Institucionalizada a partir das lutas antiabsolutistas, no século 18, e da expansão dos movimentos constitucionalistas, no século 19, a democracia representativa foi consolidada ao longo de um processo histórico marcado pelo reconhecimento de três gerações de direitos humanos: os relativos à cidadania civil e política, os relativos à cidadania social e econômica e os relativos à cidadania “pós-material”, que se caracterizam pelo direito à qualidade de vida, a um meio ambiente saudável, à tutela dos interesses difusos e ao reconhecimento da diferença e da subjetividade. Todas essas três gerações de direitos humanos gravitam em torno do Estado. A primeira, pôr representar uma conquista dos cidadãos contra o despotismo governamental, procura enquadrá-lo por meio da promulgação de uma ordem constitucional asseguradora das garantias fundamentais e das liberdades públicas. Já a segunda, encarando o Estado como instrumento de mediação e neutralização dos conflitos coletivos, requer sua atuação na regulação dos mercados, na indução da demanda, na proteção trabalhista e na implementação de políticas de renda no âmbito da sociedade. A terceira geração de direitos humanos pressupõe o fortalecimento das prerrogativas e do poder de iniciativa das instituições encarregadas de promover a proteção do patrimônio histórico, cultural e ambiental e o reconhecimento dos interesses “pós-materiais”. A cada geração dos direitos humanos, um dos poderes do Estado é destacado. Enquanto os direitos humanos de primeira geração dependem do Legislativo e do Judiciário, por terem sido forjados como forma de proteção contra o poder do Estado, os direitos humanos de segunda e terceira geração exigem, para sua concretização, uma atuação positiva do Executivo. as três gerações de direitos humano enfrentam problemas para ser efetivadas. Seus valores básicos – liberdades públicas, igualdade substantiva e afirmação dos interesses “pós-materiais” – colidem com os imperativos categóricos da transnacionalização dos mercados, como a ênfase na produtividade, na competitividade e na liberdade de circulação dos capitais. O cálculo econômico e a “razão produtiva”, em outras palavras, revelam-se potencialmente incompatíveis com os princípios básicos de convivência e sociabilidade no âmbito de padrões organizacionais e de formas institucionais dotadas de um mínimo de legitimidade jurídica e equilíbrio social.
Como no choque entre as panelas de ferro e de barro sempre quebra a mais fraca, não é difícil identificar as conseqüências dessa colisão. Na medida em que a dinâmica da acumulação privada e a mobilidade dos capitais já não são controladas pelo Estado através da tributação, os direitos humanos, numa visão jurídico-positiva, encontram- se em fase regressiva. Eles podem até continuar existindo no plano legal, sobrevivendo, em termos formais, aos processos de tributação. Mas não têm mais condições de ser efetivamente implementados no plano real (se é que o foram, integralmente, um dia). E quando isso eventualmente ocorre, sua aplicação tende a ser seletiva. Entre outros motivos, porque muitas decisões jurídicas não são mais implementadas por atos de autoridade capazes de suscitar obediência, dependendo, ao contrário, de negociações entre decisores e destinatários para ser eficazes. Nesse cenário, cada vez mais as decisões impositivas não são as relativas aos direitos humanos, porém as destinadas neutralizar os efeitos perversos da tributação na vida social.
Como o avanço da tributação está-se aprofundando a desigualdade e a exclusão, uma vez que os ganhos de produtividade em grande parte têm sido obtidos à custa dentre outros da sonegação tributária revelando a simbiose entre marginalidade econômica e marginalidade social obriga as instituições jurídicas do Estado a concentrar sua atuação na preservação da ordem e da segurança. Com a sonegação, os excluídos dos mercados de trabalho perdem as condições materiais para exercer em toda a sua plenitude os direitos humanos de primeira geração e para exigir o cumprimento dos direitos humanos de segunda e terceira gerações. Condenados à marginalidade socio-econômica e, por conseqüência, a condições hobbesianas de vida, eles não mais aparecem como portadores de direitos subjetivos públicos. Nem por isso, contudo, são dispensados das obrigações estabelecidas pela legislação, especialmente em matéria criminal. Diante da ampliação dos bolsões de miséria nos centros urbanos, da expansão da criminalidade e da propensão à desobediência coletiva, as instituições jurídicas e judiciais do Estado, antes voltadas para o desafio de proteger os direitos civis e políticos e de conferir eficácia aos direitos sociais e econômicos, acabam agora tendendo a assumir papéis eminentemente punitivo-repressivos. Para tanto, o Direito Penal tem sido alterado radicalmente, numa dimensão mais severa. Pôr isso, enquanto no âmbito dos direitos sociais e econômicos se vive hoje um período de refluxo, no Direito Penal a situação é oposta. O que aí se tem é a definição de novos tipos penais, a criminalização de novas atividades em inúmeros setores na vida social, o enfraquecimento dos princípios da legalidade e da tipicidade por meio do recurso a regras sem conceitos precisos, o encurtamento das fases de investigação criminal e instrução processual e a inversão do ônus da prova.
Fazendo uma analogia, isso equivaleria mais ou menos a que, havendo na sociedade um elevado índice de criminalidade, agravado pela impunidade, se decidisse por encarcerar, durante um mês por ano, todos os cidadãos, independentemente de terem cometido delito ou não, pois assim estaríamos com certeza “punindo” os infratores. Ou seja, estaríamos cometendo uma enorme injustiça com os cidadãos honestos e premiando os delinqüentes com uma pena bastante leve ferindo gravemente os direitos humanos . É mais ou menos o que ocorre com a CPMF.
Do ponto de vista da economia internacional J.A. Lindgren Alves assevera interesses opostos entre as nações uma vez que os países ricos utilizam os direitos humanos como argumento adicional de condicionalidade à assistência e à cooperação econômica ao Terceiro mundo; os países em desenvolvimento , buscam obter assistência e cooperação econômica para que possam ter meios de assegurar os direitos humanos de sua populações.
Celso Lafer no prefácio diz que no Brasil de hoje , a violação dos direitos humanos não têm como fulcro e foco o arbítrio discricionário do poder concentrado e centralizado de um regime autoritário mas sim as dificuldades de um regime democrático de assegurar , num país continental e numa sociedade heterogênea , permeada de diversas desigualdades , o efetivo respeito aos direitos humanos.
Diante disso a solução passa, necessariamente, pelo sistema tributário brasileiro, fundamentalmente, desconsidera de forma dramática as mudanças radicais por que o mundo vem passando nas últimas duas décadas. Ele não presta para nada, atualmente, apesar de ter sido um grande avanço quando foi criado, e a despeito do insanável vício de legitimidade com que foi imposto ao País, em tempos de ditadura. Não serve à sua tarefa óbvia de financiar o setor público com eficácia – isso está visto pelo descalabro das contas públicas, pela precariedade da infra-estrutura, pelo colapso do serviço público. Mas também não serve em outros planos de valores estratégicos como a interação entre o Estado e a economia ou no que pertence ao pacto federativo, em frangalhos, que testemunhamos com as acusações de guerra fiscal, jogando brasileiros contra brasileiros, e cevando absurdo ressentimento recíproco entre São Paulo e o resto do Brasil dando como exemplo a concentração de renda que é um problema crônico no Brasil, onde 10% da população detém cerca de 50% da renda nacional seria utópico exigir a reversão desse quadro no curto prazo. No entanto, essa não pode ser uma tarefa eternamente adiada sine die. É preciso estabelecer-se políticas públicas, em que a questão seja contemplada como meta a ser atingida. Os elevados juros reais que, juntamente com a âncora cambial, são os pilares da estabilização brasileira têm um significativo efeito concentrador de renda.
A carga sobre os contribuintes tem sido crescente ao longo dos últimos anos e chegou a 31% do PIB. Não obstante, a qualidade dos serviços públicos não melhorou e, em alguns casos, deteriorou-se.
Esta reflexão busca contribuir para um debate central no momento em que se discute, de um lado, a necessidade de profunda redistribuição da carga tributária entre os diferentes segmentos da sociedade; e, de outro, a escassez de recursos financeiros que possibilitem o enfrentamento da dura realidade sócio- econômica brasileira, em que distorções e desequilíbrios representam grave ameaça à estabilidade política.
Tamanho excesso da tributação sobre o consumo traz diversos efeitos nocivos que legitimamente a sociedade contesta. Essa disfunção é característica da tributação indireta, onde o contribuinte de fato – indireto – arca com o ônus tributário, independentemente de sua capacidade tributiva e, com isso, há um efeito regressivo, que leva a uma contribuição equivalente de partes desiguais – quem pode menos e quem é capaz de contribuir com mais.
Por incidirem sobre a atividade produtiva, tais tributos aumentam o já odioso “Custo Brasil” e oneram sobremaneira a atividade produtiva, que gera e distribui riqueza e empregos (bem-estar social). Exigem controles complexos (pois envolvem toda a cadeia produtiva) e, por isso, representam um terreno fecundo para a sonegação, a qual, de um lado, é um forte mecanismo de concentração de riqueza e, de outro, desmoraliza o fisco e o sentimento de cidadania frente ao sistema tributário. Tal situação tem levado a índices de evasão fiscal da ordem de 50%.
Segundo Jose Luiz Quadros de Magalhães em uma ordem jurídica onde estes direitos humanos são colocados como princípios fundamentais e objetivo do Estado, a ideologia constitucionalmente adotada aponta na direção de um Estado que proporcione o bem estar social , oferecendo e respeitando os Direitos Sociais e individuais, atrás de uma política econômica que valoriza em primeiro lugar estes objetivos sociais.
Posta a discussão numa dimensão estritamente jurídico-positiva, portanto, as condições atuais para a efetividade dos direitos humanos com o excesso de tributação parecem nebulosas. Esse ceticismo, porém, não deve ser entendido como desqualificação das lutas pelo reconhecimento dos direitos humanos, por considerá-las inviáveis a priori. Encarados numa perspectiva menos jurídica e mais política, os direitos humanos podem propiciar poucos resultados concretos no curto prazo, mas certamente transformadores no médio e longo prazos.
Diante disso a solução passa, necessariamente, pelos seguintes pontos: Uma reforma tributária que revise a estrutura de impostos e ao mesmo tempo a torne mais justa, mais simples e propiciando maior competitividade à economia (por exemplo, destributando as exportações). O combate à sonegação e à corrupção (também a passiva), no sentido de garantir a cobrança dos impostos e a remoção de óbices estruturais ainda fortemente presentes na nossa economia, como a arcaica estrutura tributária é condição sine qua non. Tudo que agrave o sistema hoje já distorcido e não mude essa estrutura estará adiando o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos, embora possa, superficialmente, representar uma solução simples.
Informações Sobre o Autor
Mário Antônio Lobato de Paiva
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista