Direito do trabalho da mulher: ontem e hoje

1. Introdução

A industrialização foi o marco para o surgimento do direito do trabalho. Antes da revolução industrial, que impôs definitivamente a separação entre capital e trabalho, não se pensava em direito do trabalho. E também não se pensou em um direito que protegesse os trabalhadores assim que a tecnologia possibilitou o implemento de máquinas para a produção em série. Foram as miseráveis condições a que se viram lançados os trabalhadores, nos primórdios da industrialização, que os levaram a se unir e a reivindicar direitos, quebrando assim o paradigma de que o contrato de locação do trabalho era como qualquer outro contrato regido pelas leis de oferta e procura do mercado.

Se as condições de trabalho e ausência de garantia de direitos já eram duras para os homens, pior ainda era a situação das mulheres que trabalhavam, pois seu trabalho sofria duplo preconceito: o biológico, pelas diferenças físicas existentes entre os sexos, cuja maior delas é a maternidade, e o social, no qual o trabalho feminino era visto como inferior ao masculino e, portanto, de menor valor. Assim o trabalho das mulheres é um capítulo à parte na história do direito do trabalho.

O direito do trabalho da mulher foi construído à margem do direito do trabalho. Enquanto, com o correr dos anos novos direitos e garantias foram assegurados aos trabalhadores, normas especiais para regulamentar o trabalho das mulheres foram sendo criadas, normas estas que passaram por diferentes fases ao longo de sua história, a criação em si das normas foi importante, todavia a motivação delas, embora condizente com o pensamento dominante de sua época, acabou, por muitas vezes, desprotegendo as trabalhadoras.

2. A era da exclusão

No início do processo de industrialização tanto o trabalho da mulher como o do homem não gozavam de qualquer proteção legal, já que as relações de trabalho eram regidas por idéias liberais, cujos princípios pregavam a não intervenção estatal, vez que o mercado, aí incluída a oferta de mão-de-obra, se regulamentaria por suas próprias leis segundo a oferta e a procura. Assim, conforme o pensamento liberal, as relações entre empregador e empregado deveriam ser ajustadas apenas entre eles, relegando, desta forma, os trabalhadores a um jogo de forças completamente desigual.

Deve-se ter em mente que as condições de trabalho, neste momento, de início da industrialização no Brasil, são as mais alvitantes: salários extremamente baixos, jornadas de trabalho de até dezoito horas diárias, nenhuma forma de assistência a operários acidentados e nada que se aproximasse de um plano de aposentadoria.

Se o cenário não era favorável aos trabalhadores, menos ainda o era para as mulheres, embora mão-de-obra aplicada em larga escala, seu trabalho era considerado de menor valor, fazendo jus a salários mais baixos, dada a condição de inferioridade feminina. Esta condição inferior das mulheres não era apenas pensamento generalizado das camadas populares, nesta época vários estudos comprovavam “cientificamente” esta afirmação, entre estes estudiosos estava o médico italiano Cesare Lombroso.

Ainda que fosse mão-de-obra abundante e barata, o trabalho feminino era visto com preconceito: mulheres não deveriam trabalhar. A moral vigente na época considerava que o lugar das mulheres era em casa, no espaço doméstico, e que o espaço público pertencia aos homens. Todavia havia aquelas mulheres que não podiam se dar ao luxo de não trabalhar, pois seu próprio sustento e, muitas vezes, de seus filhos, dependia de seu trabalho.

2.1. Nichos de trabalho feminino

Já nos primórdios da industrialização iniciou-se uma divisão sexual do trabalho, tal qual aquela que já existia no espaço doméstico, que persiste, em menor escala, até hoje. Assim certos setores abrigaram a mão-de-obra feminina, enquanto outros se fecharam para ela. Nesta época, um dos setores que mais oferecia postos de trabalhos para mulheres era o setor fabril e nem todas as mulheres saiam de casa para trabalhar para fábricas, era prática comum que indústrias de peças de vestuário ou alfaiatarias contratassem costureiras para efetuar seus trabalhos em casa.

A normatização do trabalho, conquistada através de manifestações e protestos dos trabalhadores, contribuiu para a formação de nichos de trabalho feminino. Com o início da regulamentação do trabalho, à medida que a industrialização avançava, cada vez mais as fábricas incorporavam a mão-de-obra de homens, dispensando a de mulheres. Desta forma, a elas restavam os piores postos de trabalho, onde a regulamentação não chegava.

2.2. As primeiras leis de proteção à mulher

A primeira lei de cunho protecionista à mulher operária surgiu na esfera estadual em São Paulo. A Lei n.º 1.596, de 29 de dezembro de 1.917, que instituiu o Serviço Sanitário do Estado, proibiu o trabalho de mulheres em estabelecimentos industriais no último mês de gravidez e no primeiro puerpério.

Em âmbito federal, o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública (Decreto n.º 16.300, de 21 de dezembro de 1.923), facultava às mulheres, empregadas em estabelecimentos industriais e comerciais, descanso de trinta dias antes e outros trinta dias mais após o parto. O médico do estabelecimento ou mesmo o médico particular da obreira deveria fornecer a seus superiores um atestado referente ao período de afastamento, constando a provável data do parto. A administração da oficina ou fábrica, por seu turno, remeteria um memorando à Inspetoria de Higiene Infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública que comunicaria o seu recebimento, lançando em livro especial a notificação relativa ao descanso da gestante. O mesmo Decreto facultava às empregadas a amamentação de seus filhos, sem, todavia, estabelecer a duração deste intervalo; previa, porém, a criação de creches ou salas de amamentação próximas às sedes dos estabelecimentos, bem como a organização de caixas, com a finalidade de socorrer financeiramente as mães pobres.

Não há dados concretos sobre a eficácia e aplicação das leis acima, mas, conhecendo-se a situação das operárias hodiernamente, podemos deduzir que elas foram ignoradas pela grande maioria das indústrias.

2.3. As convenções n.os 3 e 4 da OIT

Todas as suas convenções da OIT,  a Organização Internacional do Trabalho, desde sua origem, têm como intuito promover a igualdade das condições de trabalho em todo o planeta como forma de diminuir as diferenças sócio-econômicas existentes no mundo. As convenções n.os 3 e 4 da OIT são ambas do ano de 1919, ano de criação da organização, referem-se à mulher trabalhadora e foram as primeiras neste sentido.

A convenção n.º 3 entrou em vigor a partir de 13 de junho de 1921; garantia à mulher trabalhadora uma licença remunerada compulsória de seis semanas antes e depois do parto e também previa dois intervalos de trinta minutos, durante a jornada de trabalho, para amamentação, além de assegurar que durante seu afastamento a mãe recebesse dos cofres públicos uma remuneração suficiente para garantir sua manutenção e de seu filho, mediante a comprovação do parto por atestado médico. A dispensa da empregada durante o período da gravidez ou da licença compulsória seria considerada ilegal. Em 26 de abril de 1934, o Brasil ratificou essa convenção e a promulgou por meio do decreto n.º 423, de 12 de novembro de 1935.

Por sua vez, a convenção n.º 4 da OIT proibiu o trabalho noturno da mulher nas indústrias públicas ou privadas. Entendia-se por trabalho noturno aquele realizado no período entre 22h de um dia até às 5h do dia subseqüente, permitindo que esse período de onze horas fosse reduzido em uma hora durante 60 dias no ano. Tal proibição não se estendia à obreira que realizava seus trabalhos em estabelecimento onde labutavam apenas membros de uma mesma família e poderia ser suspensa em casos de força maior ou perigo iminente de perda de matéria-prima que não fosse manipulada. Esta convenção foi também ratificada pelo Brasil, promulgada através do decreto n.º1.396, de 19 de janeiro de 1937 e, posteriormente, denunciada.

Esboçava-se assim o início de uma época em que toda a legislação, de cunho protecionista, tendia mais a proibir de determinados tipos de serviços às mulheres do que propriamente protegê-las.

3. A época da proteção

O advento da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, fechou um ciclo do direito do trabalho. Este ciclo começou com as idéias liberais que resultaram em uma absoluta falta de proteção ao trabalho e acabou com a adoção de políticas trabalhistas, com o surgimento de toda uma legislação de proteção ao trabalhador.

3.1. A Proteção à Mulher na CLT

O Capítulo III do Título III da CLT foi intitulado “Da proteção do trabalho da mulher” e abordou os seguintes assuntos em cada uma de suas seções: duração e condições do trabalho, trabalho noturno, períodos de descanso, métodos e locais de trabalho e proteção à maternidade.

Quanto ao conteúdo dessas normas, não houve, em regra, qualquer inovação; foi apenas compilada a legislação que já regulamentava o trabalho da mulher. Porém, analisando os artigos contidos em cada uma dessas seções, conclui-se que o intuito do compilador celetista foi a proteção da mulher quanto à sua saúde, sua moral e sua capacidade reprodutiva.

No tocante à proteção da saúde da mulher a CLT trazia dispositivos que proibiam a realização de horas extraordinárias sem que houvesse atestado médico que a autorizasse e vedação legal de que a empregada fizesse força muscular acima de vinte quilos, habitualmente, ou vinte e cinco para o trabalho ocasional, a título de comparação, ao homem era permitido o emprego de força de até sessenta quilos.

A vedação ao trabalho noturno da mulher apoiava-se em dois pilares: na tese de proteção à saúde e na de proteção da moral. Tanto que o dispositivo que excepcionava a regra geral e permitia o trabalho noturno da mulher em casas de diversões, hotéis, restaurantes, bares e estabelecimentos congêneres exigia, além de atestado médico, atestado de bons antecedentes. Ou seja, a mulher que necessitava trabalhar à noite estava sujeita ao julgamento sobre sua retidão moral. Mas não era apenas sua moral que estava na mira do legislador: havia uma preocupação com a saúde feminina, que sempre foi considerada muito mais frágil que a masculina, embora sem justificativa científica para tanto. Todavia, dificultar a utilização de mão-de-obra feminina nos períodos noturnos era negar à mulher o acesso a uns tantos postos de trabalho e acentuar a divisão sexista das atividades desempenhadas por homens e mulheres.

As normas de proteção à maternidade surgiram para proteger não apenas a mulher gestante como também a criança fruto desta gestação. Porém, no momento do advento da CLT, suas normas de proteção à maternidade se impuseram como um ônus ao empregador. Não que as exigências fossem descabidas. Até pelo contrário: garantia-se apenas o mínimo para as mulheres que eram ou viriam a ser mães. O problema é que, então, os homens trabalhadores eram tão desprovidos de direitos sociais, que os garantidos às mulheres soavam quase como uma proibição à sua contratação.

Direitos à higiene e à saúde, com o mandamento legal de haver nos locais de trabalho as devidas instalações sanitárias e ventilação adequada, mais do que uma garantia legal à mulher trabalhadora, é um direito que deveria e foi, anos mais tarde, estendido a todos os trabalhadores, porque diz respeito à dignidade da pessoa humana. Proteger apenas a mulher e não o homem, não pensar em protegê-los enquanto seres humanos que merecem tratamento condigno foi um erro que o legislador cometeu e que terminou por condenar as mulheres a empregos menores.

3.1.1. A igualdade salarial na CLT

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A Constituição Federal de 1934 inovou ao assegurar a isonomia salarial entre homens e mulheres. Porém, a Carta de 1937 não repetiu esta garantia em seu texto e, desta maneira, abriu a possibilidade de que mulheres viessem a receber salários inferiores àqueles pagos aos homens. E foi o que, efetivamente, ocorreu. Em 30 de agosto de 1940 foi promulgado o decreto-lei n.º 2.548 que permitia que à mulher empregada fosse pago dez por cento menos do valor fixado para o salário mínimo.

O ministro Waldemar Falcão justificou essa medida alegando que a lei ao exigir a adoção de certas medidas de higiene e proteção nos estabelecimentos em que se empregavam mulheres, por si só, onerava o trabalho feminino e, se não fossem absorvidos tais encargos já na fixação do salário mínimo, estes benefícios trariam efeitos contrários aos seus propósitos de amparo pelas restrições que seriam impostas à aceitação de empregadas.

Porém, quando da reunião dos textos de leis trabalhistas esparsos que existiam para a produção da CLT, esta norma não foi compilada e se privilegiou a isonomia salarial, segundo o entendimento de que as medidas de proteção ao trabalho feminino adotadas eram de ordem pública, não justificando de forma alguma a redução do salário em virtude do atendimento dessas exigências legais.

3.2. As transformações no trabalho da mulher entre os anos 50 e 60

Durante os anos 50, o Brasil viveu um período de acentuado crescimento urbano e grande industrialização, o que motivou um aumento tanto no número de vagas nos bancos escolares como no de postos de trabalho, fatores que também pressionaram por mudanças sociais.

Com o decorrer desses anos de intensa urbanização e industrialização, houve uma desvalorização do trabalho doméstico, que foi sendo suplantado pelos utensílios domésticos que surgiam para facilitar o trabalho dentro de casa e o tornavam mais rápido de ser realizado. Isto se deve ao fato de que a produção industrial absorveu grande parte do que antes era produzido domesticamente: roupas, pães, manteiga, carne de frango, verduras, doces e legumes são alguns dos itens que deixam de ser manufaturados no âmbito domiciliar e que surgem em gôndolas de supermercados ou em prateleiras das lojas como produto da industrialização extremada. Então, para suprir as necessidades familiares com esses bens de consumo é preciso dinheiro. Houve, assim, uma mudança no papel da mulher na sociedade, vez que a nova realidade a empurrava para o mercado de trabalho, atraída por uma maior independência e a possibilidade de realizar suas necessidades de consumo pessoal e familiar. Não que não houvesse preconceito contra o trabalho da mulher, ele ainda estava presente, bem como havia várias proibições legais ao trabalho da mulher na CLT, mas a mulher trabalhadora se tornava um personagem cada vez mais comum no dia-a-dia das cidades, e sua luta por seus direitos sociais também.

Em 27 de agosto de 1962, há o advento da Lei n.º 4.121./62, o Estatuto da Mulher Casada, que, entre outras coisas, expurga de nosso ordenamento a condição de relativamente incapaz da mulher casada, constante até então no Código Civil de 1916, e, repercutindo também na CLT, retira do marido o poder de autorizar o trabalho de sua esposa. Este estatuto legal surge em consonância com o novo papel social que a mulher começou, então, a desempenhar em função de seu trabalho.

3.3. A Carta de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969

Em 24 de janeiro de 1967 foi promulgada uma nova Constituição que, por sua vez, teve grande parte de seu texto alterado pela emenda constitucional n.º 1 de 17 de outubro de 1969. Ambos os textos trouxeram a proibição de diferenciação salarial por motivo de sexo ou estado civil e do trabalho da mulher em condições insalubres, garantiram a licença remunerada à gestante antes e após o parto, sem prejuízo do salário, ou emprego, bem como seus respectivos benefícios previdenciários.

A Carta de 1967 inovou ao proibir critérios de admissão diferentes por motivo de sexo, cor, ou estado civil, além de assegurar aposentadoria à mulher trabalhadora aos trinta anos de serviço com salário integral.

3.3.1. A Lei n.º 6.136/74

A lei n.º 6.136 de 7 de novembro de 1974 transferiu, definitivamente, para o sistema da previdência social a responsabilidade sobre o salário maternidade,  em atendimento à convenção n.º 103 da OIT, ratificada pelo Brasil dez anos antes. Retirar do empregador o ônus deste pagamento e distribuí-lo entre a coletividade foi uma forma de afastar a discriminação contra o trabalho da mulher.

3.4. Os empregos femininos nas décadas de 70 e 80

Os anos setenta são marcados pelo recrudescimento do regime militar e pelos primeiros sinais da crise econômica na qual se veria mergulhado na década seguinte. A presença de mulheres no mercado de trabalho, que havia começado nos anos 50, aumentou.

Os anos 80 começaram sob o signo de uma forte crise econômica, marcada por uma intensa recessão e pelo aumento da inflação, que fez sentir seus efeitos por toda a sociedade, principalmente na parcela mais pobre da população. Esta crise econômica aumentou a proporção de famílias abaixo da linha da pobreza, ampliando, assim, as desigualdades socioeconômicas. Mesmo para aquelas famílias que não foram empurradas para baixo da linha da miséria, houve necessidade de que as mulheres saíssem em busca de trabalho para complementar o orçamento familiar, já que a crise econômica somada aos altos índices inflacionários provocavam um achatamento da renda do brasileiro. E esta crise econômica foi o impulso final para que a mulher brasileira abandonasse o lar e buscasse postos de trabalhos.

A década de 80, por força da estagnação econômica que assolava o país, foi marcada pela alteração na estrutura setorial. Diminuíram os postos de trabalho no setor secundário da economia, tais como a construção civil, a produção de bens, tanto na indústria de transformação como na agricultura. Em contrapartida, houve um aumento no terciário, em áreas como comércio e prestação de serviços. Foi justamente nesse setor da economia que se abriram mais vagas para o trabalho feminino; obviamente, havia mulheres ocupando postos de trabalho em outros setores, mas foi em áreas como comércio e serviços que a mulher encontrou maior receptividade à sua mão-de-obra. As mulheres eram “barradas” em trabalhos fabris, algumas vezes pela legislação protecionista que proibia sua atividade em ambientes insalubres, outras vezes porque as diferenças morfológicas entre homens e mulheres impediam que maquinários fossem utilizados indiscriminadamente por ambos os sexos.

Essa peculiaridade morfológica terminou por gerar verdadeiros guetos femininos em determinados setores de produção, fenômeno conhecido como feminilização do trabalho, e acentuou nas fábricas a já existente e marcante divisão por gênero.

Esses anos foram igualmente marcados pela diminuição, em termos relativos, do número de empregados assalariados e pelo aumento de trabalhadores por conta própria ou sem carteira assinada. Nesse contexto, muitas mulheres foram obrigadas a procurar uma ocupação como meio de contribuir para a complementação da renda familiar, quando não supri-la integralmente, nos casos em que o chefe da família perdia seu emprego. Todavia, elas também foram vítimas da informalização das relações de trabalho.

Deste modo, nesses anos ocorre uma total reformulação das relações familiares e de trabalho em que a mulher se via inserida. Neste período completa-se mais um ciclo do direito do trabalho da mulher.

4. O tempo da igualdade

A Constituição Federal de 5 de outubro de 1.988 primou por assegurar a igualdade entre homens e mulheres, apenas diferenciando onde a desigualdade se faz patente, como é o caso da maternidade. Assim caíram proibições absurdas como a que impedia o trabalho noturno da mulher. É importante notar que a proibição ao trabalho noturno da mulher, na época do advento da Constituição Federal, já comportava tantas exceções que só persistia o veto ao trabalho noturno das operárias.

4.1. O trabalho da mulher na Constituição de 1988

Três incisos do artigo 7.º da Constituição Federal e uma alínea dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias tratam especificamente do trabalho da mulher nos temas: licença-maternidade; estabilidade à gestante; proteção do mercado de trabalho da mulher e proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo.

A preocupação com a proteção à maternidade aparece tanto na licença-maternidade como na estabilidade garantida à gestante. Assegurada desde o momento da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, a estabilidade provisória já se encontrava presente no texto de vários acordos e convenções coletivas e surgiu da constatação fática de que muitas mulheres, quando engravidavam, eram demitidas pelo simples fato de estarem grávidas. Por sua vez, o aumento da licença-maternidade de 12 semanas para 120 dias buscou garantir não apenas a saúde da mãe e da criança, mas principalmente a vida desta, vez que prolongar o tempo de permanência da mãe ao lado do filho é garantir a amamentação do recém-nascido com leite materno, o que reduz a mortalidade infantil.

Historicamente a mulher foi alijada dos melhores postos de trabalho. Assim, na Constituição Federal foi inserido um mandamento para que o legislador infraconstitucional criasse mecanismos de proteção ao mercado de trabalho da mulher, não com a intenção de que fossem criados nichos de trabalho feminino, mas para que fosse incentivada a correta inclusão da mulher no mercado de trabalho.

A Constituição Federal repetiu a proibição de diferenças salariais por motivo de sexo. Muito embora o texto já tivesse enunciado que homens e mulheres são iguais, os constituintes fizeram por bem repetir o que já aparecia nas Constituições anteriores. Proibiu-se a diferença na execução de funções pelo critério do sexo e também foi proibida a diferenciação de critérios de admissão baseados exclusivamente na diferenças de gênero: mais uma vez, a preocupação do constituinte em evitar a formação de rincões de trabalhos femininos.

4.2. A regulamentação do trabalho da mulher

O direito do trabalho da mulher passou de uma fase de proteção alguma à mulher trabalhadora até chegar ao seu outro extremo, um período marcadamente protetivo, que começou, a título de proteção, excluindo a mulher de inúmeras atividades e, assim, negando-lhe postos de trabalho. Esta fase, marcada por profundas transformações tecnológicas, econômicas e sociais, culminaram com a minimização dessa mesma proteção, mantendo-a apenas naqueles itens de real importância para a mulher trabalhadora. Assim, hoje em dia fala-se em um caráter promocional do direito do trabalho da mulher, em uma busca de promover a igualdade entre os gêneros e que a proteção legal à mulher trabalhadora apenas se faça presente onde diferenças, como as biológicas e de tratamento assim o exigirem.

4.2.1. A Lei 9.029/95

A lei 9.029, de 13 de abril de 1995, surgiu para combater uma prática discriminatória que se tornou comum após a promulgação da Constituição de 1988, vez que a estabilidade à gestante foi considerada uma ameaça ao direito do empregador de demitir suas empregadas: a exigência de atestado negativo de gravidez para as ingressantes no emprego ou da comprovação de esterilização tanto das postulantes ao cargo quanto das empregadas para a manutenção de seu posto.

Assim, a referida lei criminalizou a conduta do empregador que exigisse teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou ao estado gravídico. Também foi considerada crime a adoção de quaisquer medidas, por iniciativa do empregador, que configurassem indução ou instigamento à esterilização genética ou promoção do controle de natalidade, assim não entendido o oferecimento de serviços de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

Desta forma, a lei 9.029 combateu, tornando crime, a prática nas duas frentes em que ela se manifestava: proibindo a exigência de atestados de gravidez ou de esterilização e o incentivo à esterilização ou controle de natalidade que não seguisse as normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

4.2.2. A Lei 9.799/99

Esta lei, promulgada em 26 de maio de 1999, inseriu novos artigos no capítulo III da CLT, que trata da proteção ao trabalho da mulher. As modificações no texto da Consolidação das Leis do Trabalho buscam corrigir as distorções que afetam a formação profissional e o acesso ao emprego, assim como as condições gerais de trabalho da mulher.

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Um dos escopos dessa lei é garantir o igual acesso de mulheres às vagas de emprego, vedando, para tanto, uma série de atividades que, se promovidas pelo empregador ou futuro empregador, dificultariam ou impediriam a consecução do emprego pela trabalhadora. Assim, a lei proíbe: publicação de anúncios de emprego cujo texto faça referência a sexo, idade, cor ou situação familiar; recusa de emprego ou promoção, ou dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; e também condena considerar sexo, idade, cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional, bem como impossibilitar o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez.

E na seção, que versa sobre a proteção à maternidade, inseriu parágrafo que garante à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos, sua transferência de função, quando sua condição de saúde assim o exigir, assegurada a retomada da função anteriormente exercida logo após o retorno ao trabalho e também a dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.

4.2.3. Lei 10.421/2002

A lei 10.421, de 15 de abril de 2002, que inseriu o artigo 392-A na CLT, estendeu às mães adotivas o direito à licença-maternidade já garantido pela Carta Magna às mães biológicas, em claro atendimento ao princípio da igualdade e também ao mandamento constitucional que garante que filhos havidos dentro ou fora do casamento e os adotivos têm os mesmos direitos.

A referida lei escalonou o tempo de licença-maternidade em relação direta à idade da criança adotada: assim, no caso de crianças até um ano, a mãe adotiva terá direito a 120 dias de licença; crianças entre 1 e 4 anos geram o direito a 60 dias; e crianças entre 4 e 8 anos, 30 dias de licença.

5. Conclusão

O direito do trabalho da mulher passou por diferentes fases ao longo de sua história. Primeiramente houve uma fase de exclusão: quando nem mesmo existia um direito do trabalho da mulher, mulheres não deveriam trabalhar, e as que o faziam, o faziam à margem da lei, sem qualquer proteção legal, vez que não havia legislação que regulamentasse a prestação de serviços de mulheres, e não havia, sequer, limitação da jornada de trabalho, um dos mais básicos direitos dos trabalhadores.

Depois veio um período de proibição, quando o trabalho feminino sofreu com severas limitações constrangendo seu exercício, inclusive com a exigência da outorga marital. Não eram proibições apenas impostas às trabalhadoras, proibindo-lhes de laborar em determinadas atividades, mas também imposições proibitivas, em que a legislação impunha tantas regras aos empregadores de mulheres (regras de segurança e higiene que, mais tarde, se tornaram de ordem pública garantida a todos os trabalhadores) que sua melhor opção era não empregá-las. Todavia, eles o faziam ao largo da lei, que, ao impor tantas proibições com o intuito de salvaguardá-las, culminava por desprotegê-las. Em outras palavras, no intuito de proteger a mulher de certos tipos de trabalho, a legislação terminava por colocá-la à mercê destes mesmos trabalhos com total falta de proteção legal.

Em seguida, temos o início de uma fase de proteção. Óbvio que esta proteção muitas vezes andou de mãos dadas com proibições como a do trabalho noturno – só permitido nos casos em que a mulher laborava com membros de sua família ou mediante a apresentação de atestado de bons antecedentes – e a do trabalho insalubre ou perigoso, muitas vezes excetuadas em convenções coletivas. Porém foi durante esta fase, marcada por profundas mudanças tecnológicas e sociais, que se deu a definitiva transição entre a proibição e a proteção. As proibições foram sendo banidas do ordenamento, pois não condiziam com o novo papel social da mulher trabalhadora e foram restando apenas aquelas necessárias à proteção das mulheres, como as que disciplinam as questões ligadas à maternidade. Todavia, somente com o advento da Constituição Federal de 1988, a igualdade entre homens e mulheres − em todos os níveis, inclusive na questão do trabalho − foi promulgada e amplamente alardeada.

Hoje, o que se busca é a promoção da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho entre homens e mulheres. O direito do trabalho da mulher atualmente fomenta a isonomia entre os gêneros, apenas admitindo diferenciação onde ela, de fato, tem lugar, como nos casos de diferenças biológicas entre os sexos, a maternidade e as diferenças sociais, nas situações em que a mulher é discriminada, e a lei procura coibir esta mesma discriminação. Assim, o cerne da questão do direito do trabalho da mulher, atualmente, está na busca para que a igualdade, que é formal, possa também se tornar uma igualdade fática, até mesmo porque a legislação existente já propugna pela igualdade e impõe punições ao seu desrespeito. O que urge ser construído são mecanismos para que esta igualdade seja de fato aplicada ao mercado de trabalho.

A igualdade de condições de trabalho, de acesso a este mesmo trabalho e de remuneração das mulheres em comparação com os homens passa ao largo de uma vazia igualdade finda em si mesma, mas tem sua verdadeira razão de ser na formação das bases de uma sociedade igualitária que permite um real desenvolvimento econômico e social do país. Com igualdade, não ganham só as mulheres, mas todos. No atual jogo de forças do mercado de trabalho elas perdem, mas os efeitos indiretos desta derrota afetam todos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Léa Elisa Silingowschi Calil

 

advogada, mestre e doutora em Direito pela PUC/SP, professora do Centro Universitário FIEO – UniFIEO, membro da Asociación Iberoamericana de Derecho de Trabajo y de la Seguridad Social, autora dos livros “História do Direito do Trabalho da Mulher” e “Direito do Trabalho da Mulher”, ambos editados pela LTr.

 


 

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