Resumo: Este artigo tem por objetivo realizar uma abordagem sobre os principais institutos do direito romano presentes em nosso cotidiano. Através de uma pesquisa bibliográfica objetiva, busca-se além de esclarecer o tema tão pouco conhecido entre não só os acadêmicos, mas também grande parte dos envolvidos com o mundo do Direito, levantar subsídios teóricos que auxiliem em uma intervenção prática, uma vez que a escassez bibliográfica acerca do tema se apresenta de forma imensa. *
Palavras-chave: institutos jurídicos; institutos de direito romano; direito romano; institutos.
Abstract: This article aims to achieve an approach on the main institutes of roman law present in our daily life. Through a bibliographic search objectively, to clarify the subject so little known among not only academics, but most involved with the world of law, lift subsidies theoretical solutions in a speech practice, since the bibliographic shortage on the issue is so huge.
Keywords: institutes legal; institutes romans; roman law; institutes.
Sumário: 1. Introdução; 2. Dos Institutos de Direito Romano; 3. Das Coisas; 4. Da Posso; 5. Da propriedade; 6. Da Falência; 7. Do Casamento; 8. Do Divárcio; 9. Considerações Finais.
1. INTRODUÇÃO
Apesar de possuir aplicabilidade plena às situações fáticas de nosso cotidiano, muitos dos institutos jurídicos que regulam o Direito foram concebidos sob a luz do Direito Clássico, fruto da produção dos ilustres juristas romanos. Esses foram lapidados ao longo do tempo, sofrendo alterações superficiais e certas melhorias, as quais possibilitaram sua utilização através dos séculos, abrangendo fatos novos e solucionando problemáticas das mais diversas. Essa relação de dinamismo possibilitou a absorção de seus preceitos por inúmeros ordenamentos jurídicos atuais, tendo sido o Código Civil Napoleônico o elo entre a produção clássica e as codificações atuais.
Instituto Jurídico é o termo utilizado pelo Direito para denotar que determinada situação, medida, condição ou fato é algo tão especial para a vida em sociedade, que deve ser tratado como um “instituto jurídico” que merece um tratamento diferenciado. Casamento, posse, falência e divórcio, por exemplo, são institutos jurídicos, pontos sobre os quais tanto a lei como a doutrina e a jurisprudência têm algo a dizer, considerando-os isoladamente e determinando algumas regras para a sua exata definição e localização no mundo jurídico.
O termo instituto vem das institutiones, as institutas, de Justiniano, o imperador bizantino, de Constantinopla, do Império Romano do Oriente, que, no século VI, depois da queda de Roma e do equivalente Império do Ocidente, mandou colecionar todo o conhecimento adquirido pelo Direito Romano nos séculos anteriores, a fim de segui-los e preservá-los para a posteridade. Por este motivo, usa-se até hoje o termo “instituto”, lembrando que são matérias e valores ancestrais que têm a transformação própria do seu tempo, mas continuam fiéis, pelo menos em essência, à maneira como foram instituídas no passado romano.
Assim, é possível a identificação, no ordenamento pátrio, da influência trazida por estes institutos, seja na lei ou mesmo na doutrina e jurisprudência. Desta forma, a proposta deste artigo é realizar um paralelo entre o direito clássico romano e o direito brasileiro atual, mostrando a enorme semelhança entre ambos. O objetivo não é exaurir o assunto, analisando taxativamente todos os institutos, mas apresentar alguns, os quais se julgam possuir maior pertinência, além de proporcionar fonte bibliográfica indispensável, seja no meio profissional, seja no meio acadêmico, aos operadores do Direito.
2. DOS INSTITUTOS DE DIREITO ROMANO
A História, em seus grandes ciclos e nos fenômenos sociais de caráter geral, se reproduz em ondas de contornos idênticos, como afirmam conceituados estudiosos do Direito Comparado.
