anos do século XX).» (Queloz,1990:55).
Embora a ONU
(Organização das Nações Unidas) tenha proclamado a Declaração dos Direitos do
Homem a 10 de Dezembro de 1948, já em meados do nosso século, os temas
específicos da Infância não figuravam nela; só em 1959 é que a Assembleia Geral
das Nações Unidas promulga a Declaração dos Direitos da Criança.
O ano de 1979 foi
também foi importante, porque celebrou-se o Ano Internacional da Crianças. Um
grupo de trabalho das Nações Unidas, por proposta do governo polaco, começou a
preparar uma Convenção dos Direitos da Infância. Mas, só em meados deste
século, com a adopção pelas Nações Unidas, em 1989, da Convenção Internacional
relativa aos Direitos da Criança, a criança passa a ser considerada como
cidadão dotado de capacidade para ser titular de direitos.
Vários têm sido os
textos jurídicos sectoriais e universais que dão voz à preocupação pelo
bem-estar das crianças e jovens e pelo direito de cidadania, com o objectivo de
colmatar a lacuna da Convenção, traduzindo-se em Convenções
Internacionais sobre os Direitos da Criança e do Jovem.
Os direitos das
crianças, foram sendo progressivamente adoptados e aplicados nos diferentes
países, «não só porque os estados nacionais partilham o mesmo sistema
interestatal, mas também porque as transformações políticas são em parte
condicionadas pelo desenvolvimento económico, o qual ocorre a nível mundial no
âmbito da economia – mundo capitalista implantada desde o século XV. Mas, por
outro lado, estas mesmas razões, sugerem que a evolução varia
significativamente de Estado para Estado consoante a posição deste no sistema
interestatal e da sociedade nacional a que respeita no sistema da economia –
mundo.» (Santos;1996:22).
Quando observamos
que o conjunto dos países europeus têm em comum determinados fenómenos sociais,
como por exemplo, a diminuição da taxa de natalidade, a progressiva
participação de instituições, públicas e/ou privadas, no cuidado de crianças e
jovens, a progressiva e crescente inserção no mercado de trabalho das mulheres,
a maior democratização das relações privadas, entre outros, permitiu uma nova
percepção face a esta categoria social, que é a infância. Naturalmente, estas
mudanças foram acompanhadas por alguns organismos internacionais, como a já
citada ONU, a Comunidade Europeia e o Conselho da Europa, traduzidas nas
respectivas políticas1.
Nos termos do
artigo 8º do Tratado da Comunidade Europeia, as crianças são cidadãs da União.
Mesmo que seja só em princípio, esta é uma forma de reconhecer os direitos da
criança de forma directa.
O Conselho da
Europa tem vindo a demostrar interesse pelos temas relacionados com a infância,
sobretudo com aqueles que se prendem com a problemática da não protecção de
menores, tanto do ponto de vista do Direito Penal como do Direito Civil, e com
aqueles relacionados com os factores sociais envolventes dos menores.
Pese embora o
transcendental significado simbólico da Convenção, não devemos esquecer uma
constante histórica que caracteriza a defesa dos direitos da criança: o alto
consenso e a baixa intensidade.
Os Direitos da
Criança são uma questão em que há sempre imediato acordo teórico, a Convenção é
o documento internacional mais ratificado pelos países do planeta: no dia 6 de
Novembro de 1995 já o tinham ratificado «187 países dos 193 países do mundo. A
Suíça e os Estados Unidos assinaram-na, o que indica a intenção de virem
ratificá-la. Apenas as Ilhas Cook, Oman, a Somália e os Emirados Árabes Unidos
ainda não assinaram nem ratificaram a Convenção.» (UNICEF,1996:38). Mas é óbvia
a falta de prioridade prática, a quase todos os níveis (a sua constituição
necessitou de muitos anos de trabalho, a passos demasiadamente lentos).
Se, por um lado,
as convenções e os tratados internacionais reforçam e legitimam o trabalho de
base na sua condição de documentos ratificados pelos governos, por outro, esses
mesmos documentos têm um escasso impacto sobre a população infantil que
necessita de protecção, e a mera ratificação não oferece garantias futuras de
implementação. Mais ainda, quando uma certa discrepância entre a lei escrita e
a sua aplicação, entre a «law in books e a law in action, é uma
característica do Estado moderno, abundantemente demonstrada pela sociologia do
direito.» (Santos,1993:39).
A Convenção não
introduz mudanças como qualquer projecto específico num determinado país,
actua, sim, a nível de leis, das instituições, das atitudes e, em última
análise, da ética, das medidas políticas e práticas. Realizando, assim, uma
abordagem integrada dos direitos da criança, ao reconhecer que o
desenvolvimento pleno da criança implica a realização dos seus direitos
sociais, culturais, económicos e civis, procurando um equilíbrio entre os
direitos das crianças e dos seus responsáveis legais, concedendo aquelas, os
direitos de participação nas decisões que lhes dizem respeito.
As convenções e os
tratados internacionais obrigam os países que os ratificam a honrarem
determinados princípios. A criação de um sistema jurídico próprio para a sua
aplicação é uma das formas de se respeitarem tais princípios.
Por influência
interestatal, registaram-se algumas mudanças nas leis nacionais (adoptaram
novas leis ou alteraram leis anteriores), com o objectivo de estarem em
conformidade com a Convenção dos Direitos da Criança e outros diplomas.
A nível nacional,
as políticas públicas têm obrigação de liderar o processo de mudança, já que
todos os governos que ratificam a Convenção, comprometem-se a submeter ao
Comité Internacional para os Direitos da Criança, dois anos após a ratificação,
enviando relatórios sobre as medidas que tomaram no sentido de adaptar as leis,
as políticas nacionais e as práticas aos princípios da Convenção. O Comité
analisa esses factos, recolhendo igualmente o testemunho das ONG’s e discute
com cada país os resultados obtidos em matéria de direitos da criança. As
observações do Comité são tornadas públicas. O processo repete-se cinco anos
depois.
O Relatório Sobre
a Aplicação da Convenção dos Direitos da Criança em Portugal (1994)2,
apresentado pelo Ministro da Justiça6 ao Comité dos Direitos da Criança, é um
documento abrangente que pretende caracterizar a situação e estado dos direitos
das crianças portuguesas relativamente aos princípios definidos na Convenção
dos Direitos das Crianças.
O relatório é
composto pelos seguintes capítulos: Definição de criança; Princípios gerais;
Direitos e Liberdades Civis; Meio familiar e protecção de substituição; Saúde,
Tempos Livres e Actividades Culturais; Medidas especiais da protecção da
criança: crianças em situação de urgência, em conflito com a lei, em situação
de exploração ou ainda crianças pertencentes a uma minoria ou grupo
autóctone.
Em cada um destes
capítulos é feita uma adequação entre os princípios contidos na Convenção e as
medidas legislativas nacionais que contemplam tais pressupostos, muitas das
quais anteriores à própria Convenção. Os princípios gerais nela definidos, e
concretizados através das medidas legislativas nacionais, dizem respeito
fundamentalmente a quatro aspectos:
Não
discriminação – Salvaguardado pelo art. 13º da
Constituição da republica Portuguesa, onde é defendido o princípio da igualdade
para todos os cidadãos;
Interesse
superior da criança – Princípio com larga tradição no nosso
sistema legislativo, na medida em que, em 1911, com a criação dos Tribunais de
Menores, era este o princípio que lhe estava subjacente;
Direito à
vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento – Considerado o
primeiro e o mais importante dos direitos, o direito à vida não pode, em
Portugal, sofrer qualquer limitação, salvaguardando-se, no entanto, algumas
limitações relacionadas com a interrupção voluntária da gravidez, em casos
muito específicos e legalmente definidos;
Respeito
pelas opiniões das crianças – O relatório refere que após
reformado o Código Civil de 1977, esta dimensão foi reforçada, na medida em que
a concepção autoritária da família foi substituída por uma outra mais
solidária, em que aspectos como o direito das crianças a serem ouvidas em
assuntos importantes da vida familiar e o reconhecimento de autonomia para a organização
da sua vida acrescentaram uma nova dinâmica, pelo menos legalmente, nas
relações entre crianças e adultos.
