Dirige-se o presente trabalho a discussão dos Direitos do Fornecedor no que tange à sua aplicação às relações de consumo na consecução do equilíbrio e harmonia, de modo que seja satisfatório para os sujeitos envolvidos, tendo em vista o que determinam a nossa Constituição, a Lei nº 8.078/90 e demais normas relacionadas.
INTRODUÇÃO
O direito de consumo é característica da sociedade contemporânea que, dentro do sistema capitalista, procura efetivar os direitos fundamentais da pessoa humana. Compreende um campo jurídico dedicado à proteção da coletividade consumidora de bens produzidos ou serviços oferecidos, objetos de comercialização. Especialmente regulado pelo Código do Consumidor, Constituição da República, Arts. 5°, inc. XXXII; 24, inc. VIII; 150, §5°; 170 inc. IV; 175, parágrafo único, inc. II; e demais normas relacionadas.
A evolução do Direito do Consumidor deu-se com o aumento das indústrias, com a introdução da robótica e da informática ocorrida durante a Revolução Industrial. Em conseqüência desse momento histórico, tivemos o crescimento das relações de consumo. A princípio, os negócios eram realizados interpessoalmente, onde os fornecedores (produtores) mantinham uma ligação contratual direita e imediata com seus consumidores, que compravam mercadorias específicas, àquelas destinadas a sua sobrevivência.
Com o advento da industrialização, conjugada com a produção em larga escala, fizeram aumentar o volume de negócios, que passaram a ser pluripessoais e difusos. Esse período ficou conhecido como “movimento consumerista”. Atualmente não é diferente. Desenvolvemos nossa legislação para atenderem aos anseios da população. Vivemos em uma comunidade consumerista, e por isso que devemos estar sempre atentos aos nossos direitos e deveres.
Em razão do aumento da oferta e demanda de produtos e serviços, notadamente tivemos uma ampliação exorbitante das relações negociais. Começamos, então, a observar a necessidade da criação de institutos que fossem capazes de dirimirem conflitos advindos dos atos negociais ocorridos entre consumidores e fornecedores. Principiou-se, então, o surgimento de pequenas organizações direcionadas para a solução de conflitos nas relações de consumo. A partir deste momento, buscou-se resguardar os interesses das pessoas mais vulneráveis na transação comercial, e ao mesmo tempo defender os direitos da parte inversa na relação negocial, que é denominado de empresário (reclamado).
A proteção e defesa do consumidor tiveram acento na Constituição da República de 1988, não sendo ponderada em Constituições anteriores. Em suas prescrições podemos notar a determinação da competência do Estado em promover, na forma prevista em Lei, a defesa do consumidor. Em 11 de setembro de 1990, fora promulgada a lei que dispõe sobre a Proteção do Consumidor e traz outras providências. Salienta-se que podemos nos embasar em outros instrumentos normativos (ex.: Ação Civil Pública – Lei n° 7.347, 24.07.85), que dão sustentáculo às entidades que defendem os direitos dos consumidores.
Numa relação consumerista, não devemos apenas examinar a defesa do consumidor. Temos que ter cuidado, também, com o resguardo dos direitos do fornecedor, dos quais podem ser sistematizados nas entrelinhas das leis de consumo.
O ponto central deste trabalho monográfico é a análise de alguns dos direitos exercidos pelo fornecedor, mais detidamente suas espécies, que são: produtores, fabricantes, comerciantes, entre outros. A Lei n.º 8.078, de 11.09.90 vem resguardar os direitos dos consumidores, mas nela podemos vislumbrar os direitos dos fornecedores.
Assim, é importante termos a lembrança de que o direito de um dos sujeitos tem início quando o de outro termina, ou vice-versa. Por conseguinte, procuramos, durante o estudo do tema, respostas para os seguintes questionamentos: qual a definição de relação de consumo? Quais as características que diferenciam os consumidores dos fornecedores? Qual a função do Estado na relação negocial? Quais as hipóteses de exclusão de responsabilidade dos fornecedores na relação de consumo?
A justificativa para este trabalho está na necessidade de demonstração dos direitos dos fornecedores na intenção de garantirmos uma relação de consumo equilibrada e harmoniosa entre este e seus consumidores. A criação da recente lei de proteção e defesa dos consumidores ocasionou uma dinamicidade no Direito Brasileiro, e principalmente na economia. Esta estrutura decorreu de necessidades sociais básicas, e por isso, teve amparo constitucional. Tal normatização visa conservar a Democracia. O zelo pelo controle na relação consumerista deve-se à possibilidade de o Estado intervir na ordem econômica da nação, com vistas a proteger os interesses dos consumidores. Em contrapartida, devemos resguardar o direito próprio dos fornecedores, pois, caso inverso, seria exorbitar do poder que detém o consumidor e que se encontra predisposto em lei.
Dispomos de inúmeros dispositivos no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que diante de uma análise aprofundada, podem não aparentar, mas na realidade servem de respaldo à defesa do fornecedor, não com o intuito de favorecê-lo, mas de buscar a harmonia nas relações de consumo. A Lei já comentada tem como fito primordial e imediato a busca da harmonia nas relações de consumo, ou seja, a lisura das relações negociais entre os agentes econômicos (empresários) e entre seus consumidores, destinatários final dos produtos e serviços, prevenindo ou punindo os abusos, protegendo o livre mercado e incentivando a correta concorrência.
O Direito do Fornecedor torna-se um estudo pertinente, para que seja dada transparência à defesa dos direitos daqueles que se encontram envolvidos na relação econômica, o que demonstra total respeito ao princípio constitucional da isonomia; mesmo porque há uma inequívoca relação simbiôntica entre atividade econômica e proteção do consumidor: a proteção do consumidor garante a atividade econômica sem a qual não há condição de consumir. E para que proteger quem não existe?
Temos, portanto, como objetivo geral analisarmos o papel do fornecedor na relação consumerista, expondo diretamente o seu direito em face da tutela requerida pelo consumidor, diante de contingências ocorridas na contratação de serviços ou na aquisição de produtos, bem como demonstramos o equilíbrio e harmonia nas trocas de interesses, procurando ainda verificar como podemos conceder o direito aos fornecedores de produtos ou na prestação de serviços e identificamos as causas excludentes da responsabilidade do agente passivo da relação negocial.
Em referência aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram inquiridas através de pesquisa bibliográfica e documental. A tipologia da pesquisa, isto é, conforme a utilização dos resultados é pura, visto que almejamos aumentar o conhecimento jurídico dos pesquisadores para uma nova tomada de posições. A abordagem é qualitativa com a intenção de proporcionarmos maior aprofundamento aos direitos dos fornecedores nas trocas de interesses, observando as relações negociais de forma intensiva. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, buscando abordar fenômenos ocorridos durante as relações de consumo, tratando de seus caracteres, classificando-os, explicando-os e interpretando-os, e exploratória, procurando aperfeiçoar conhecimentos, buscando maiores instruções sobre o tema em tablado.
Fazemos uma abordagem sistêmica do tema no primeiro capítulo, trazendo os elementos constitutivos que se encontram textualizados na Constituição da República e no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, abordando os principais princípios norteadores da relação de consumo, com suas definições e respectivas funções, formando assim uma base para o entendimento holístico de tudo que fora abordado.
Em diante, no capítulo segundo, tratamos da relação de consumo em seu aspecto de bilateralidade, demonstrando os conceitos de consumidor e fornecedor, das definições de produtos e serviços, do início da relação de consumo através da contratação.
No capítulo terceiro, questionamos a harmonia nas relações de consumo, abordando alguns aspectos da Política Nacional de Relações de Consumo – PNRC, discutindo os fatores para obtenção da harmonia, boa-fé, equilíbrio, reciprocidade e moderação, trazendo o significado de cada um deles.
O quarto capítulo é o mais extenso, por abordarmos alguns dos direitos dos fornecedores encontrados nas leis de defesa do consumidor e seus equivalentes. Tratamos do contraditório e da ampla defesa, do direito de dupla defesa, gratuidade nos serviços, revisão contratual como direito de ambos os envolvidos, inversão do ônus da prova, produção industrial – responsabilidade pelas informações, excludente de responsabilidade, direito de não indenizar, caso fortuito e força maior, ação regressiva, profissionais liberais – nexo causal, prazos, pagamento de diferença do valor proporcional, venda de produtos in natura, responsabilização por vícios, erro na oferta, condicionamento de produtos e serviços, aprovação de orçamento, cobrança devida, direito de restituição por prejuízo, ajustamento de conduta, direito de composição, controle de concorrência, entre outros direitos.
Portanto, este trabalho científico aborda os direitos dos fornecedores para consecução de um equilíbrio e harmonia na relação de consumo, de modo que seja satisfatório para os sujeitos envolvidos. Explicamos inicialmente de forma harmônica a estrutura do Código do Consumidor, para enfim chegarmos ao objetivo maior de nossa pesquisa que é o entendimento melhor sobre os direitos inerentes ao sujeito não vulnerável da contratação em matéria consumerista.
Para melhor compreensão do tema equilíbrio na relação de consumo – direitos do fornecedor, faz-se necessário uma abordagem sistêmica, a começar pela Constituição da República, auxiliado por outras fontes de inspirações ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor e legislações inferiores.
1.1 A base constitucional do Código de Defesa do Consumidor
Após diversas constituições, apenas a atual determina a “codificação” das normas de consumo. Esta Constituição, quando cuidou dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabeleceu em seu Art. 5º, no inciso XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. No mesmo corpo constitucional encontramos o Art. 48, do Ato das Disposições Transitórias, que nos traz a seguinte determinação: “O Congresso Nacional, dentro de 120 (cento e vinte) dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor”.
A “codificação” se deu após várias interveniências de parlamentares adeptos do tema. Teve seu tratamento final depois de decorridos quase 2 (dois) anos. O Código foi votado e aprovado com alterações ao projeto inicial, culminando com a Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.
O tema que elegemos para este trabalho acadêmico relaciona-se diretamente aos pressupostos do Direito Público Interno, que tem como disciplina basilar o Direito Constitucional. Não é por outro motivo que o Direito do Consumidor tem ligação íntima com o Direito Constitucional.
Deduzimos que as diretrizes do Direito Consumerista estão fortemente relacionadas e vinculadas aos preceitos de natureza fundamental. Assim, demonstramos a importância do Direito Constitucional ao tema em tablado, pois é dele que se realiza “o estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a transmissão é o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e das garantias individuais e sociais (1)”.
Essas observações têm como escopo ressaltarmos alguns princípios e normas que serão abordadas adiante, e que serviram de embasamento à legislação infraconstitucional já mencionada.
1.2 Opinião e função dos princípios
Antes de darmos início à apresentação dos princípios norteadores do Direito Consumerista, faz-se pertinente e indispensável conceituar o vocábulo “princípio”.
Não há uma definição exata para esta palavra. Podemos utilizar da Hermenêutica para chegarmos a um denominador comum. Partimos da idéia de que os princípios constituem um aglomerado de idéias iniciais ou básicas que servem de fundamento à formação de normas jurídicas. Daí porque as leis buscam seus fundamentos nos princípios regrados na sociedade. Utiliza-se dos costumes e da analogia. Em suma, compreendemos que “os princípios são valores morais, políticos e jurídicos de determinada sociedade proclamados por normas de direito, que denominamos normas principiológicas” (2). Sobre o assunto, opina e faz questionamentos o insigne doutrinador Wambier:
Mas, o que são esses princípios? Para que servem? Qual a importância de seu estudo? Trata-se, na verdade, de regras não escritas, de caráter geral, que têm a função de inspirar e orientar o legislador aos escrever os textos das leis processuais e que nos possibilitam compreender o contexto histórico, ético e moral que influenciou a elaboração da norma processual. Portanto, devem servir de vetores orientativos para o intérprete. (3)
O princípio jurídico, comentado acima, é um enunciado lógico, implícito e explicito que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. (4)
Tendo em vista o exposto, torna-se pertinente ressaltarmos que os princípios constitucionais têm a tarefa de norteadores das normas inseridas no texto constitucional, assim como aquelas de essência infraconstitucional.
1.3 Princípios norteadores da relação de consumo
Após relatarmos um breve estudo sobre princípios, nos ateremos agora ao estudo dos princípios ligados ao Direito Consumerista, principalmente no que tange à tutela pertinente aos fornecedores.
Em nossa atual Constituição Federal podemos vislumbrar alguns dos muitos princípios que direcionam e dão base às normas consumeristas implantadas em leis infraconstitucionais, assim como as que estão previstas no Código do Consumidor – CDC (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990).
Exporemos agora de forma sistemática os princípios acima mencionados, com objetivo de darmos enfoque didático ao desempenho do nosso trabalho. Inicialmente será transcreveremos artigo e incisos e, posteriormente, analisaremos de forma sucinta cada um. Começaremos pelo Art. 3º, que apresenta os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ditando no seu inciso I o seguinte: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Essa é uma das metas que o Estado Brasileiro busca constantemente alcançar ao longo de um lapso temporal indeterminado. Trata-se, portanto, de uma norma de conteúdo programático. (5)
É essencial numa relação de consumo a observância da livre contratação. O consumidor é livre para negociar com qualquer tipo de fornecedor, contanto que seja feita de forma lícita e legal. Para que tenhamos um Estado Democrático de Direito é fundamental a observância deste princípio, como também o da justeza nas relações consumeristas, onde devem ser respeitadas as obrigações de cada parte, buscando sempre evitar o desequilíbrio contratual. Outra preocupação que devemos ter é com a segurança jurídica nas referidas relações. A teoria contratual vem observar o compromisso das partes com o justo. “Segurança e justiça passaram a ser os dois valores a serem perseguidos em plano de harmonização efetiva” (6).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
A intensão do legislador constituinte foi a de fixar a igualdade entre os indivíduos, assim como podemos observar no inciso I, que diz: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
O princípio da igualdade é fundamental para as normas que norteiam as relações de consumo, pois o objetivo do CDC é de determinar o ponto de equilíbrio entre consumidores e fornecedores, tratando os desiguais de forma desigual.
Em consonância com as explanações acima, temos a norma consagrada no Art. 4°, inc. III, do CDC, in verbis:
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (grifo nosso).
Desta maneira, o legislador procura de alguma forma garantir a igualdade com a harmonia entre as pessoas envolvidas na relação consumerista. Este equilíbrio é bastante difícil de ser operacionalizado, tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor, respaldado na lei. Defendemos o entendimento de que a igualdade das partes deve ser absoluta, não devendo existir distinções que provocariam máculas ao direito de igualdade e, conseqüentemente, ocasionariam o desequilíbrio processual.
Tal desequilíbrio, também, pode ser observado na solução de litígios encadeados na justiça comum, que será sentenciado e julgado, sendo cabível o duplo grau de jurisdição, caso a parte vencida impetre o recurso pertinente. Em conclusão, extraímos o seguinte dado da obra de Ada Pellegrini e outros:
… a tarefa de equilibrar processualmente os litigantes que não se encontram em igualdade de condições é delicada. As prerrogativas não devem superar o estritamente necessário para restabelecer o equilíbrio. Por isso, freqüentemente a doutrina considera inconstitucional o tratamento privilegiado dispensando às partes (7).
O princípio da igualdade é o mesmo princípio da isonomia. Referem-se à isonomia entre homens e mulheres, consumidores e fornecedores, contratantes e contratados, empregadores e empregados, entre outros, a depender da relação jurídica realizada.
Temos o princípio da legalidade, elencado no inciso II do Art. 5°, que instrui: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. De início, para melhor compreensão, citaremos as informações trazidas por Alexandre de Morais em seu livro de Direito Constitucional:
O art. 5.°, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio busca combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. (8)
Este princípio é o principal sustentáculo do Estado de Direito. Tem como alvo preceituar que somente condutas típicas, determinadas em lei, do qual se impõe sanção, submetem o agente do fato à pena cabível. Tal informação tem ligação direta com o inciso XXXIX, que informa: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Constatamos dois princípios, o da anterioridade e da reserva legal, exigindo que o preceito e a sanção estabelecidos pelo legislador precedam ao fato típico.
Outro tema abordado no Art. 5° é o que se refere ao direito de sigilo. Aos profissionais é resguardado o direito ao sigilo sobre assuntos relacionados ao seu trabalho. É o que afirma o inciso XIV “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
O profissional tem o direito de defender o sigilo de informações adquiridas e de alta relevância para a consecução do seu ofício. Este profissional relaciona-se de forma direta ou indireta com seus consumidores. Este item não apresentou similares em Constituições brasileiras anteriores, sendo pioneiro neste ato, por ocorrer após um período de ditadura militar.
Passamos agora, para exposição do que dita o inciso XXVII: “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.
Neste item, verificamos que os autores tomam lugar de fornecedores de suas obras em relações negociais. Têm a liberdade de disporem, venderem, cederem, permutarem direitos inerentes à utilização, publicação ou reprodução de seu trabalho. Devemos observar que, a proteção ao direito autoral deverá obedecer aos limites e condições determinados em lei. Atualmente vigora a Lei n.° 5.988, de 14 de dezembro de 1973, em seus Arts. 42, 47, 52, 95 e 102.
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
Tal inciso é auto-explicativo. Apresenta o direito dos autores de inventos industriais que, em regra, tomam o papel de fornecedores. O legislador fez questão de garantir o direito de privilégio ao inventor, só que, em contrapartida, limitou tal prerrogativa. Existe uma lei específica que regula a matéria, a Lei n.° 9.279, de 14 de maio de 1996.
Outro fator importante é o direito de segredo industrial que é resguardado no Código de Defesa do Consumidor, em seu Art. 55, §4°, quando diz que “Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, (…) prestem informações sobre questões de interesses do consumidor, resguardado o segredo industrial”. Tal inciso torna-se, por analogia, similar ao inciso acima exposto, que tratou do sigilo profissional.
O movimento consumerista no Brasil foi coroado com a inclusão na Constituição da República de 1988, do direito do consumidor. Admite-se a defesa do consumidor como princípio constitucional e, mesmo, como direito fundamental. Assim está veiculado no inciso: “XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
A partir deste inciso, dá-se início à construção de um sistema normativo de competência da União, que regulará as relações de consumo. Surge, então, a Lei n.° 8.078 em 11 de setembro de 1990, cuja promulgação se deve ao mandamento constitucional acima descrito. Posteriormente, vieram a Lei n.° 8.137, de 27.12.90 (definindo os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências) e a Lei n.° 8.884, de 11.06.94 (que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências).
É pertinente apresentarmos alguns comentários sobre o princípio inserido no inciso LIII, que traz a seguinte instrução: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Aqui, encontramos aclamado o princípio do juízo natural. Tal inciso nos traz a idéia de que somente a autoridade competente poderá presidir o processo e julgá-lo com observância obrigatória de outro princípio constitucional, que passaremos a expor adiante. É importante ressaltarmos que a competência em dar andamentos aos processos é inerente ao cargo ocupado pela autoridade competente. Como exemplos, há os juízes monocráticos que são competentes pelos processos judiciais e os promotores de justiça competentes pelos processos administrativos.
Trataremos, agora, do devido processo legal, ancorado no inciso LIV, que preconiza: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. A título de curiosidade e observância ao principio exposto, citaremos as análises de Alexandre de Morais:
A Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum de 1215, de vital importância no direito anglo-saxão. Igualmente, o art. XI, n.° 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, garante que “todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa ”. (9)
O princípio do devido processo legal é de extrema importância para o mundo jurídico. Refere-se à necessidade de desenvolvimento de um processo legalmente constituído que poderá tratar sobre a liberdade pessoal, dos bens patrimoniais, da honra, da integridade física ou moral, tudo isto fazendo parte dos bens corpóreos e incorpóreos da pessoa humana. Tal princípio serve às relações consumeristas no que tange às demandas em processos judiciais e administrativos. Wambier discorreu sobre o tema instruindo o seguinte:
…toda e qualquer conseqüência processual que as partes possam sofrer, tanto na esfera da liberdade pessoal quanto no âmbito de seu patrimônio, deve necessariamente decorrer de decisão prolatada num processo que tenha tramitado de conformidade com antecedente previsão legal. (10)
O devido processo legal possui como consectários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser garantidos aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, em consonância com o texto constitucional expresso (Art. 5.°, LV).
Por último, trataremos dos princípios mais relevantes no sistema processual brasileiro. Princípios do contraditório e da ampla defesa se encontram apoiados no inciso mencionado acima, que diz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O contraditório e ampla defesa são direitos assegurados à parte demandada para se manifestar sobre todas as provas lícitas e, até mesmo ilícitas, apresentadas e sobre as alegações feitas pela parte demandante. Sobre este assunto, vem nos ensinar Wambier:
… o princípio do contraditório (…) pode ser identificado como princípio da paridade de tratamento ou princípio da bilateralidade da audiência.
Esse princípio, guindado à condição de garantia constitucional, significa que é preciso dar ao réu possibilidade de saber da existência de pedido, em juízo, contra si, dar ciência dos atos processuais subseqüentes, às partes (autor e réu), aos terceiros e assistentes, e garantir a possível reação contra decisões, sempre que desfavoráveis. (11)
Conforme acima citado, fica visível a ligação deste princípio com outros, tais como a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição, indicando a possibilidade de controle das decisões, com possível revisão, por meio de recurso, das causas julgadas pelo juiz de primeira instancia, correspondente à jurisdição inferior. Desta forma, fica garantido um novo julgamento, a ser prolatado por órgãos da “jurisdição superior” ou de segundo grau de jurisdição (12). A ampla defesa também é garantia disposta nesses recursos.
Esses foram alguns dos princípios essenciais ao Direito Consumerista, principalmente no que tange à busca de garantia da boa-fé e a harmonia nas relações de consumo.
As relações de consumo nascidas da necessidade humana apresentam dois sujeitos bem definidos (ativo e passivo), que contêm seus direitos e obrigações. De um lado, temos o consumidor, o adquirente de um produto ou serviço, e, de outro, o fornecedor de um produto ou serviço. Os passos a seguir serão conceituá-los e apresentar-lhes algumas características da relação bilateral ao qual estão dependentes numa sociedade consumerista.
2.1 Conceituação de consumidor
Podemos vislumbrar a conceituação básica de consumidor no próprio CDC, em seu Art. 2°, que pronuncia: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Interessante evidenciarmos que o conceito legal de consumidor, acima transcrito, tem como característica limitada à aquisição ou utilização do bem como destinatário final. Essa particular característica, ser ou não aquele que adquire ou utiliza determinado produto ou serviço seu destinatário final, pode ser interpretada de várias formas.
A conceituação de consumidor para Filomeno é apoiada em três pontos de vista, que se encontram elencados em sua renomada obra, que passo a expor adiante:
…sob o ponto de vista econômico, consumidor é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens.
Do ponto de vista psicológico, considera-se consumidor o sujeito sobre o qual se estudam as reações a fim de se individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. Nesse aspecto, pois, perscruta-se das circunstâncias subjetivas que levam determinado indivíduo ou grupo de indivíduos a ter preferência por este ou aquele tipo de produto ou serviço.
