Do antropocentrismo ao holismo ambiental: uma análise das escolas de pensamento ambiental

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Resumo: O presente apresenta por escopo promover uma análise das escolas de pensamento ambiental. Para tanto, há que se reconhecer que, tradicionalmente, o meio ambiente foi considerado a partir de uma perspectiva antropocêntrica-utilitarista, ou seja, a manutenção e a preservação se davam a fim de atender as necessidades humanas. Contudo, a partir de 1972, com a Declaração de Estocolmo, o meio ambiente passa a receber maior atenção, sobretudo no que toca à necessidade de preservação, com o fito de assegurar um habitat para o desenvolvimento não apenas da espécie humana, mas de todas as demais. Igualmente, ao se reconhecer a fundamentalidade do acesso ao meio ambiente e sua condição como direito humano típico de terceira dimensão, passa-se a fortalecer a premissa de preservação para as futuras gerações, inaugurando um paradigma de solidariedade intergeracional. Assim, o meio ambiente passa a receber proeminente atenção, notadamente na órbita internacional, com a realização de um sucedâneo de documentos em prol de sua preservação e manutenção. Desta feita, paulatinamente, a ótica antropocêntrica-utilitarista do meio ambiente foi se enfraquecendo, cedendo espaço a uma perspectiva biocêntrica/ecocêntrica, na qual o meio ambiente passa a receber maior destaque e o ser humano é encarado como mais uma espécie componente. Contemporaneamente, a terceira escola de pensamento ambiental, denominada holismo ambiental, passa a preconizar a existência de uma relação harmônica e interdependente entre meio ambiente e ser humano. Tal perspectiva passa a refletir, inclusive, nas Constituições Latinoamericanas, a exemplo do Equador e Bolívia, conferindo status de sujeito de direito ao meio ambiente. O método empregado na condução do presente foi o indutivo e a pesquisa pautou-se em revisão de literatura específica e análise legislativa.[1]

Palavras-chave: Antropocentrismo. Ecocentrismo. Holismo Ambiental.

1 INTRODUÇÃO

Com efeito, as formas de relacionamento da espécie humana com o mundo natural são ditadas pelas diferentes cosmovisões ou modos de enxergar o mundo que a cerca. As cosmovisões, por seu turno, são inspiradas pelas diversas culturas que se sucedem com o fluir do tempo e em vários espaços do globo, ou seja, ao longo da História. A História, por sua vez, trabalha com as coordenadas básicas de tempo (quando) e de lugar (onde); é na conjugação de tempo e lugar que os acontecimentos e as culturas se desenvolvem. (MILARÉ, 2004, p. 2). A realidade dinâmica alcança-se nos distintos contextos históricos das relações travadas pelo Homem com a Natureza, com o ambiente em que se encontra inserido. A consciência dessas relações vem se explicitando sempre mais como algo atual, devido a múltiplos fatores que decorrem das diferentes culturas ou que sobre elas atuam.

Em síntese, o progresso ambiental moderno e uma nova reflexão sobre o destino da Terra, rica em conceito filosófico, ético e cosmológico sem que faltem novos avanços na ciência jurídica, tem despacho vivo interesse pelo tema (MILARÉ, 2013 p. 105). Tradicionalmente, o meio ambiente e todos os recursos naturais eram encarados a partir de uma ótica utilitarista, o homem se identifica no centro do mundo, pensamento este conhecido como Antropocentrismo. Em contramão a visão antropocêntrica acerca do meio ambiente, as experiências latino-americanas trazem para o debate, a partir das contribuições das cosmogonias andinas, o reconhecimento da natureza (Pacha Mama ou Madre Tierra), em especial nas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), como detentora de direitos e da qual o ser humano é componente integrante, mantendo inter-relação, interdependência, complementaridade e funcionalidade.

Destarte, com o aprimoramento da concepção de meio ambiente e o desenvolvimento da visão holística, não apenas o meio biótico e os recursos naturais são protegidos, também os processos que ocorrem naturalmente no ambiente e dos quais resulta o equilíbrio ecológico, são tutelados. Assim, o presente estabelece uma reflexão sobre as diversas escolas do pensamento ambiental, bem como sua evolução para a construção de uma perspectiva crítico-reflexiva acerca da utilização do meio-ambiente e dos recursos naturais de maneira irracional e utilitaristas. Para tanto, o debate proposto coloca em xeque a imprescindibilidade da reconstrução do pensamento tradicional, explicitando a necessidade de uma visão mais arrojada e com molduras claramente advindas do ideário de solidariedade, sobremaneira em relação às futuras gerações.

2 ANTROPOCENTRISMO: A PERSPECTIVA DO UTILITARISMO AMBIENTAL E DOS RECUSOS NATURAIS À DISPOSIÇÃO DO HOMEM

Inicialmente, cuida destacar o conceito basilar manifesto por meio da visão antropocêntrica, de forma a reconhecer o meio-ambiente e os recursos voltados meramente para a satisfação das necessidades humanas (FIORILLO, 2012, p.69). Neste sentido, há que se reconhecer que a perspectiva tradicional em comento concebe que a proteção do meio-ambiente encontra como ponto justificador apenas se houver benefício direto e imediato para a espécie humana, todas as benesses da tutela do meio ambiente deveriam convergir para o homem, centro de todo o ambiente. Ora, em contraposição, se a proteção do meio-ambiente encontrar escora apenas na necessidade de preservá-lo em prol de si mesmo, sem trazer, à reboque, qualquer benefício para o ser humana, tal proteção não encontra argumento justificador.

É fato que tal fundamento encontra, em uma visão ultrapassada, sustentação na premissa que apenas o ser humano é dotado de dignidade e racionalidade, logo, todas as demais espécies e o meio em que se encontra inserido mantém relação de subordinação, justificando sua existência na satisfação das necessidades humanas. Rolla (2010, p. 03), ainda, vai aludir que “o ser humano é considerado o centro devido à sua capacidade de pensar, capacidade este que o torna, dentro do panorama antropocêntrico, superior a outros seres”. Nesta linha, é possível aludir que o direito positivo brasileiro atribui posição de centralidade ao homem, reconhecendo, de maneira expressa, o atributo de dignidade inerente à espécie, bem como, por via de extensão, a presença de um mínimo existencial imprescindível ao seu desenvolvimento.  

Ora, além disso, é a capacidade de raciocínio que deriva a capacidade humana de refletir, conscientizar-se e, em decorrência de seu aspecto de abstração, conferir significado aos símbolos, reconhecendo “o outro”, criar, aprender e transmitir hábitos, comportamentos e conhecimentos.  Obviamente, em um processo de interpretação de significação do meio-ambiente, o homem estabelece uma relação com aquele e, com a evolução da sociedade, tal moldura se reveste de um aspecto exclusivamente voltado para a satisfação das necessidades antrópicas. Na perspectiva antropocêntrica, o homem, em síntese, é o centro do universo, conforme o escólio apresentado por Milaré (2013). Logo, os entes, que gravitam ao redor do homem, mantêm uma relação meramente utilitarista, tornando relevante a sua importância no Direito Ambiental somente conforme a inevitabilidade à vida humana. Tem-se, assim, que na perspectiva antropocêntrica, tal como repisado acima, que o meio-ambiente não possui nenhuma relevância, exceto suprir as necessidades humanas, sendo, portanto, revestida de um aspecto essencialmente utilitarista, ou seja, possui uma utilidade prática para o ser humano. Em complemento, Rolla (2010) vai sustentar que a proteção só encontra justificativa quando for relevante para a garantia da sadia qualidade de vida do ser humano, porquanto este é o único animal racional e, por isso, destinatário das normas jurídicas. O termo e a concepção, etimologicamente, possuem composição greco-latina provenientes da filosofia, sendo Anthropos, do grego, representada como homem, no sentido da espécie humana, e Centrum, do latim, que significa o centro, o centrado. (MILARÉ, 2013, p. 105).

Há uma ideia de que os bens naturais foram criados para livre disposição do homem, que são reno­váveis. Entretanto, em épocas pré-históricas e no início da ci­vilização, não havia um consumo exacerbado, pois o homem consumia na medida de sua subsistência, porém este quadro se modificou e o homem passou a consumir de forma desenfrea­da, utilizando a natureza de forma exagerada, além de qualquer possibilidade de renovação dos recursos naturais, e influencian­do no equilíbrio do ecossistema e do meio. (MILARÉ, 2013, p. 84). Na seara ambiental, a concepção antropocêntrica reconhece o meio ambiente amparado dentro do limite de proteção do homem e seu bem-estar, havendo uma visão utilitária do direito ambiental; e todas as suas necessidades, interesses e valores são subjugados em favor dos interesses humanos.

A concepção eminentemente antropocêntrica se mantém arraigada em alguns setores da sociedade contemporânea, o que impede muitos avanços em projetos que visam à conservação do meio ambiente. A proteção ambiental ou a forma de posicionamento em rela­ção ao meio ambiente, influenciada por pensamentos filosóficos, culturais, religiosos e sensibilidade humana geram tratamentos e visões divergentes. Cuida destacar que após a revolução industrial, a ação direta do homem sobre o ambiente de forma despreocupada, bem como a degradação ambiental, ascende a níveis alarmantes, ocasionando desequilíbrio ambiental, alterações climáticas, seguindo-se por despertar uma preocupação ambiental. (CHALFUN, 2010)

Nesta perspectiva, o pensamento de superioridade humana prevalece ao longo dos séculos, em decorrência da atribuição de superioridade do homem, subjugando a fauna e a flora como simples objetos e seres inferiores. Consoante ao pensamento utilitarista ambiental o filósofo Aristóteles (384-322 a.C), encampado por Santo Tomás de Aquino (1225-1274) traz a ideia de que o Homem está no vértice de uma pirâmide natural, em que os minerais (na base) servem aos vegetais, os vegetais servem aos animais que, por sua vez, e em conjunto com os demais seres, servem ao Homem. (ROLLA, 2010). A filosofia de René Descartes (1596 – 1650) é importante para compreender como o Antropocentrismo se firmou no mundo moderno. A separação entre sujeito e objeto e Natureza e Cultura é apontada como um dos principais motivos da devastação ambiental. A mente (res cogitans) e a matéria (res extensa) são completamente distintas: Para Descartes “a mente que indaga é o local da verdade sobre o mundo natural. Paradoxalmente, a res cogitans de Descartes era uma mente sem corpo, que estava fora da natureza” (OELSCHLAEGER, 1991, p.87).

De acordo com esta visão, um bem que não seja vivo, material ou imaterial, assim como uma vida que não seja humana, poderá ser tutelado pelo direito ambiental na medida em que for relevante para a garantia da sadia qualidade de vida do ser humano, visto ser este o único animal racional e por isto, destinatário das normas jurídicas. Cabe ao homem a preservação das espécies, incluindo a espécie humana. Neste trajeto, cuida destacar o conhecimento cartesiano como fonte antropocêntrica arraigada em sua característica pragmático-utilitarista, útil às aspirações e anseios do ser humano que assimila a natureza como um instrumento, um meio para atingir uma finalidade. O ser humano como centro do mundo é o sujeito em oposição ao objeto, usufruindo o método científico para desvendar os mistérios da natureza e à imagem e semelhança de Deus, poderia realizar qualquer feito. Encontra-se, aqui, influência do pensamento medieval, visto que existe certo desprezo pela matéria, baseado na separação entre alma humana e o mundo material (GONÇALVES, 2006)

3 ECOCENTRISMO OU BIOCENTRISMO: PACHA MAMA E O RECONHECIMENTO DO MEIO AMBIENTE COMO UM SER VIVO

O rompimento da visão antropocêntrica para a biocêntrica concerniu a um processo de modificação de paradigmas ao longo da história, que tão somente demanda um longo período de adaptação à nova realidade. Essa mudança de paradigma exigiu considerável lapso temporal. Assevera Milaré (2013, p. 99) que: “a consideração aprofundada do sentido e do valor da vida sacudiu o jugo do antropocentrismo”. Sendo a vida considerada o valor mais expressivo do ecossistema planetário, concentrou-se grande ênfase no seu valor.  Vale ressaltar neste sentido o Princípio 1° da declaração do Rio de Janeiro sobre Meio ambiente e Desenvolvimento de 1992 “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. (ONU, 1992). Em complemento ao apresentado, Fiorillo vai ponderar que

“[…] o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição” (FIORILLO, 2012, p. 87)

Cabe salientar, que o desenvolvimento sustentável não escapa a uma cosmovisão antropocêntrica, apesar da proposta positiva que traz no bojo. A Terra não seria mais do que um celeiro de recursos à disposição pura e simples das necessidades humanas. Notavelmente, o foco do desenvolvimento sustentável representa um enorme salto de qualidade porquanto submete as ações antrópicas – em especial àquelas voltadas para exploração e uso dos recursos naturais – a uma condição primordial, que é o respeito à capacidade do ecossistema planetário de atender a tantas e tão crescentes demandas por parte da espécie dominante, a saber, da sociedade humana. A tutela jurídica que se vê hoje pela Constituição Federal de 1988, bem como as leis ambientais, é fulcro da necessidade de assegurar direitos para a biodiversidade contra as ações humanas. Segundo Édis Milaré:

“[…] os seres não naturais não são capazes de assumir deveres e reivindicar direitos de maneira direta, explícita e formal, embora sejam constituintes do ecossistema planetário, tanto quanto o é a espécie humana. A Ciência não tem força impositiva ou de coação; por isso exige que o Direito tutele o ecossistema planetário”. (MILARÉ, 2013, p. 117)

Dessa forma, o meio ambiente torna-se detentor de direitos, ainda que não possa reivindicá-los, porém existe quem faça por ele. O pensamento que se tem é de ser a natureza objeto de direitos e não considerados como sujeitos de direito, como é o ser humano. Ocorre que, tanto o homem, quanto a biodiversidade tem o direito a uma dignidade, à segurança, à igualdade, à liberdade, como é constitucionalmente garantido no artigo 5º da Constituição brasileira. Em contramão à visão antropocêntrica acerca do meio ambiente, as experiências latino-americanas traziam para o debate, a partir das contribuições das cosmogonias andinas, o reconhecimento da natureza (Pacha Mama ou Madre Tierra), em especial nas Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), como detentora de direitos e da qual o ser humano é componente integrante, mantendo inter-relação, interdependência, complementaridade e funcionalidade. O avanço do pensamento ecocêntrico desenvolve-se paulatinamente. A Constituição do Equador (2008) foi pioneira em reconhecer, de forma clara, a subjetividade de direitos do meio ambiente. Verifica que a natureza pode reivindicar seus direitos perante órgãos públicos e por intermédio de toda pessoa, comunidade, povoado e nacionalidade.

É possível analisar a natureza pluricultural com base em conceito ancestral das populações nativas andinas, legitimando a sua participação na gestão política da vida do país e provocando perplexidade para o resto do mundo com conceito milenar como a Pachamama. Assim, verifica-se que a doutrina ecocêntrista revela uma ideia de solidariedade e de coletividade, uma vez que abandona o individualismo que evidencia o modo de vida contemporâneo. Deste modo, o ser humano deixa de ser o centro do universo e passa a integrar a natureza. A relação do indivíduo com a Pacha Mama passa a ser outra, renunciando, neste cenário, o ideal eurocêntrico de desenvolvimento, provocando uma verdadeira transformação no Direito, indicando uma tendência ecocêntrica. (GUSSOLI, 2015).

Trata-se, portanto, de uma perspectiva revestida de cunho essencialmente ecocêntrico, no qual a relação entre homem e natureza ultrapassa a tradicional ótica utilitarista, na qual essa é explorada por aquele, a fim de atender suas necessidades econômicas. Conforme referido, o Texto Constitucional Equatoriano é paradigmático no âmbito da legislação ambiental mundial. Transcorridos três anos da assembléia constituinte que em 2008 reconheceu a natureza – Pacha Mama – como sujeito de direitos. Neste sentido, é possível fazer clara alusão ao artigo 71 que, de maneira expressa, reconhece a PachaMama como o local de reprodução e de realização da vida, tendo, portanto, direito, em especial que sejam respeitadas integralmente sua existência, sua manutenção e sua regeneração, compreendido os ciclos vitais, as estruturas, funções e os processos evolutivos. Para tanto, é oportuno colacionar o dispositivo constitucional equatoriano:

“Art. 71. La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tienederecho a que se respete integralmente suexistencia y elmantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estrucutura, funciones y processos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidade podrá exigir a laautoridad pública elcumplimiento de losderechos de lanaturaleza. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas y a loscolectivos, para que protejanlanaturaleza, y promoverá elrespeto a todos los elementos que formanunecosistema”. (EQUADOR, 2008)

A profundidade de a Constituição Equatoriana de 2008 dispor, em sede de direitos da natureza, sobre o direito à restauração é um passo evolutivo robusto no universo jurídico, porquanto ultrapassa o discurso tradicional que tal processo de restauração tem como mote as presentes e futuras gerações (solidariedade transgeracional), no sentido de que o ser humano tem direito a usufruir do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas coloca no centro da proteção a natureza (Pacha Mama) pelo fato de ser sujeito de direito. Incorporar os direitos da natureza na Constituição Equatoriana significou, portanto, democratizar essa cosmovisão, pois as comunidades ameríndias que compõem uma parcela significativa da população daquele país, mas têm sido historicamente ignorada nos processos decisórios daquele Estado. (VIANA, 2013, p.266)

A perspectiva ecocentrista implica em adotar uma nova concepção e compreensão holística da vida, humana e não-humana, o que, naturalmente, acarreta desafios e rupturas de paradigmas pouco enfrentados no campo filosófico e jurídico. A Constituição Política Plurinacional Comunitária consagra a diversidade étnica, busca proteger e promover a vida humana, assim como a não humana (a Pachamama), com base nas novas forças sociais e nos novos ventos políticos. O Texto Constitucional Boliviano de 2009, no seu preâmbulo, enfatiza que o Estado colonial, republicano e neoliberal fica no passado histórico, doravante constroem coletivamente um Estado Unitário de Direito Plurinacional Comunitário, que integra e articula os propósitos para um desenvolvimento integral “[…] com la fortaleza de nuestraPachamama y gracias a Dios, refundamos Bolivia” (BOLÍVIA, 2009).

Os direitos da natureza (Pacha Mama ou Madre Tierra), seja na Constituição do Equador de 2008, seja na Constituição da Bolívia de 2009, configuram, dentro de um neoconstitucionalismo latino-americano, importantes expressões da modificação da visão tradicional sobre o meio ambiente, incorporando, de maneira expressa, as concepções e cosmologias andinas na formação de seus ordenamentos jurídicos. Trata-se, pois, de, promover um deslocamento do eixo antropocêntrico para o ecocentrismo, no qual a natureza (Pacha Mama ou Madre Tierra) ganha especial destaque, sendo reconhecida como titular de direitos, bem como imprescindível para o desenvolvimento humano, cuja relação de dependência ultrapassa o aspecto essencialmente utilitarista. Nesta seara, o Equador e a Bolívia deram um passo importante ao reconhecer a condição “sagrada” da terra, como algo muito importante para a vida não na sua percepção folclórica ou mitológica – mas como um sistema vivo, no qual o ser humano é só mais um elemento. Garantir o equilíbrio desse sistema passa a ser fundamental também para a sobrevivência das espécies, inclusive o homem. Proteger a Pachamama é tornar efetivo o direito à vida em suas múltiplas dimensões. (MOREIRA; RANGEL, 2016)

4 HOLISMO AMBIENTAL: A PERSPECTIVA DO RECONHECIMENTO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Houve seguramente uma grande evolução com a passagem do crescimento econômico a qualquer custo para as formas de desenvolvimento menos agressivas ao meio. Entretanto, a mística desenvolvimentista estava muito mais em função dos interesses particulares dos Países do que preocupada com a escassez e a finitude dos recursos naturais e com a avassaladora produção de resíduos das atividades humanas, mormente as econômicas. As estruturas políticas, sociais e econômicas tornaram-se insensíveis à degradação generalizada do mundo natural. (MILARÉ, 2013) A partir da Conferência de Estocolmo em 1972, ergue-se a expressão ícone da preocupação com o equilíbrio ecológico, preocupação esta que se manifestava na tentativa de compatibilizar o crescimento econômico com as capacidades concretas e limitadas dos ecossistemas e dos seus serviços, consolidando-se o desenvolvimento sustentável. (ONU, 1992)

A concepção biocêntrica, em termos de ordenamento jurídico-ambiental brasileiro, surgiu com o advento da Lei nº 6938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente, recepcionado pela constituição Federal de 1988, o princípio do desenvolvimento sustentável encontra-se esculpido no caput do artigo 225:

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“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (BRASIL, 1988)

Os princípios da fraternidade e da solidariedade e o caput do artigo 225 da Constituição fazem alusão ao meio ambiente equilibrado, haja vista o dispor ao direito de usufruir os recursos naturais atualmente e o dever de preservá-los para as futuras gerações, sendo alçada como condição indispensável à sadia qualidade de vida. Acrescido essencialmente, Fiorillo (2012) salienta a incapacidade de pensar no meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade, de modo o exija uma atuação globalizada e solidária, ainda que fenômenos como a poluição e a degradação ambiental não encontram fronteiras e não esbarram em limites territoriais. Ainda nessa circunstância, em uma temática mais relativa ao meio ambiente sustentável, Paulo Affonso Leme Machado explica que:

“O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo. O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo “transindividual”. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada. Enquadra-se o direito ao meio ambiente na “problemática dos novos direitos”, sobretudo a sua característica de “direito de maior dimensão”, que contém seja uma dimensão subjetiva como coletiva, que tem relação com um conjunto de atividades”. (MACHADO, 2013, p. 151).

O reconhecimento do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado configura-se, para Édis Milaré: “uma extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver”. Não há dúvidas de que a crise ecológica que se instalou no âmbito mundial refletiu na constitucionalização da tutela ambiental no Brasil. Paulo Sirvinskas vai sustentar que a salvaguarda do meio ambiente encontra-se inserta na Constituição Federal de 1988, o que, porém, não deve ser considerado um privilégio apenas do Brasil; ao reverso, segundo o autor, a proteção do meio ambiental configura uma tendência internacional cujas atenções e preocupações que ampliaram rapidamente pelo globo e, em decorrência de tal cenário, passou a compor os textos das constituições mais recentes, substancializando, dessa maneira, um direito fundamental vinculado diretamente à pessoa humana (SIRVINSKAS, 2008).

Partindo do postulado da solidariedade social é que emana o direito da terceira geração, cujos titulares não recaem no indivíduo em si, mas na própria coletividade ou em agrupamentos sociais. São estes, os direitos difusos e coletivos, como é o caso, dos direitos ao meio ambiente equilibrado, à paz, ao desenvolvimento, à proteção dos consumidores, à tutela do patrimônio histórico e cultural. Vocacionam-se à busca de uma melhor qualidade de vida à comunidade. O reconhecimento de direitos fundamentais de terceira geração costumeiramente vem sendo assimilado pela jurisprudência dos Tribunais, em especial as instâncias extraordinárias. Isso ficou bem esclarecido em passagem da ementa atinente ao Mandado de Segurança nº 22.164, de relatoria do Ministro Celso de Mello, em órgão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, publicado no Diário da Justiça de 17 nov. 1995, quando  foi reconhecido, com clareza ofuscante que:

“O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo indentificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos da segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento do direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexaurabilidade”. (BRASIL, 1995)

Os direitos da terceira dimensão, com maior relevância para este estudo, caracterizam o rompimento com o individualismo e surgimento de interesses difusos, não limitando os destinatários do direito aos indivíduos em si, ou a um grupo determinado de pessoas, mas a um número indeterminado de pessoas detentoras de direitos fundamentais em comum, acentuando o verdadeiro sentido de fraternidade. Ingo Sarlet (2010, p. 48) assevera que os direitos fundamentais albergados sob a rubrica “direitos de terceira dimensão”, também nominados de “direitos de fraternidade” ou “direitos de solidariedade”, apresentam como aspecto diferenciador o fato de se desvincularem, inicialmente, da figura do homem – indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humana (família, povo, não) e, consequentemente, caracterizando-se como direitos de titularidade coletiva ou difusa.

Embora o ideal fosse o homem reconhecer que está inserido como um dos elementos fundamentais dessa teia complexa que compõe o ambiente, em regra não é o que ocorre, ele se posiciona como “senhor” da natureza e principal predador dos recursos naturais, atendendo anseios antropocentristas. Paulo de Bessa Antunes (2010), em sua obra, vai asseverar, ainda, que o consumo dos recursos naturais encontra clara vinculação a um padrão de desenvolvimento adotado por cada nação, considerada de maneira isolada, bem como, essencialmente, pelo papel desempenhado na ordem econômica internacional. Afonso da Silva (2004, p. 66) afirma que no sentido qualificativo do termo direito fundamental do homem, a palavra ‘fundamental’ traduz aquela circunstância essencial ao indivíduo, ou seja, imprescindível para sua existência; e quando se atribui esse direito ao ‘homem’ é no sentido de que todos igualmente devem ser materialmente efetivados nessa garantia.

Compreende-se, portanto, porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidade em escala até mesmo mundial para sua consolidação. Sendo assim, não resta dúvida da configuração do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de terceira geração, norteado pela solidariedade, que faz consuma a responsabilidade compartilhada por toda humanidade, que assumem a titularidade de um interesse comum de preservação e defesa de sua casa planetária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção ao meio ambiente ganhou amplitude mundial, sobretudo a partir da Conferência de Estocolmo de 1972, e passou a ser reconhecida a partir do momento em que a degradação ambiental atingiu índices alarmantes e tomou-se consciência de que a preservação de um ambiente sadio está intimamente ligada à preservação da própria espécie humana. Avaliar o meio ambiente de forma que seja encarado como direito fundamental do ser humano é um etapa importante para que lhe seja franqueada uma proteção especial pelo ordenamento jurídico. É imprescindível que paulatinamente a sociedade e os governos rompam o julgo antropocêntrico e nutra a consciência de que sustentabilidade esta encampada além de uma falácia em face da natureza, diz respeito tão somente à própria sobrevivência e a existência da espécie humana na Terra. Além disso, é imprescindível o reconhecimento do direito à vida como matiz de todos os demais direitos fundamentais norteando todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente.

Devido à necessidade da proteção dos direitos do meio ambiente, a constituição Federal de 1988 resguarda o direito de proteção à natureza pelo dever de assim fazer do Poder Público e da sociedade que, em conjunto ou não, tem a obrigação de preservar o meio ambiente para as presente e futuras gerações de todos (seres bióticos ou abióticos) e terá como primordiais princípios para isso a participação ambiental, o direito à informação das ações relativas ao meio ambiente e à educação ambiental. A compreensão da complexidade das inter-relações a fim de manter o equilíbrio de um ecossistema, substancialmente eleva ao homem uma maior sensibilidade para com o meio. A Ecologia, na linda de pensamento holístico, poderá sem dúvida contribuir significativamente para a efetividade das políticas ambientais, passado pela mediação fundamental da educação (CARNEIRO, 1996). Desta forma, contribuir para a melhoria da qualidade de vida, um dos direitos básicos constitutivos da cidadania, no sentido de que todos possam usufruir de um ambiente sadio – tanto físico como biológico e sociocultural.

Neste cenário, portanto, considera-se por base do pensamento antropocêntrico, a proteção do meio ambiente vinculado à vida humana e aos benefícios trazidos aos seres humanos. Categoricamente o foco de todos os cuidados com o meio ambiente é a vida humana, superior as demais formas de vida. Em contramão ao pensamento antropocêntrico, a corrente do biocentrismo ou ecocentrismo, a proteção da natureza está desvinculada completamente das implicações que tal tutela traz aos seres humanos. O meio ambiente é protegido por si só, não por seus benefícios aos humanos, e a vida dos demais seres vivos é o foco principal. E, por último, a escola de pensamento holística, pautada na ideia de meio ambiente como sistema integrado. No holismo ambiental, o ambiente não é visto como vários fatores isolados, e sim, como um sistema único, integrado e tendente ao equilíbrio, em que todos os vários fatores interagem mutuamente entre si, sendo interdependentes. Com o aprimoramento da concepção de meio ambiente e o desenvolvimento desta visão holística, não apenas o meio biótico e os recursos naturais são protegidos, também os processos que ocorrem naturalmente no ambiente e dos quais resulta o equilíbrio ecológico, são tutelados.

 

Referencias
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BRANDÃO, Pedro Augusto Domingues Miranda. O Novo Constitucionalismo Pluralista Latino-Americano: Participação Popular e Cosmovisões Indígenas (Pachamama e SumakKawsay).154f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013. Disponível em: <http://www.repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/10796/Disserta%C3%A7ao%20pedro%20augusto.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 21 jul. 2016.
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Notas
[1] Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica intitulado "Os influxos de Pacha Mama Andina para a formação de um Estado Socioambiental de Direito Brasileiro: uma análise das influências do neoconstituiconalismo latino-americano no Supremo Tribunal Brasileiro, no período de 2005-2015”.


Informações Sobre os Autores

Daniel Moreira da Silva

Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeira de Itapemirim

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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