No entanto, em
matéria de justiça de menores, a legislação portuguesa não foi considerada
satisfatória pelo Comité dos Direitos da Criança, que incluiu entre os temas
agendados para as sessões de apreciação do Relatório português (250ª, 251ª e
152ª, que tiveram lugar a 9 e 10 de Novembro de 1995) as seguintes questões:
. posição do
Governo quanto à concessão às crianças das garantias processuais previstas no
art. 40º, parágrafo 2, b), da Convenção;
. posição do
Governo quanto à diferenciação das formas de intervenção relativas a crianças
agentes de infracções e a crianças carecidas de protecção e assistência, por
serem vítimas de maus tratos ou de situações de abandono ou desamparo.
Nas sessões de
apreciação do Relatório, a delegação portuguesa transmitiu ao Comité o
propósito do Governo, que pouco antes iniciara funções, de proceder à revisão
do direito de menores, de forma a assegurar a sua conformidade com a Convenção
e com outros instrumentos jurídicos internacionais, relativos à administração
da justiça de menores, aos quais o País se encontrava vinculado. O Comité dos
Direitos da Criança, nas observações finais sobre a aplicação da Convenção no
nosso País, reafirmou a sua preocupação por esta não ter sido ainda aplicada no
domínio da administração da justiça de menores e recomendou, expressamente, que
fossem tomadas todas as medidas apropriadas para garantir a compatibilidade da
legislação e das práticas judiciárias e administrativas com os princípios e
disposições da Convenção.
Em conformidade
com os propósitos formulados, o Ministro da Justiça incumbiu a Comissão, por
ele instituída pelo despacho 20/MJ/96 de Janeiro de 96, de proceder à reforma
do sistema de execução das penas e medidas (de futuro designada por Comissão de
Reforma ou apenas Comissão), de proceder aos estudos preliminares da revisão da
legislação referente à administração da justiça de menores e de apresentar as
propostas de natureza legislativa e institucional que tivesse por convenientes.
Esta Comissão
apresentou ao Ministro da Justiça um primeiro relatório, em Agosto de 1996,
diagnosticando as insuficiências e anacronismos da legislação vigente, a sua
desconformidade com os instrumentos internacionais relativos à justiça de
menores e com os mais importantes diplomas legais portugueses, nomeadamente a
Constituição da República (o tribunal constitucional declarou a
inconstitucionalidade da norma da Organização Tutelar de Menores que não
permite que os menores sejam assistidos por advogado, salvo para efeito de
recurso) e os aspectos negativos resultantes da sua aplicação. Um segundo
relatório, traçando as linhas orientadoras de uma nova legislação, foi
apresentado em Dezembro de 1996.
A orientação proposta pela Comissão mereceu a
concordância do Ministro da Justiça e o projecto de reforma tem vindo a ser
objecto de divulgação e discussão pública.
Desta forma,
à semelhança de outros países, também Portugal teve que proceder à alterações
legislativas no sentido de uma melhor adequação de toda a legislação de menores
à Convenção.
Como foi referido,
recentemente criou-se, estando já em funcionamento, a Comissão de Reforma da
Legislação de Protecção da Criança (D.N., 2.ª série, n.º 294, de 22 de Dezembro
de 1997). Também em execução do programa Adopção 2000 (D.N., 2.ª série, n.º 92,
de 19 de Abril de 1997), e a par da entrada em funcionamento de novas Comissões
de Protecção de Menores, criaram-se condições para a abertura , nos anos de
1997 e 1998, de 24 centros de acolhimento temporário.