Desta forma, apesar de as estruturas sociais romanas não se terem transportado até os nossos dias de forma inalterável, é necessário observar que muitos dos valores sociais romanos e a própria noção do Direito se reproduziram nas civilizações vindouras, se propagaram na área mediterrânea, infiltraram-se no Reino Franco, na Península Ibérica, popularizando-se a partir do século XII, vindo a se alastrar, mais tarde, ao Novo Mundo, através das grandes navegações, pouco perdendo sua força inicial e a nitidez de inúmeros princípios consagrados, sobretudo no campo do Direito de Obrigações, em cláusulas contratuais, no Direito de Família regulando a sucessão hereditária e também em outros institutos da ciência jurídica, sobretudo na área do direito privado, uma vez que no direito público esta influência teve dimensões bem mais reduzidas[1].
3. DAS COISAS
Segundo a concepção de Moreira Alves (1983), há duas possíveis acepções para o termo “coisa”: a vulgar, onde seria tudo o que existe na natureza, ou que a inteligência do homem é capaz de conceber e a jurídica, na qual coisa é aquilo que pode ser objeto de direito subjetivo patrimonial. A definição jurídica reflete exatamente a ideia de “coisa” na atualidade, já tendo sido anteriormente apregoada pelos Romanos. Interessam ao Direito somente os bens, que são as coisas na acepção jurídica, estando regulados seus tipos no Código Civil pátrio[2].
Traz, a lei civil, variadas classificações dos bens, que servirão de base para dividir o direito em diferentes situações fáticas. Estas classificações baseiam-se em diferentes critérios, já tendo sido pensadas pelos romanos.
Inicialmente, quanto à possibilidade de deslocamento sem alteração da substância da coisa nem da destinação econômico social, os bens são classificados em móveis, se possível tal deslocamento, e imóveis quando não, ou quando a lei estabelecer que assim sejam tratados. Esta divisão já era usada em Roma, embora não houvesse exata definição, representando basicamente a ideia acima ensejada.
Havia ainda a divisão entre bens singulares, quando mesmo reunidos consideram-se apenas um e universais, quando vários singulares reunidos de uma mesma pessoa para destinação específica[3].
4. DA POSSE
Houve um tempo em que a propriedade e a posse se encontravam confundidas entre os romanos. Posteriormente, distinguiu-se, pertencendo, até os dias de hoje, aos jurisconsultos romanos, a glória de terem criado a Teoria da Posse.
O desenvolvimento da ideia de posse no direito romano constitui-se em uma das mais árduas e difíceis investigações históricas dos pesquisadores do Direito ao longo da humanidade. Tudo isso em virtude da deficiência dos arquivos jurídicos dos primeiros tempos de Roma, sendo certo que todos os institutos e, principalmente, a posse experimentaram notáveis alterações ao entrar na compilação justiniana.
Várias são as teorias imaginadas para explicar a diferenciação entre posse e propriedade do direito romano. A principal corrente acerca do assunto defende que a posse desenvolveu-se em Roma, como uma consequência do Direito de Clientela. Os patrícios faziam concessões de terras aos seus clientes, conferindo-lhes a posse e reservando a propriedade. Os clientes, não podendo defender a terra como proprietário, defendiam-na como possuidores[4].
Muito se discute acerca do conceito mais adequado a ser dado para a posse, variando de acordo com a exigência ou dispensa de certos elementos caracterizadores. Na apresentação do conceito de posse, define-se posse como sendo o poder físico, material, de fato, sobre uma coisa corpórea, distinto e separado do poder jurídico, propriedade, sobre ela, evidenciando a vinculação da posse ao fato e da propriedade ao direito[5].
Neste prisma, duas são as principais teorias: a subjetiva e a objetiva.
Na concepção de Savigny (1866), através da teoria subjetiva, só se tem efetivamente a posse quando reunidos o corpus, poder corpóreo sobre a coisa, o efetivo domínio material sobre ela e o animus domini, um elemento psíquico que, no direito justiniano, é o desejo de ser proprietário ou de se transformar em dono da coisa. Assim, é necessário que o possuidor tenha a vontade de ser proprietário da coisa, onde, sem a qual estaria configurada uma mera detenção. Essa teoria exige, pois, para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse, que ao elemento físico, corpus, venha juntar-se a vontade de proceder à coisa como procede ao proprietário, affectio tenendi, mais a intenção de tê-la como dono, animus domini[6].