Já do ponto de vista sociológico é considerado consumidor qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços, mas pertencente a uma determinada categoria ou classe social. (13)
Da preleção de Claudia Lima Marques, uma das representantes da corrente finalista, trouxe a definição de consumidor que se encontra respaldada na jurisprudência nacional, que abaixo transcrevemos:
Para os finalistas, pioneiros do consumeirismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4°, I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e quem não é. Propõem, então, que se interprete a expressão “destinatário final” do art. 2° de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4° e 6°. (14)
Há de se ressaltar que a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, quando assumem a gestão das relações de consumo, equiparam-se a consumidores, tendo, portanto, todas as garantias pertinentes. É o que nos informa o parágrafo único do artigo anteriormente mencionado, in verbis: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Para imprimirmos maior enfoque ao conceito acima, colocaremos à disposição, a definição dada por Filomeno:
… consumidor é a parte vulnerável técnica e financeiramente, que, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços. (15)
Prosseguindo no mesmo sentido, o Art. 29 estende o conceito de consumidor para alcançar todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais ou contratuais abusivas. Equiparam-se aos consumidores, por força do Código, as pessoas jurídicas de direito público interno ou externo. Nesta condição, o fornecedor responde pelos vícios em produtos e/ou serviços alienados à União, Estados-membros, Municípios, Distrito Federal, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. Ao tratar sobre esse tema, Filomeno faz menção às ponderações expostos por outro doutrinador da área, José Reinaldo de Lima Lopes, que dita o seguinte:
É certo que uma pessoa jurídica pode ser consumidora em relação a outra: mas tal condição depende de dois elementos que não foram adequadamente explicitados neste particular artigo do Código. (referindo-se ao art. 2°).
Em primeiro lugar, o fato de que os bens adquiridos devem ser bens de consumo e não bens de capital. Em segundo lugar, que haja entre fornecedor e consumidor um equilíbrio que favoreça o primeiro (16). (grifo nosso)
Essa consideração é de extrema relevância, em razão de que denota categoricamente o ponto fundamental de toda a discussão. Assim melhora-se o entendimento das personalidades jurídicas dos indivíduos envolvidos na relação de consumo. Adiante trataremos dos fornecedores.
2.2 Conceituação de fornecedor
Outro agente da relação de consumo é o fornecedor de produtos e serviços, que também recebe conceituação legal, introduzido no Art. 3°, do CDC, que postula:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Notamos nessa enunciação que o legislador pátrio busca conferir à opinião de fornecedor a maior amplitude possível, com o escopo de firmar a responsabilidade solidária, nas relações consumeristas, de todos os co-responsáveis por casuais vícios ou defeitos de produtos e serviços.
Com o fim de darmos maior esclarecimento, trazemos o que dita Plácido e Silva sobre o tema, “fornecedor, derivado do francês ‘founir, fornisseur‘, é todo comerciante ou estabelecimento que abastece, ou fornece, habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessárias a seu consumo”. (17)
Essencialmente, o que distingue a relação de consumo é o profissionalismo da ação de venda do produto ou prestação do serviço. Apenas se considera relação de consumo aquela que envolver o fornecimento de produto ou serviço com caráter profissional, ou seja, com intento comercial.
Neste ponto, é oportuno verificarmos os comentários dos autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, sobre o conceito acima descrito:
Nesse sentido (…) é que são considerados todos quantos propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título, sendo relevante, isto sim, a distinção que se deve fazer entre as várias espécies de fornecedor nos casos de responsabilização por danos causados aos consumidores, ou então para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva e em cadeia da mesma responsabilização, visto que vital a solidariedade para a obtenção efetiva de proteção que se visa a oferecer aos mesmos consumidores. (18)
Podemos expandir a definição de fornecedor àqueles que exportam produtos ou serviços para o País, sendo denominados fornecedores estrangeiros ou alienígenas. Os importadores arcam com a responsabilidade por eventuais danos e ou reparos, mas a posteriore poderá regredir contra os fornecedores exportadores. Isso é o que dita e exemplifica o Art. 12, do CDC. (19)
O disposto acima – de acordo com a doutrina corrente e na direção das normas previstas na Diretiva n.° 374/85 – confere as três categorias clássicas de fornecedores (20):
I. o fornecedor real, compreendendo o fabricantes, o produtor e o construtor;
II. o fornecedor presumido, assim entendido o importador de produto industrializado ou in natura;
III.o fornecedor aparente, ou seja, aquele que apõe (s.i.c) seu nome ou marca no produto final.
É conveniente constatarmos que o CDC, no Art. 12 e seguintes, faz a distinção no que diz respeito ao conceito de fornecedor. Este é gênero no qual o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, o importador e o comerciante são espécies. Observa-se que, na ocasião em que a lei consumerista quer que todos sejam obrigados e ou responsabilizados, utiliza o termo fornecedor. Quando queremos qualificar algum ente específico, valemos de um termo designativo particular: fabricante, produtor, comerciante, varejista etc.
2.3 Definição de produtos e serviços
Produtos são quaisquer bens móveis ou imóveis que detenham valor pecuniário que atenda às necessidades humanas e que possa deslocar-se do fornecedor para o consumidor como “destinatário final”. O próprio CDC traz a definição reduzida de produto, in verbis: “Art. 3°, §1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”.
Serviços são quaisquer atividades realizadas mediante contraprestação ou pagamento em valores pecuniários, como exemplo das atividades mercantis, bancárias, securitárias e financeiras. Salvo as atividades prestadas que se encontram relacionadas com matéria trabalhista. Estas estarão disciplinadas pelo Direito do Trabalho e normas afins. Isso é o que nos informa o parágrafo segundo do Art. 3° já mencionado.
A lei de consumo trouxe inovações em duas modalidades de produtos e serviços que serão utilizados para determinação de parâmetros, como exemplo, o prazo de garantia. Convencionou-se a determinação dos produtos ou serviços, quanto ao caráter de durabilidade, como duráveis e não duráveis.
Produto durável é aquele que não desaparece com o seu uso. É durável, demanda tempo para se desgastar. Podendo ser utilizado diversas vezes. Temos como exemplos, um carro, uma geladeira, uma casa.
Produto não-durável é aquele que acaba logo após o uso. Não tem qualquer durabilidade. Com sua usança, ele se extingue ou, pelo menos, vai-se extinguindo. Neste caso temos: os gêneros alimentícios, um sabonete, uma pasta de dentes, os remédios, os cosméticos (21). A mesma definição acima pode ser utilizada para os serviços duráveis e não duráveis.
É importante observarmos quais os produtos ou serviços que não integram as relações de consumo, por exemplo, temos as questões: trabalhistas, tributárias (impostos, taxas, etc.), de família, de trânsito (multas), entre outros.
2.4 Os contratos: início da relação de consumo
Contrato vem do latim contractus. É o ajuste entre duas ou mais partes, no sentido da transferência de algum direito e ou sujeição a alguma obrigação (22).
O contrato é um acordo. Contraprestação ou bilateralidade. Acontece quando um consumidor se dirige a um estabelecimento comercial para comprar ou adquirir qualquer produto ou serviço, estará dando início a uma relação de consumo entre ele e o fornecedor (o proprietário do estabelecimento comercial).
Constitui-se um contrato, verbal ou escrito, entre os dois, pelo qual o fornecedor exibe seus produtos (eletrodomésticos, roupas, alimentos, matérias escolares entre outros) ou oferece seus serviços (construção de um imóvel, reparos em veículos, pintura, serviços odontológicos e médicos entre outros), por intermédio de um pagamento a ser realizado pelo consumidor, que os vai consumir ou usar. Essas são formas de contratação mais natural, habitual e fluente, no mercado consumerista.
Os contratos escritos são os que regram transações de consumo mais complexas, a exemplo da ligação a um plano de saúde ou a um seguro de vida, a abertura de uma conta corrente bancária ou de um cartão de crédito, empréstimos ou financiamentos etc. A forma mais comum nessas hipóteses são os contratos de adesão, conforme o qual aquele fornecedor mostra um texto já acabado e impresso ao qual o consumidor aprova e aceita, firmando sem discutir se quer perfazer a compra, ou recusa e não leva o produto nem utiliza o serviço. Na realidade, não há negociação nesta modalidade de contrato. Existe como que uma “obrigação” de interesse do fornecedor, como se estivesse dizendo ao consumidor: “ou assina da forma que está, ou não adquire o produto ou serviço”. Fica latente, aqui, a robustez de poder do fornecedor e a vulnerabilidade do consumidor. Desta forma, a relação que se forma entre ambos já se institui desequilibrada.
Uma das funções do Código é trazer o reeqüilíbrio nas relações, impondo a boa fé, a transparência e a lealdade de comportamento como princípios básicos que norteiam essa relação e fixam condições prévias para a constituição do contrato. Assim, a concepção tradicional de que o contrato deve exprimir a livre manifestação da vontade das partes, e que, firmado, se transforma em lei entre aquelas, fica apenas dependendo, nas relações consumeristas, do cumprimento prévio de impertinências da lei. Na conjuntura acima, vingará a vontade legal, qual seja, a vontade social.
No capítulo seguinte, iremos trazer uma abordagem sobre a harmonia nas relações de consumo, para darmos maior enfoque ao que foi dito acima. Assim, fixamos a importância do equilíbrio, boa-fé e ética nas negociações amparadas pela lei de consumo, além de abordarmos outros assuntos importantes.
A relação consumerista é regulada pela Lei n.° 8.078, de 11.09.90. Tal lei recebeu a titulação de Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Apesar de ganhar essa notável denominação, este não almeja somente a proteção do consumidor. De forma implícita, socorre, também, os interesses dos fornecedores. De modo abrangente, tem por fim proteger a relação de consumo em si, resguardando o equilíbrio entre as partes envolvidas e a harmonia de seus direitos e deveres.
3.1 Política nacional de relação de consumo
Preocupar-nos-emos, agora, em abordar alguns aspectos da Política Nacional de Relações de Consumo – PNRC. Este encontra acento no Capitulo II, do Título I, do CDC. Já delineamos os agentes propulsores da relação negocial, expondo o papel de cada um. Sobre esta política, além de dedicar-se às carências do consumidor, com respeito a sua dignidade, saúde, segurança, melhorando sua qualidade de vida, tem por objetivo alcançar a harmonia nas relações de consumo, respeitando diversos princípios. Tal comentário encontra base no inciso III, do Art. 4°, do CDC, que informa:
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Quando discutimos a função da Política Nacional de Relações de Consumo, chegamos à compreensão de que é essencial que se estabeleçam diretrizes para garantir a harmonia como um todo e, que deverá reger todos os atos negociais. Para operacionalizar todas as diretrizes acima, a lei de consumo institui, em seus Arts. 105, 106 e seguintes, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Sobre o tema, discursaram os Autores do Anteprojeto:
Além dos ‘princípios’ que devem reger referida política, terão relevância fundamental os ‘instrumentos’ para sua execução, e não apenas os institucionalizados, como os previstos pelo art. 5° do Código e pelos mencionados arts. 105 e 106, como também os privados, consistentes na atividade das próprias empresas produtoras de bens e serviços (…). (23)
É importantíssimo constatarmos que a harmonia das relações de consumo tem ascendência nos princípios constitucionais, sendo algum deles o da isonomia ou igualdade, da solidariedade e dos princípios gerais da atividade econômica, este amparado no Art. 170, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
3.2 Fatores para obtenção da harmonia
Neste ponto de nosso trabalho, torna-se relevante tecermos algumas ponderações sobre os fatores que garantem a harmonia entre os pólos participantes da relação consumerista. A harmonização nasce fundamentada na boa-fé e no equilíbrio.
3.2.1 Boa-fé
Para o mundo jurídico temos a seguinte definição vocabular da expressão boa-fé:
Estado resultante de agir com honestidade, sinceridade, fidelidade. Presunção de agir de acordo com a lei. Um dos elementos necessários à formação de negócio jurídico (sic) de qualquer natureza, quanto à atuação das partes ou de uma delas, agindo sem a intenção de causar prejuízo à outra ou a terceiro. (24)
Nosso Código de Defesa do Consumidor utiliza, prioritariamente, a boa-fé objetiva, ou seja, há tendência em que às partes envolvidas ocupem posições de lealdade, decência e respeito recíprocos. Estas condições são fundamentais para a consecução de um bom negócio jurídico, tanto para o consumidor quanto para o fornecedor. O fornecedor, quando trata seus clientes com seriedade e honestidade, ganha, prontamente, espaços no mercado, aumentando sua fama e credibilidade. Essa foi a intenção do legislador quando tratou do tema, visto no Art. 4°, inciso III, do CDC, já mencionado.
As relações de consumo são instruídas pelo princípio da boa-fé, motivo porque toda cláusula que quebrantar esse princípio é julgada, ex lege, como abusiva.
A boa-fé objetiva no CDC é cláusula geral quando regulada no art. 4°, inc. III, mas conceito legal indeterminado (ou determinado pela função) quando causa de nulidade da cláusula contratual que a desatende (Art. 51, inc. IV, CDC). (25)
A boa-fé objetiva é uma espécie de pré-condição abstrata de uma relação ideal. Rizzatto Nunes apresenta a correta definição da boa-fé, que se encontra presente no CDC, conforme abaixo descrevemos:
…pode ser definida, grosso modo (sic), como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças. (26)
Este princípio tem existência implícita nos contratos celebrados. A lei presume a boa-fé de ambas as partes envolvidas na relação negocial, assim assevera a harmonia dos interesses dos consumidores e fornecedores, e, principalmente, projeta a segurança nos contratos celebrados.
Nossos tribunais, especialmente o Colendo Superior Tribunal de Justiça, têm aplicado em seus julgamentos, os postulados da boa-fé objetiva, com destaque para os concernentes aos deveres de conduta.
Assim julgou o STJ no RESP. n.° 590336 / SC, j. 07.12.2004, v.u., 3ª T., rel. min. Nancy Andrighi, DJ 21.02.2005, p. 175, in verbis:
Como ficou observado, o principio da boa-fé objetivo é que deve nortear a segurança nas relações negociais, juntamente com outros fatores de relevância correlata. Busca compatibilizar os interesses visivelmente contraditórios, como ocorre no caso acima. A parte vulnerável se depara com o fato de o mesmo seguro de vida conter inserido um plano de saúde. Ocorre que, a operadora controlará o histórico das doenças adquiridas ao longo da vida do segurado e através de argumentos indolentes fará a negação da concessão dos benefícios contratados. Isso se torna passivo de indenização, como ocorreu nesta ação acima.
A boa-fé objetiva funciona, nesse caso, como um molde, que deve ser respeitado por ambas as partes, caso contrário, ocasionaria a falta de segurança nas relações consumeristas, impedindo que se chegassem ao equilíbrio de direitos e deveres das partes.
3.2.2 Equilíbrio
Defrontamo-nos, agora, com o princípio norteador da justiça. Encontra-se implicitamente descrito no Art. 3°, I, CR/88, quando se fala em construir uma sociedade justa. Assim, foi citado no Código comentado de Nunes: “relações jurídicas equilibradas implicam a solução do tratamento eqüitativo”. (27)
Tal princípio é mais ligado à vulnerabilidade do consumidor, esta sendo presumida. A experiência mostra que, em vários casos, ocorre a má-fé por parte dos consumidores, que acham por bem desconsiderar tais obrigações iníquas ou que tragam desvantagens exageradas.
Como exemplo do que fora dito acima, temos muitos casos reclamados no Órgão Estadual de Defesa do Consumidor (DECON – Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor), que, quando constatada a improcedência do pedido, ocorre o arquivamento.
Os fatos mais freqüentes são de reclamações contra concessionárias de serviços essenciais, tais como: a Coelce, a Cagece e as empresas de telefonia fixa e móvel. Num caso específico, envolvendo a empresa Coelce, o membro do Ministério Público Estadual constatou nos autos, através de Termo de Ocorrência de Irregularidade emitido pela concessionária, que a reclamante havia realizado procedimento irregular na instalação elétrica de sua residência, mais conhecido popularmente como “gato”.
Quando a Empresa Concessionária fornecedora de energia elétrica constata a ocorrência de qualquer procedimento irregular cuja responsabilidade não lhe seja atribuível e que tenha provocado faturamento inferior ao correto, ou no caso de não ter havido qualquer faturamento, adota as seguintes providências:
1°. emitir o “Termo de Ocorrência de Irregularidade”, em formulário próprio, contemplando as informações necessárias ao registro da irregularidade;
2°. promover a perícia técnica, a ser realizada por terceiro legalmente habilitado, quando requerida pelo consumidor;
3°. implementar outros procedimentos necessários à fiel caracterização da Irregularidade;
4°. proceder a revisão do faturamento com base nas diferenças entre os valores efetivamente faturados e os apurados por meio de um dos critérios descritos nas alíneas abaixo.
Os itens acima foram coletados no Art. 72, da Resolução n.° 456, de 29 de novembro de 2000, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.
Tal procedimento irregular burla o equilíbrio nas relações de consumo, além de ser tipificado penalmente como furto, consoante o Art. 155, §3°, do CPB, in verbis: ara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”.
É “conditio sine qua, non” a observância deste princípio nas relações de consumo, que regem preordenadamente a harmonia desejada pelo Código de Defesa do Consumidor. A beleza do instituto em tablado é a igualdade de interesses como essência de uma boa realização negocial. A troca de interesses garante o equílibro, assim como o bom senso. Sobre a eqüidade na relação de consumo falou Hélio Zaghetto Gama:
…Eqüidade, nós damos a todas as pessoas um tratamento eqüitativo e proporcional, na busca de uma igualdade. A perfeição da igualdade é um ideal a ser seguido.
Nas relações de consumo os consumidores devem ser tratados, pelos fornecedores, com a devida eqüidade. Se num financiamento um fornecedor praticou juros e encargos de certa monta, deverá aplicar nos demais financiamentos – a outros consumidores – as razões da eqüidade. Há fatores a considerar como o grau de risco a ser enfrentado e os graus de elasticidades das prestações e até mesmo os locais ou as formas de pagamento concebidos. (28)
O comentário acima serve para demonstrarmos a necessidade da igualdade nas contratações para que seja concretizado o princípio da eqüidade, que se encontra esculpido no inciso II do Art. 6°, e que mantém intrínseca relação com o princípio da igualdade estampado no texto constitucional (Art. 5°, caput, da CR/88). (29) Desta forma, o fornecedor fica obrigado a proporcionar as mesmas condições à maioria dos consumidores, com exceção daqueles que carecem de proteção especial, a exemplo dos idosos, gestantes, deficientes físicos e crianças.
3.2.3 Reciprocidade e moderação
Numa relação de consumo deve constantemente predominar os critérios de reciprocidade. Recíproco é o que importa em troca ou permuta entre duas pessoas ou dois grupos de pessoas (30). Se, numa contratação, o fornecedor não cumprir com sua obrigação, o consumidor também não estará compelido a cumprir a sua obrigação, ou seja, o adimplemento de um irá depender do adimplemento do outro.
É lícito, em razão do principio da reciprocidade, que o consumidor possa exigir salvaguardas contratuais ou reforços de garantias. Isso sempre pode ocorrer nas obrigações subordinadas, em que o consumidor só deva pagar, quando o fornecedor oferecer a contraprestação a que está obrigado. (31)
Acreditamos que tal reciprocidade deve manter ligação com a confiança que deve haver entre as partes durante a negociação. Sem essa condição, o processo de compra e venda se torna volúvel, impossível de ser realizado. O consumidor, estando temeroso com a realização de qualquer tipo de compra, logicamente ela não se concretizará.
A ligação entre fornecedores e seus consumidores deve ser moderada, ou seja, precisa respeitar alguns limites para evitar excessos, mantendo a prudência com relação ao firmamento do negócio. Da mesma forma argumenta Gama:
Pelo fato de um fornecedor argüir-se como credor de um consumidor, não pode ele execrar a dignidade deste. Pelo fato de um consumidor conter uma razão ou uma demanda contra um fornecedor, nem por isso pode ele ultrapassar os limites da contenda para querer condenações maiores. (32)
É compreensível que a cada ação empregada de forma benéfica ou maléfica corresponderá a uma reação que lhe será diretamente contrária e proporcional. Assim, temos que cumprir os princípios acima elencados, além de outros, para que possamos ter uma relação de consumo justa, equilibrada e moderada, segura e de boa-fé.
A partir deste capítulo é que daremos continuidade ao enfoque principal do tema, que é sobre os direitos do fornecedor no CDC, garantia de equilíbrio na relação de consumo. O tema é o pilar de sustentação deste estudo acadêmico. É pouco abordado pelos doutrinadores pátrios. Nossa intenção é de transmitir maior conhecimento aos operadores do direito.
4.1 Direitos dos Fornecedores
Nos bancos acadêmicos nos é, em regra, ensinado o Direito do Consumidor de forma restrita, com observância apenas da tutela pertencente ao consumidor, esquecendo-se da outra parte envolvida na relação negocial. Daí nasce a dúvida sobre quais os direitos a serem realizados pelo fornecedor. Ocorre que devemos observar alguns princípios constitucionais, antes mesmo de entrarmos no mérito da discussão sobre direitos do fornecedor, que é matéria a ser abordada ao longo deste texto.
Os órgãos competentes para aplicarem a lei de consumo ao caso concreto, deverão prioritariamente perceber os princípios do contraditório e da ampla defesa, do devido processo legal, da legalidade ou da reserva legal, entre outros.
A demanda judicial ou administrativa dá-se com o pedido inicial, que deve seguir os parâmetros estabelecidos no Art. 282 do Código de Processo Civil, sendo composta por todos os meios probatórios admitidos no universo jurídico, com fulcro de que não seja considerado o pedido inepto. O deferimento ou indeferimento do pedido caberá ao agente competente, que o faz através do seu livre convencimento e pelos meios de admissibilidade ou não do pedido. Há de se constatar que, na maioria dos casos, o interesse público predomina sobre o particular. Daí porque são impetradas as ações civis públicas. A título de ilustração teceremos a definição mais completa do que seja ação civil pública, in verbis:
A ação civil pública, disciplinada pela Lei n. 7.347, de 24.7.85, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações da ordem econômica (art. 1°), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade. Não se presta a amparar direitos individuais, nem se destina à reparação de prejuízos causados a particulares pela conduta, comissiva ou omissiva, do réu. (33)
Após o exposto, só nos cabe apresentar alguns dos direitos inerentes aos fornecedores, e que se encontram respaldados nas leis infraconstitucionais, como o CDC.
4.1.1 Contraditório e ampla defesa
Entendemos direito de defesa (34) como sendo: “faculdade natural do indivíduo que lhe permite praticar quaisquer atos lícitos para contrapor-se a uma acusação ou violação e esbulho de um direito seu”. Primeiramente, devemos relembrar de um direito universal, que é o contraditório e a ampla defesa, cuja observância é vinculada à legalidade do processo, tanto judicial quanto administrativo. Tal direito encontra respaldo na Constituição da República de 1988, no inciso LV, do Art. 5°. Quando se demanda uma ação judicial, o fornecedor deverá ser citado para se defender em juízo, sendo concomitantemente lhe fornecido prazo para tal contestação do pedido inicial. Na esfera administrativa, ele é intimado para comparecer ao órgão competente para que preste esclarecimentos de seu interesse.
Em matéria constitucional, abordaremos apenas este principio, por ser de maior relevância para o estudo em tablado. Passaremos, então, a expor os direitos implícitos e explícitos do fornecedor ponderados no Código de Defesa do Consumidor.
4.1.1.1 Direito a dupla defesa
A prerrogativa do direito de ação proporciona o direito de defesa. Trata-se do princípio da ação e reação, uma não pode coexistir sem a outra. Para melhor entendimento temos que: quando se demanda uma ação, aguarda-se uma contrapartida da outra parte envolvida, ou seja, o réu, reclamado, demandado e outros adjetivos. Portanto, não ocorrendo a participação do outro pólo da relação processual, esta não pode prosperar. Por exemplo, a não citação válida do reclamado causa nulidade no processo judicial ou administrativo, pois não se formou a tripolarização da relação jurídica, autor-juiz-réu ou consumidor-conciliador-fornecedor, assim ocorre também se houver má indicação do sujeito oposto, ou mesmo a caracterização da ilegitimidade ad causam deste sujeito.
Partindo dos dados apresentados acima, iniciamos o estudo do direito a dupla defesa do fornecedor. Este tem o direito de fazer sua defesa por escrito, respeitando os prazos prescricionais ou decadenciais, a começar da citação válida. A decisão judicial ou administrativa quando proferida, deverá conter seus fundamentos correlatos ao caso concreto. Tal decisão poderá ser recorrida, em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, dirigida aos órgãos recursais, como Tribunais e Juntas Recursais, como exemplos.
O princípio acima indica a possibilidade de revisão, por via de recurso das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior: garante, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da jurisdição superior, ou de segundo grau (também denominada de segunda instância).
4.1.2 Gratuidade no serviço
No Art. 3° do CDC, conforme já fora mencionado no capítulo anterior, traz as definições de fornecedor, serviço e produto. Observamos que quando um serviço é fornecido gratuitamente, este não comporta proteção do CDC, portanto, caso o fornecedor preste serviço gratuito, este não se enquadra no conceito de “serviço” do CDC e não tem as mesmas garantias.
É importante frisarmos que o CDC estabelece serviço como àquela atividade fornecida mediante “remuneração”. Agora, o que torna pertinente é entender o alcance da norma que estamos tratando. Para estarmos diante de um serviço prestado sem remuneração, será indispensável que, em tese, o prestador do serviço não tenha, de forma alguma, ser ressarcido de seus custos, e, em segunda hipótese, em função da natureza da prestação do serviço, não tenha cobrado o preço.
Devemos ressalvar que tal entendimento exposto só se encontra relacionado com os serviços prestados e não a produtos adquiridos gratuitamente, conhecidos como “amostras grátis”. Os produtos gratuitos conservam-se abrangidos nas garantias do CDC (35). Excetua-se, ainda, da “gratuidade” prevista no CDC, a “remuneração indireta”, entre a qual se destaca, por exemplo, passagem aérea “grátis” oriunda de um programa de fidelidade.
A chamada “amostra grátis” deve ter todas as características exigidas e está sujeita às regras relativas aos vícios, defeitos, prazos de garantia etc, conforme dita o parágrafo único do Art. 39 do CDC, in verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento. (grifo nosso)
A lei é bastante clara quando tratou do assunto. Existe a não obrigação de pagamento quando o produto ou serviço são fornecidos gratuitamente, mas ressaltamos que a garantia se relaciona apenas aos produtos e não aos serviços, conforme dito acima.
4.1.3 Revisão contratual – direito de ambos
A revisão dos contratos celebrados é permitida pelo Código de Defesa do Consumidor, quando estes apresentam notória desproporcionalidade. Tanto para os consumidores quanto para os fornecedores é permissível solicitar a revisão de seus contratos em juízo. Assim é o que preconiza o inciso V, do Art. 6° do CDC, que diz: “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. É meritório apresentarmos os ensinamentos de Rizzatto Nunes no que se refere ao direito de revisão. Afirma o seguinte:
A garantia de revisão das cláusulas em razão dos fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas tem, também, fundamento nos outros princípios instituídos no CDC citados no item anterior: boa-fé e equilíbrio (art. 4°, III), vulnerabilidade do consumidor (art. 5°, caput, da CF). (36)
Compreendemos com clareza o sentido de revisão contratual trazido pelo CDC. Não devemos confundi-la com a cláusula rebus sic stantibus. A lei consumerista trata da revisão pura, decorrentes de fatos posteriores ao pacto, independentemente de ter havido ou não previsão ou possibilidade de previsão dos acontecimentos. A teoria da imprevisão pressuposta na regra da cláusula rebus sic stantibus tem como desígnio o fato de que, na ocasião da assinatura do contrato, as partes não detinham condições de conjeturar aqueles episódios, que acabaram emergindo.
À cerca da boa-fé como regra de conduta e base da revisão contratual veio falar Theodoro Junior em sua obra a respeito dos direitos do consumidor. Proclamou o seguinte entendimento:
A invocação da boa-fé, em matéria de revisão contratual sempre se fez, na tradição do direito das obrigações, como fundamento para desconstituição ou anulação do negócio jurídico por vício de consentimento (erro, dolo, coação, fraude).
Na moderna concepção da função social do contrato, agasalhada pelo CDC, a boa-fé assume feição diferente da tradicional. Em vez de se localizar no plano subjetivo da formação do consentimento, ela se desloca para o plano objetivo do equilíbrio entre prestações e contraprestações. (37)
Concluindo, temos que o fornecedor também tem o direito de solicitar revisão contratual ao juiz competente, sem interferir na vulnerabilidade do consumidor, quando manifesta a desproporcionalidade nas cláusulas compactuadas.
4.1.4 Inversão do ônus da prova
É admissível, conforme o Art. 6°, inciso VIII do CDC, que o resguardo dos direitos do consumidor em juízo seja facilitado pela utilização da inversão do ônus da prova. O consumidor só poderá realizar tal direito no processo civil, e não no processo administrativo. Daí fica evidente um dos direitos do fornecedor, pois este artigo de forma implícita lhe transfere uma garantia de que o consumidor só poderá demandar pela inversão do ônus da prova quando a tutela for judicial, negada, portanto, na esfera administrativa.
Como exemplo do que fora dito, temos os PROCONs que, em regra, são compostos por representantes do Ministério Público Estadual, sendo responsáveis por conciliações, investigações preliminares e processos administrativos em matéria de Direito do Consumidor. Nestes casos, não é permitida a inversão do ônus da prova.
Fica evidente a intenção da lei em quebrar com a tradicional regra incorporada nos incisos do Art. 333 do Código de Processo Civil. Nesta hipótese, caberá ao autor proporcionar ao juiz o conhecimento dos fatos necessários à definição e atuação do direito de que se afirma titular. Adiante, exporemos os textos dos dois artigos:
Art. 6º, CDC. São direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
Art. 333, CPC. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
A decisão judicial que determinará ou não a inversão do ônus da prova, deverá ser fundamentada, conforme exigência constitucional (Art. 93, IX, CR/88). O juiz, ao decidir pela inversão, deve demonstrar a presença, no caso sub examine, de alegações verossímeis ou de hipossuficiência do consumidor (38). É válido apresentar o significado jurídico dessas duas características:
A verossimilhança é juízo de probabilidade extraída de material probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser provavelmente verdadeira a versão do consumidor. Diz o CDC que esse juízo de verossimilhança haverá de ser feito ‘segundo as regras ordinárias da experiência’ (art. 6°, VIII). (39) (grifo original)
A noção de hipossuficiência, por outro lado, é-nos dada pelo parágrafo único do art. 2° da Lei n° 1.060, de 5.2.50, como sinonímia de ‘necessidade’, a saber: ‘Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.’ (40)
Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto ou serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc. (41)
Essa conduta implementada pelo CDC impede que consumidores com o intuito de agirem com má-fé, possam arruinar a empresa reclamada com demandas contrárias à razão, cuja solução se dê à luz da inversão do ônus da prova empregada de forma a inviabilizar a defesa do fornecedor, é medida que, à clareza, ataca o princípio fundamental da harmonização das relações entre as partes no mercado de consumo.
4.1.5 Produto industrial – responsabilidade pelas informações
O parágrafo único do Art. 8° dispõe sobre a responsabilidade dos fabricantes pelas informações aos seus consumidores sobre o risco à saúde ou segurança aos mesmos. As informações deverão ser claras e precisas. Desta forma, seguimos o disposto acima, que diz: “os casos de produto INDUSTRIAL que acarretam riscos à saúde e segurança dos consumidores, cabe ao FABRICANTE, e não ao COMERCIANTE, prestar informações em impressos que acompanhem o produto”.
Verificamos neste artigo o direito de uma das espécies de fornecedor, que é o comerciante. Este não será responsável pelas informações sobre produto industrial que ocasione riscos à saúde e segurança de seus adquirentes. Compete ao fabricante fornecer informações sobre os riscos que não são normais e previsíveis em decorrência da natureza e utilização dos seus produtos ou serviços. Tal obrigatoriedade, nesta conjuntura, está significativamente pautada ao núcleo da norma.
4.1.6 Excludente de responsabilidade
Para o consumidor que se sentir lesado, prejudicado, por algum dano causado por produtos ou prestação de serviços, caberá indenização por danos morais e materiais na sua proporcionalidade. O ponto crucial do direito de ressarcimento dos danos causados ao consumidor e do dever de indenização do agente responsável pelo produto ou pelo serviço é o fato do produto ou do serviço causador do acidente de consumo. É sabido que, neste momento, a responsabilidade civil do agente é objetiva, oriunda do risco integral de sua atividade econômica.
Existem casos em que a espécie comerciante não responde pelo fato do produto, excetuando-se as hipóteses do Art. 13, do CDC, que diz:
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
O comerciante, quando demandado, judicialmente ou administrativamente, poderá requerer que primeiramente sejam reclamados o fabricante, o construtor ou o importador. Assim sendo, somente poderia ser chamado em contendas de natureza consumerista nas hipóteses elencadas no artigo acima mencionado. Para darmos maior enfoque e esclarecimento, traremos abaixo dois exemplos mostrados por Rizzatto Nunes, que tratam de dois consumidores que vão a uma concessionária receber seu veículo zero quilômetro no mesmo instante. Ambos recebem seu carro com o mesmo problema de fabricação: o sistema de freios não funcionará quando brecado. Vamos aos fatos concretos:
O primeiro consumidor conduz o veículo, e quando aciona o breque não consegue pará-lo. Mas, aos poucos, reduzindo as marchas, consegue encostar o carro na guia e, assim, estaciona-lo.
O outro, ao atingir a esquina em certa velocidade, depara com o sinal vermelho. Pisa no breque e este não funciona. Acaba numa colisão, com danos no seu e em outro veículo.
No primeiro caso, diz a lei (art. 18) que a escolha do responsável por consertar o veículo (vício) é do consumidor. Como a norma estipula o gênero – fornecedor –, o consumidor pode tanto acionar a concessionária quanto a montadora. (grifo nosso)
Na segunda hipótese, não. Como se trata de acidente de consumo e defeito (art. 12), o consumidor lesado é obrigado a pleitear o ressarcimento dos danos junto à montadora, na qualidade de fabricante. (42)
No caso acima, fica claro o defeito de fabricação do veículo, só que os fatos ocorridos é que vão caracterizar a modalidade de indenização a ser perquirida e o indivíduo a ser demandado, como na segunda hipótese, o comerciante (proprietário da concessionária) não responde pelo fato do produto e, sim, o montador (fabricante).
Sobre este tópico é pertinente lembrarmos que o produto não será considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. Assim é o que determina o parágrafo segundo junto ao Art. 12, do CDC.
4.1.7 Direito de não indenizar
Vislumbramos mais um direito do fornecedor no parágrafo terceiro do Art. 12, já mencionado. O fornecedor tem a prerrogativa de não indenizar no caso de fato de produto ou serviço elencados nos itens do parágrafo acima citado, in verbis;
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Essas são hipóteses específicas de exclusão da responsabilização para efetivação de indenizações por fato do produto ou serviço. As causas excludentes de responsabilidade do prestador de serviços são as mesmas previstas na hipótese do fornecimento de bens.
Temos que, como exemplos mais claros da causa de excludente prevista no inciso I, seriam aqueles relacionados com o furto ou roubo de produto defeituoso estocado no estabelecimento, ou com utilização indevida do nome, marca ou signo distintivo, cuidando-se, nesta última hipótese, da falsificação do produto. Da mesma forma, pode acontecer que, em função do vício de qualidade, o produto defeituoso tenha sido apreendido pela administração e, posteriormente, à revelia do fornecedor, tenha sido introduzido no mercado de consumo, circunstância esta eximente da sua responsabilidade. (43)
Uma segunda eximente que pode ser invocada pelos fornecedores é a da inexistência do defeito (inciso II). Os acidentes de consumo supõem, como um prius, a manifestação de um defeito do produto ou serviço, e como um posterius, um evento danoso. O defeito do produto ou serviço é um dos pressupostos da responsabilidade por danos nas relações de consumo. Caso o produto não apresentar vício de qualidade, ocorrerá ruptura da relação causal que delimita o dano, ficando afastada a responsabilidade do fornecedor. (44)
A terceira e última eximente, o inciso III trata da “culpa exclusiva da vítima ou de terceiro”. A conduta culposa do consumidor ou de terceiro é passível de investigação só com fulcro de demonstrar a exclusividade da culpa. A demonstração da culpa exclusiva do consumidor ou terceiro caberá ao fornecedor, em conseqüência do princípio da inversão do ônus da prova, em processos judiciais, conforme já explanado. Este terceiro, in casu, é qualquer pessoa que não se identifique com os partícipes da relação negocial descrita no Art. 12 e que abrange, de um lado, o fornecedor e, do outro, o consumidor. (45)
A excludente de responsabilidade prevista no inciso II e, por extensão, no Art. 14, §3°, II, do CDC, é tão significativa que a jurisprudência do STJ vem orientando-se no sentido de afastar, neste caso específico, a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços. (46)
Outro ponto que merece relevância é o que trata dos produtos que apresentam pequenos defeitos e que são postos à venda. É permitido ao fornecedor colocar no mercado de consumo produtos com pequenos vícios, desde que haja expressamente observado na nota fiscal o motivo do abatimento do preço. É importante ponderarmos que o defeito apresentado não pode obstruir a utilidade daquele produto adquirido, ou seja, ele não deve impedir que o mesmo alcance a sua finalidade precípua, caso não existisse qualquer vício.
4.1.7.1 Caso fortuito ou força maior
Quando abordamos a matéria excludente de responsabilidade, nos reportamos às hipóteses de caso fortuito e força maior, delineadas no Art. 393 do Novo Código Civil (antigo Art. 1.058, de Código Civil de 1916), que trata da responsabilidade na esfera civil, não estando, porém, elencadas entre as causas excludentes da responsabilidade pelo fato do produto. Este artigo estabelece o caso fortuito e a força maior como forma de exoneração de responsabilidade, onde afirma que “o devedor não responde pelos prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior, salvo convenção ou determinação específica da lei”.
O Superior Tribunal de Justiça tem aplicado em seus julgamentos, de forma subsidiária, os postulados do caso fortuito e da força maior, com relevância ao dever de indenização ou não por danos causados por produtos ou serviços.
Assim julgou o STJ no RESP. n.° 330523 / SP, j. 11.12.2001, v.u., 3ª T., rel. min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 25.03.2002, p. 278, in verbis:
Ação de indenização. Estacionamento. Chuva de granizo. Vagas cobertas e descobertas. Art.1.277 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor. Precedente da Corte.
1. Como assentado em precedente da Corte, o ‘fato de o artigo 14, §3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa eu, no sistema por ele instituído, não possam ser invocados. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil’. (REsp n° 120.647-SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 15/05/00).
O direito pátrio admite que o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil. O Código do Consumidor não as estabeleceram como causas excludentes de responsabilidade entre as demais causas elencadas; todavia, conforme entendimento já expressado, não foi afastado, mantendo-se como causa para impedir o dever de indenizar. A doutrina atualizada já advertiu que esses acontecimentos – ditados por forças físicas da natureza ou que, de qualquer forma, escapam ao controle do homem – tanto podem ocorrer antes como depois da introdução do produto no mercado de consumo.
Nossa opinião é de que o fornecedor não poderá ser responsabilizado por um fato que não deu causa, nem mesmo por negligência, imprudência ou imperícia. O entendimento jurisprudencial é bastante claro, utilizando-se subsidiariamente dos mandamentos da lei civil, quanto aos casos de excludente de responsabilidade civil.
4.1.8 Direito de regresso
Numa demanda, o fornecedor poderá responder objetivamente por eventuais danos causados por fato do produto ou serviço. Quando constatado que o dano é de responsabilidade de outro indivíduo, aquele terá o direito de regresso, processado em ação própria, contra este. Desta forma é o entendimento ventilado pelo parágrafo único do Art. 13, do CDC: “Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso”. Concorre a ação regressiva da seguinte forma:
Compete a quem satisfaz obrigação de responsabilidade de outrem, invocando-se o direito de regresso contra este, para reaver a importância paga. O endossante de letra de câmbio que pagar o valor da letra ao portador terá direito de regresso contra o endossante que o preceder e os demais responsáveis (sacador e aceitante). (47)
Sine embargo, a explicação sistemática da lei nos inspira a espalharmos sua utilização a todos os coobrigados do Art. 12, caput, ou melhor, instruir o direito de regresso daquele que pagou a indenização face aos demais co-responsáveis na causação do evento danoso.
Convém termos presente que, conforme dita o Art. 88 do CDC, o direito de regresso assegurado nesta frase poderá ser exercitado nos mesmos autos da ação de responsabilidade ou em processo autônomo (48). Diz o predito artigo: “na hipótese do Art. 13, parágrafo único deste código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide”.
4.1.9 Profissionais liberais – nexo causal
Entendemos profissão liberal como sendo “a atividade privativa de detentores de diploma universitário, cuja prestação de serviço é caracterizada pela independência quanto ao desempenho científico e à remuneração. Profissional liberal, o exercente dessa atividade”. (49)
Os profissionais liberais somente serão responsabilizados mediante a verificação de culpa. Assim é o que determina o Art. 14, §4°, CDC: “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” Neste caso, constatamos um desvio à regra geral esculpida no princípio da objetividade da responsabilidade civil por danos.
Cuida-se do fornecimento de serviços realizados por profissionais liberais, especificamente, cuja responsabilização pelos atos serão apurados mediante verificação de culpa, ou seja, através do nexo causal. Diz-se nexo causal, “na composição da responsabilidade civil, da relação de causa e efeito entre o fato e o dano ressarcível”. (50)
Compreendemos a dessemelhança de tratamento pelo motivo da natureza intuitu personae (tendo em conta a pessoa, ou em consideração a ela) (51) dos serviços prestados por profissionais liberais, de onde se observa sua experiência, profissionalismo e dedicação, entre outros fatores. Como exemplos, temos os cirurgiões dentistas, médicos, contabilistas e advogados, citando apenas os mais apreciados, sendo contratados ou constituídos com fundamento na segurança ou confiança que denotam a seus respectivos consumidores.
Concluindo este tópico, citaremos a idéia profanada por Rizzatto Nunes, quanto ao objetivo da norma, que diz: “o objetivo mais evidente da norma é submeter o chamado profissional liberal à obrigação de indenizar com base na responsabilidade subjetiva, isto é, por apuração de culpa”. (52)
4.1.10 Prazos para conserto
O parágrafo primeiro do Art. 18 vem apresentar o prazo para saneamento do vício, que é de no máximo 30 (trinta) dias. Este é o prazo legal constituído ao fornecedor para que traga uma solução ao problema apresentado em produto ou serviço que tenha ofertado. O CDC nos demonstra as soluções cabíveis ao caso concreto na hipótese do vício não ser sanado no prazo estipulado acima, senão vejamos:
Art. 18 – (…)
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
É importante salientarmos que o fornecedor só tem o dever de dar as alternativas acima se o vício não for sanado em 30 dias. Ou melhor, o fornecedor, desde o recebimento do produto com vício, tem 30 dias para saná-lo sem qualquer ônus. Casuais ônus aparecerão somente após os 30 dias, se o serviço de saneamento tiver sido realizado com êxito. Isso se dá pela lógica jurídica, pois a garantia de um produto nunca será vitalícia, por mais que sejam duráveis elas perecem.
Alguns doutrinadores afirmam que tal prazo é muito elevado e que os legisladores até tentam mitigar este problema por meio da estipulação da norma contida no §2° do mesmo artigo acima, que dita:
Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.
Em termos contratuais, a garantia não pode ser inferior a 7 (sete) nem superior a 180 (cento e oitenta) dias, como ficar convencionado entre os partícipes da relação de consumo. Assim, nasce a garantia complementar que equivale à garantia relativa ao CDC incluindo a garantia do fornecedor, conforme Art. 50, caput e parágrafo único, que diz: “a garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito”.
4.1.10.1 Direito de realizar o Recall
O termo recall, de origem inglesa, que significa chamar de volta, passou a fazer parte do vocabulário dos brasileiros nos últimos anos. Em matéria de Direito do Consumidor e Fornecedor temos o recall como uma prerrogativa que tem o fabricante de determinado produto ou prestador de serviço de chamar de volta aqueles consumidores que adquiriram seus bens e por infelicidade apresentaram algum tipo de defeito, sendo passível de causarem danos, evitando assim a ocorrência de um acidente de consumo.
Assim o produto ou serviço será considerado defeituoso nos termos do CDC, se vier a apresentar a potencialidade de causar dano, quando não tinha essa característica como própria ou ainda quando supera os riscos previsíveis para o ser humano. Se o fornecedor verificar que após a colocação de produto ou serviço no mercado, esse apresenta nocividade ou periculosidade que não faz parte de sua essência ou destinação normal, deverá com base no princípio da segurança prestar de imediato, todas as informações necessárias e adequadas a respeito do problema verificado.
O chamamento (recall) tem por objetivo básico proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança do consumidor. Supletivamente visa evitar prejuízos materiais e morais dos consumidores.
A prevenção e a reparação dos danos estão intimamente ligadas, na medida em que o recall objetiva sanar um defeito, que coloca em risco a saúde e a segurança do consumidor, sendo que qualquer dano em virtude desse defeito será de inteira responsabilidade do fornecedor. Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor é objetiva, conforme já exposto anteriormente. O recall visa, além disso, a retirada do mercado, reparação do defeito ou a recompra de produtos ou serviços (quando for o caso) defeituosos (buyback) a ser realizado pelo fornecedor. O recall deve ser gratuito, efetivo e sua comunicação deve alcançar os consumidores expostos aos riscos.
Em nosso país, o instituto do recall está disposto no Código de Defesa do Consumidor, em seu Art. 10, §1º:
Art. 10 – O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.
§ 1º – O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
Evidencia-se, portanto, a importância do recall, que visa informar, orientar, prevenir e reparar danos.
4.1.11 Pagamento de diferença do valor proporcional
Conforme dito no item anterior, o consumidor tem o direito de requerer a substituição do produto viciado por outro da mesma espécie, marca e modelo. Haverá casos em que o consumidor optará por bens de mesmo valor ou de valor mais elevado. Neste último caso, quando o consumidor escolhe um produto de valor mais elevado, deverá pagar a diferença ao fornecedor. Esta é a interpretação que inspira operatividade à doutrina e que se harmoniza com a disposição contida no §4°, do Art. 18 do CDC, in verbis:
Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.
Não seria justo determinar ao fornecedor a substituição de um bem (espécie) de uma marca-modelo por outro de maior renome e valor, quando inalteradas as condições de preço no mercado. Caso contrário seria locupletaçao ilícita por parte do consumidor. Além do que, o vício e conseqüência da produção em massa, a qual beneficia igualmente o consumidor seja na oferta seja nos processos dos produtos.
4.1.12 Venda de produtos “in natura”
Existe uma curiosidade quanto a este tópico, qual seja, o de identificar qual o sujeito responsável pela reparação de algum dano proveniente do uso de produtos in natura. O parágrafo quinto do Art. 18 indica como sujeito passivo da relação de responsabilidade o fornecedor imediato, que na maior parte das vezes é o comerciante (pequeno, médio e grande), e raras vezes, o produto rural. Este é o mais difícil de ser identificado ou detectado.
Compreendemos, por produto in natura, o produto agrícola ou pastoril, colocado no mercado de consumo sem sofrer qualquer processo de industrialização, muito embora possa ter sua apresentação alterada em função de embalagem ou acondicionamento (53). Nos casos de fornecedores de produto ‘in natura’, o comerciante só será responsável pelos vícios se não identificado claramente o produtor. O comerciante (fornecedor imediato) tem essa prerrogativa como direito, resguardado na lei consumerista.
A regra ressalva, in fine, a responsabilidade do produtor, rectius produtor rural, quando ele puder ser identificado, mas essa regra só prevalece quando o fornecedor imediato demonstrar que o produtor é que deu causa ao perecimento do produto. (54)
4.1.13 Art. 19 – defesa do fornecedor
Esta norma trata da responsabilidade solidária pelos vícios de quantidade do produto. Logicamente, quando um produto causa um dano ao seu consumidor, este terá prerrogativa de buscar meio de ter uma reparação de danos, ou um ressarcimento, ou uma substituição e ou um abatimento proporcional do preço, tudo da forma que lhe convier. Daí questionou-se: “e o fornecedor pode fazer uso das alternativas de defesa previstas no §3° do Art. 14 ou no §3° do Art. 12”?
Tal indagação foi formulada por Rizzatto Nunes, e o mesmo apresentou a seguinte resposta: “Sim, pode. Na medida em que a sistemática é a mesma e como se trata, similarmente, de dano causado por defeito decorrente de vício não sanando dentro das alternativas previstas na norma, o caminho é o mesmo”. (55)
As suposições de defesa do §3° do Art. 14 e do §3° do Art. 12 adequam-se por analogia às do Art. 19, porquanto que este não prevê os recursos para proteção dos direitos do fornecedor. Isso se dá em conseqüência da regra geral da responsabilidade objetiva estabelecida no CDC. Descreveremos os parágrafos acima:
Art. 12. (…)
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 14, § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
4.1.14 Responsabilidade por vícios de quantidade do produto
Trataremos agora do parágrafo segundo do Art. 19, que dispõe que “O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais”.
A conjetura desse parágrafo é de condicionar o dano aos partícipes responsáveis pelo vício. A norma busca a solidariedade entre os sujeitos envolvidos no ciclo de produção e consumo. A regra limita ao fornecedor imediato a responsabilidade no caso de ele próprio fazer a pesagem e mediação sem seguir os padrões oficiais.
É importante observarmos que os responsáveis descritos acima são as espécies de fornecedores imediatos. Na detectação dos vícios têm-se a possibilidade de suceder duas coisas em relação à pesagem e à medição (56):
1°) pode acontecer de o instrumento utilizado estar aferido conforme os padrões oficiais e mesmo assim o resultado ser vício de quantidade;
2°) pode acontecer que o instrumento utilizado não estar aferido conforme os padrões oficiais e não existir qualquer vício.
Diante dessas duas vertentes, fica demonstrada a subjetividade que acoberta os meios de pesagem e medição de produtos. No primeiro caso, pode ocorrer manipulação por parte do vendedor. O instrumento não apresenta qualquer falha, mas o consumidor recebe menos do que pediu e pagou. Os exemplos desse tipo são aqueles em que o fornecedor imediato frauda a medição ou pesagem. Temos, a título de ilustração, o fato de alguns restaurantes self-service que cobram alimentos por peso, que durante o ato de pesagem cobram o valor referente ao prato (objeto físico), incluindo-o na contagem final, totalizando o valor da refeição mais o valor do prato em peso. Outros que agem de boa-fé, reduzem o valor referente à pesagem do prato. No segundo caso, fica a aparência de que o produto está sendo pesado ou medido corretamente, só que o instrumento utilizado não segue os padrões oficiais. Desta forma, o consumidor é lesado em muitos casos, e também, passa despercebido, pois o vício é de difícil constatação.
Os dois assuntos abordados nas seqüências acima, demonstram a responsabilidade pelos vícios, sendo o sujeito responsável o fornecedor imediato. Resta claro e evidente que o direito do fornecedor, como gênero, fica resguardado enquanto for identificado aquele fornecedor direto, ou seja, os comerciantes, importadores, entre outras espécies. Somente poderá ser demandado quando não forem identificados estes.
4.1.15 Prazo de garantia – prescrição e decadência
Neste tópico, disporemos inicialmente ao exame dos institutos jurídicos da prescrição e da decadência no que se atribui ao Direito do Consumidor, tomando como base o estudo normativo dos Arts. 26 e 27 da Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) e, posteriormente, abordaremos o direito do fornecedor de produtos e serviços. É essencial darmos o significado jurídico dos termos a serem explorados, ensinando-se a distinção de cada um no universo jurídico:
Prescrição – (Lat. praescriptione.) S.f. Ato ou efeito de prescrever; perda da ação atribuída a um direito que fica assim juridicamente desprotegido, devido à inércia de seu titular e em conseqüência da passagem do tempo; segundo o eminente Clóvis Beviláqua, ‘é a perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante um determinado espaço de tempo, sem perder a sua eficácia. É o não-uso da ação que lhe atrofia a capacidade de reagir’. (57)
Decadência – (Lat. decadentia.) S.f. Extinção do direito de oferecer queixa contra alguém, por decurso de prazo legal prefixado para o exercício dele. (58)
As regras concernentes à prescrição e decadência têm suas disposições gerais no Código Civil, nos Arts. 189 a 196. Essas normas, todavia, conduzem preceitos específicos, a depender do ramo específico do Direito em que se busque sua aplicabilidade. Assim é o que ocorre no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, onde observamos a disciplina dos mesmos no que se refere às relações de consumo. Para impormos maior base ao contexto sub studiu, transcreveremos os artigos da lei de consumo:
Art. 26 – O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I – 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis;
II – 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.
§1º – Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§2º – Obstam a decadência:
I – a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II – (Vetado.)
III – a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§3º – Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Art. 27 – Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
A faculdade concedida pela lei caduca, a pretensão ou pedido prescreve. No caso específico do CDC, a decadência abala o direito de reclamar, a prescrição afeta a pretensão à reparação pelos danos causados pelo fato do produto ou do serviço. A lei consumerista dividiu as duas vertentes. Abordou a decadência no seu Art. 26, quando falou “O direito … caduca…” e a prescrição no seu Art. 27, quando disse “Prescreve … a pretensão”.
Lembramos que prazo é o lapso de tempo, ou seja, período fixado na lei entre o termo inicial dies a quo e o termo final dies ad quem, cujo apresto vem a estabelecer o fato jurídico, in casu, decadencial ou prescricional, extintivo de direito. Proveitoso salientarmos que os prazos decadenciais e prescricionais do CDC são de ordem pública e, por conseguinte, imodificáveis pela vontade das partes.
De tudo o que fora exposto, fica mais fácil demonstrarmos que o fornecedor só se responsabilizará por fato de produto ou serviço dentro do prazo de garantia, cumulando ou não, o tempo legal com o contratualmente estabelecido, é claro, quando não se tratar de vício oculto. Sobre a união dos prazos (legal+contratual), encontra-se previsto no Art. 50 do CDC, que diz: “A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito”.
A letra da lei é auto-explicativa. O consumidor que se sentir prejudicado, por algum vício de produto ou na consecução de serviços, poderá se utilizar do seu direito de reclamar sobre os mesmos, desde que respeitando os prazos prescricionais e decadenciais. Depois de transcorridos tais prazos, poderá demandar em juízo para pleitear reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. O prazo acima exposto são de 5 (cinco) anos, conforme informa o Art. 27.
4.1.16 Erro na oferta
A oferta dos produtos ou serviços é um dos meios pelos quais os fornecedores se utilizam para alcançarem seus consumidores. Parte daí a publicidade e a propaganda para darem conhecimento dos preços, dos descontos, das promoções, das formas de pagamento e etc. É a forma mais dinâmica de expor bens à venda, tanto no varejo como no atacado. A publicidade e propaganda devem ser ostensivas, claras e visíveis.
Quando o fornecedor anuncia um produto/serviço cria um vínculo de obrigatoriedade e observância, não podendo se desviar ou desonerar daquilo que fora ofertado, salvo quando a oferta apresentar erro grosseiro e flagrante. O fornecedor poderá se defender provando que a oferta demonstra um equívoco latente, pois contraria qualquer padrão regular e usual de preço de venda, ou que demonstra efetivamente algum tipo de falha quando do ato de sua veiculação. É fácil demonstrarmos o que expressamos, senão vejamos os exemplos abaixo:
Vamos imaginar que uma loja de veículos tenha contratado dois meios de comunicação para que apresentasse sua oferta, que seria um veículo no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Um daqueles fez a notícia conforme o contratado, sem nenhuma falha no anúncio. Ocorre que o outro cometeu um erro de digitação tão grosseiro que fica patente a desproporcionalidade do valor cobrado ao produto exposto. O valor digitado foi de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
Conforme já se colocou ao analisar o inciso III do art. 4° (…), dois dos princípios sobre os quais está fundada a relação jurídica de consumo são a boa-fé e o equilíbrio. Eles são pressupostos de toda relação estabelecida (59). Desta forma, seria impossível propugnar por uma relação, como a do exemplo acima, na qual o bom sendo não imperasse e se se quisesse fundá-la nos princípios da boa-fé e do equilíbrio.
O que pretendemos evidenciar aqui é que, quando o fornecedor não é o agente responsável pela falha de anúncios, deveremos seguir as orientações acima, assim garantiria o direito do fornecedor. É relevante sempre demonstrarmos a boa-fé nestes casos, se não o instituto da harmonização dos interesses das partes não conquista seu apogeu.
4.1.17 Condicionamento de produtos e serviços
O Art. 39, I do CDC, não permite a venda casada de produtos ou serviços adquiridos por consumidores. Há casos específicos em que o fornecedor poderá condicionar o fornecimento de produto e serviços a limites quantitativos, quando se vislumbra justa causa. Está disposto que é vedado: “I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. (grifo nosso)
O primeiro passo que devemos interpretar é que a vendagem casada subentende-se a existência de produtos e serviços que são habitualmente vendidos à parte. O que pretendemos demonstrar é que o fornecedor tem o direito de cobrar por um conjunto único de produtos ou serviços quando estes não puderem ser fracionados. Assim, temos no exemplo: quando um lojista do ramo de alfaiataria tem um terno luxuosíssimo para vender, e que o conjunto é essencial, não poderá ser obrigado a vender apenas uma das peças, como a calça ou a blusa, ao contrário provocaria uma desvalorização da peça remanescente e desvantagem exagerada ao fornecedor.
Outro exemplo típico é o caso do “pacote” de viagem oferecido por operadoras e agências de viagem não está proibido. Não se proíbe também fazer ofertas do tipo “compre este e leve aquele” ou “pague dois e leve três”, contanto que sejam respeitadas algumas restrições adiante comentadas. O que não pode o fornecedor fazer é impor a aquisição conjunta, ainda que o preço global seja mais barato que a aquisição individual, o que é comum nos “pacotes” de viagem. Assim, se o consumidor quiser adquirir somente um dos itens, poderá fazê-lo pelo preço normal. (60)
Já tendo conhecimento de que a norma permite a utilização de limites quantitativos, na hipótese em que são justificáveis, dois casos podem acontecer: o limite máximo de aquisição e a quantidade mínima.
Sobre o primeiro caso fala Rizzatto Nunes: “justifica-se que o fornecedor imponha limite máximo em época de crise” (61). Por exemplo, quando estamos em estado de guerra que causa a diminuição ou a falta de alimentos torna necessário o racionamento da venda de produtos alimentícios. Para o segundo caso, onde o consumidor deseja comprar quantia inferior àquela posta para aquisição, fala o doutrinador: “no que respeita (…), há que se considerar os produtos industrializados que acompanham o padrão tradicional do mercado e que são aceitos como validos” (62). Por exemplo, temos todos os produtos vendidos em pacotes quantificados pelo peso. Concluímos que a venda casada comporta exceções, que podem ser comprovadas por diversos exemplos corriqueiros ocorridos no mercado de consumo.
4.1.18 Aprovação de orçamento
Trataremos agora do orçamento. É de conhecimento geral que o fornecedor de serviço encontra-se obrigado a entregar ao seu cliente orçamento prévio discriminando o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços.
Após a elaboração do orçamento, este terá validade durante o prazo de 10 (dez) dias a contar do dia do seu recebimento pelo consumidor, salvo estipulação em contrário. Caso ocorra a aceitação do consumidor, transforma-se o orçamento em contrato de adesão, obrigando os contraentes e somente poderá ser alterado mediante livre negociação das partes. Frisa-se que, uma vez aprovado pelo consumidor, suas condições se tornam imutáveis.
É direito do fornecedor exigir de seu cliente o preço acordado e aceito preliminarmente, da mesma forma que consta no orçamento. Tal procedimento exposto toma acento legal nos arts. 39, inciso VI (executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes) e 40, §2° (uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes), ambos do CDC.
4.1.19 Cobrança devida
Analisaremos agora o que a lei de consumo estabelece nas cobranças de dívidas de consumidores inadimplentes. Vejamos o que trata o Art. 42: “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.
A explicação exata desse dispositivo pode chegar à conclusão de que, a princípio, não é cabível cobrar o devedor em nenhum lugar. Então, o que a lei quer preceituar, na hipótese, é que a cobrança não deve ser levada a extremos susceptíveis de perturbar o trabalho, o descanso (fim de semana, férias etc.), a paz e o lazer. Caso ocorra teríamos uma cobrança abusiva. (63)
A cobrança de uma dívida se dá por ação regular movida pelo fornecedor-credor em face do seu cliente-devedor. O Código não impede tal procedimento. A intensão da norma, não é permitir que o fornecedor, como credor do consumidor, utilize-se dos meios e métodos intimidatórios para perquerer o resgate da dívida, já que cabe ao Estado lhe oferecer os mecanismos legais mais seguro para atingir esse fim, qual seja a ação judicial de cobrança. (64)
A cobrança devida não configura ato ilícito para quem almeja sua consumação. O ato de cobrar uma dívida constitui exercício regular de um direito. E o Art. 188, inciso I, do Código Civil assim o estabelece, in verbis: “Art. 188 – Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.”
Sobre o assunto, constatamos o direito de propriedade do qual detém o fornecedor, matéria que foi consignada na obra de Rizzatto Nunes, assim lecionando: “… o direito de propriedade é (…) uma garantia constitucional (Art. 5°, XII, da CF), o que permite que a legislação infraconstitucional, por sua vez, garanta o direito de o credor cobrar seu crédito)”. (65)
Nas cobranças de dívidas, não se é vedado a cobrança de juros de mora, haja vista o tempo de inadimplemento de alguns consumidores infiéis aos seus endividamentos. Os cálculos dos juros logicamente deverão seguir os parâmetros delineados pelo Governo, representado pelo Banco Central do Brasil. No mais, poderá ocorrer a formulação de acordos para pagamentos, respaldados em conciliações judiciais ou extrajudiciais.
4.1.20 Direito de restituição por prejuízo
No momento presente nos deparamos com a proliferação dos sistemas de consórcios destinados à aquisição de produtos duráveis, tais como: automóveis, imóveis e até semoventes. Nesse tipo de contrato, encontramos em atuação vários consorciados. Assim como em muitos outros contratos, este pode ser rescindido. O consumidor consorciado terá direito à devolução das parcelas quitadas, corrigidas monetariamente em conformidade com percentagens de mercado. Em contrapartida, em casos de prejuízos causados ao grupo será descontado. Atinaremos agora para o que determina o parágrafo segundo do Art. 53, do CDC, que diz:
Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.
O assunto foi regulamente interpretado por Nelson Nery Junior que falou o seguinte:
Ser-lhe-ão descontadas, entretanto, as vantagens auferidas com a fruição do bem. Além desse desconto, o Código diz caber ao consumidor pagar os prejuízos que causar ao grupo, seja na condição de desistente, seja na de inadimplente. O grupo a que se refere a lei é o conjunto de consorciados do qual fazia parte o consumidor, indicados geralmente por número ou letra (Grupo “A”, Grupo 32, e.g.), e não a empresa administradora do consórcio como um todo. (66)
Da mesma forma em que o consorciado é obrigado a cumprir com os prejuízos que causou ao grupo, terá, também, que desembolsar o valor da multa rescisória, que se encontra estipulado nas cláusulas contratuais. Em muitos casos os consumidores tentam burlar o contrato, se desvencilhando desta cláusula compromissória. Assim ocorrendo, transparece a sua desonestidade como um todo.
4.1.21 Direito de ajustar sua conduta
É direito do fornecedor de harmonizar sua conduta sem punições através do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, expedido pelas entidades e órgãos da Administração Pública designados para defender os interesses e direitos dos consumidores resguardados pelo Código de Defesa do Consumidor. O TAC é gabaritado conforme os termos do § 6º do Art. 5º da Lei nº 7.347, de 20.12.85, na órbita de suas respectivas competências. Quando este é celebrado, o processo administrativo fica suspenso, conforme dita o parágrafo quarto do Art. 6° do Decreto Federal n° 2.181, de 20 de março de 1997: “a celebração do compromisso de ajustamento suspenderá o curso do processo administrativo, se instaurado, que somente será arquivado após atendidas todas as condições estabelecidas no respectivo termo”.
4.2 Livre concorrência
O assunto que iremos abordar agora é de supra-relevância aos interesses dos consumidores e fornecedores. Embora se estabeleça no caput do Art. 4° do CDC, que a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, seu inciso VI, sem perder conexão com esse fim, alcança, por igual, o fornecedor. Então vejamos:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
(…)
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
O que se pretende com esta norma é a almejada ordem econômica, prevista no inciso IV, Art. 170 da Constituição da República, princípio da livre concorrência.
Nesse ponto, a lei consumerista se filia às regras estabelecidas pelo Código de Propriedade Industrial, assim como às Leis de Defesa Econômica (Lei n° 8.884/94 – CADE), que buscam outorgar maior desempenho ao combate daqueles que praticam o truste ou formam cartéis, energia que visa à liberdade de mercado e à liberdade da concorrência, sendo beneficiados aqueles que despojam seus interesses na relação de consumo. Sobre abuso do poder econômico lembrou Filomeno o seguinte:
… no que diz respeito ao abuso do poder econômico, o art. 173 da Carta de 1988, em seus §§ 4° e 5°, expressamente assevera que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros” (§4°); e que “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular” (§5°). (67)
Essa proteção constitucional e infraconstitucional tem validade para os próprios fornecedores e, por conseguinte, aos seus consumidores. Para se entender melhor, agora traremos os significados de algumas práticas abusivas:
Truste é organização econômico-financeira formada por empresas obedientes a um centro decisório, com o fim básico de interferir no mercado e exercer poder monopolístico. Outras denominações que sinonimizam quanto ao mesmo objetivo: cartel e holding. Sua formação e exercício constituem crime contra a economia popular. (68)
Cartel é uma modalidade de consórcio empresarial com intuito de, mediante a distribuição entre si de produtos e mercados, suprimir a livre concorrência. Crime contra a economia popular. (69)
O termo dumping é utilizado no comércio internacional para designar a exportação de um produto com preço inferior ao preço de venda do mesmo produto no mercado interno do país exportador. (70)
As práticas abusivas acima descritas são comuns num mercado monopolizado, onde temos a presença de um grupo de fornecedores que desbancam uma quantidade pequena de micro empresas. Assim, temos como exemplos as indústrias de cervejas que se fundiram com o objetivo fictício de desbaratinar o mercado exportador. Neste caso, aqueles que fizerem parte das empresas fundidas e que são nacionais, acabam perdendo seus mercados consumidores, o que em curto prazo provoca a falência e fim da empresa. Em contrapartida, aquela que realiza o “dumping” (protecionismo econômico), por exemplo, se tornará a empresa titular no mercado e só ela fará parte do mercado fornecedor daquele produto específico. Isso é altamente prejudicial ao consumidor, pois caso isso ocorra, a empresa unitária poderá elevar seus preços, limitar a oferta de seus produtos ou manipular de um modo geral o seu mercado.
Outro caso ocorreu com as grandes farmácias de Fortaleza, que na mesma época estavam dando descontos elevados aos seus clientes, enquanto que outras menores não podiam acompanhar tais atos. Em curto prazo seria ótimo para os consumidores, mas em longo prazo poderia ocorrer a quebra de todas as farmácias concorrentes e aquelas que conseguissem sobreviver dominariam todo o mercado. Em defesa dos consumidores e de pequenos fornecedores o órgão estadual de defesa dos consumidores (71) reagiu a todos os atos praticados por aqueles grupos e finalmente conseguiram limitar a percentagem de descontos a serem ofertados. Desta forma, a concorrência ou competitividade se tornam viáveis e não prejudiciais.
A intenção da lei é evitar esses tipos de manipulações dos mercados, evitando a dominação de um pequeno número de fornecedores e, assim mantendo a harmonia e equilíbrio na relação de consumo.
CONCLUSÃO
É crescente o número de reclamações envolvendo matéria de direitos e deveres dos consumidores. Em contrapartida àquelas demandas encontramos os direitos do fornecedor, que se enquadram holisticamente nos Arts. do Código de Defesa do Consumidor e normas afins. De um lado, temos a vulnerabilidade dos consumidores e de outro, a busca de uma límpida relação de consumo, onde a boa-fé e o equilíbrio contratual sejam tidos como elementos essenciais à negociação perfeita.
No decorrer deste trabalho acadêmico, procuramos oferecer um breve entendimento acerca dos principais aspectos que norteiam os direitos dos fornecedores, trazendo esclarecimentos àqueles que manejam a defesa de seus constituintes em demandas judiciais ou administrativas. Tudo em busca de garantir a efetivação da comentada harmonia nas relações de consumo.
Verificamos que a troca de interesses entre fornecedores e seus consumidores é fundamental para a consecução de uma negociação límpida, saudável e para a própria manutenção do mercado de consumo (tanto que tal propósito revela-se principio especifico do direito do consumidor – CDC, Art. 4°, III). Tais pontos sendo alcançados, tanto um quanto o outro são beneficiados. O objetivo do Código de Defesa do Consumidor de trazer o bem estar da população consumerista preserva o equilíbrio de interesses. Ambos, respeitando os mandamentos da lei, garantem o desenvolvimento da economia de um país.
Uma sociedade quando demonstra ser educada em suas relações negociais atraem investidores e economistas ou financeiristas que buscam o desenvolvimento e estabilidade para implantarem suas políticas desenvolvimentistas. As instituições governamentais são os agentes propulsores da economia de nosso país, e a pertinência temática do Código de Defesa do Consumidor, além de resolver as demandas de interesses de consumidores e fornecedores, também garante, acima de tudo, o interesse social geral e o desenvolvimento tecnológico e econômico.
Nesse diapasão concluímos que o direito de um indivíduo se limita ao direito de outro, assim como seus deveres. O direito à vulnerabilidade do consumidor, por exemplo, deve se limitar ao resguardo da harmonia ou equilíbrio das negociações de modo geral (CDC, art, 4°, III). Outro caso são os princípios do contraditório e da ampla defesa que em alguns casos ficam a mercê de arbitrariedades daqueles operadores do Direito, que através de atos discricionários cometem algum abuso de poder, como o desrespeito aos prazos legais.
A manutenção de interesses difusos ou coletivos dependerá da interveniência das instituições oficiais criadas exatamente para atuarem nessa matéria específica. De modo geral, cabe ao órgão supremo da justiça resolver os casos que abalam as estruturas da Carta Magna. O que se busca, nesses casos, é dar efetividade e consolidação da cidadania aos indivíduos que compõem um Estado Democrático de Direito.
Dirigimos nosso estudo para entendermos os direitos do fornecedor. Mostramos uma dezena de direitos, que, em muitos casos, não nos é mostrada nos bancos acadêmicos e somente sendo possível quando nos atemos acuradamente em trabalhos aprofundados. Tal percepção e fundamental para o desenvolvimento e estabilidade econômica do Brasil.
Finalmente, ressaltamos que a presente monografia não tem o intuito de ser determinante em seus resultados, nem tampouco esgotar o tema proposto, muito pelo contrário, visa incentivar ainda mais os estudos acerca da matéria e dos tópicos aqui questionados, com o intento de se ter um equilíbrio maior nas relações entre fornecedores e seus consumidores.
Informações Sobre o Autor
Rafael Alencar Xavier
Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito e Processo Constitucionais – UNIFOR