Ainda decorrente
de todas estas reformas, em Abril de 1998, foi criada a Comissão Nacional de
Protecção das Crianças e Jovens em Risco (D.L., 1ª série, n.º 98/98, de 18 de
Abril de 1998), que tem como objectivos: planificar a intervenção do Estado,
bem como a coordenação, acompanhamento e avaliação da acção dos organismos
públicos e da comunidade, em matéria de protecção de crianças e jovens em
risco.
De facto, nas
últimas duas décadas, verificou-se um aumentou o número de alterações
legislativas relativas ao casamento e divórcio, responsabilidades parentais,
questões relacionadas com os Direitos das Mulheres e das Crianças, apesar das
medidas de suporte financeiro não as acompanhar (podemos caracterizá-las como
irregulares e demoradas).
Segundo a
Comissão, as duas propostas de lei correspondem a dois tipos de intervenção:
A Lei
Tutelar Educativa (Proposta de Lei n.º 266/VII da Assembleia da República): regula a
intervenção do Estado nas situações em que os menores praticam factos
qualificados pela lei como crime, a cargo do sistema de justiça, o que implica
a restrição a direitos do menor e de direitos dos progenitores (como por
exemplo direito à manutenção dos filhos).
A Comissão defende
igualmente, a necessidade de educação como um conceito normativo do menor para
o direito. Por conseguinte, nesta fase a intervenção tem um carácter e um
objectivo socializador do menor, de modo a que este interiorize as normas e os
valores jurídicos fundamentais à vida em sociedade.
Lei de
Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Proposta de Lei n.º 265/VII da
Assembleia da República): regula a intervenção social do Estado e da
comunidade nas situações de menores em perigo, dos que carecem de protecção,
reservando-se a intervenção dos tribunais para os casos em que não há
consentimento ou em que é necessário decidir sobre restrições ou regulação do
exercício de direitos.
Serão duas formas
distintas de intervenção, que regulamentam leis distintas entre si, no entanto,
e de acordo com a Comissão, devem ser confiadas ao tribunal de menores e terem
como princípio orientador “a defesa do interesse superior da
criança”.
O princípio base
reclamado pela Comissão é o da separação dos menores, tanto no que diz respeito
às instituições como no que diz respeito às áreas ministeriais. No entanto,
afirmam a necessidade de haver pontes entre os dois sistemas, mecanismos que
permitam uma ligação entre estes dois grupos.
À semelhança do
que já existe noutros países europeus, pretende-se construir um estabelecimento
especial de segurança vocacionado para receber os jovens que cometeram factos
ilícitos graves, onde haverá funcionários com funções exclusivas de vigilância
(em princípio só devem ser colocados sob regime de vigilância apertada os
adolescentes com mais de 14 anos autores de crimes vagos, que passarão a estar
confinados ao espaço do edifício, onde decorrerão todas as actividades
quotidianas).
No entanto, a
Comissão afirma que é errada a ideia de que se quer criminalizar e penalizar os
jovens. A intervenção terá, sim, como finalidade reforçar o sentimento de
respeito, dos direitos dos outros e as exigências da vida em sociedade. O
objectivo será o de promover a (re)socialização destes menores, socialização
entendida como interiorização dos valores e normas jurídicas que regem a vida
colectiva.
As principais
mudanças da reforma
Actual lei
vigente:
Estão internados
nos colégios da Justiça menores com idade inferior a 12 anos;
São acolhidos
menores abandonados, vítimas de maus tratos e paradelinquentes juntamente com
autores de factos ilícitos;
Os colégios
funcionam em regime semiaberto: os jovens podem frequentar a escola e/ou outras
actividades no exterior;
As medidas de
internamento são de duração indeterminada, apesar de haver a possibilidade de
serem revistas pelo juiz. Em geral, os menores ficam nos colégios até
completarem os 18 anos;
Na maioria dos
casos, os menores não são ouvidos sobre as acusações que lhes são feitas e a
medida a aplicar pelo juiz do tribunal de menores;
Existem várias
medidas tutelares que podem ser aplicadas pelo Tribunal de menores. As mais
usuais são a admoestação, entrega aos pais, acompanhamento educativo e a
colocação nos internatos da Justiça;
Processo tutelar
tem uma única fase, dirigida pelo juiz, que ordena a realização das provas que
tem por convenientes e, quando se considera suficientemente esclarecido,
profere a decisão final.
De forma mais
específica, e segundo a análise da Lei Tutelar Educativa- Exposição de
Motivos e do Projecto – Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo
– Medidas de Promoção dos Direitos e de Protecção, as principais alterações à
actual lei vigente serão:
Só pode ser
aplicada medida tutelar educativa a menores, com idades compreendidas entre os
12 e os 16 anos, que tenham praticado um facto qualificado pela lei como crime
– princípio da mínima intervenção;
Os menores
abandonados, vítimas de maus tratos e paradelinquentes, quando não tenham
cometido crimes serão encaminhados para instituições de solidariedade social.
Os Colégios de Justiça serão exclusivamente para os pequenos infractores sendo
as medidas de promoção e protecção são as seguintes:
Em meio natural de
vida:
Apoio junto dos
pais – principal inovação, e pretende proporcionar apoios: psicológico, social
e/ou económico.;
Apoio junto de
outro familiar;
Confiança a pessoa
idónea;
Apoio para a
autonomia de vida;
Em regime de
colocação:
Acolhimento
familiar (em lar familiar – pessoa singular ou família; e em lar profissional –
pessoas com formação técnica);
Acolhimento em
instituição (Casa de Acolhimento Temporário ou Lar de Infância e Juventude),
funcionamento em regime aberto.
Estas medidas
visam afastar o perigo em que se encontram os menores, e serão aplicadas pelas
Comissões de Protecção e dos Tribunais;
3. A medida executa-se
em estabelecimentos do Ministério da Justiça, na dependência do Instituto de
Reinserção Social, denominados Centros Educativos. O regime em que a execução
tem lugar – aberto, semi-aberto e fechado – é fixado por tribunal.
Será criado também
estabelecimento especial de segurança. O novo modelo, controlado por
vigilantes, destinar-se-á a jovens de idade superior a 14 anos que tenham
cometido factos ilícitos graves (ex.: homicídio, violação, ofensas corporais
graves, furto qualificado, roubo);
4. Os jovens
terão, pela primeira vez, direito a serem ouvidos em qualquer parte do processo
tutelar e a disporem de um advogado. Poderão ainda requer diligências de prova;
5.Serão
instauradas novas medidas tutelares voltadas para a reparação dos danos
causados pelos pequenos agentes. Assim, um jovem que tenha furtado um
supermercado poderá compensar a vítima pedindo-lhe desculpas, pagando-lhe ou
exercendo uma actividade a seu favor (trabalhando na sua loja, por exemplo).
Haverá ainda a possibilidade de o menor fazer uma oferta monetária a uma
instituição de interesse social ou participar em algum projecto a favor
da comunidade.
São medidas
tutelares: a) admoestação; b) privação do direito de conduzir ciclomotores ou
de obter permissão para conduzir ciclomotores; c) reparação do ofendido
(exercer actividade em benefício do ofendido, durante, no máximo, 2 dias por
semana e 3 horas por dia e com o limite de 12 horas, distribuídas, no máximo,
por 4 semanas); d) realização de prestações sociais ou de tarefas a favor da
comunidade; e) imposição de regras de conduta; f) imposição de obrigações; g)
frequência de programas formativos; h) acompanhamento educativo; i)
internamento em centro educativo.
6. Existência de
duas fases processuais:
1ª) Inquérito: será
dirigida pelo Ministério Público e destinada a investigar a prática do crime,
que no final profere o despacho final do inquérito, do qual devem constar os
factos imputados à criança, o seu enquadramento jurídico e a prova reunida;
2ª) Decisão: será
presidida pelo juiz. No seu decurso, o juiz pode ordenar novas diligências de
prova, se as considerar necessárias. O menor pode igualmente requerer
diligências de prova. Esta fase termina com uma audiência obrigatória, oral e
contraditória. Na actual lei vigente a duração é indeterminada, sem
obrigatoriedade de revisão periódica e de cessação em caso de desnecessidade.
O projecto – que
pode ser considerado uma espécie de “código penal” para os menores e irá
alterar por completo o quadro legal em vigor – prevê ainda que o cumprimento
das medidas determinadas aos menores possa prolongar-se até aos 21 anos (o
limite actual é de 18). Mas idade mínima para a imputabilidade dos menores
resistiu, mantendo-se nos 16 anos.
A filosofia do
projecto é apresentada como oposta à da legislação actual, que assenta no
modelo de estado-protector do menor. Um modelo que se afirma estar em falência
e em que o mesmo tipo de soluções legais é aplicado para todos os casos.
As medidas de
internamento em regime fechado são admitidas para os menores que tenham
cometido crimes a que correspondam penas de prisão até cinco anos. Mas também
pode ser aplicado nos casos em que os jovens tenham cometido três ou mais
crimes, puníveis com pena de prisão superior a três anos; isto constitui
resposta às situações de menores detidos pelas polícias por praticarem furtos,
mas que são sucessivamente libertados pelos tribunais, por terem menos de 16
anos e serem, portanto, inimputáveis.
Prevê-se que o
internamento “fechado” tenha um prazo máximo de dois anos, podendo, porém, nos
casos de crimes muito graves, estender-se a três anos. O internamento pode ser
acompanhado de outras medidas tutelares, cujo prazo de cumprimento pode
estender-se até aos 21 anos.
Esta visão do
problema coloca-me algumas dúvidas, nomeadamente, no que se refere ao
internamento “fechado” destinado a jovens: não será uma tentativa de tentar
solucionar este problema de maneira rápida? Não creio que se ataquem as
verdadeiras causas do problema, mas talvez tentar “esconder” também não o
resolva.
Se por um lado,
temos assistido nos últimos anos à centralização do debate relativo aos
direitos humanos em torno da penalização sob aqueles que atentam contra seus
princípios; a uma tendência da sociedade civil que acompanha, ou se faz
acompanhar, pela emergência de um novo tipo de Estado, um Estado penal e
policial, que vai ganhando contornos cada vez mais nítidos, com o
enfraquecimento do Estado caritativo, como definiu o sociólogo francês Löic
Wacquant (1996) 3. Por outro lado, os discursos e as práticas
que se preconizam sobre os direitos humanos e os direitos da criança chegam-nos
sob a forma de igualdade, felicidade e liberdade. O porquê do discurso
da culpabilização, penalização e punição, integrando um movimento de
punição crescente?
Considerações
Finais
Em Portugal,
durante o processo tutelar, alguns dos direitos dos menores, por exemplo o
direito de opinião dos menores, não são respeitados ou garantidos.
Este facto pode
ser explicado pela existência de políticas sociais fortemente impregnadas de
aspectos repressivos típicos do direito penal de adultos e uma política penal
de menores que, legitimada pelos supostos conteúdos sociais, permite-se a
negação ou violação sistemática das garantias mais elementares.
Como foi referido,
quando os Estados-membros assinam e ratificam a Convenção dos Direitos da
Criança, comprometem-se a adaptar as suas legislações nacionais à Convenção. No
entanto, reconhecendo-se embora os direitos da crianças tanto à escala nacional
como internacional, acontece frequentemente que o seu exercício embate na
inadequação dos procedimentos jurídicos nacionais e no direito processual.
Bibliografia
Diário da República. I Série B. Resolução do Conselho de Ministros n.º
193/97, de 3 de Novembro de 1997 – Constituição da Comissão de Reforma da
Legislação de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.
Epifânio, Rui M. L. e Farinha, António H. L. 1997. – Organização Tutelar
de Menores. Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e
de Família. Coimbra: Livraria Almedina.
Fonseca, Aurora. 1990. – Guia dos Direitos da Criança. Lisboa:
Instituto de Apoio à Criança.
Gabinete de Documentação e Direito Comparado. 1998. «Prevenção do Crime e
Justiça Penal. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça
de Menores “Regras de Beijing”». Lisboa: GDDC:1:27.
Gersão, Eliana et al. 1994. «Relatório relativo à aplicação, em Portugal,
da Convenção sobre os Direitos da Criança». Revista Infância e Juventude, n.º
94.2.: 9-115.
Gersão, Eliana. 1997. «A Reforma da Organização Tutelar de Menores e a
Convenção sobre os Direitos da Criança». Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, Fasc. 4.º, Outubro – Dezembro: 577-619.
Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social. Relatório
da Comissão Interministerial para o Estudo da Articulação entre os Ministérios
da Justiça e da Solidariedade Social. Despacho Conjunto de 2/10/96 – DR, II
Série, n.º 262, de 12/11/96.
Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade. Medidas de
Promoção dos Direitos e de Protecção – Projecto de Lei de Protecção das
Crianças e Jovens em Perigo. (Policopiado).
Procuradoria- Geral da República. 1997. Relatório Anual.
http://www.proc.pt
Queloz, Nicolas. 1990. «Protecção, intervenções e direitos das crianças e
dos jovens». Revista Infância e Juventude, n.º 90.2:.39 – 59.
Relatório Anual da Procuradoria – Geral da República de 1997 – Menores e
Família. http://www.pgr.pt.
Relatório da Comissão Interministerial para o estudo da articulação entre
os Ministérios da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social (Despacho
Conjunto dos Ministros da Justiça e da Solidariedade e Segurança Social de
2/10/96 – DR, II Série, n.º 262, de 12/11/96)
Santos, Boaventura de Sousa (org.). 1993. Portugal: Um Retrato Singular.
Porto: Edições Afrontamento.
Santos, Boaventura de Sousa e Marques et al. 1996. – Os Tribunais nas
Sociedades Contemporâneas. O caso português., Centro de Estudos
Judiciários/Centro de Estudos Sociais, Porto: Edições Afrontamento.
UNICEF. 1996. O Progresso das Nações. New York: P & LA.
Wacquant, Löic.1996. “D’État charitable à l’État Penal. Notes sur le
Traitement Politique de la misère en Amèrique”, in Regards Sociologiques,
11, Mai: 30-7.
Notas
1 Quando me refiro às políticas europeias
intergovernamentais, entendo estas últimas como as
políticas que se desenvolvem nos países que formam o espaço do Conselho da
Europa e da Comunidade Europeia.
2 O relatório foi apresentado pelo Ministro da Justiça com
base num projecto elaborado por Eliana Gersão, Manuela Baptista Lopes, Miguel
Andrade e Rosa Maria Clemente.
3 Wacquant analisou o caso específico dos Estados Unidos,
onde, nas últimas três décadas, a criminalização da marginalidade se tornou a
palavra da ordem da política social. O autor considera o termo “caritativo”
mais adequado do que “providência” para qualificar o perfil estatal
até então, porque, na sua opinião, impera naquele país uma visão moralista da
pobreza que impediu o completo desenvolvimento do Estado-Providência e que
melhor se adequa a uma visão filantrópica do problema.
Informações Sobre o Autor
Catarina Almeida Tomás
Docente universitária (Universidade da Beira do Interior/Portugal).
Pós-graduação em Proteção de Menores e Mestrado em Sociologia Jurídica/Direito de Menores