A teoria objetiva sustenta que é necessário para a posse apenas o corpus e o animus tenendi, ou seja, a vontade de possuir. Assim, para ser possuidor, prescindível é a caracterização do animus domini[7]. Nessa concepção, a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa que é possuído.
A posse pode ser mantida ou restituída através de ação própria, mas outrora se usavam para tanto os interditos possessórios, institutos que deram origem as atuais ações possessórias.
5. DA PROPRIEDADE
Sucintamente, propriedade pode ser conceituada como sendo o pleno poder sobre a coisa, plena in re potestas. Tal conceito decorre de somente a propriedade poder apresentar todos os direitos sobre a coisa, ou seja, o de ser possuidor, jus possidendi, usar, jus utendi, fruir, jus fruendi, e, exclusivamente, modificá-la, reformá-la, vendê-la, jus abutendi.
No prisma de Iglesias (1990), a propriedade é um direito real, absoluto, exclusivo, oponível e irrevogável, salvo nos casos lícitos de limitação, uma vez que recai sobre uma coisa. A propriedade é assim o mais amplo poder que um sujeito pode exercer sobre a coisa, a mais perfeita relação de subordinação de um bem a um particular. Tem, desta forma, ampla proteção jurídica, como o direito de reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha. Pode exercer todos os direitos sobre a coisa, dentro de certas limitações.
O direito romano, apesar de defender o caráter absoluto do direito de propriedade já trazia algumas destas limitações, aumentadas com o tempo em função do caráter social que deve ter a propriedade. Essas eram divididas por Iglesias “em relaciones de vecindad e limitaciones de Derecho Público”, segundo o fator que as dá origem[8]. Entre as primeiras temos a limitação de altura de edifícios e, nas públicas, podemos falar da tolerância da navegação em seus rios pelos proprietários.
Hoje, nossa carta magna consagra a função social da propriedade como um de seus preceitos básicos, o que legitima, dentre outras possibilidades, a desapropriação de áreas rurais improdutivas para fins de reforma agrária, etc.
6. DA FALÊNCIA
No Direito Romano, a obrigação era essencialmente pessoal, isto é, na falta de cumprimento, o devedor respondia com o seu próprio corpo e não com o patrimônio. Não se exigia a intervenção do Estado, pois todo problema era resolvido pelas próprias mãos dos credores. A fase mais primitiva do direito romano foi o direito quiritário, época essa, que a pessoa do devedor era adjudicada ao credor e reduzida a cárcere privado. O direito quiritário (período mais primitivo do direito romano) admitia a adjudicação do devedor insolvente que, por sessenta dias, permanecia em estado de servidão para com o credor. Não solvido o débito, podia vendê-lo como escravo no estrangeiro e até mesmo matá-lo[9].
A partir da Lei das XII Tábuas se delinearam a execução singular e a execução coletiva, sendo essa fase de grande contribuição do direito romano a este instituto. No ano de 428 ou 441 a.c surgiu a Lex Poetelia Papiria, onde os bens do devedor e não mais o seu corpo passa a constituir garantia dos credores.
Depois, no ano de 149 a.c, surgiu a Lex Aebutia, que fez substituir o processo das legis actiones, pelo processo formular, atribuindo ao pretor a possibilidade de redigir uma “formula”, espécie de programa de averiguação dos fatos e de sua valorização, a fim de serem julgados pelo juiz. Á vista da bonorum sectio, instituiu a missio in bona ou missio possessionem, que consistia no desapossamento dos bens do devedor, a pedido do credor e por ordem do magistrado. Perdia, então o devedor a administração de seus bens, que passavam ao curador, nomeado pelo magistrado. O credor dava, então, publicidade a missio, bonorum proscriptio, para que os outros credores pudessem vir a concorrer, dentro de trinta dias[10].
Se passado esse prazo, o devedor não solvesse seus compromissos, o curador alienava, bonorum venditio, ao melhor ofertante, bonorum emptor, o patrimônio do devedor e que o sucedia a título universal e respondendo, consequentemente, pelas obrigações assumidas pelo devedor, pagando proporcionalmente caso o ativo fosse insuficiente para a satisfação completa de todos e obedecendo a mais perfeita igualdade. Se o devedor preferisse, podia usar da cessio bonorum, isto é, fazer cessão de seus bens ao credor que podia vendê-los separadamente por intermédio do curador, bonorum distractio, a fim de pagar, em rateio aos demais credores.
7. DO CASAMENTO
“As núpcias são a união do homem e da mulher, o consórcio de toda a vida, a comunicação do direito divino e humano”. Nessa concepção, de caráter muito mais social do que jurídico, há três termos que se completam: união, consórcio e comunicação. Dessa forma, estão presentes alguns princípios importantes: o casamento monogâmico, indissolúvel e uma implicação entre as exigências do direito humano e do direito divino[11].
No Direito Romano, apresentam-se dois tipos de casamento: Cum Manu e Sine Manu.
No casamento Cum Manu, a mulher estava sujeita a forte autoridade do marido, sendo considerada sua propriedade; a mulher renunciava a seus costumes, crenças e patrimônio para incorporar-se a família do marido, abraçando as crenças e costumes dele; a mulher desligava-se da Patria Potestas, passando ao poder do marido, Pater Famílias.
Com o passar do tempo, em consequência de uma nova visão da vida, que gerou uma nova concepção do instituto do casamento, a autoridade forte do marido passou a ser cada vez menos aceita e o casamento Cum Manu cedeu lugar ao casamento Sine Manu. Nesse novo tipo de casamento, a autonomia da mulher passou a ser preservada tanto no aspecto patrimonial, como no de suas crenças e costumes.
8. DO DIVÓRCIO
No Direito Romano, o instituto do divórcio, Divortium, acontecia mediante o consentimento recíproco; em caso contrário, havia o, Repudium, para os casos graves como adultério. No casamento Cum Manu, só o marido podia repudiar, a mulher não tinha igual direito; no casamento Sine Manu, o repúdio podia ser exercido tanto pelo homem como pela mulher.
Durante toda a história de Roma, cerca de XIII séculos, sempre o divórcio foi plenamente permitido e praticado, como já o tinha sido pelos outros povos da antiguidade. Foi só na Idade Média, com o advento do Cristianismo e o domínio total da Igreja, que o casamento foi estabelecido como sacramento e as ações de divórcio passaram a ser dificultadas.
O casamento moderno, em geral, surge de ato consensual rigidamente solene, celebrado diante de autoridade competente, e só se dissolve pela morte ou pelo divórcio em países que o admitem. No Brasil, só a partir de 1975 passou a existir o divórcio. Assim, a sociedade matrimonial não pode dissolver-se, sem mais, pela simples vontade de um dos cônjuges, daí falar-se em vínculo conjugal.
No Direito Romano, segundo nos ensina Cretella Jr (1988), para que surgisse o casamento, bastava á vontade inicial dos membros sem quaisquer formalidades jurídicas, somente a partir do período pós-clássico passou a existir certo formalismo e o matrimônio só durava até que um dos cônjuges decidisse rompê-lo, a qualquer tempo, sem formalidades e independente da existência de motivos previstos em lei[12].
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, após realizar ampla pesquisa bibliográfica acerca dos principais institutos romanos, conclui-se que muitos estudiosos e pesquisadores jurídicos afirmam que o Direito Romano é um laboratório para a descoberta de novas formas de leis e normas. Tendo em vista à complexidade e a elevada quantidade dos institutos originários do Direito Romano, objetivou-se discorrer de forma sucinta sobre alguns dos principais. Na explanação supra descrita, percebe-se a magna importância do Direito Romano, o qual deu origem a institutos que influenciaram as normas jurídicas da grande parte dos países ocidentais e que deixa um legado profundo para toda a humanidade.
Informações Sobre o Autor
Felipe Dalenogare Alves
Graduado em Direito pela Universidade Luterana do Brasil, campus Cachoeira do Sul – RS; Pós-Graduando lato sensu (Especialização) em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Santa Maria; Pós-Graduando stricto sensu (Mestrado) em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul