Dos recursos extraordinário e especial

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Resumo: Recurso é um remédio processual destinado, no entender do recorrente, a corrigir um desvio jurídico, ferramenta, portanto, de correção em sentido amplo. A nota característica dos recursos é o fato de serem exercitáveis na mesma relação jurídica, sem que se instaure um novo processo. Os recursos extraordinários lato sensu são previstos e fundamentados exclusivamente na Constituição Federal, comportando tão só o exame de questões de direito. Não devem ser interpostos por mera intenção de corrigir as injustiças das instâncias ordinárias, pois possuem características específicas a equilibrar a ordem constitucional e federal, e o Supremo Tribunal Federal, bem como o Superior Tribunal de Justiça não são simples Tribunais Superiores, são Tribunais da Federação que exercem a função de guardar o direito constitucional e federal com autoridade e supremacia diante das demais Cortes.


Palavras-chaves: RE, RESP, juízo de admissibilidade, causas decididas, arguição de relevância.


Sumário: 1. Delineamentos. 2. Do Recurso Extaordinário. 3. Do Recurso Especial. 4. Hipóteses de cabimento do RE e RESP. 4.1. Hipóteses de cabimento do Recurso Especial. 4.2. Hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário. 5. Juízo de admissibilidade (juízo de admissibilidade e juízo de mérito). 5.1. Características do Juízo de Admissibilidade. 6. Requisitos de Admissibilidade. 6.1. Requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. 6.2. Requisitos específicos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial. 7. Causas Decididas. 8. Argüição de relevância. 9. Conclusão. 10. Referências bibliográficas.


1. Delineamentos


Exige-se, para a interposição dos Recursos Extraordinários in latu sensu, o esgotamento das vias ordinárias, em obediência ao princípio da unirrecoribilidade e admitindo a ocorrência da preclusão consumativa, onde a parte tem a possibilidade de praticar um ato de maneiras diversas que se confrontam caso já tenha escolhido como se manifestar.


Os recursos excepcionais não representam uma possibilidade de impugnação das decisões, são remédios instrumentalizados na política da ordem jurídica vigente no Brasil.


O interesse da parte fica suspenso na discussão dos recursos extraordinários e prevalecerá manifestadamente o interesse da ordem pública, conforme o exercício das funções dos Tribunais de Cúpula.


O que deve impulsionar o exercício de tais recursos é a existência deuma questão constitucional ou federal a ser suscitada, preenchendo evidentemente, os pressupostos processuais na sua interposição e realizando o reexame estrito da matéria de direito.


2. Do Recurso Extraordinário


O Supremo Tribunal Federal é um órgão de cúpula do Poder Judiciário que prima pelo controle da constitucionalidade, resguardando as normas constitucionais e seus princípios basilares, ou seja, o guardião maior da Constituição Federal.


O recurso extraordinário é remédio processual de competência exclusiva da instância máxima do judiciário e foi exatamente este instrumento que a Carta Magna previu para viabilizar a sua preservação.


Inicialmente, o recurso extraordinário destinava-se tanto a solução das questões federais, quanto às questões constitucionais. Entretanto, em razão dessa abertura verificou-se o acúmulo de recursos interpostos e a atividade do STF se tornou morosa. A esta morosidade denominaram de “crise do Supremo”, onde se percebeu a necessidade gritante de estabelecer critérios ao recebimento do recurso extraordinário, porque o STF não mais atingia seu fim: uniformizar o direito federal.


Criou-se então, uma técnica de triagem dos recursos, que por uma evolução chegou a sua peculiaridade atual: o “sistema bipartido de admissibilidade do recurso extraordinário”, como adiante veremos seus pormenores. Ademais, no decurso do tempo entendeu-se que não bastava apenas uma triagem e sim um fracionamento das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, ou seja, a repartição de competências do STF.


Através da Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário sofreu substanciais mudanças, e ainda, criou-se o STJ que substituindo o extinto Tribunal Federal de Recursos fora destinado a precipuamente zelar pelas normas infraconstitucionais, no intuito de desafogar o STF que estava assoberbado de serviço.


3. Do Recurso Especial


O STJ passou a ser órgão de cúpula da Justiça Comum, tanto Estadual quanto Federal, ao lado das Justiças Especializadas.


A distribuição das funções do STF com o STJ, ao menos em princípio possibilitou a aplicação e a interpretação da Constituição Federal e manter a inteireza do direito infraconstitucional.


O recurso especial é recurso extraordinário lato sensu, pois também, como o recurso extraordinário em espécie, é remédio processual excepcional e com finalidade diferencial dos demais recursos, ou seja, a preservação da ordem pública, e neste, fracionadamente, das normas infraconstitucionais. E somente o acórdão dos TRF´s e dos Tribunais Estaduais ou do Distrito Federal ensejam o manejo do Recurso Especial.


O alcance de cognição dos recursos especial e extraordinário é muito limitado e por este motivo só admite-se a discussão de questão jurídica, eis a excepcionalidade destes recursos. A excepcionalidade está consubstanciada no fato de que se predomina o interesse da nacionalidade, e, por conseguinte busca-se a inteireza da legalidade.


4. Hipóteses de cabimento do RE e RESP


As hipóteses de cabimento dos recursos especial e extraordinário são previstas taxativamente em dispositivo constitucional e nos remetem exatamente aos vícios que devem estar presentes na decisão recorrida.


Em um primeiro momento, no juízo de admissibilidade, deve-se perceber a inexistência ou não de alegação de um desses vícios, e está evidente que não admitirá o amplo conhecimento da questão, pois não se pretende, no juízo a quo, a análise do mérito, mas a presença irrefutável da hipótese de cabimento.


A simples constatação de mera ocorrência já é suficiente para a admissão do recurso.


4.1. Hipóteses de Cabimento do Recurso Especial


– Contrariar ou negar vigência à tratado ou lei federal.


A CF traz duas situações “contrariar” ou “negar vigência”. Bem, a doutrina atualmente tem que “contrariar” é muito mais amplo do que “negar vigência”. Assim, podemos afirmar que “negar vigência” é espécie de “contrariedade”, porque quem nega vigência está contrariando o próprio sentido da lei.


“Negar vigência”, pois, é declarar revogada ou deixar de aplicar uma norma jurídica, aqui limitada à lei federal -, enquanto que “contrariar” significa que houve ofensa à letra da lei, ou seja, ao espírito da norma.


Quando se refere à “tratado” a CF é redundante, haja vista que, para os tratados e convenções internacionais serem dotados de validade no Brasil, existe a necessidade de referendo do Congresso Nacional, e por sua conseqüência, incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força imperativa de lei federal.


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A “questão federal” estará consubstanciada no fato de um acórdão regional ou estadual, ter negado vigência ou contrariado lei federal. Insta dizer que, a afronta à lei deve ser expressa e direta, caso contrário, no próprio juízo de admissibilidade o recurso será barrado por ausência de pressuposto essencial.


E ainda, lei federal é aquela que possuir origem federal e natureza de direito federal, afastando leis que, embora tenham origem federal tratam exclusivamente de matéria de direito local.


Com efeito, o STJ no exercício de sua função precípua de salvaguardar o direito federal, instrumentalizado com o recurso especial, não pode contentar-se com interposições locais, e sim no mister de suas atribuições, deve aplicar a correta e única interpretação possível.


– Julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal


A Emenda Constitucional 45 trouxe à lume o início da reforma do Judiciário e com ela houve desmembramento da hipótese prevista no artigo 105 III, b: “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal”.


Com a modificação (conforme Emenda Constitucional nº 45, em anexo) o STJ é competente para julgar recurso especial apenas em relação ao julgamento da validade do ato de governo local, enquanto que o STF ficou incumbido de apreciar a validade de lei local, vale destacar que ambos estarão vinculados à contestação em face de lei federal.


Entende-se que estas mudanças se motivaram pelo teor político das decisões do STF que estaria mais apto a julgar recurso extraordinário em questões de hierarquia das normas.


Ademais, esta hipótese enseja em discussão de inconstitucionalidade das leis federais e locais, e essa sem dúvida é atribuição do STF, na divisão das competências legislativas prevista na Constituição Federal.


No juízo de admissibilidade é bastante que uma decisão do tribunal a quo ao dar validade a ato de governo local, tenha sido contestada diante de uma lei federal, e só assim, então, o STJ atuará apreciando sobre o acerto ou não da dita aplicação, reparando a possível violação à lei federal.


É irrelevante se houve equívoco ao suscitar a alínea “a” ou “b”, pois, de toda maneira haverá ofensa á lei federal, e será, portanto, viável a interposição do recurso, tanto sob fundamento a uma, quanto à outra.


“Ato de governo local” é aquele praticado por agentes públicos dotados de certa parcela de poder, independentemente se Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, com ressalva às decisões puras proferidas nos autos dos processos.


– Divergência de interpretação de direito federal.


O STJ com o fito de obter a certeza e a segurança jurídica, realiza a uniformização do entendimento dos tribunais inferiores.


Na hipótese de divergência de interpretação de direito federal, não basta a afirmação da existência de outra (s) interpretação (ões), mas a sua consolidação em demonstração cabal, tal seja, a apresentação da decisão paradigma. Vale dizer que, a decisão divergente, ou melhor, paradigma, não pode ser do mesmo tribunal cujo acórdão está sendo recorrido.


A alínea “c” do artigo 105 III da CF ensejará também, a possibilidade de interposição de Recurso Especial fundamentada na alínea “a”, pois, de toda sorte haverá a violação à lei federal.


4.2. Hipóteses de Cabimento do Recurso Extraordinário


– Contrariar a Constituição Federal


O ataque a dispositivo da CF deve ser direto e frontal, e não reflexo. Porém, no juízo de admissibilidade, não se exige a prova real da contradição, bastando tão somente, a simples alegação.


Caso exista afronta à questão federal e a questão constitucional, diretamente, a solução é a interposição simultânea do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, conforme o crivo do recorrente e respeitando as formalidades impostas pela lei.


– Declarar inconstitucional tratado ou lei federal


O recurso extraordinário constitui num verdadeiro instrumento de controle da constitucionalidade das leis.


Inicialmente, no juízo de admissibilidade, bastará que a decisão a quo tenha declarado inconstitucional tratado ou lei federal, para que seja admitido o recurso extraordinário.


Já no STF, será examinado minuciosamente o mérito, a fim de declarar se há inconstitucionalidade ou não.


Lembramos, contudo, que o tratado mencionado neste dispositivo, é aquele que já incorporou no ordenamento jurídico conforme já exposto na discussão das hipóteses de cabimento do recurso especial.


Trata-se, portanto, de declaração de inconstitucionalidade através do controle difuso pela via de exceção, tendo em vista que, nesta hipótese a alegação de provável inconstitucionalidade é questão prejudicial e gera uma discussão à parte na busca de uma mera análise do caso em concreto. Assim, os efeitos dessa declaração só será entre as partes.


Por sua vez, há de se esclarecer que no controle de constitucionalidade por meio concentrado leva-se em conta tão apenas a análise da norma em abstrato, tendo por objeto a própria questão da inconstitucionalidade e gerando efeitos erga omnes.


Ressalta-se nesta oportunidade, que originariamente somente o STF possui competência para julgar diretamente se determinada lei é inconstitucional, eis o denominado controle de constitucionalidade concentrado, onde a apreciação da norma é pura, em abstrato, não levando em conta o caso em questão.


Isto posto, deve-se saber que o STF não está vinculado às decisões de outros órgãos, deste modo, caso queira manter a decisão pela inconstitucionalidade da lei, pode em razão de ser órgão de cúpula com poderes políticos, mantê-la fundamentada em outra motivação.


– Julgar válida lei local ou ato de governo local em face da Constituição Federal


A CF/88 representa a ordem máxima da Federação brasileira, e de acordo com a pirâmide de Hans Kelsen está na base. Em função disso, a demais normas estarão subordinadas à Carta Magna.


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Quando prevê esta hipótese a CF demonstra o vigor da distribuição da competência legislativa. Assim, quando uma lei local ou um ato de governo local ofender a CF estará dando oportunidade para a interposição de recurso extraordinário, e zelando pela ordem constitucional.


Salientamos ainda, que deve vulnerar diretamente qualquer preceito da CF, não admitindo a via reflexa (indireta).


Neste diapasão, há de entender que quando existe ofensa aos princípios constitucionais, embora estes tenham grande valor para a ordem jurídica, não se configura a ofensa à Constituição Federal exigida na mesma, pois nesta situação estaremos diante de mera ofensa de ordem reflexa à Carta Magna.


A discussão da validade de uma norma ou ato de governo contraposta a CF, dá ensejo à uma questão de natureza constitucional, pois o tema central será: a invasão de competência da União, ou a do Estado, ou Município.


–  Julgar válida lei local em face da lei federal


A Emenda 45/04 se encarregou de dar ao STF a oportunidade de julgar tal hipótese, sob o remédio do recurso extraordinário.


A Lei é ato normativo que essencialmente deve ser editada por autoridade competente. E a Constituição Federal estabelece a competência legislativa: privativa, concorrente ou residual da União, Estados e Municípios.


O STF com o escopo de zelar pela manutenção da CF realiza o controle de constitucionalidade das leis e baseado na mesma, norteia-se nas regras que fixam a hierarquia das normas.


Nesta hipótese, há um evidente conflito de constitucionalidade e com isso, há discussão de “questão constitucional”.


5. Juízo de admissibilidade (juízo de admissibilidade e juízo de mérito)


Sabe-se que para o ajuizamento de uma demanda, faz-se necessária a presença de certos requisitos, quais sejam as condições da ação, cuja ausência impede o conhecimento do mérito. O mesmo ocorre com os recursos, que devem observar alguns requisitos sem os quais não serão apreciados.


Acompanhando os ensinamentos do Professor Paulo César Conrado (2000, p.165): “É que o direito de ação, irrestringível que é, não se subordina a requisitos, pressupostos ou condicionantes, senão a alguns limites – necessários até mesmo a preservação de sua juridicidade – aos quais correspondem justamente as ditas condições da ação.”


Se entendermos que o juízo de admissibilidade equipara-se as condições da ação, quanto a sua função, teremos que também será um limitador, e neste caso, um limitador que estaria afastando as procrastinações e preservando a força coercitiva das decisões de primeiro grau.


Pode-se conceituar o juízo de admissibilidade dos recursos como sendo atividade realizada pelo juiz ou pelo Tribunal, onde se verificará a presença, ou não, dos requisitos considerados como indispensáveis à sua análise. Deste modo, uma vez verificada a presença de tais requisitos passará o órgão ad quem à análise do mérito, no qual a pretensão recursal será apreciada. Ou seja, deve-se examinar, aprioristicamente, se o recurso é admissível, e uma vez decidida a admissibilidade, passa ao exame do mérito, pois aquele se antepõe a este, de modo que, em sendo verificada a sua inadmissibilidade por ausência de algum de seus requisitos, o mérito do recurso interposto não será apreciado, ou seja, inexistente será o juízo de mérito, conseqüentemente, não se conhecerá do recurso.


Este juízo de admissibilidade há de ser efetivado ex officio, pois será necessário independentemente de atuação da parte recorrida, ou sendo o caso, do Ministério Público.


5.1. Características do juízo de admissibilidade


Adota-se no Brasil o sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido onde o juízo a quo recebe o recurso e lhe dá ou não seguimento verificando a existência dos pressupostos genéricos e específicos que lhes são essenciais. Após, sujeita-se ao subseqüente exame do órgão ad quem que detêm a competência para realizar pela segunda vez o juízo de admissibilidade verificando se algum pormenor não fora detectado no juízo inferior, e então caso estejam presentes todos os requisitos será apreciado o mérito do recurso especial ou do extraordinário.


Sob esse aspecto Nelson Nery Junior (2000, p. 225):


“A competência para o juízo de admissibilidade dos recursos é do órgão ad quem. Ao tribunal destinatário cabe, portanto, o exame definitivo sobre a admissibilidade do recurso. Ocorre que, para facilitar os trâmites procedimentais, em atendimento ao princípio da economia processual, o juízo de admissibilidade é normalmente diferido ao juízo a quo para, num primeiro momento, decidir provisoriamente sobre a admissibilidade do recurso. De qualquer sorte, essa decisão do juízo a quo poderá ser modificada pelo tribunal, a quem compete, definitivamente, proferir o juízo de admissibilidade recursal, não se lhe podendo retirar essa competência.”


É certo que se constatar a ausência de qualquer um dos pressupostos exigidos antes mesmo, no juízo a quo, não haverá admissão do recurso, e impedido estará o encaminhamento ao juízo ad quem. Entretanto, terá o recorrente sucumbente a faculdade de interpor Agravo de Instrumento – instrumento processual hábil a destrancar recursos. Evidente, ainda, que este Agravo deverá conter elementos suficientes a convencer o juízo no seu julgamento.


De outro modo, admitido o recurso pelo órgão a quo, este oferecerá oportunidade à parte contrária de levantar sua defesa, em seguida, a questão será encaminhada ao tribunal superior e se submeterá a novo juízo de admissibilidade, que se for positivo será processado o seu andamento e o exame do mérito.


Quanto ao juízo de admissibilidade Bernardo Pimentel Souza (2000, p. 43) leciona:


“O juízo de admissibilidade negativo é sempre explícito, e deve ser fundamentado, a fim de que o recorrente saiba os motivos pelos quais o seu recurso não teve seguimento, para que possa, se desejar, interpor outro recurso pleiteando a reapreciação do primeiro.


Ao revés, o juízo de admissibilidade positivo geralmente é implícito. Se o órgão julgador passou a examinar o mérito recursal, significa que os requisitos de admissibilidade foram satisfeitos.”


6. Requisitos de admissibilidade


Da proposição da exordial é mister que existam pressupostos que lhe confiram existência e validade. Partindo deste princípio, em sede de recursos excepcionais, para que o juízo de admissibilidade seja positivo é necessário que o recurso esteja revestido de requisitos genéricos – que se subdividem em intrínsecos e extrínsecos -, além de requisitos específicos, que como bem apontamos em outra oportunidade, são aqueles impostos pela Constituição Federal.


6.1. Requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário


São requisitos genéricos de admissibilidade de acordo com o que preconiza o Código de Processo Civil: cabimento (as hipóteses de cabimento dos recursos excepcionais são taxativas); legitimação para recorrer (se confunde com o interesse em recorrer, atrelando-se ao fato de que o indivíduo para recorrer deve ter sofrido prejuízo, seja parcial ou total diante da decisão proferida); tempestividade (a lei estabelece os prazos processuais sob pena de preclusão); interesse em recorrer (intimamente ligado à sucumbência, o interessado em recorrer é aquele que foi desfavorecido na sua pretensão ao juízo, ou de outrem, no caso de ser um terceiro); preparo (pagamento das custas processuais, desde que anteriormente a interposição do recurso, pois há de se fazer prova dele anexando a guia com o valor devidamente recolhido); regularidade formal (existem formalidades legais que devem ser observados no intuito de preservar o devido processo legal); inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer (se a decisão mesmo que desfavorável, surtir desde já efeitos em conseqüência de um agir daprópria parte que pretende impugná-la, haverá então, um impedimento ao poder de recorrer). Todos estes dividem-se em intrínsecos e extrínsecos.


Pois bem, tem-se como intrínseco aquilo que lhe é próprio, íntimo. Inseparável ao âmago da existência de uma coisa ou pessoa. De tal modo, os requisitos intrínsecos são aqueles indicativos ao direito de recorrer em si, quando irresignada com a decisão se encontra a parte.


Logicamente é atribuição do órgão competente examinar a forma e o conteúdo do objeto recursal, ou seja, a decisão recorrida. São requisitos intrínsecos: cabimento, legitimação para recorrer e o interesse em recorrer, pois lidam com a intenção do recorrente quando da interposição do recurso.


Destarte, extrínseco é o que não pertence à essência de uma pessoa ou de algo, subsistindo de forma independente ao principal. São fatores externos e alheios à decisão recorrida, pois se referem exatamente ao exercício desse direito de recorrer. E neste passo a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo compõem os requisitos extrínsecos, pois validam a realização e o exercício do direito de recorrer.


A respeito disso, Nelson Nery Junior (2000, p. 241) faz um significante comparativo sustentando:


“Justamente porque o recurso é manifestação, no curso do procedimento, do direito de ação, repete-se aqui, analogicamente, a exigência das “condições da ação”: à possibilidade jurídica do pedido corresponde o cabimento; à legitimação para a causa a legitimidade para recorrer; e o interesse processual corresponde o interesse em recorrer.


[…]


No procedimento de primeiro grau, o juiz teve de observar as condições da ação e os pressupostos processuais, pois do contrário não poderia proferir julgamento sobre a lide posta em juízo. Pois bem. Relativamente ao recurso ocorre o mesmo, de ordinário. Devem estar presentes aquelas mesmas condições da ação e os pressupostos processuais para que o tribunal superior possa julgá-lo.


No procedimento de primeiro grau, o juiz teve de observar as condições da ação e os pressupostos processuais, pois do contrário não poderia proferir julgamento sobre a lide posta em juízo. Pois bem. Relativamente ao recurso ocorre o mesmo, de ordinário. Devem estar presentes aquelas mesmas condições da ação e os pressupostos processuais para que o tribunal superior possa julgá-lo.”


6.2. Requisitos específicos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial


Tendo em vista o caráter excepcional dos recursos extraordinário e especial, pode-se constatar claramente, a presença dos pressupostos genéricos como espécie que são do gênero “recursos”, e além desses os pressupostos específicos de base constitucional. (CF, arts. 102, III, e 105, III).


Fato é que o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais não é asseverado simplesmente pela indispensabilidade dos requisitos ou pressupostos gerais, há que se lhes acrescentar um adicional, que consiste nas exigências constitucionais específicas para sua admissibilidade. Sob esse enfoque MANCUSO (2000, p. 145) realça:


“Todavia, em se tratando de recursos de índole excepcional, tais extraordinário e o especial, o implemento dos pressupostos genéricos não basta, havendo mister do preenchimento dos “requisitos específicos de admissibilidade”. Tais requisitos específicos, no caso, devem ser buscados na CF, porque se trata de requisitos de natureza constitucional, pelos objetivos a que visam: restabelecer a inteireza positiva do direito constitucional ou federal, fixar-lhes a interpretação ou preserva-lhes a autoridade. Naturalmente, é diversa, na doutrina, a maneira como são vistos esses requisitos específicos.”


Como visto, tais recursos, como se encontram colocados na atual Constituição, provieram de uma origem comum: o recurso extraordinário. O qual se bipartiu em recurso especial e recurso extraordinário strito sensu, passando a existir conseqüentemente, em razão de sua origem, inúmeras semelhanças.


É destas características comuns, ínsita ao caráter extraordinário e da análise das hipóteses de cabimento que se pode afirmar: não cabem de qualquer decisão e da decisão cabível não podem ser voltados a qualquer matéria.


Partindo-se de tal premissa percebe-se a existência de pressupostos comuns aplicáveis aos dois recursos, quais sejam: que a decisão recorrida seja decisão judicial de única ou última instância, e que em tal decisão exista uma questão constitucional ou uma questão federal, quer se trate de recurso extraordinário ou recurso especial, respectivamente. Nesse sentido, segue o ensinamento de MEDINA (2000, p.110):


“Esses pressupostos, específicos em relação aos recursos extraordinário e especial, são enquadráveis nos requisitos de admissibilidade dos recursos, que são os mesmos, tanto para os recursos ordinários quanto para os recursos extraordinários, ou excepcionais. V.g., falta interesse em recorrer, no que respeita ao recurso especial e ao recurso extraordinário, dentre outras razões, quando a decisão não de única ou última instância; de igual modo só será cabível o recurso especial e o recurso extraordinário quando houver questão federal ou questão constitucional, respectivamente.”


Nesse contexto, extrai-se que tais recursos ditos excepcionais encontram seus pressupostos e fundamentos insculpidos na Constituição Federal ao oposto do que ocorre com os demais recursos ordinários, os quais tem seus requisitos previstos em leis ordinárias. Passemos então à análise dos referidos pressupostos, além de destacarmos a “argüição de relevância” inserida no rol de requisitos a admissibilidade do recurso extraordinário pela Emenda Constitucional nº 45/04.


7. Causas decididas


Preceitua a Constituição, nos seus artigos 102, III e 105, III, que tanto em sede de recurso extraordinário, como de especial, que a “decisão recorrida” deva qualificar-se como causa decidida em única ou última instância. (CF, art. 102, III; art. 105, III).


Existe uma diferenciação com relação ao termo “causa decidida’ no que se refere ao âmbito de cabimento de tais recursos pois, a constituição atrelou a terminação “Tribunal” ao termo.


Como asseverado por MANCUSO (2000, p. 98)


“O constituinte falou em “causas decididas”, tout court, quando tratou do recurso extraordinário, ao passo em que, ao versar sobre o recurso especial, atrelou aquela expressão ao termo “Tribunal”, tudo indicando que quis estabelecer aí uma diferenciação (descartada, naturalmente, a hipótese de um cochilo terminológico). E a intenção, a nosso ver, foi justamente a de estabelecer um certo contrapeso: o recurso extraordinário perdeu, para o recurso especial, a seara do controle da inteireza positiva do direito federal; em compensação, ganhou a possibilidade de ser oponível – em princípio – contra decisões de 1º grau, quando prolatada em causa de instância única. E com isso se contornou o inconveniente de que, eventualmente, uma afronta à constituição ficasse sem revisão do STF, como ocorreria se o recurso extraordinário só coubesse de acórdão. Agora, pois, legem habemus, e o legislador constituinte optou por tratar diferente os recursos extraordinário e especial, no que concerne ao órgão prolator do julgado recorrido: para o recurso extraordinário fala em “causas decididas, em única ou última instância (…)” (art.102, III); para o especial fala em “causa decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (…)” – art. 105, III. Ora, “decisão” é termo largo, abrangendo os vários provimentos jurisdicionais, de 1º e 2º graus, exceto, naturalmente, os despachos de expediente, estes por sinal irrecorríveis (CPC, art. 504); ao passo que “decisão de Tribunal” é sinal de acórdão. Para ficarmos na terminologia do Código, temos que o gênero “atos do juiz”, abrange as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos (art. 162). Excluindo-se estes últimos (atos de mero impulso oficial), temos que apenas as interlocutórias e as sentenças são “decisões”, embora aquelas digam respeito à resolução de “questão incidente” (art.162, §2º) e estas extingam o processo, resolvendo ou não o mérito da causa (CPC, arts.267 e 269).”


Entende-se ainda, que nesse sentido o termo “causas decididas” se equipara ao “prequestionamento”.


Bem, se compreendermos que causa decidida é aquela que será guerreada, ou seja, que já fora proferida abordando determinada matéria e que eventualmente será recorrida teremos, dedutivelmente, a semelhança ao prequestionamento, pois este é umbilicalmente ligado a existência de uma causa decidida.


Entende-se como decisão de “única” instância como a proferida por tribunal quando este atua na sua competência originária. Por outro lado, a decisão de “última” instância é aquela proferida pelo tribunal de segunda instância em sede de competência recursal.


Conforme a Súmula 281 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”, com isso, claramente se observa a real necessidade de esgotamento das vias recursais ordinárias.


Assim, tem-se como “decisão de única ou última instância” dos recursos extraordinário e especial como aquela da qual não mais caibam recursos ordinários. E analisando os dispositivos constitucionais, percebe-se que para serem admissíveis em via excepcional deve o recorrente valer-se de todos os meios de impugnação existentes nas vias inferiores.


Desse modo, apreende-se que antes da utilização dos recursos extraordinários lato sensu, deverá o recorrente ter utilizado, ou seja, não ter suprimido nenhum meio recursal existente nos órgãos ordinários, pois somente assim a decisão recorrível será de última ou única instância.


Nesses termos, Nelson Nery Junior afirma (2000, p. 251):


“[…] Cabendo, ainda, recurso antes dos RE e/ou REsp, devem ser interpostos para que se esgote a recorribilidade nas instâncias ordinárias. Não se admite a interposição dos recursos excepcionais (RE e REsp) per saltum, isto é, suprimindo-se um recurso ainda cabível na instância ordinária. Assim, do acórdão não unânime proferido no julgamento da apelação não se pode interpor RE nem REsp, pois ainda será impugnável por embargos nfringentes (art. 530, CPC).”


E também, nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso (2000, p. 77):


“O extraordinário e o especial pressupõem um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única, originária. Isso coloca o problema de só serem exercitáveis contra “causas decididas” ou “decisões finais”, ambas expressões significando que não podem ser exercitados per saltum, deixando ‘in albis’ alguma possibilidade de impugnação (ex.: não interposição de embargos infringentes contra a parte não unânime do julgado recorrido).


[…]Quer dizer: o exercício dos recursos excepcionais pressupõe a preclusão consumativa quanto aos recursos cabíveis nas instâncias inferiores; tendo em vista o princípio da unicorribilidade, cremos que a prática do recurso cabível, na instância ordinária, preclui, consumativamente, esse momento processual, restando então o campo propício para a interposição do recurso extraordinário, do especial, ou de ambos, em sendo o caso.”


As possibilidades recursais devem ser exauridas, pois o caráter excepcional atribuído aos recursos extraordinários lato sensu remete a certeza de que somente de modo urgente e extravagante que a parte interessada poderá interpor qualquer desses recursos.


8. Argüição de relevância


A Emenda 45, de 8 de dezembro de 2004, inseriu a “argüição de relevância” como pressuposto indispensável a interposição do recurso extraordinário, acrescentando o seguinte parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição de 1988:


§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.


Eis uma importante inovação constitucional que tem despertado pouca atenção, ainda, aos olhos dos juristas. No entanto, nesta reforma, depois da súmula vinculante é a maior novidade referente ao controle da constitucionalidade.


Tal instituto não é novo no Direito Brasileiro, pois, já na Reforma do Poder Judiciário de 1977, trazida à tona por meio da Emenda Constitucional 7, de 13 de abril de 1977, a “argüição de relevância” foi introduzida na Constituição de 1967.


A relevância atrelada aos “reflexos na ordem jurídica” da questão federal em julgamento (Emenda 7 à Constituição de 1967) parece corresponder ao dever do recorrente de “demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (Emenda 45 à Constituição de 1988).


É uma norma coerente com a função do Supremo Tribunal Federal que zela pelas normas constitucionais. Então, sendo sua função precípua a manutenção da Carta Magna é apropriado permitir-lhe decidir as causas que vai julgar.


Neste caso esta se permitindo que o STF decida de forma política as causas que vai ou não julgar, pois é natural que as decisões do STF tenham também caráter político, uma vez que a Constituição Federal prima pela organização, estruturação, direitos e garantias oferecidas no Estado de Direito Democrático como se fundamenta o Brasil.


Tal instituto, consoante este ponto de vista, pretende ser um filtro nas causas julgadas pelo STF. Portanto, conclui-se, ao menos a princípio, que se trata de inovação que traz bons frutos ao desempenho da função da Suprema Corte.


9. Conclusão


Considerando-se que o recurso extraordinário emergiu dos fundamentos do writ of error da Lei norte-americana, é evidente que este tem o escopo de proteger a preeminência da Constituição e inicialmente, antes da inserção do recurso especial, também das leis infraconstitucionais.


Em socorro ao grande acúmulo de processos no Supremo Tribunal Federal, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, prioritariamente guardião das leis federais através do recurso especial.


Assim, os recursos extraordinário e especial foram merecedores de destaque sendo caracterizados com a natureza de excepcionalidade, pois individualizados pela Constituição Federal quanto às hipóteses de cabimento e suas limitações.


Destarte, sob a argumentação dessa natureza excepcional, não se admite a apreciação de matéria fática, uma vez que na instância superior o que interessa é a solução do interesse público, e não a do particular strictu sensu.


Neste ritmo, os recursos no ordenamento jurídico brasileiro sofrem uma aferição de admissibilidade bipartida onde existe uma verdadeira seleção dos instrumentos recursais, na intenção de excluir possíveis protelações de carga meramente imprudente.


O juízo de admissibilidade, então, é um modo pelo qual o juízo ex officio protege o abuso do acesso protelatório a instância superior.


Considera-se que o juízo de admissibilidade é tão apenas um método de filtrar e eleger os recursos excepcionais que realmente estão calcados nos dispositivos constitucionais. Notadamente o juízo de mérito não se confunde com o juízo de admissibilidade, pois no primeiro o que ocorre é o exaurimento cognitivo da questão exposta.


Neste juízo de admissibilidade verifica-se a existência de determinados elementos genéricos – equiparados às condições da ação – e específicos, estes por sua vez elencados restritivamente na Carta Magna.


Ainda, os recursos excepcionais só serão admissíveis quando não restar qualquer outro meio de impugnação.


No tocante a hipótese da alteração inserida pela Emenda 45 de 2004, esta nos trouxe o desmembramento de uma das hipóteses de cabimento do recurso especial, transportando para o Supremo Tribunal Federal o desempenho do papel de órgão de decisão política, no âmbito da supremacia da Constituição Federal.


 


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Informações Sobre o Autor

Vanessa Roda Pavani

Advogada


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